Penafiel > Galegos > Novembro de 2006 > A urna, coberta com a bandeira nacional, contendo os restos mortais de Joaquim Pereira da Silva, um dos três majores que morreram em 20 de Abril de 1970, na sequência da Operação Chão Manjaco.
Penafiel > Galegos > Igreja paroquial da freguesia de Galegos, donde era natural o tenente-coronel Joaquim Pereira da Silva. Outro filho ilustre da terra é o Padre Américo (Américo Monteiro de Aguiar (Galegos, Penafiel,23.10.1887-Porto,16.7.1956), que fundou em 1940 a Casa do Gaiato.
Penafiel > Galegos > Vista área do cemitério local onde repousam os restos mortais do nosso camarada Joaquim Pereira da Silva. (Imagem de satélite obtida através do Google Earth)
Fotos: © Afonso M. F. Sousa (2007). Direitos reservados.
Dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (1)
Em, Novembro de 2006, o nosso camarada Afonso M.F. Sousa foi pessoalmente à freguesia de Galegos, concelho de Penafiel, distrito do Porto, para prestar a sua homenagem a Joaquim Pereira da Silva, cujos restos mortais repousam no cemitério local. Na ocasião conheceu três membros da família, um irmão e dois sobrinhos. Foi a um destes familiares que o Afonso enviou a seguinte mensagem, a 16 de Novembro de 2006, e que achamos que deve fazer parte do dossiê O Massacre do Chão Manjaco. Na última parte o Afonso, confrontado com a versão da família sobre os trágicos acontecimentos ocorridos no já longínquo 20 de Abril de 1970, levanta algumas questões para esclarecimento.
Este é o post 1500: fizemos questão de o reservar ao Afonso M.F. Sousa e à 5ª parte do seu dossiê sobre a Operação Chão Manjaco, rendendo também com ele as nossas sentidas homenagens a três militares portugueses que, além de brilhantes oficiais, eram reconhecidos pelas suas qualidades humanas, também aqui evocadas pelo nosso camarada João Tunes que os conheceu pessoalmente, no chão manjaco. Infelizmente não temos (nem eu nem o Afonso) nenhuma fotografia de qualquer um deles: Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório. Esta homenagem é também extensiva às outras vítimas, incluindo o Alferes Mil Joaquim Palmeiro Mosca e os guarda-costas, africanos, dos oficiais portugueses.
Assunto - Tenente-Coronel Joaquim Pereira da Silva - Cemitério de Galegos (Penafiel)
Caro Senhor F. Guilherme:
Antes de mais os meus respeitosos cumprimentos.
Quero, desde já, agradecer-lhe, bem como a seu pai e irmão, pela simpatia com que me atenderam no passado domingo, quando, de certa forma, anonimamente, me desloquei até ao cemitério paroquial de Galegos para um singelo preito a um bravo ex-militar que honrou de forma tão relevante a sua pátria e a sua família.
Eu acho que tinha esta obrigação, não só por isso mas também por uma espécie de dívida de memória.
No longínquo 6 de Maio de 1970, quando em Bissau, embarcávamos no Carvalho de Araújo rumo a Lisboa, depois do cumprimento da missão na Guiné, fomos colhidos de alguma surpresa quando, de cima, olhando para o porão vimos (paralelamente) 4 urnas. Alguém nos confidenciou em tom leve:
- São três majores e um alferes.
A vivência da guerra ensinou-nos, para estes casos, o respeito pela contenção, pelo silêncio. Nunca soube quem eram nem em que circunstâncias teria ocorrido esta fatalidade.
Graças este extraordinário repositório de testemunhos de guerra que é o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné foi possível clarificar esta interrogação que transportei comigo. Chegámos a Lisboa a 13 de Maio de 1970, nós e também aqueles que tão generosamente deram a sua vida por algo a que se comprometeram pelo juramento.
O seu tio (e padrinho) foi um exemplo de militar, segundo os vários escritos e testemunhos. Como o seu pai (irmão do Major Pereira da Silva) me transmitiu, esta era a 3ª e sua última comissão de serviço no ultramar (uma em Angola e duas na Guiné). Estava, inclusivamente, já combinado com ele que a sua (vossa) casa iria ser inaugurada quando ele chegasse. Esse acto não se consumou e foi, pura e simplesmente, suprimido para sempre.
Relativamente ao Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné, ele é já um dos trabalhos online mais exaustivos sobre a história da guerra colonial na Guiné (1963-1974), através de testemunhos e documentos apresentados por ex-combatentes (até mesmo de alguns que militavam no campo contrário) que se constituiram em Tertúlia da Memória da Guiné.
Em anexo envio-lhe uma listagem dos muitos documentos que têm vindo a ser editados no blogue, e que continuam a crescer todas as semanas. Ao atingir-se a capacidade do primeiro Blogue, foi necessário passar-se a um segundo, a partir de 2 de Junho de 2006.
Na listagem apresentada, existe uma data à direita, a qual serve de referência para encontrar o documento - identifica a data em que este foi colocado no blogue.
Chamava-lhe à atenção para os posts referidos na folha 2, do documento Guiné - Blog.xls, que intitulei de Área Chão Manjaco e que reportam os documentos inerentes à área de actuação do Major Joaquim Pereira da Silva, como o post CCCXIII, de 25 de Novembro 2005, da autoria de João Varanda, que faz uma abordagem ao triste acontecimento de 20 de Abril 1970, na picada Pelundo – Jolmete (2).
E não resisto também a transcrever-lhe outro texto magnífico, do então alferes João Tunes, em comissão no Pelundo e que teve o privilégio de conhecer e até conviver com os três desafortunados majores (3) :
(...) Meto-me no jipe e faço-me à estrada que liga Pelundo a Teixeira Pinto (hoje Canchungo).
...dá para encher os olhos com o verde vivo do arvoredo cerrado e as milhentas espécies de aves de muitas cores...
...a zona é segura mas aqueles sítios são magníficos para uma emboscada. Olá se são.
...Os oficiais convidam-me para almoçar, o que já contava. Aceito com gosto. Malta porreira e com pessoas que é um encanto conversar. Para mais, em Teixeira Pinto, a comida era óptima para os padrões da colónia. Spínola tinha levado, para Teixeira Pinto, a sua elite de oficiais, na aposta de transformar o 'chão manjaco' num caso de sucesso de adesão das populações à sua política e de contenção da guerrilha.
O comando era ocupado pelo Coronel Paraquedista Alcino, um bonacheirão e homem que muito sabia de guerra. Abaixo dele, havia o Major Passos Ramos, responsável pelas operações, o Major Pereira da Silva, responsável pelas informações militares e o Major Osório, condecorado com Torre e Espada e várias Cruzes de Guerra, que era o homem dos combates.
Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Outubro de 1969 > O Alf Mil de Transmissões João Tunes (CCS/ BCAÇ 2884, Pelundo, 1969/7o). Nop Pelundo e em Teixeira Pinto, o João conheceu e fez amizade com os três majores. Em Abril de 1970, já tinha sido transferido para Catió, por motivos disciplinares, quando soube do seu brutal assassinato.
Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.
Na parte guerreira, vários oficiais fuzas, todos eles recheados de condecorações por bravura em combate. A seguir ao almoço, havia sempre um convívio relax no bar de oficiais, onde dava para se descontraírem as conversas, pondo-se a escrita em dia enquanto se bebiam uns (infindáveis) digestivos.
Não me diziam grande coisa os oficiais de combate. Com eles, as histórias andavam por repetição de feitos em golpes de mão ocorridos algures. Ainda por cima, agora tinham pouco para contar, porque a zona estava tranquila e as operações especiais eram só de quando em vez para os casos de haver informações de movimentos entre bases da guerrilha ou de infiltração desta nalguma aldeia. Até se mostravam um pouco nervosos com a inércia a que estavam amarrados.
Um dos dois tenentes fuzileiros (ia na terceira comissão na Guiné, sempre como voluntário) dizia até que, se aquilo continuasse assim, não queria mais Guiné e ia mas era oferecer-se como voluntário para o Vietname. Ele gostava e queria guerra. Ambos os tenentes fuzileiros (Brito e Benjamim) haveriam de fazer, mais tarde, outras guerras em serviço spinolista como a célebre sublevação de 11 de Março de 1975 e, depois, entrariam nas operações do MDLP sob a direcção de Alpoim Galvão.
Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado.
O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.
O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona.
Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no “chão manjaco”.
Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas. Apenas com mais suor que aquele que tinha levado na ida. Mas sem rolas, porque faltara pachorra para caçadas. Passado pouco tempo, desterraram-me para o Sul da Guiné, onde a guerra era bem mais quente. Efeito subsidiário da pena de prisão de três dias que apanhara por me ter recusado a cumprir a ordem de um Tenente-Coronel para bater num Cabo.
Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).
O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.
Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo. Toda a guerrilha do PAIGC, no 'chão manjaco' e noutras zonas do norte, 'nha decidido'render-se e passar para o lado do exército colonial. Era a cereja no cimo do bolo. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros vestirem logo que chegassem a Teixeira Pinto e estava tudo tratado sobre patentes e instalações das famílias. Cada antigo guerrilheiro teria casa e comida e o soldo correspondente à sua nova patente e em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do General Spínola. Precisamente na altura em que quase toda a gente considerava a guerra na Guiné como já perdida.
Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em plena mata, junto a Pelundo, mas os oficiais portugueses que fossem receber os guerrilheiros teriam de comparecer desarmados. Como prova de confiança. Várias fontes confirmam que Spínola quis ir em pessoa presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC foi constituída pelos Majores e meus amigos Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos. Foram ao encontro dos guerrilheiros, ultraconfiantes, sem armas, num jipe vulgar e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso iminente.
Chegados ao local de encontro, os três majores foram retalhados a tiro de kalashnikov e acabados de matar à catanada. Sem dignidade e com requintes de barbárie.
Spínola, o seu estado-maior e os majores tinham-se enganado sobre o PAIGC. A manha e a paciência dos guerrilheiros tinha sido maior que as tecidas pelas melhores inteligências do exército colonial e da Pide. Spínola perdeu os seus três melhores oficiais na Guiné de uma única vez. Eu perdi três amigos. Sem honra nem glória.
Dos pormenores que gentilmente me relatou desta trágica ocorrência, constatam-se, por vezes, uma ou outra ligeira divergência ou omissão nas diversas crónicas sobre o assunto.
Referiu-me:
(i) Chegarem ao local, o jipe com os 4 oficiais foi "esburacado" com dezenas/centenas de tiros. Surpreendidos, os oficiais envolveram-se em luta desesperada e como que a quererem interrogá-los para esta conduta. Aí, o confronto desenrolou-se à catanada. A um dos majores foi, sanguinariamente, cortada a cara e o seu tio foi neutralizado com uma catanada no estômago. O outro major ainda conseguiu fugir mas foi apanhado 200/300 metros à frente. or fim deram, a cada um, um tiro na cabeça.
(ii) No dia seguinte, foi Ramalho Eanes que procedeu ao levantamento dos corpos. Li algures que esse levantamento teria sido feito for forças da CCAÇ 2586, sob o comando do Ten-Coronel Romão Loureiro. Como tem uma relação de amizade com o Gen Ramalho Eanes, se se proporcionasse, talvez pudesse averiguar isto, assim como tentar localizar (através do Google Earth) o sítio exacto (na picada Pelundo-Jolmete) onde terá ocorrido este acontecimento. Seria uma informação importantíssima para esta memória da guerra da Guiné. Seria nas proximidades do Pelundo ou de Jolmete ?
(iii) Também uma referência a Spínola que não compareceu a este fatídico encontro, não por prévia intuição ou aconselhamento, mas porque dois dias antes tinha sido chamado a Lisboa, por Marcelo Caetano.
(iv) Referiu-me o seu pai (Professor Primário Aposentado) que o irmão (leia-se Major Pereira da Silva) quando foi para este derradeiro encontro (o décimo, creio eu) teve um pressentimento que algo de mau ia a acontecer e deixou escrita uma carta à esposa com esse presságio. A carta viria depois a ser entregue à sua tia juntamente com o restante espólio. Seria também interessante saber se a viúva estaria concordante com a sua publicação ou apenas a parte onde refere esse sinal de mau prenúncio. É um documento relevante, pois pode ter um significado mais profundo relativamente ao desenvolvimento da Operação Chão Manjaco. Também o seu pai me referiu a possibilidade de me enviar, por seu intermédio (e-mail), a fotografia do Major Joaquim Pereira da Silva.
Para concluir, aproveito para lhe enviar as fotografias que tirei no cemitério bem como outra em que, através do Google Earth, procuro fazer a sua implantação dentro da Freguesia de Galegos.
Igualmente, anexo outros documentos relacionados com este trágico desfecho da Operação Chão Manjaco.
Mais uma vez, agradecendo a vossa gentileza, envio-vos um fraternal abraço.
Afonso M. Ferreira Sousa
Maceda – Ovar
NOTA - O Major Pereira da Silva, à data da sua morte, tinha 38 anos (nasceu a 5 de Outubro de 1931). Foi promovido a Tenente - Coronel, a título póstumo.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)
19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho
27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)
(2) Vd. post de 25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco (João Varanda)
(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco: Do Pelundo ao Canchungo... (João Tunes)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 6 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)
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Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
Capa do Livro Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz, Editores. 2007. ISBN: 9789898014344. Preço: € 22.
Foto: Guerra e Paz Editores, SA (2007) (com a devida vénia...)
1. Mensagem do António Graça de Abreu, novo membro da nossa tertúlia:
Meu caro Luís Graça e tantos, tantos companheiros dos anos de Guiné:
Após ter enviado o pedido de inscrição no blogue (1), aqui fica uma contribuição para o nosso mundo da Guiné.
Chamo-me António Graça de Abreu, fui alferes miliciano no CAOP 1 em Teixeira Pinto (Canchungo), Mansoa e Cufar entre Junho de 1972 e Abril de 1974.
Desses anos escrevi na altura um Diário Secreto que se manteve secreto até meados de 2006. Decidi então dar-lhe a forma de livro e ele aí está, acabado de sair, com o título Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura publicado pela Guerra e Paz Editores (2).
Para o site dos companheiros e camaradas da Guiné deixo alguns excertos do livro, com as nossas vidas lá dentro.
Contem comigo, somos uma grande família unida por um tronco comum, sólido, carcomido, torto, imponente e altivo, os anos da Guiné.
António Graça de Abreu
2. Aqui ficam alguns excertos do Diário da Guiné (2):
Canchungo, 6 de Agosto de 1972
Depois de jantar, estava no bar de oficiais com o Bagulho, o alferes médico, e chamaram-no de urgência ao hospital. Peguei no jipe e fui lá levá-lo. Havia uma criança a nascer.
A primeira vez que entrei numa maternidade foi na barriga da minha mãe, a segunda vez foi hoje. Entrei curioso na pequena sala do hospital que funciona como maternidade no momento exacto em que o bebé nascia, saía com a placenta, ensanguentado do ventre da mãe, a pele quase branca. O Bagulho fez rapidamente o seu trabalho de médico e deixou o recém-nascido ao cuidado da enfermeira negra. Pediu-me que o acompanhasse até uma sala mais pequena, do outro lado da parede. Havia uma criança a morrer.
Um bebé de quatro meses agonizava. A mesma enfermeira que cuidava agora do recém-nascido, há umas horas atrás exagerara na distribuição do soro à criança doente cuja vida se extinguia diante dos nossos olhos. O Bagulho pediu-me para eu ir buscar uma botija de oxigénio. Mas a válvula da botija estava avariada, não regulava a distribuição do gás. O médico suava, eu também. Nada se podia fazer. Extinguia-se uma vida por doença, incompetência, falta de meios. O miúdo morria.
Sempre o supremo milagre: entre nascimento e morte, caminharmos sobre a terra.
Canchungo, 7 de Agosto de 1972
Tenho de descobrir mais palavras carregadas de chuva, vento, electricidade, faíscas –é influência da tempestade tropical que neste momento assobia, ruge lá fora! – e também de encontrar palavras iguais a bonança, serenidade, paz.
A poesia é maleita boa que só me dá de vez em quando, tenho porém a consciência de que a minha prosa, os meus poemas são fracos. Disperso-me muito, agarro-me à vida, navego pela dor no espanto do calor dos dias. Escrever. Eu tento, mas não tomo todo o fôlego, não sei ainda atirar a baforada de vento capaz de enfunar as velas do galeão das palavras.
Ficheiro áudio com ataque a Cufar, 20 de Janeiro de 1974
Junto envio também uma transcrição de um ataque no dia 20 de Janeiro de 1974 e também um link com o ficheiro audio com o respectivo ataque.
http://pwp.netcabo.pt/0240632001/ataqueguine.mp3
Gostava muito de ver estes meus (nossos) textos no seu blogue da Guiné.
Abraço, António.
Cufar, 20 de Janeiro de 1974
(…)
Boum, boum, pum, catrapum, pum.
- Aíestá, um ataque!...Caralho! Um ataque, foda-se!
Tá, tá, tá, tá, tá.
-Um ataque, caralho! Venham mais. Aí vêm elas!...
Boum, boum…
-Tumba, um foguetão, caralho!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum.
- Dá mais, Manel! Estamos a levar no coco, estamos a “embrulhar”, caralho!
Pum, catrapum, tá, tá, tá, tá, tá, tá…
-Espera aí um bocadinho!
Boum…
-Espera aí que me eu vou-me já vestir, espera aí um bocadinho!
-Tumba, aí vem outra… Toma lá mais!...Espera aí um bocadinho, João…
Boum, boum…
-Estou-me a vestir, é preciso é calma!
Boum, pum, pum…
-Espera aí um bocadinho, estou-me a vestir, é preciso é calma.
Boum, boum…
-Estamos a embrulhar, caralho! É preciso ter calma. Estou no meu quarto. Hoje é o dia…
Boum, boum…
-Tumba, tumba, tumba!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, catrapum, pum...
-Espera aí. Eh, com um filha da mãe!
Boum, boum…
-Ah, grande embrulhanço! Manda mais, João!
Boum, boum…
-Toma lá mais!...
Tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, catrapum, pum, pum, boum, boum...
-Isto é a sério, isto não é a brincar.
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Olha p’rá aquilo! Porra, estamos a embrulhar, o que é preciso é calma!... Estou-me a vestir…
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Já estou vestido.
Boum, boum…
-Porra! Tumba, tumba, aí vem outra, aí vai outra!...
Pum, pum, pum, pum, boum, boum…
-Caralho!
Boum, boum, pum, catrapum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Porra, estão todas a cair p’ra ali, caralho!...
Tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá…
-Aí vêm outras. Eh, eh, eh! Já estou vestido.
Boum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Aí vem outra!
Pum, pum…
- Tumba! Devem vir mais.
Boum, boum…
- A lógica da guerra, pá, é impressionante! Eu estava aqui sossegadinho, pá, elas começaram a cair… Aí vêm mais, aí vêm mais!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum, catrapum, pum, pum…
- Deixei-me estar sozinho aqui no quarto, mas estou nervoso! Os nossos amigos estão a lembrar-se de nós!
Pum, pum…
- Tumba, tumba!
Boum…
- Ah, Cufar de um caraças!... Eh, eh! Guiné, Guiné, 20 de Janeiro de 1974!.. Ah, caraças!...
Boum…
- Isto é morteirada! Ora bem, deixa lá apagar a ventoinha. Só mandaram estas?...
Boum, pum…
- Aí vai outra! Aí vem mais! Isto agora são morteiradas nossas. Aí vai outra!
Boum…
- Já acabou o ataque?... Vamos embora, já estou cá fora!
(Meti o gravador ligado a gravar no bolso da perna direita do camuflado e fui ter com os meus soldados.)
Boum, pum, pum…
- Toma, toma, porra! Aí está!...
Estão bem?...
Boum, pum, pum…
(Voz de soldado):
- Se calhar a minha tabanca deve estar mas é toda fodida!
Boum…
(Confusão de vozes).
- Foda-se. São nossas ou são deles, caralho? Já acabou, os gajos?...
(Voz):
- São nossas.
Boum…
(Voz de soldado)
- Não gravou isto, meu alferes?
- Está a gravar, oh, homem, está a gravar esta merda!
Boum…
- Já acabou. Aí vai mais, caralho! Quem é que está aí metido na vala, deitado no buraco?
Boum…
(Confusão de vozes)
- Aí vai mais uma, toma lá mais fartura!
(Voz de soldado):
- Isto é RPG que rebenta no ar e rebentou uma canhoada.
Boum…
(Voz de soldado):
- A minha chinela, perdi a puta da sapatilha.
(…)
- Os gajos já pararam. Agora são só nossas. Os gajos já não estão a mandar nada, agora é o obus de Catió.
(Voz de soldado):
- Carrega-lhe, é o primeiro ataque do ano. Os cabrões atacam até acabarem as munições. Mas cuidado com os gajos no fim do ataque…
(…)
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado):
- Vê se encontram a minha sapatilha.
Boum…
- Oh, Loureiro (soldado condutor do nosso CAOP1), o que é que você está a fazer deitado no buraco?
(Soldado Loureiro):
- Estava entretido…
(Voz de soldado):
- Agora já acabou, mas pode vir ainda uma retardada, mas isso é pouca coisa.
(Voz de soldado):
- Eu vi o very-light no ar e depois, foda-se, foi sempre fogachal.
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado ):
- Olha se eu estivesse na minha tabanca lá em baixo, deve estar toda fodida…
(…)
(Voz de soldado):
- Alguém viu a minha sapatilha?...
Boum…
(…)
- Espera aí que eu vou mijar, estou a precisar!
(Voz de soldado)
- Oh, meu alferes, não mije para dentro da vala, caralho!
- Oh, pá, não faz mal.
(Voz de outro soldado):
- Ora, um gajo, num ataque, mesmo com merda e mijo, e tudo, vai!
Boum…
(Voz de soldado):
- Eu perdi a minha sapatilha, isso é que foi o caralho!
___________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor
(2) Segundo a agência Lusa, em notícia de 30 de Janeiro de 2007, "o livro abrange o período final da guerra naquela ex-colónia, com a experiência do autor, fotografias, documentos da época e excertos de aerogramas enviados a familiares em Portugal.
"António Graça de Abreu, nesse período oficial num Comando Operacional na Guiné, decidiu, 'depois de ter lido as cartas de António Lobo Antunes', que era tempo de relatar também a sua experiência. 'Passaram-se 35 anos desde o fim destes conflitos e ainda vive muita gente desse tempo que também guarda estas memórias. Cerca de um milhão de homens passou pela África e teve experiências muito fortes na guerra», declarou o autor à Agência Lusa.' " (...)
António Graça de Abreu nasceu no Porto, em 1947. É licenciado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e mestre em História pela mesma Faculdade.
Viveu na Alemanha (1966/1967) e foi um dos muitos militares que participaram na fase final (1972-1974) do conflito militar que então dilacerava portugueses, guinéus e a terra mártir da Guiné-Bissau.
Entre 1977 e 1983 trabalhou em Pequim, República Popular da China, onde foi tradutor nas Edições de Pequim. Leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas faculdades de Línguas Estrangeiras de Pequim e Xangai.
Muito ligado ao mundo chinês, tem onze livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses, com destaque para a sua tradução Poemas de Li Bai, Grande Prémio Nacional de Tradução do Pen Clube Português e da Associação Portuguesa de Tradutores (1990). Professor do ensino secundário, leccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa (1986/88) e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (1997/99).
Fonte: Guerra e Paz Editores, SA (2007)
Foto: Guerra e Paz Editores, SA (2007) (com a devida vénia...)
1. Mensagem do António Graça de Abreu, novo membro da nossa tertúlia:
Meu caro Luís Graça e tantos, tantos companheiros dos anos de Guiné:
Após ter enviado o pedido de inscrição no blogue (1), aqui fica uma contribuição para o nosso mundo da Guiné.
Chamo-me António Graça de Abreu, fui alferes miliciano no CAOP 1 em Teixeira Pinto (Canchungo), Mansoa e Cufar entre Junho de 1972 e Abril de 1974.
Desses anos escrevi na altura um Diário Secreto que se manteve secreto até meados de 2006. Decidi então dar-lhe a forma de livro e ele aí está, acabado de sair, com o título Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura publicado pela Guerra e Paz Editores (2).
Para o site dos companheiros e camaradas da Guiné deixo alguns excertos do livro, com as nossas vidas lá dentro.
Contem comigo, somos uma grande família unida por um tronco comum, sólido, carcomido, torto, imponente e altivo, os anos da Guiné.
António Graça de Abreu
2. Aqui ficam alguns excertos do Diário da Guiné (2):
Canchungo, 6 de Agosto de 1972
Depois de jantar, estava no bar de oficiais com o Bagulho, o alferes médico, e chamaram-no de urgência ao hospital. Peguei no jipe e fui lá levá-lo. Havia uma criança a nascer.
A primeira vez que entrei numa maternidade foi na barriga da minha mãe, a segunda vez foi hoje. Entrei curioso na pequena sala do hospital que funciona como maternidade no momento exacto em que o bebé nascia, saía com a placenta, ensanguentado do ventre da mãe, a pele quase branca. O Bagulho fez rapidamente o seu trabalho de médico e deixou o recém-nascido ao cuidado da enfermeira negra. Pediu-me que o acompanhasse até uma sala mais pequena, do outro lado da parede. Havia uma criança a morrer.
Um bebé de quatro meses agonizava. A mesma enfermeira que cuidava agora do recém-nascido, há umas horas atrás exagerara na distribuição do soro à criança doente cuja vida se extinguia diante dos nossos olhos. O Bagulho pediu-me para eu ir buscar uma botija de oxigénio. Mas a válvula da botija estava avariada, não regulava a distribuição do gás. O médico suava, eu também. Nada se podia fazer. Extinguia-se uma vida por doença, incompetência, falta de meios. O miúdo morria.
Sempre o supremo milagre: entre nascimento e morte, caminharmos sobre a terra.
Canchungo, 7 de Agosto de 1972
Tenho de descobrir mais palavras carregadas de chuva, vento, electricidade, faíscas –é influência da tempestade tropical que neste momento assobia, ruge lá fora! – e também de encontrar palavras iguais a bonança, serenidade, paz.
A poesia é maleita boa que só me dá de vez em quando, tenho porém a consciência de que a minha prosa, os meus poemas são fracos. Disperso-me muito, agarro-me à vida, navego pela dor no espanto do calor dos dias. Escrever. Eu tento, mas não tomo todo o fôlego, não sei ainda atirar a baforada de vento capaz de enfunar as velas do galeão das palavras.
Ficheiro áudio com ataque a Cufar, 20 de Janeiro de 1974
Junto envio também uma transcrição de um ataque no dia 20 de Janeiro de 1974 e também um link com o ficheiro audio com o respectivo ataque.
http://pwp.netcabo.pt/0240632001/ataqueguine.mp3
Gostava muito de ver estes meus (nossos) textos no seu blogue da Guiné.
Abraço, António.
Cufar, 20 de Janeiro de 1974
(…)
Boum, boum, pum, catrapum, pum.
- Aíestá, um ataque!...Caralho! Um ataque, foda-se!
Tá, tá, tá, tá, tá.
-Um ataque, caralho! Venham mais. Aí vêm elas!...
Boum, boum…
-Tumba, um foguetão, caralho!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum.
- Dá mais, Manel! Estamos a levar no coco, estamos a “embrulhar”, caralho!
Pum, catrapum, tá, tá, tá, tá, tá, tá…
-Espera aí um bocadinho!
Boum…
-Espera aí que me eu vou-me já vestir, espera aí um bocadinho!
-Tumba, aí vem outra… Toma lá mais!...Espera aí um bocadinho, João…
Boum, boum…
-Estou-me a vestir, é preciso é calma!
Boum, pum, pum…
-Espera aí um bocadinho, estou-me a vestir, é preciso é calma.
Boum, boum…
-Estamos a embrulhar, caralho! É preciso ter calma. Estou no meu quarto. Hoje é o dia…
Boum, boum…
-Tumba, tumba, tumba!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, catrapum, pum...
-Espera aí. Eh, com um filha da mãe!
Boum, boum…
-Ah, grande embrulhanço! Manda mais, João!
Boum, boum…
-Toma lá mais!...
Tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, catrapum, pum, pum, boum, boum...
-Isto é a sério, isto não é a brincar.
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Olha p’rá aquilo! Porra, estamos a embrulhar, o que é preciso é calma!... Estou-me a vestir…
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, pum, pum…
-Já estou vestido.
Boum, boum…
-Porra! Tumba, tumba, aí vem outra, aí vai outra!...
Pum, pum, pum, pum, boum, boum…
-Caralho!
Boum, boum, pum, catrapum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Porra, estão todas a cair p’ra ali, caralho!...
Tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá…
-Aí vêm outras. Eh, eh, eh! Já estou vestido.
Boum, pum, pum, tá, tá, tá, tá, tá, tá, tá, boum, boum…
-Aí vem outra!
Pum, pum…
- Tumba! Devem vir mais.
Boum, boum…
- A lógica da guerra, pá, é impressionante! Eu estava aqui sossegadinho, pá, elas começaram a cair… Aí vêm mais, aí vêm mais!...
Boum, boum, tá, tá, tá, tá, tá tá, tá, tá, tá, tá, pum, pum, catrapum, pum, pum…
- Deixei-me estar sozinho aqui no quarto, mas estou nervoso! Os nossos amigos estão a lembrar-se de nós!
Pum, pum…
- Tumba, tumba!
Boum…
- Ah, Cufar de um caraças!... Eh, eh! Guiné, Guiné, 20 de Janeiro de 1974!.. Ah, caraças!...
Boum…
- Isto é morteirada! Ora bem, deixa lá apagar a ventoinha. Só mandaram estas?...
Boum, pum…
- Aí vai outra! Aí vem mais! Isto agora são morteiradas nossas. Aí vai outra!
Boum…
- Já acabou o ataque?... Vamos embora, já estou cá fora!
(Meti o gravador ligado a gravar no bolso da perna direita do camuflado e fui ter com os meus soldados.)
Boum, pum, pum…
- Toma, toma, porra! Aí está!...
Estão bem?...
Boum, pum, pum…
(Voz de soldado):
- Se calhar a minha tabanca deve estar mas é toda fodida!
Boum…
(Confusão de vozes).
- Foda-se. São nossas ou são deles, caralho? Já acabou, os gajos?...
(Voz):
- São nossas.
Boum…
(Voz de soldado)
- Não gravou isto, meu alferes?
- Está a gravar, oh, homem, está a gravar esta merda!
Boum…
- Já acabou. Aí vai mais, caralho! Quem é que está aí metido na vala, deitado no buraco?
Boum…
(Confusão de vozes)
- Aí vai mais uma, toma lá mais fartura!
(Voz de soldado):
- Isto é RPG que rebenta no ar e rebentou uma canhoada.
Boum…
(Voz de soldado):
- A minha chinela, perdi a puta da sapatilha.
(…)
- Os gajos já pararam. Agora são só nossas. Os gajos já não estão a mandar nada, agora é o obus de Catió.
(Voz de soldado):
- Carrega-lhe, é o primeiro ataque do ano. Os cabrões atacam até acabarem as munições. Mas cuidado com os gajos no fim do ataque…
(…)
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado):
- Vê se encontram a minha sapatilha.
Boum…
- Oh, Loureiro (soldado condutor do nosso CAOP1), o que é que você está a fazer deitado no buraco?
(Soldado Loureiro):
- Estava entretido…
(Voz de soldado):
- Agora já acabou, mas pode vir ainda uma retardada, mas isso é pouca coisa.
(Voz de soldado):
- Eu vi o very-light no ar e depois, foda-se, foi sempre fogachal.
(Confusão de vozes)
(Voz de soldado ):
- Olha se eu estivesse na minha tabanca lá em baixo, deve estar toda fodida…
(…)
(Voz de soldado):
- Alguém viu a minha sapatilha?...
Boum…
(…)
- Espera aí que eu vou mijar, estou a precisar!
(Voz de soldado)
- Oh, meu alferes, não mije para dentro da vala, caralho!
- Oh, pá, não faz mal.
(Voz de outro soldado):
- Ora, um gajo, num ataque, mesmo com merda e mijo, e tudo, vai!
Boum…
(Voz de soldado):
- Eu perdi a minha sapatilha, isso é que foi o caralho!
___________
Notas de L.G.
(1) Vd. post de 5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor
(2) Segundo a agência Lusa, em notícia de 30 de Janeiro de 2007, "o livro abrange o período final da guerra naquela ex-colónia, com a experiência do autor, fotografias, documentos da época e excertos de aerogramas enviados a familiares em Portugal.
"António Graça de Abreu, nesse período oficial num Comando Operacional na Guiné, decidiu, 'depois de ter lido as cartas de António Lobo Antunes', que era tempo de relatar também a sua experiência. 'Passaram-se 35 anos desde o fim destes conflitos e ainda vive muita gente desse tempo que também guarda estas memórias. Cerca de um milhão de homens passou pela África e teve experiências muito fortes na guerra», declarou o autor à Agência Lusa.' " (...)
António Graça de Abreu nasceu no Porto, em 1947. É licenciado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e mestre em História pela mesma Faculdade.
Viveu na Alemanha (1966/1967) e foi um dos muitos militares que participaram na fase final (1972-1974) do conflito militar que então dilacerava portugueses, guinéus e a terra mártir da Guiné-Bissau.
Entre 1977 e 1983 trabalhou em Pequim, República Popular da China, onde foi tradutor nas Edições de Pequim. Leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas faculdades de Línguas Estrangeiras de Pequim e Xangai.
Muito ligado ao mundo chinês, tem onze livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses, com destaque para a sua tradução Poemas de Li Bai, Grande Prémio Nacional de Tradução do Pen Clube Português e da Associação Portuguesa de Tradutores (1990). Professor do ensino secundário, leccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa (1986/88) e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (1997/99).
Fonte: Guerra e Paz Editores, SA (2007)
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1498: Tabanca Grande: António Graça de Abreu, ex-Alf Mil do CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)... Da China com Amor
O António Graça de Abreu, hoje, na Grande Muralha da China; e ontem, como alferes miliciano (CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)
Fotos: António Graça de Abreu (2007)
1. Pedido de entrada na nossa tertúlia por parte do sinólogo António Graça de Abreu, e nosso camarada na Guiné, entre 1972 e 1974:
António Graça de Abreu (1947, Porto) é licenciado em Filologia Germânica e Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.
Como alferes miliciano pertenceu ao CAOP 1 (Teixeira Pinto ou Canchungo, Mansoa e Cufar de 1972 a 1974).
Entre 1977 e 1983 leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai. Tem onze livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses.
Professor do ensino secundário, leccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
"Gostaria de me inscrever no blogue e fazer parte desta comunidade de antigos combatentes na Guiné".
2. Comentário de L.G:
Congratulo-me com a tua chegada. E dou-te os meus parabéns pela publicação do teu livro Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura (editado recentemente por Guerra e Paz Editores).
António Graça de Abreu (1947, Porto) é licenciado em Filologia Germânica e Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.
Como alferes miliciano pertenceu ao CAOP 1 (Teixeira Pinto ou Canchungo, Mansoa e Cufar de 1972 a 1974).
Entre 1977 e 1983 leccionou Língua e Cultura Portuguesa nas Universidades de Pequim e Shanghai. Tem onze livros publicados na área da Sinologia, da poesia e dos estudos luso-chineses.
Professor do ensino secundário, leccionou Sinologia na Universidade Nova de Lisboa e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
"Gostaria de me inscrever no blogue e fazer parte desta comunidade de antigos combatentes na Guiné".
2. Comentário de L.G:
Congratulo-me com a tua chegada. E dou-te os meus parabéns pela publicação do teu livro Diário da Guiné, Lama, Sangue e Água Pura (editado recentemente por Guerra e Paz Editores).
Nesta já grande caserna virtual, um sinólogo será bem vindo, até que por que a China está na moda. Ou melhor, sempre esteve: recordo-me das disputas (ideológicas) em finais da década de 1960 / princípios da década de 1970 entre sinófilos e sinófobos...
Mas o mais importante é a tua condição de camarada da Guiné. Prometo rapidamebnte publicar os excertos do teu livro, que me mandaste por e-mail.
Guiné 63/74 - P1497: Tertúlia: uma especial saudação ao Amaral Bernardo (Paulo Salgado)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 15 de Outubro de 2005 > O Paulo Salgado na velha ponte do tempo colonial, contemplando os rápidos do Saltinho no Rio Corubal. Uma paisagem sempre deslumbrante,um dos pontos mais turísticos da Guiné-Bissau (1).
Fotro: Paulo Salgado (2005). Direitos reservados
(1) Vd. post de 19 de utubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3) (...)
"Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial)" (...).
(2) Vd. post de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1489: Tertúlia: Formalizo o meu pedido de entrada (Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930)
Fotro: Paulo Salgado (2005). Direitos reservados
Mensagem do Paulo Salgado (administrador hospitalar, Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho; ex- alf mil, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72).
Luís,
Luís,
Por favor, não sei se isto tem interesse em colocar no Blogue, mas acho que sim, pois ajuda-nos a compreender os outros.
Fico sempre contente com a chegada de novos tertulianos - mesmo daqueles que só lêem as coisas dos outros. Vai crescendo a roda de Camaradas (não tenhamos medo das palavras - a semântica não tem nada a ver com outras conotações e, tendo para alguns, tudo é de respeitar, aliás dentro dos nossos princípios). Pois fiquei agradavelmente surpreendido com a presença do Amaral Bernardo (oh, Prof, viva!?) (2).
Tenho a comunicar-vos, queridos tertulianos, que tive o privilégio de estar com o Amaral Bernardo em Bissau por várias vezes, em 1997, 1998, 2004, 2005 e 2006 - lá, onde deixámos um pouco (ou muito de nós). E tenho esse privilégio porque ele - o Amaral Bernardo - acabou por reviver muitas coisas, como alguns que lá foram mais tarde. Trabalhou como médico, coordenador da formação de médicos em Bissau, localmente, dando o exemplo e a sua sabedoria e capacidade de organização.
Tenho que recordar duas pequenas histórias, porque é justo:
Primeira: Em 1997 fomos ao Saltinho, ou melhor, a Cusselinta, por uma picada mal batida. Ele ainda não tinha feito a catarse. Iamos num carro alugado e eu, que já tinha estado dois anos na Guiné, em 1990-1992, pensei que para ele seria fácil. Pois, meus Caros, o Amaral Bernardo perguntou-me com a sua franqueza habitual:
- Onde é que você me leva? - E eu:
- Não há problemas! - E ele:
- E as minas, já não há problema?
Ainda hoje estou arrependido de não ter feito as coisas com serenidade.
Segunda: O Amaral Bernardo coloca sempre um entusiasmo grande nas sua actividades. Pois, na formação de Médicos Guinenenses, onde se deslocou por várias vezes, um dia, virou-se para um dos médicos faltosos e frontalmente atirou-lhe:
- Ou cumpre, ou você chumba. - Sem rodeios, mas com disciplina e com modos decentes.
Para todos: este nosso tertuliano fez um belo trabalho na guerra e nos últimos tempos. Tem uma costela de Guineense. E como ele gosta de apreciar a beleza das paisagens, do que é mau e do que é belo (é ou não, Prof.?)
Para o Amaral Bernardo: paraéens por ter esta aparição. Agora é só contar as estórias - eu sei que são muitas. E fotos também. Antigas e recentes. Fica o desafio.
Paulo Salgado
_____________
Notas de L.G.:
Fico sempre contente com a chegada de novos tertulianos - mesmo daqueles que só lêem as coisas dos outros. Vai crescendo a roda de Camaradas (não tenhamos medo das palavras - a semântica não tem nada a ver com outras conotações e, tendo para alguns, tudo é de respeitar, aliás dentro dos nossos princípios). Pois fiquei agradavelmente surpreendido com a presença do Amaral Bernardo (oh, Prof, viva!?) (2).
Tenho a comunicar-vos, queridos tertulianos, que tive o privilégio de estar com o Amaral Bernardo em Bissau por várias vezes, em 1997, 1998, 2004, 2005 e 2006 - lá, onde deixámos um pouco (ou muito de nós). E tenho esse privilégio porque ele - o Amaral Bernardo - acabou por reviver muitas coisas, como alguns que lá foram mais tarde. Trabalhou como médico, coordenador da formação de médicos em Bissau, localmente, dando o exemplo e a sua sabedoria e capacidade de organização.
Tenho que recordar duas pequenas histórias, porque é justo:
Primeira: Em 1997 fomos ao Saltinho, ou melhor, a Cusselinta, por uma picada mal batida. Ele ainda não tinha feito a catarse. Iamos num carro alugado e eu, que já tinha estado dois anos na Guiné, em 1990-1992, pensei que para ele seria fácil. Pois, meus Caros, o Amaral Bernardo perguntou-me com a sua franqueza habitual:
- Onde é que você me leva? - E eu:
- Não há problemas! - E ele:
- E as minas, já não há problema?
Ainda hoje estou arrependido de não ter feito as coisas com serenidade.
Segunda: O Amaral Bernardo coloca sempre um entusiasmo grande nas sua actividades. Pois, na formação de Médicos Guinenenses, onde se deslocou por várias vezes, um dia, virou-se para um dos médicos faltosos e frontalmente atirou-lhe:
- Ou cumpre, ou você chumba. - Sem rodeios, mas com disciplina e com modos decentes.
Para todos: este nosso tertuliano fez um belo trabalho na guerra e nos últimos tempos. Tem uma costela de Guineense. E como ele gosta de apreciar a beleza das paisagens, do que é mau e do que é belo (é ou não, Prof.?)
Para o Amaral Bernardo: paraéens por ter esta aparição. Agora é só contar as estórias - eu sei que são muitas. E fotos também. Antigas e recentes. Fica o desafio.
Paulo Salgado
_____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 19 de utubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3) (...)
"Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial)" (...).
(2) Vd. post de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1489: Tertúlia: Formalizo o meu pedido de entrada (Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930)
domingo, 4 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1496: PAIGC - Propaganda (2): Notícia da deserção de três fuzileiros navais (Fernando Barata)
Senegal > PAIGC> Panfleto do PAIGC > s/d > Três fuzileiros portugueses que desertaram da base naval de Ganturé, na região do Cacheu. Legenda: "A satisfação dos fuzileiros navais Pinto, Alfaiate e Sentieiro, fotografados em lugar seguro, após terem abandonado a base fluvial de Ganturé". Documento digitalizado que nos chega por mão do Fernando Barata, ex-alf mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72).
Não consigo localizar o ano em que terá ocorrido a deserção destes três militares portugueses, nem a obter a confirmação do facto por parte das autoridades portuguesas da época ... Pode ser que algum dos membros da nossa tertúlia, e em especial dos pertencentes à Marinha, nos possa dar uma ajuda...(LG).
Fotos :© Fernando Barata (2007). Direitos reservados.
Série PAIGC > Propaganda (1)
Não consigo localizar o ano em que terá ocorrido a deserção destes três militares portugueses, nem a obter a confirmação do facto por parte das autoridades portuguesas da época ... Pode ser que algum dos membros da nossa tertúlia, e em especial dos pertencentes à Marinha, nos possa dar uma ajuda...(LG).
Fotos :© Fernando Barata (2007). Direitos reservados.
Série PAIGC > Propaganda (1)
___________________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post anterior > 7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1346: PAIGC - Propaganda (1): morte aos colonialistas portugueses e seus cachorros de dois pés (Carlos Vinhal / Mário Dias / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1495: Turismo militar, uma ideia a apoiar (Fernando Barata)
Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Vista área do aquartelamento e tabanca de Dulombi.
Foto:© Fernando Barata (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Fernando Barata ( ex-alf mil, CCAÇ 2700, Dulombi, 1970/72):
Caro Luís Graça
Acredita é um enorme prazer passar a pertencer à tertúlia. Ate por que não é todos os dias que se pode tratar, e ser tratado, por tu um Professor Doutor (sorrisos...).
Quanto aos elementos que me pedes, em tempos fiz uma pequena história da Companhia. Aproveito para ta enviar, parcelarmente, por attachment, agradecendo que escalpelizes o que tenha interesse colocando, depois, no blogue.
Terei muito gosto em estar presente no próximo encontro a realizar em Pombal. Acompanhar-me-á o Estado-Maior da 2700, bem como alguns furriéis. Apesar de eles não serem blogueiros, presumo que não esteja vedada a sua presença, isn't true?
Pelo que tens feito através do blogue, penso que serás a pessoa ideal para pôr em prática uma ideia que frequentemente me invade. Há o turismo das mais diversas espécies: de neve, de praia, sexual, rural, etc.. Por que não o turismo militar (não sei se o nome é feliz o que interessa é ideia). Penso que a maioria esmagadora dos indivíduos que cumpriram o serviço militar nas, então, províncias ultramarinas sentem uma sede em voltar ao local do crime.
Existe, pois este nicho de mercado que ainda não foi suficientemente explorado pelas agências de viagens. Sei que, em relação à nossa Guiné, o problema é complicado não só pela falta de instalações hoteleiras mas, principalmente, pela falta de segurança que se poderá sentir atendendo às recorrentes convulsões internas.
Até que ponto (estarei a ser lírico?) não poderíamos dar um contributo valioso, por um lado passando a sermos catalisadores do comércio local, por outro, por exemplo, promovendo conferências, debates, programas de apoio (tenho óptimas relações com o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Prof. João Cravinho, que foi meu professor na Faculdade e que nos ouviria) criando, assim, algumas condições para o entendimento.
Estas coisas são feitas através de pequenos passos. É a tal pequena mancha de óleo que, ao cair na água, parece insignificante mas que vai alastrando e contagiando. Há um outro aspecto. Pelo que me conta a malta que lá vai, eles continuam a gostar de nós, estando de braços abertos para nos receber. Pensa nisto, OK?
Quanto a mim. Vivo em Coimbra (pontualmente encontro-me com o Vítor David), estou a tratar da reforma e o que de significativo haja a referir do tempo da Guiné, certamente estará condensado nos anexos que te envio. Aproveito para referir que os anexos vou enviá-los através do gmail, já que o hotmail só permite ficheiros até 1 Mega.
Peço-te que aceites um grande abraço do
Caro Luís Graça
Acredita é um enorme prazer passar a pertencer à tertúlia. Ate por que não é todos os dias que se pode tratar, e ser tratado, por tu um Professor Doutor (sorrisos...).
Quanto aos elementos que me pedes, em tempos fiz uma pequena história da Companhia. Aproveito para ta enviar, parcelarmente, por attachment, agradecendo que escalpelizes o que tenha interesse colocando, depois, no blogue.
Terei muito gosto em estar presente no próximo encontro a realizar em Pombal. Acompanhar-me-á o Estado-Maior da 2700, bem como alguns furriéis. Apesar de eles não serem blogueiros, presumo que não esteja vedada a sua presença, isn't true?
Pelo que tens feito através do blogue, penso que serás a pessoa ideal para pôr em prática uma ideia que frequentemente me invade. Há o turismo das mais diversas espécies: de neve, de praia, sexual, rural, etc.. Por que não o turismo militar (não sei se o nome é feliz o que interessa é ideia). Penso que a maioria esmagadora dos indivíduos que cumpriram o serviço militar nas, então, províncias ultramarinas sentem uma sede em voltar ao local do crime.
Existe, pois este nicho de mercado que ainda não foi suficientemente explorado pelas agências de viagens. Sei que, em relação à nossa Guiné, o problema é complicado não só pela falta de instalações hoteleiras mas, principalmente, pela falta de segurança que se poderá sentir atendendo às recorrentes convulsões internas.
Até que ponto (estarei a ser lírico?) não poderíamos dar um contributo valioso, por um lado passando a sermos catalisadores do comércio local, por outro, por exemplo, promovendo conferências, debates, programas de apoio (tenho óptimas relações com o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Prof. João Cravinho, que foi meu professor na Faculdade e que nos ouviria) criando, assim, algumas condições para o entendimento.
Estas coisas são feitas através de pequenos passos. É a tal pequena mancha de óleo que, ao cair na água, parece insignificante mas que vai alastrando e contagiando. Há um outro aspecto. Pelo que me conta a malta que lá vai, eles continuam a gostar de nós, estando de braços abertos para nos receber. Pensa nisto, OK?
Quanto a mim. Vivo em Coimbra (pontualmente encontro-me com o Vítor David), estou a tratar da reforma e o que de significativo haja a referir do tempo da Guiné, certamente estará condensado nos anexos que te envio. Aproveito para referir que os anexos vou enviá-los através do gmail, já que o hotmail só permite ficheiros até 1 Mega.
Peço-te que aceites um grande abraço do
2. Pequena nota autobiográfica do novo membro da nossa tertúlia (1):
Fernando Barata nasceu a 10 de Dezembro de 1948, em Canas de Senhorim, (Canas a Concelho!!!).
É pai de duas filhas, e reside em Coimbra, cidade onde se radicou pouco tempo após o regresso do Ultramar.
É licenciado em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Trabalha no Gabinete de Relações Externas e Iniciativas Transfronteiriças da Comissão de Coordenação da Região Centro.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1494: Tertúlia: Apresenta-se o ex-Alf Mil Fernando Barata, CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912
Guiné 63/74 - P1494: Tabanca Grande (5): Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912
Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > Dulombi > 1970 > O Alf Mil Barata
Coimbra > 2007 > O Fernando Barata, novo membro da nossa tertúlia.
Fotos: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de 25 de Janeiro último, enviada por Fernando Barata, que reside em Coimbra:
Caro Doutor Luís Graça:
Teria imenso gosto em pertencer ao grupo tertuliano. Deste, já fazem parte dois colegas de Batalhão (BCAÇ 2912), o Martins Julião [, CCAÇ 2701] e o Paulo Santiago [,Pel Caç Nat 53, ] e também três camaradas da Companhia que eu fui render (Raposo, Felício e Vitor David - CCAÇ 2405).
Através do Blogue foi-me também possível localizar um amigo de juventude do qual já não tinha contacto há mais de 40 anos. Mais que não fosse, só por isto, já valeu a pena.
Passo a transmitir os meus dados pessoais:
Fernando Barata >
(a) ex-Alferes Miliciano, pertencente à CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912,
(b) estive na Guiné entre Maio de 1970 e Abril 1972, no Dulombi.
Permita-me que lhe dê os parabéns não só pela ideia da constituição do blogue, mas também pela sua estrutura.
Cordiais cumprimentos
Fernando Barata
2. Resposta do editor do blogue:
Fernando:
(i) Estás em casa. Somos quase da mesma época. Eu pertenci à independente CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12, africana) (Maio de 1969/Março de 1971). Estivemos como unidade de intervenção em Bambadinca, às ordens dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72). A CCAÇ 2405 que tu foste render (Alf Rijo, Felício, David e Raposo - os quatro fazem parte ds nossa tertúlia) pertencia à BCAÇ 2852;
(ii) Já conheces as nossas regras. Podes consultar a página respectiva;
(iii) A ideia é cada um de nós ir alimentado o blogue com imagens e pequenas estórias… Há quem se abalance a fazer coisas de maior fôlego. Por exemplo, já publicámos as memórias do Paulo Raposo e de outros camaradas. Escreve, quando te apetecer. De qualquer modo, gostaríamos de saber um pouco mais sobre ti (onde vives, o que fazes…), a tua CCAÇ 2700 e o teu BCAÇ 2912, e os sítios por onde vocês andaram. Se tiveres fotos com interesse documental, manda… digitalizadas.
(iv) Como já percebeste, o tratamento por tu é uma regra com que nos temos dado bem, na nossa tertúlia… Esbate diferenças e quebra barreiras na nossa comunicação;
Já nos encontrámos na Ameira, em Montemor-O-Novo, em Outubro passado (Estiveram lá o Julião e o Santiago). Não nos conhecíamos a não ser de fotografia. Pessoalmente, só alguns. Não imaginas quanto foi mágico (podes ver o respectivo post) (1): ao fim de cinco minutos, estávamos todos a falar como velhos camaradas de há 40 anos…
Eu sei que para alguns de nós, por defeito de educação, o tratamento por tu é artificial, é desconfortável… Nascemos todos no Portugal de Vossa Excelência, tão bem caricaturado por poetas e romancistas do nosso tempo como o Alexandre O’Neil ou o José Cardoso Pires… A Guiné aproximou-nos a todos… e a Internet veio reforçá-los… A prova disso é este blogue…
(v) Vou apresentar-te à malta da nossa tertúlia… Ficas com os nossos endereços. E nós com o teu. Temos duas vias de comunicação: internamente, por email; ou através dos posts, publicados no blogue.
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça).
Coimbra > 2007 > O Fernando Barata, novo membro da nossa tertúlia.
Fotos: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem de 25 de Janeiro último, enviada por Fernando Barata, que reside em Coimbra:
Caro Doutor Luís Graça:
Teria imenso gosto em pertencer ao grupo tertuliano. Deste, já fazem parte dois colegas de Batalhão (BCAÇ 2912), o Martins Julião [, CCAÇ 2701] e o Paulo Santiago [,Pel Caç Nat 53, ] e também três camaradas da Companhia que eu fui render (Raposo, Felício e Vitor David - CCAÇ 2405).
Através do Blogue foi-me também possível localizar um amigo de juventude do qual já não tinha contacto há mais de 40 anos. Mais que não fosse, só por isto, já valeu a pena.
Passo a transmitir os meus dados pessoais:
Fernando Barata >
(a) ex-Alferes Miliciano, pertencente à CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912,
(b) estive na Guiné entre Maio de 1970 e Abril 1972, no Dulombi.
Permita-me que lhe dê os parabéns não só pela ideia da constituição do blogue, mas também pela sua estrutura.
Cordiais cumprimentos
Fernando Barata
2. Resposta do editor do blogue:
Fernando:
(i) Estás em casa. Somos quase da mesma época. Eu pertenci à independente CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12, africana) (Maio de 1969/Março de 1971). Estivemos como unidade de intervenção em Bambadinca, às ordens dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72). A CCAÇ 2405 que tu foste render (Alf Rijo, Felício, David e Raposo - os quatro fazem parte ds nossa tertúlia) pertencia à BCAÇ 2852;
(ii) Já conheces as nossas regras. Podes consultar a página respectiva;
(iii) A ideia é cada um de nós ir alimentado o blogue com imagens e pequenas estórias… Há quem se abalance a fazer coisas de maior fôlego. Por exemplo, já publicámos as memórias do Paulo Raposo e de outros camaradas. Escreve, quando te apetecer. De qualquer modo, gostaríamos de saber um pouco mais sobre ti (onde vives, o que fazes…), a tua CCAÇ 2700 e o teu BCAÇ 2912, e os sítios por onde vocês andaram. Se tiveres fotos com interesse documental, manda… digitalizadas.
(iv) Como já percebeste, o tratamento por tu é uma regra com que nos temos dado bem, na nossa tertúlia… Esbate diferenças e quebra barreiras na nossa comunicação;
Já nos encontrámos na Ameira, em Montemor-O-Novo, em Outubro passado (Estiveram lá o Julião e o Santiago). Não nos conhecíamos a não ser de fotografia. Pessoalmente, só alguns. Não imaginas quanto foi mágico (podes ver o respectivo post) (1): ao fim de cinco minutos, estávamos todos a falar como velhos camaradas de há 40 anos…
Eu sei que para alguns de nós, por defeito de educação, o tratamento por tu é artificial, é desconfortável… Nascemos todos no Portugal de Vossa Excelência, tão bem caricaturado por poetas e romancistas do nosso tempo como o Alexandre O’Neil ou o José Cardoso Pires… A Guiné aproximou-nos a todos… e a Internet veio reforçá-los… A prova disso é este blogue…
(v) Vou apresentar-te à malta da nossa tertúlia… Ficas com os nossos endereços. E nós com o teu. Temos duas vias de comunicação: internamente, por email; ou através dos posts, publicados no blogue.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 15 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira: foi bonita a festa, pá... A próxima será no Pombal (Luís Graça).
Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira
Emblema do Grupo de Comandos Os Fantasmas (1965/66).
Foto: Tantas Vidas, blogue de Virgínio Briote (com a devida vénia).
Guiné > Bissau > Fins de Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, do Grupo de Comandos Os Fantasmas... "Esta foto foi tirada numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, creio que se chamava Café Universal".
Foto: © João Parreira (2005). Direitos reservados.
Mensagem de 3 de Janeiro de 2007, enviada pelo António Pinto ao João Parreira:
Amigo João Parreira:
Pelas datas que apontaste nas duas últimas conversas, é muito natural que nós nos tivéssemos conhecido em Madina (1).
Já não consigo precisar quando fui para Beli, mas recuando no tempo e partindo do princípio que o ataque em Beli foi em Maio de 65 e eu já lá estava há algum tempo e a tragédia em Madina com os nossos Camaradas, que faziam parte da minha equipa, foi - segundo mo recordas - em Fevereiro do mesmo ano, tudo indica que nos devíamos ter encontrado.
Francamente não me lembro e não tive a mesma ideia que tiveste de ir apontando numa agenda notas do dia a dia. O que me tem valido são as fotos que mandava para a minha Mulher onde anotava, na parte de trás, a data o local e as pessoas que comigo estavam.
O que não me posso esquecer jamais é daqueles que deixaram este mundo, alguns nos meus braços, balbuciando a última palavra: MÃE.
Já lá vão 42 anos e ainda hoje sonho muitas vezes com este e outros factos, que, inevitavelmente, deixaram muitas marcas (2).
Amigo João Parreira, até breve. Sou dos mais novos, se não o mais novo na Tertúlia e não quero ser aborrecido. Mas a verdade é que apetece estar constantemente a falar com Camaradas, que parece já conhecer há muito tempo.
Passo os meus tempos livres, que agora são muitos, a visitar o site do Amigo Luís Graça.
Um grande abraço do
Pinto
_________
Notas de L.G.:
(1) vd. post de:
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido
3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)
20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli
(2) O grupo de Comandos Fantasmas perderam 9 homens na região de Madina do Boé, antes de serem extintos: 8 homens em 28 de Novembro de 1964 (junto do Rio Gobije, na estrada Madina do Boé para Contabane, a oeste); 1 homem em 8 de Dezembro de 1965:
Vd. post de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
Amigo João Parreira:
Pelas datas que apontaste nas duas últimas conversas, é muito natural que nós nos tivéssemos conhecido em Madina (1).
Já não consigo precisar quando fui para Beli, mas recuando no tempo e partindo do princípio que o ataque em Beli foi em Maio de 65 e eu já lá estava há algum tempo e a tragédia em Madina com os nossos Camaradas, que faziam parte da minha equipa, foi - segundo mo recordas - em Fevereiro do mesmo ano, tudo indica que nos devíamos ter encontrado.
Francamente não me lembro e não tive a mesma ideia que tiveste de ir apontando numa agenda notas do dia a dia. O que me tem valido são as fotos que mandava para a minha Mulher onde anotava, na parte de trás, a data o local e as pessoas que comigo estavam.
O que não me posso esquecer jamais é daqueles que deixaram este mundo, alguns nos meus braços, balbuciando a última palavra: MÃE.
Já lá vão 42 anos e ainda hoje sonho muitas vezes com este e outros factos, que, inevitavelmente, deixaram muitas marcas (2).
Amigo João Parreira, até breve. Sou dos mais novos, se não o mais novo na Tertúlia e não quero ser aborrecido. Mas a verdade é que apetece estar constantemente a falar com Camaradas, que parece já conhecer há muito tempo.
Passo os meus tempos livres, que agora são muitos, a visitar o site do Amigo Luís Graça.
Um grande abraço do
Pinto
_________
Notas de L.G.:
(1) vd. post de:
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido
3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)
20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli
(2) O grupo de Comandos Fantasmas perderam 9 homens na região de Madina do Boé, antes de serem extintos: 8 homens em 28 de Novembro de 1964 (junto do Rio Gobije, na estrada Madina do Boé para Contabane, a oeste); 1 homem em 8 de Dezembro de 1965:
Vd. post de 15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
Infelizmente, não temos 'on line' a carta de Gobije, contínua à de Madina do Boé.
Grupo Comandos Os Fantasmas
• António Joaquim Vieira Pereira, 1º Cabo Corneteiro Comando, natural de Santa Leocádia / Baião, inumado no cemitério de Santa Leocádia, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Artur Pereira Pires, Furriel Miliciano Comando, natural de S. Sebastião da Pedreira / Lisboa, inumado no cemitério da Ajuda em Lisboa, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Braima Seidi, 1º Cabo Comando natural de Buba / Fulacunda, inumado no Cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Eugénio Campos Ferreira, Soldado Condutor Auto Comando, natural de Vila Frescaínha (São Pedro) / Barcelos, e inumado no cemitério de Vila Frescaínha, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• João Ramos Godinho, Soldado Condutor Auto Comando, natural de Valverde / Coruche, e inumado no cemitério de Coruche, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• José da Rocha Moreira, Soldado Condutor Auto Comendo, natural de Arcozelo 7/7 Vila Nova de Gaia, inumado no cemitério de Arcozelo, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Manuel Couto Narciso, Soldado Condutor Auto Comendo, natural de Santa Catarina / Caldas da Rainha, inumado no cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Ramiro de Jesus Silva, 1º Cabo Condutor Auto Comando, natural de Valongo (Colmeias) / Leiria, inumado no cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Artur Mateus Martins, Soldado Cozinheiro Comando, natural de Olhão, inumado no cemitério do Alto de S. João - Lisboa, faleceu, no Hospital Militar Principal (Lisboa), vítima de ferimentos recebidos em combate em 28 de Novembro de 1964, no contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em
8 de Dezembro de 1965;
Grupo Comandos Os Fantasmas
• António Joaquim Vieira Pereira, 1º Cabo Corneteiro Comando, natural de Santa Leocádia / Baião, inumado no cemitério de Santa Leocádia, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Artur Pereira Pires, Furriel Miliciano Comando, natural de S. Sebastião da Pedreira / Lisboa, inumado no cemitério da Ajuda em Lisboa, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Braima Seidi, 1º Cabo Comando natural de Buba / Fulacunda, inumado no Cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Eugénio Campos Ferreira, Soldado Condutor Auto Comando, natural de Vila Frescaínha (São Pedro) / Barcelos, e inumado no cemitério de Vila Frescaínha, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• João Ramos Godinho, Soldado Condutor Auto Comando, natural de Valverde / Coruche, e inumado no cemitério de Coruche, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• José da Rocha Moreira, Soldado Condutor Auto Comendo, natural de Arcozelo 7/7 Vila Nova de Gaia, inumado no cemitério de Arcozelo, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Manuel Couto Narciso, Soldado Condutor Auto Comendo, natural de Santa Catarina / Caldas da Rainha, inumado no cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Ramiro de Jesus Silva, 1º Cabo Condutor Auto Comando, natural de Valongo (Colmeias) / Leiria, inumado no cemitério de Bissau – Guiné, tombou em contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em 28 de Novembro de 1964;
• Artur Mateus Martins, Soldado Cozinheiro Comando, natural de Olhão, inumado no cemitério do Alto de S. João - Lisboa, faleceu, no Hospital Militar Principal (Lisboa), vítima de ferimentos recebidos em combate em 28 de Novembro de 1964, no contacto com o IN, junto do Rio Gobige, na estrada Madina do Boé para Contabane, em
8 de Dezembro de 1965;
Guiné 63/74 - P1492: Álbum das Glórias (7): Eu, o Mário Soares, o grande cantautor de Coimbra, Luiz Goes, e o Spencer (António Pinto)
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: O Alf Mil António Pinto, o Mário Soares, comerciante de Pirada, o Alf Médico (e hoje conhecido como o grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1) e o Alf Mil Spencer.
Série Álbum das Glórias (2)
Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados (3).
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Notas de L.G.:
(1) Vd. sítio Coimbra XXI, Gestão e Promoção Cultural > Sobre Luiz Goes (Reprodução do texto, com a devida vénia):
"Luiz Fernando de Sousa Pires de Goes
"Coimbra, 5 de Janeiro de 1933
"Licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, em 1958, exerceu a profissão de médico estomatologista, em Lisboa, até 2003. Prestou serviço militar na Guiné como Tenente-médico, entre 1963 e 1965 [, BCAÇ 506].
"Iniciou-se no Fado de Coimbra por influência do seu tio, Armando Goes, um dos grandes cantores e compositores dos anos vinte, contemporâneo de Edmundo Bettencourt, António Menano, Lucas Junot e Paradela de Oliveira.
"Cantou pela primeira vez em público com apenas 14 anos de idade, numa festa do Liceu D. João III, em Coimbra, interpretando a Feiticeira, de autoria de Ângelo de Araújo. Já anteriormente tinha tido o privilégio de ser acompanhado, em convívios de antigos estudantes, por Artur Paredes, Afonso de Sousa e Francisco Menano, irmão mais velho de António Menano. Fez as primeiras gravações em 1953 com José Afonso, António Brojo e António Portugal.
"Enquanto estudante, integrou o Orfeon Académico, onde foi solista, e o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), sob a direcção do Prof. Paulo Quintela. Colaborou ainda com outros organismos académicos como o Coral da Faculdade de Letras e a Tuna Académica.
"Com José Afonso, Fernando Rolim e Machado Soares participou na gravação de discos de setenta e oito rotações, os primeiros depois da geração de oiro dos anos vinte, acompanhado por António Brojo, António Portugal, Mário de Castro e Aurélio Reis. ´
Série Álbum das Glórias (2)
Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados (3).
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Notas de L.G.:
(1) Vd. sítio Coimbra XXI, Gestão e Promoção Cultural > Sobre Luiz Goes (Reprodução do texto, com a devida vénia):
"Luiz Fernando de Sousa Pires de Goes
"Coimbra, 5 de Janeiro de 1933
"Licenciado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, em 1958, exerceu a profissão de médico estomatologista, em Lisboa, até 2003. Prestou serviço militar na Guiné como Tenente-médico, entre 1963 e 1965 [, BCAÇ 506].
"Iniciou-se no Fado de Coimbra por influência do seu tio, Armando Goes, um dos grandes cantores e compositores dos anos vinte, contemporâneo de Edmundo Bettencourt, António Menano, Lucas Junot e Paradela de Oliveira.
"Cantou pela primeira vez em público com apenas 14 anos de idade, numa festa do Liceu D. João III, em Coimbra, interpretando a Feiticeira, de autoria de Ângelo de Araújo. Já anteriormente tinha tido o privilégio de ser acompanhado, em convívios de antigos estudantes, por Artur Paredes, Afonso de Sousa e Francisco Menano, irmão mais velho de António Menano. Fez as primeiras gravações em 1953 com José Afonso, António Brojo e António Portugal.
"Enquanto estudante, integrou o Orfeon Académico, onde foi solista, e o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), sob a direcção do Prof. Paulo Quintela. Colaborou ainda com outros organismos académicos como o Coral da Faculdade de Letras e a Tuna Académica.
"Com José Afonso, Fernando Rolim e Machado Soares participou na gravação de discos de setenta e oito rotações, os primeiros depois da geração de oiro dos anos vinte, acompanhado por António Brojo, António Portugal, Mário de Castro e Aurélio Reis. ´
"Luiz Goes tem desenvolvido uma actividade artística regular enquanto cantor, compositor e poeta, sendo unanimemente reconhecido como o maior intérprete da segunda metade do século XX da Canção de Coimbra. Gravou vários LP´s sendo de destacar: Serenata de Coimbra (Coimbra Quintet), Coimbra de ontem e de hoje, Canções do mar e da vida, Canções de amor e esperança e Canções para quase todos.
"É Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e recebeu a Medalha de Oiro da Cidade de Coimbra e a medalha de Mérito Cultural do Município de Cascais.
"Carlos Carranca disse, a 4 de Julho de 1998, aquando da cerimónia de entrega da Medalha de Ouro da Cidade de Coimbra a Luiz Goes:
"Dizia Teixeira de Pascoaes que a voz de Hilário "subia nas noites de Coimbra até se ouvir na lua". Ele era o primeiro grande cantor das inesquecíveis noites de luar da Velha Alta. Hoje, no dealbar do novo milénio, cem anos depois de Hilário, a voz de Luiz Goes enche a noite, universalizando a toada coimbrã, penetrando fundo na cósmica inquietação do Futuro. A alma de Coimbra é a voz de Luiz Goes e a voz de Luiz Goes é a voz telúrica e trágica da condição humana. A sua obra é um monumento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida.
"- É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe. Vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo. Chega mais longe porque tu lhe insuflaste a tua própria vida, lhe deste a tua inteligência e a tua criatividade inacessíveis aos que de Coimbra se contentam em imitar o estilo, a exibir erudição, a contabilizar louvores.
"Com Luiz Goes o canto de Coimbra rompe com a 'lamechice', desce às raízes, ganha autenticidade e sensualidade. Luiz Goes não só canta, como escreve sobre nós, e fá-lo apaixonadamente. Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as nossas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos. Seus versos pedem canto. E o que é cantar? É talvez o meio de sermos por fora o que somos por dentro. É escancarar o que nos vai na alma reduzindo a distância que nos separa. E não há forma mais perfeita de estar com os outros.
"Em Luiz Goes habitam as múltiplas influências do trovador inquieto e intemporal, do poeta, do respeitador da tradição no que ela possui de essencial, rejeitando exibicionismos vocais, poéticos saudosismos serôdios e intransigências reaccionárias. Luiz Goes é um cantor da Saudade. Mas de uma saudade que nos faz compreender que todos nós participamos num ser universal".
(2) Vd. post de 30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1473: O álbum das glórias (6): A 'dolce vita' de Bolama (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)
(3) Vd. post de 3 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1491: Gabu: Fotos com legenda (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (2): Nova Lamego, Pirada, Buruntuma, Senegal
"Com Luiz Goes o canto de Coimbra rompe com a 'lamechice', desce às raízes, ganha autenticidade e sensualidade. Luiz Goes não só canta, como escreve sobre nós, e fá-lo apaixonadamente. Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as nossas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos. Seus versos pedem canto. E o que é cantar? É talvez o meio de sermos por fora o que somos por dentro. É escancarar o que nos vai na alma reduzindo a distância que nos separa. E não há forma mais perfeita de estar com os outros.
"Em Luiz Goes habitam as múltiplas influências do trovador inquieto e intemporal, do poeta, do respeitador da tradição no que ela possui de essencial, rejeitando exibicionismos vocais, poéticos saudosismos serôdios e intransigências reaccionárias. Luiz Goes é um cantor da Saudade. Mas de uma saudade que nos faz compreender que todos nós participamos num ser universal".
(2) Vd. post de 30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1473: O álbum das glórias (6): A 'dolce vita' de Bolama (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)
(3) Vd. post de 3 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1491: Gabu: Fotos com legenda (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (2): Nova Lamego, Pirada, Buruntuma, Senegal
sábado, 3 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1491: Gabu: Fotos com legenda (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (2): Nova Lamego, Pirada, Buruntuma, Senegal
Fotos: António Pinto (2007). Direitos reservados.
Mensagem do António Pinto, com data de 3 de Janeiro último, enivada ao José Martins:
Caro José Martins:
Permito-me enviar mais algumas fotos (1), que legendei, esperando que sejam recebidas em boas condições. Ainda não são de Madina e Beli pois ainda não as encontrei.
Como diz o teu neto, temos que ser os escritores da nossa história, para que ele, bem como as minhas netas (tenho 4) e também todos os netos dos nossos camaradas, percebam um pouco do que foi a nossa passagem por terras da Guiné.
Um abraço do
António Pinto
(ex- Alf Mil, BCAÇ 506 e 512,
Nova Lamego, Pirada, Madina do Boé, Beli,
1963/65)
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
23 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1456: Gabu: Fotos com legendas (António Pinto, BCAÇ 506 e 512) (1): Pirada e Piche
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido
3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)
20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)
18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli
Guiné 63/74 - P1490: Favores sexuais furtivos em Mampatá (Paulo Santiago)
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > À noite na Pousada do Saltinho: o Abdu, de gorro vermelho, o Paulo Santiago e Sado (1)
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
Texto do Paulo Santiago (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53, SPM 3948, Satinho, 1970/72):
Luís:
Após ter lido o excelente post do Vitor Junqueira sobre a Fanta Baldé (2), não resisto, tenho de contar o meu primeiro encontro sexual, ocorrido na Guiné.
Estava há seis/sete meses sem saber o que era mulher. Tinha uma lavadeira, mas essa tratava-a com muito respeito, era mulher do meu soldado Fodé Sané, um dos meus
militares condecorados com Cruz de Guerra. Mulheres de soldados do 53 eram minhas irmãs, ninguém lhes tocava (Hei-de contar, um dia destes, um problema grave havido com um militar da CCAÇ 2701,quando tentou violentar uma dessas minhas irmãs).
Uma tarde, o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, diz-me, meio em segredo, ter uma bajuda para descarregares baterias (3), nessa noite, na tabanca de Mampatá, onde ele esperaria por mim para me indicar a morança.
Claro,a partir desta conversa, a cabeça,propriamente dita, deixou de funcionar, passando os neurónios para a cabeça da... piça. Mal jantei, dando a desculpa de uma indisposição e de que iria dar uma volta até à tabanca do meu pessoal, que ficava no exterior do arame farpado do quartel.
Mampatá distava uns 2 kms do quartel, percorridos em marcha acelerada, levando como única arma a faca de mato no cinturão. Estava uma escuridão que mal dava para lobrigar a picada.
À entrada da tabanca, estava o Abdu, à minha espera e foi-me conduzindo pelo meio das moranças,até chegar a uma onde me indicou para entrar,tendo-se ele afastado. Entrei, meio encurvado, a porta era baixa, há uma mão que me puxa, não dizemos qualquer palavra, não consigo ver a cara da mulher, se era nova ou velha. Falando portuguesmente foi uma foda à coelho.
Após consumação do coito, dou por mim meio aterrorizado. Puxo as calças para cima, agarro no cinturão e raspo-me dali para fora.Chego ao quartel ofegante.
Andei montes de tempo sem contar esta cena a ninguém, arrepiava-me só de pensar nela. Poderiam ter-me cortado a cabeça, a de cima, a que pensa,ou poderiam apanhar-me à mão. Nenhum outro militar sabia onde tinha ido naquela noite.
Após a independência vim a saber que o Abdu era o homem do PAIGC na zona. Em Fevereiro de 2005, tentei sacar-lhe se a intenção daquele convite não seria para ter outro resultado. Disse já não se lembrar do acontecido.
Putas, só mais tarde, quando estava em Bambadinca e aos Sábados lá ía, com o amigo Vacas de Carvalho, a Bafatá. Histórias para outra altura.
Abraço
Paulo Santiago
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane
(...) "Vem o Rui, encarregado da pousada, chamar-me pois anda o homem grande à minha procura- era o Abdu, mandinga, chefe de tabanca do Saltinho, negociante de vacas e magarefe de serviço na 2701, e, soubemo-lo mais tarde, homem do PAIGC na zona... Abraçamo-nos fortemente e, penso, que consegue estar mais emocionado que eu própio. Sentamo-nos a lembrar o arroz à Abdu que ele fazia de forma magistral. Pergunta-me por muitos ex-militares da 2701, por alguns dos meus furriéis do 53, falamos de vários assuntos, até sobre canhotos, aqueles cachimbos tradicionais" (...).
(2) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)
(3) Expressões equivalentes, no nosso jargão porno-militar, machista e sexista, da Guiné: dar uma cambalhota, mudar o óleo, partir catota, dar uma penachada... Não se pense, no entanto, que no nosso tempo nos comportávamos como tropa ocupante: na generalidade dos casos, e pelo menos no consulado de Spínola, as relações com a população que estava do nosso lado pautavam-se por regras (mínimas) de civilidade, de decoro e até de respeito pelas suas tradições e pela sua cultura...
Depois do primeiro choque cultural com comunidades e grupos humanos com valores e práticas sociais muito diferentes da nossa sociedade de origem, o soldado português rapidamente se adaptava e, nalguns casos, até sabia tirar partido das situações - por exemplo, em termos de favores sexuais por parte das mulheres ...
Não se pense que a prostituição - geralmente associada à presença de um ocupante estrangeiro ou de um forte contingente militar, em situação de guerra - estava generalizado a toda a Guiné... Na zona leste, por exemplo, Bafatá, sede de concelho e centro da máquina de guerra, era praticamente o único sítio onde o comércio do sexo funcionava segundo as leis da oferta e da procura... É claro que em Bambadinca (ou em Nova Lamego) também havia mulheres que faziam favores sexuais ou alinhavam em farras, mas o controlo social da comunidade era maior... Em Bafatá bastavam os pesos; em Bambadinca, o tuga tinha que saber também tirar partido da sua capacidade de sedução...
E é bom que se diga que, na Guiné, no nosso tempo, lavadeira não era sinónimo de criada para todo o serviço... A maior parte das mulheres e bajudas da Guiné que trabalhavam para a tropa, nomeadamente na zona leste - como lavadeiras, por exemplo - , deram provas de grande dignidade e humanidade, apesar da sua pobreza e do assédio sexual a que estavam sujeitas...
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1489: Tabanca Grande (5): Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Médico, Catió, BCAÇ 2930
Guiné > Região e Tobali > Catió > CCS do BCAÇ 2930 (1970/72) > O Alf Mil Médico Amaral Bernardo.
Porto > 2007 > Amaral Bernardo, Professor Catedrático Convidado no ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; responsável do Departamento de Ensino Pré Graduado do HGSA - Hospital Geral de Santo António, Porto.
Fotos: © Amaral Bernardo (2007). Direitos reservados.
Luís:
Com este e-mail e estas fotografias formalizo a minha entrada para a família da guerra da Guiné que faz deste Blogue (propositadamente com maiúscula) o seu ponto de encontro para partilha de vivências que, de outro modo, teriam que continuar a ser ruminadas e recalcadas na solidão da nossa angústia - as boas e as péssimas.
Foi pela mão do Paulo Salgado, meu amigo, que diariamente, quase desde o princípio, aqui venho - com atenção e muita emoção, como já disse. E desde o princípio me senti sempre em família.
Aceito, pois, o teu convite e prometo cumprir as regras e partilhar... mesmo as minhas críticas frontais e abertas (se as houver).
Neste momento não posso fugir ao lugar comum de te felicitar por esta iniciativa cujos resultados estão à vista. Mesmo quande se discorda ocasinalmente.
Cumprimento também todos os que já fazem parte desta família.
Abraço
Amaral Bernardo
(CCS / BCAÇ 2930, Catió, 197o/72)
2. Comentário de L.G.:
Reiterando o que já te disse, em privado, estás triplamente em casa, neste nosso blogue: és um camarada da Guiné e um homem da saúde, além de professor, formador de médicos e outros profissionais de saúde. São três características que temos em comum: se lhe juntarmos o facto de termos um amigo em comum que se chama Paulo Salgado, já são quatro. Se te disser que tenho uma costela nortenha pela via do casamento (a minha mulher é do Marco de Canaveses e tenho numerosa e fantástica família no Porto), então já são demasiadas coincidências... Mas tu estás, por mérito próprio, nesta grande família que são os amigos e camaradas da Guiné... Ficamos honrados com o teu pedido (formal) de adesão à tertúlia. Já reparaste que é gente do melhor, amiga do seu amigo, camarada do seu camarada... Terás de arranjar algum tempo para nos contares as tuas estórias de médico no martirizado sul da Guiné... LG
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1474: O capelão Mário Oliveira, de Catió, que ia a Bedanda (Mário Bravo)
29 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1471: O tenente miliciano capelão Mário Oliveira, Catió. BCAÇ 2930 (Amaral Bernardo)
12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1363: Questões politicamente (in)correctas (13): Combatentes e desertores não cabem no mesmo saco (Amaral Bernardo)
Porto > 2007 > Amaral Bernardo, Professor Catedrático Convidado no ICBAS - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar; responsável do Departamento de Ensino Pré Graduado do HGSA - Hospital Geral de Santo António, Porto.
Fotos: © Amaral Bernardo (2007). Direitos reservados.
Luís:
Com este e-mail e estas fotografias formalizo a minha entrada para a família da guerra da Guiné que faz deste Blogue (propositadamente com maiúscula) o seu ponto de encontro para partilha de vivências que, de outro modo, teriam que continuar a ser ruminadas e recalcadas na solidão da nossa angústia - as boas e as péssimas.
Foi pela mão do Paulo Salgado, meu amigo, que diariamente, quase desde o princípio, aqui venho - com atenção e muita emoção, como já disse. E desde o princípio me senti sempre em família.
Aceito, pois, o teu convite e prometo cumprir as regras e partilhar... mesmo as minhas críticas frontais e abertas (se as houver).
Neste momento não posso fugir ao lugar comum de te felicitar por esta iniciativa cujos resultados estão à vista. Mesmo quande se discorda ocasinalmente.
Cumprimento também todos os que já fazem parte desta família.
Abraço
Amaral Bernardo
(CCS / BCAÇ 2930, Catió, 197o/72)
2. Comentário de L.G.:
Reiterando o que já te disse, em privado, estás triplamente em casa, neste nosso blogue: és um camarada da Guiné e um homem da saúde, além de professor, formador de médicos e outros profissionais de saúde. São três características que temos em comum: se lhe juntarmos o facto de termos um amigo em comum que se chama Paulo Salgado, já são quatro. Se te disser que tenho uma costela nortenha pela via do casamento (a minha mulher é do Marco de Canaveses e tenho numerosa e fantástica família no Porto), então já são demasiadas coincidências... Mas tu estás, por mérito próprio, nesta grande família que são os amigos e camaradas da Guiné... Ficamos honrados com o teu pedido (formal) de adesão à tertúlia. Já reparaste que é gente do melhor, amiga do seu amigo, camarada do seu camarada... Terás de arranjar algum tempo para nos contares as tuas estórias de médico no martirizado sul da Guiné... LG
_________
Nota de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1474: O capelão Mário Oliveira, de Catió, que ia a Bedanda (Mário Bravo)
29 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1471: O tenente miliciano capelão Mário Oliveira, Catió. BCAÇ 2930 (Amaral Bernardo)
12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1363: Questões politicamente (in)correctas (13): Combatentes e desertores não cabem no mesmo saco (Amaral Bernardo)
Guiné 63/74 - P1488: Vídeos (1): Reportagem da RTP sobre os talhões e cemitérios militares no Ultramar (Jorge Santos)
Informação que nos chega, amavelmente, pelo nosso camarada Jorge Santos, membro da nossa tertúlia e editor do sítio Guerra Colonial Portuguesa:
EM REPORTAGEM - DOR ADORMECIDA
Programa da RTP, de 20 de Setembro de 2006, sobre os talhões e cemitérios militares em Angola, Guiné e Moçambique.
Trinta anos depois do fim da guerra colonial, existem famílias que estão interessadas em transladar os restos mortais dos seus parentes e pretendem pedir ajuda ao Governo português. A última trasladação dos restos mortais de um militar falecido nas ex-colónias ocorreu em 2003 (1).
Entrem no link abaixo indicado e vejam a reportagem na íntegra (em vídeo de 15 m). Inclui imagens dos cemitérios militares de Bissau e Bambadinca (este completamente abandonado):
http://www.rtp.pt/wportal/informacao/reportagem/
Cumprimentos
Jorge Santos
___________
Nota de L.G.:
(1) Sobre este dossiê (doloroso) , vd. os seguintes posts:
28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho
25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida
26 de Setembro de 2006 > né 63/74 - P1117: Reabilitação de talhões e cemitérios militares nas antigas colónias (Jorge Santos)
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1108: Cemitérios militares: chocado com o programa da RTP1 (Paulo Santiago)
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1106: A ubiquidade dos nossos mortos (Zélia)
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
20 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1093: Programa da RTP1, hoje, às 21h, sobre as campas abandonadas dos nossos mortos (José Martins)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
EM REPORTAGEM - DOR ADORMECIDA
Programa da RTP, de 20 de Setembro de 2006, sobre os talhões e cemitérios militares em Angola, Guiné e Moçambique.
Trinta anos depois do fim da guerra colonial, existem famílias que estão interessadas em transladar os restos mortais dos seus parentes e pretendem pedir ajuda ao Governo português. A última trasladação dos restos mortais de um militar falecido nas ex-colónias ocorreu em 2003 (1).
Entrem no link abaixo indicado e vejam a reportagem na íntegra (em vídeo de 15 m). Inclui imagens dos cemitérios militares de Bissau e Bambadinca (este completamente abandonado):
http://www.rtp.pt/wportal/informacao/reportagem/
Cumprimentos
Jorge Santos
___________
Nota de L.G.:
(1) Sobre este dossiê (doloroso) , vd. os seguintes posts:
28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho
25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida
26 de Setembro de 2006 > né 63/74 - P1117: Reabilitação de talhões e cemitérios militares nas antigas colónias (Jorge Santos)
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1108: Cemitérios militares: chocado com o programa da RTP1 (Paulo Santiago)
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1106: A ubiquidade dos nossos mortos (Zélia)
21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)
20 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1093: Programa da RTP1, hoje, às 21h, sobre as campas abandonadas dos nossos mortos (José Martins)
28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)
30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
Guiné 63/74 - P1487: Blogoterapia (17): As nossas leituras em tempo de guerra (Beja Santos)
Mensagem do Beja Santos, com data de 11/1/2007:
Caro Luís:
Como é bom revisitar as leituras de juventude, textos que foram importantes no teatro de guerra.
Agradeço-te sempre com alegria o bem que representa agora na minha vida escrever o que julgava tão íntimo e intransmissível.
Teu,
Mário.
Caro Luís:
Como é bom revisitar as leituras de juventude, textos que foram importantes no teatro de guerra.
Agradeço-te sempre com alegria o bem que representa agora na minha vida escrever o que julgava tão íntimo e intransmissível.
Teu,
Mário.
Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas
Guiné > Zona Leste > SEctor L1 > Pel Caç Nat 52 > Outubro de 1968 > Operação Meia Onça > Em primeiro plano, o Alf Mil Beja Santos a caminho de Amedalai e Taibatá... "As minhas filhas descobriram esta foto que alguém me tirou naquele dia 13 de Outubro. Da Meia Onça já se falou no blogue: um fiasco que serviu para nos mortificar, sobretudo a CART 2339 [, Mansambo, 1968/69]. Eu usava estes óculos que ficaram destruídos pela mina anticarro de Canturé, em Outubro de 1969" (BS)
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Texto enviado em 10 de Janeiro de 2007. Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro Luís, aqui vai o texto da semana. Farei a referência a duas obras literárias que seguirão pelo correio, e confesso-te que são graficamente muito belas. Como igualmente faço referência aos bilhetes postais que a família e os entes queridos mandavam, tu farás o registo dos que entenderes. Se me permites alguma sugestão para fotografias, tens aí apontamentos sobre Missirá, seja os recentemente chegados por via do Luis Casanova seja daqueles que te tenho vindo enviar (por exemplo, a dar escola aos milícias). As minhas filhas descobriram uma fotografia a cores, quando eu ia a caminho do Xime para a Operação Meria Onça. Vou digitalizar-te e enviar-te para a semana. Recebe um grande abraço do Mário.
Aquelas abelhas eram sempre assassinas!
por Beja Santos
Os dois tiros rasgaram a noite exactamente quando eu lia o aerograma do Pedro Abranches, dando notícias do estado de saúde do Paulo Ribeiro Semedo. O Pedro Abranches era médico de análises clínicas no HM 241, casado com uma enfermeira colega da minha irmã, e fora visitar o sinistrado do presépio de Chicri. O Paulo acabara de ser evacuado para a metrópole para o Hospital da Estrela e estava fora de perigo. Nessa altura o diagnóstico, segundo o Pedro Abranches, ainda era favorável: "Da vista conseguirá recuperar, depois de um período de expectativa em que parecia que a ia perder. Tem o membro superior esquerdo completamente paralisado devido a estilhaços que lhe cortaram nervos fundamentais. Com fisioterapia poderá recuperar parcialmente".
A honra de macho lava-se aos tiros
Aos dois tiros sucedeu-se uma algazarra, da algazarra passou-se a um formidável coro de tragédia grega, abro a porta da cubata onde se forma um ajuntamento e Trilene Camará, um soldado que os camaradas chamavam "homem curto" (homem baixo) avança para mim com o rosto congestionado:
-Alfero, apanhei a Sali a dormir com o Mamasamba, venha ver a cama!
Perguntei de quem eram os tiros e a resposta do amante enganado foi de que procurara atingir os adúlteros, em vão. Chamo o régulo, a quem entrego a administração desta justiça, e avançamos para a cubata de Trilene, não sem eu ter dito ao Cherno para procurar encontrar Mamasamba e escondê-lo no armazém dos víveres.
O coro grego seguia-nos, vistoriámos um catre com roupa desarrumada, procurei, com o beneplácito de Malã Soncó, tranquilizar o desditoso marido que dentro em pouco nos acompanharia na Operação Andorra. Pedi ao Trilene que não se esquecesse que era soldado, todo o julgamento desta situação ficaria a cargo do régulo, tudo seria apreciado e decidido dentro de dois dias. O desconsolado a tudo dizia que sim de cabeça baixa mas rematou de cabeça erguida:
-Eu quero é que a família dela me dê uma vaca mais 3200 escudos que foi quanto me custou
Pedi a alguns soldados, e sobretudo ao Domingos Silva, que vigiassem Trilene até de madrugada, para evitar disparates e mais tiroteio avulso.
Operação Andorra e a memória de elefante do Quetá Baldé
Voltei para a cubata e pedi para me chamarem Quebá Soncó, o nosso picador. Sentámo-nos e terei dito algo como isto:
- Quebá, está a chegar um pelotão que ficará em Missirá enquanto nós partimos com toda a milícia para fazer um grande reconhecimento nas lalas de Paté Gidé, descer por Sancorlã em direcção ao rio de Biassa e cerca de 12 Km à frente contornar o rio de Ganturandim , atravessar para Salaquinhé e sair em Chicri, acima de Mato de Cão. Prevejo cerca de 40 horas de marcha, dormiremos uma noite muito perto de Madina. Peço-lhe para ir com os olhos muito abertos. Pretendo saber exactamente quantos caminhos saem de Madina até ao Geba. Num deles emboscaremos até um dia. Seja franco comigo, fale sempre verdade comigo, sempre que houver trilhos novos, vestígios da passagem recente de gente que vai aos Nhabijões ou para Santa Helena ou Mero, diga-me logo.
A Operação Andorra deixou marcas em nossas vidas de combatentes: foi penosa, pôs-nos os nervos à prova e terá sido provavelmente a gota de água da luta feroz que a partir daí Madina nos vai desencadear. Pessoalmente, aprendi que existia um inimigo oculto na mata, tão ou mais letal que o fogo: as abelhas. Não há relatório da Andorra e por essa razão recorri à memória prodigiosa de Queta Baldé:
-Lembro que saímos ainda de noite, o capim todo molhado, era capim de época seca, muito alto, molhava até ao pescoço. Havia lua, tínhamos dois cajueiros à direita, frente à porta de armas, e virámos para Cancumba, onde nosso alfero gostava de ver as árvores do pau de sangue. Como sou de Amedelai, negociava muito com a ponta de Sancorlã. Vendiam ali aguardente e amendoim. Fizemos bem o caminho porque eu conhecia os trilhos velhos e indiquei-os ao Quebá. Fomos de Cancumba até Paté Gidé, não havia nada a não ser floresta fechada, à volta da ponta tínhamos laranjeiras, eu conhecia aqueles campos onde antes da guerra se plantava milho, mandioca e arroz. Caminhámos com as fardas molhadas, metemo-nos na lama, depois veio o Sol e depois choveu, e a seguir voltou o sol. Em Sancorlã, também nada. Nosso alfero disse ao Quebá para descer ao rio de Biassa, passando por Tumaná. Se até aí não tínhamos avistado nada, quando saímos para Biassa encontrámos um trilho que tinha usado há algum tempo. Uma hora depois, entrámos no velho trilho onde antes da guerra eu fora fazer comércio a Madina. Mas estava tudo abandonado, só íamos encontrando javalis, cabras de mato e porcos espinhos. Quando eu era menino ia com o meu paizinho por este caminho até Sarauol, que durante a guerra passou a ser um local terrível onde as tropas não iam. Lembro-me também que Cibo Indjai me substituiu nesta altura a orientar Quebá Soncó. À volta de Madina, nas bolanhas, havia sentinelas permanentes e pedimos a nosso alfero para descermos dentro do mato fechado como se fôssemos em direcção a S. Belchior. Caminhávamos para o fim do dia, quando se descobriu um trilho fresco perto de Iaricunda. Atravessámos em direcção a Sinchã Corubal e aí jantámos e montámos emboscada junto do trilho. Foi uma noite sossegada e ao amanhecer subimos para o interior, era um trilho que avançava para Chicri. Foi aí que nosso alfero, quando viu marcas no chão mandou montar nova emboscada.
Abelha, abelha!!!...
Eu olho banzado para este homem a quem só falta perguntar o nome de todos aqueles que ali estavam... na verdade, é acima de um palmeiral em Mato de Cão que usamos a convencional meia lua e no pressuposto que iríamos surpreender um contigente que viesse dos Nhabijões com sal, tabaco e outros produtos necessários à vida em Madina/Belel. As horas passam, as fardas ensopam, a vigilância perigosamente quebra. Eis então que levo uma cotovelada do José Jamanca que cicia ao meu ouvido direito:
-Vem um grupo mas de Madina para Chicri!
-Manda todo o grupo emboscado inverter a posição - respondo-lhe - e passa a palavra de que serei o primeiro a disparar, orientando o fogo de dilagrama e morteiros. Até nova ordem os bazuqueiros não trabalharão dentro daquela mata densa.
É um trilho enorme, bem sulcado e eu avisto à distância de centenas de metros. E quando vários vultos entram na minha mira mando despejar os morteiros sobre a coluna de Madina e disparo uma rajada para o interior da picada, onde avançam vultos em marcha apressada. Mas a coluna vinha preparada para reagir e reagiu desta vez. A floresta é um clamor de descargas, a folhagem desfaz-se, os ramos partem-se, os gritos de fúria e pesadelo misturam-se. Peço a dois apontadores de dilagrama para responderem aos RPG2 que não param de trabalhar.
Respondem e segue-se o alívio de um silêncio sepulcral. Grito para avançarmos e avançamos centenas de metros, até onde estava a cabeça da coluna. Como um mês atrás, encontrámos esteiras, sacos de comida, carregadores e uma arma semiautomática. Chamam-me a atenção para vestígios de sangue, há quem se prepare para uma caça ao homem. Mas a coluna inimiga fincara-se talvez um quilómetro atrás e despejou fogo na nossa direcção. Escondidos atrás das árvores, procuramos ver onde disparam as kalash e as bazucas. É nesse preciso instante se ouvem vozes estridentes que semeiam o pânico:
- Abelha, abelha, toca a fugir!.
É um espectáculo assombroso o que se segue e vejo de pé, impotente, incapaz de qualquer reacção: à distância, os guerrilheiros de Madina gritam e fogem, correndo por mim em pânico, os soldados de Missirá fogem. Fogem sacudindo-se batendo com as mãos no peito e nas pernas. Fogem com uivos de dor. Aquela indecifrável cena apocalíptica levanta-me o ânimo e por pura imitação desato a correr. É mais à frente que consigo que o Quebá me explique o que se está a passar: os tiros destruíram os favos, as abelhas atacam. As abelhas podem matar, irei aprender.
Mais tarde, em Março, quando entrar no HM 241 para ser operado assistirei à chegada de uma companhia de fuzileiros que caíra debaixo de um enxame de abelhas, entraram com o corpo todo inchado, alguns em estado de profundo choque, urrando com aquele sofrimento inusitado de abelhas que atacam quando se sentem perseguidas ou sentem o cheiro do suor ou do sangue.
É nesta atmosfera de dilúvio e derrocada que o soldado Sadibi Camará larga duas granadas e ouve-se uma explosão e a seguir um clamor de sofrimento: Sadjo Seidi tem as duas pernas estilhaçadas por uma granada ofensiva que se desencavilhou. Exactamente como um mês atrás retiramos com um ferido (felizmente menos grave), seguimos de Chicri para Gambaná, atravessamos em passo estugado para Malandim e ficamos em Finete a aguardar um helicóptero que o Teixeira chamara entretanto. Sadjo irá recuperar de uma das pernas, a outra deixou-a coxear para todo o sempre, devido a ferimentos no joelho e calcâneo.
Os livros do mês
Aprendi muito com as abelhas. Elas irão reaparecer no próximo mês, na Operação Anda Cá, onde seremos obrigados a regressar ao local do acidente para recuperar bazucas e morteiros, e também a Mansambo e na região do Xime, como aqui se irá contar. O lastimável disto tudo é que íamos tendo, todos nós, um saber de experiência feito, sem nenhuma indicação, sem sabermos quais as reacções mais adequadas perante esta fúria biológica. Quem diz abelhas diz macaréu, diz travessias de riachos, tornados e até doenças cuja existência nos era completamente desconhecida.
Capa do romance policial de SS. Van Dine, A Série Sangrenta. Lsiboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 30). Capa de Cândido Costa Pinto.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Volto para Missirá, onde nos esperam as obras, as aulas, um quotidiano fervente. No regresso ouvimos as explosões das morteiradas com que em Madina se espera um inimigo que já está longe. Em Missirá espera-nos o aconchego do banho e uma carne assada preparada por Jobo Baldé. Com o corpo moído e a convicção que amanhã regressaremos a Mato de Cão, vou para a minha cubata ler o correio que me foi entregue em Finete.
Capa da novela de Ernest Hemingway, O Velho e o Mar. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Miniatura, 41). Capa (falubosa) de Bernardo Marques.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Os postais ilustrados dos nossos amigos e familiares
Já vos falei dos bihetes postais que enviei sobretudo a partir de Bissau e Bafatá. Uma palavra para os bilhetes postais que vinham de Portugal até este ponto obscuro da floresta silenciosa:
A Cristina manda-me um marco do correio e insinuações que apontam para um casal de namorados. Se era verdade que suspirávamos pelo correio, convém agora relembrar que as nossas notícias, quando faltavam, ou se atrasavam, quebravam o ânimo dos nossos entes queridos. A minha irmã dá-nos notícias da família e manda-me um avião da TAP a sobrevoar impossivelmente o velho Aeroporto da Portela, como a recordar-me que eu era bem vindo a qualquer momento. O meu irmão agradece lembranças do Natal através do Palácio da Pena, com as pinturas da época. E a minha mãe escreve-me de S. Pedro do Sul com uma panorâmica de Vouzela e um velho comboio a atravessar a ponte. Espero que os historiadores do séc. XXI cuidem da função determinante que estes bilhetes postais tiveram nos nosso ânimos, substituindo palavras, acentuando sentimentos, gritando ausências.
Portugal > Bilhete postal > Edição Lifer - Porto, s/d. Colecção Postales Escudo de Oro > Impresso en España / Print in Spain, Barcelona / Nº 516 > Vouzela (Portugal) > Vista panorâmcia / Panoramic view / Vue panoramique...
Enviado ao Alf Mil Mário Beja Santos, SPM 3778, por sua mãe: "S. Pedro do Sul, 27/8/1969: Meu estimado e querido filho: Estou sem notícias tuas há uma semana. Mas possivelmente [há] atrasos na correspondência... De Lisboa, escrever-te-ei uma longa carta. Peço que rezes pelas minhas melhoras e que as águas produzam o seu efeito na minha saúde. Sigo com o Rudolfo para casa. Estive aqui 15 dias. Vês como é lindo, este sítio ? Muito tenho pensado em ti, meu querido filho. Como estarás de saúde ? (...).
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Há entradas e saída no nosso contigente militar. Chegou o Benjamim Lopes da Costa que veio substituir o Paulo. O Benjamim será um camarada inesquecível, mesmo quando, cheio de sofrimento, lhe darei voz de prisão após uma emboscada em que ele perdeu a cabeça e me chamou assassino. Cimentámos uma grande amizade que durou até 1990, ano da sua morte num estúpido acidente. E leio, leio desalmadamente. Primeiro, o épico que é O Velho e o Mar, por Ernest Hemingway. Nunca me cansarei desta narrativa em que um velho marinheiro, de nome Santiago, lá para Cuba, persegue um espadarte com 5 metros de comprimento, ganhando a luta mas perdendo a carne da presa, devorada por tubarões. Luta metafórica da nossa vida, vitória sobre o silêncio e sobre a solidão no alto mar: "Mesmo no alto mar, um homem nunca está só", escreve Hemingway. O herói policial do escritor S. S. Van Dine é o fleumático, super chique e super intelectual Philo Vance. O romance que devorei em duas horas livres é A Série Sangrenta, a tragédia dos Greene, um clã de multimilionários de Nova Iorque que vão sendo abatidos em casa, contrariando toda a lógica, graças a um génio diabólico que se vai revelar impotente perante os dotes de análise desse investigador gastrófilo, amante de porcelanas chinesas, mestre de esgrima e profundo conhecedor da música renascentista. Estes livros suavizam as asperezas do barro do quotidiano, uma roda que não pára de dançar.
Vem aí Fevereiro, mês em que vou ser punido, irei a Quebá Jilã donde traremos um prisioneiro, segue-se a tragédia da Anda Cá e temos por fim a Operação Fado Hilário, uma ida à base de Galoiel, salvo erro na companhia do Torcato Mendonça, e numa operação capitaneada por Laranjeira Henriques, de quem tenho saudades. Vamos então contar.
_______
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Texto enviado em 10 de Janeiro de 2007. Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
Caro Luís, aqui vai o texto da semana. Farei a referência a duas obras literárias que seguirão pelo correio, e confesso-te que são graficamente muito belas. Como igualmente faço referência aos bilhetes postais que a família e os entes queridos mandavam, tu farás o registo dos que entenderes. Se me permites alguma sugestão para fotografias, tens aí apontamentos sobre Missirá, seja os recentemente chegados por via do Luis Casanova seja daqueles que te tenho vindo enviar (por exemplo, a dar escola aos milícias). As minhas filhas descobriram uma fotografia a cores, quando eu ia a caminho do Xime para a Operação Meria Onça. Vou digitalizar-te e enviar-te para a semana. Recebe um grande abraço do Mário.
Aquelas abelhas eram sempre assassinas!
por Beja Santos
Os dois tiros rasgaram a noite exactamente quando eu lia o aerograma do Pedro Abranches, dando notícias do estado de saúde do Paulo Ribeiro Semedo. O Pedro Abranches era médico de análises clínicas no HM 241, casado com uma enfermeira colega da minha irmã, e fora visitar o sinistrado do presépio de Chicri. O Paulo acabara de ser evacuado para a metrópole para o Hospital da Estrela e estava fora de perigo. Nessa altura o diagnóstico, segundo o Pedro Abranches, ainda era favorável: "Da vista conseguirá recuperar, depois de um período de expectativa em que parecia que a ia perder. Tem o membro superior esquerdo completamente paralisado devido a estilhaços que lhe cortaram nervos fundamentais. Com fisioterapia poderá recuperar parcialmente".
A honra de macho lava-se aos tiros
Aos dois tiros sucedeu-se uma algazarra, da algazarra passou-se a um formidável coro de tragédia grega, abro a porta da cubata onde se forma um ajuntamento e Trilene Camará, um soldado que os camaradas chamavam "homem curto" (homem baixo) avança para mim com o rosto congestionado:
-Alfero, apanhei a Sali a dormir com o Mamasamba, venha ver a cama!
Perguntei de quem eram os tiros e a resposta do amante enganado foi de que procurara atingir os adúlteros, em vão. Chamo o régulo, a quem entrego a administração desta justiça, e avançamos para a cubata de Trilene, não sem eu ter dito ao Cherno para procurar encontrar Mamasamba e escondê-lo no armazém dos víveres.
O coro grego seguia-nos, vistoriámos um catre com roupa desarrumada, procurei, com o beneplácito de Malã Soncó, tranquilizar o desditoso marido que dentro em pouco nos acompanharia na Operação Andorra. Pedi ao Trilene que não se esquecesse que era soldado, todo o julgamento desta situação ficaria a cargo do régulo, tudo seria apreciado e decidido dentro de dois dias. O desconsolado a tudo dizia que sim de cabeça baixa mas rematou de cabeça erguida:
-Eu quero é que a família dela me dê uma vaca mais 3200 escudos que foi quanto me custou
Pedi a alguns soldados, e sobretudo ao Domingos Silva, que vigiassem Trilene até de madrugada, para evitar disparates e mais tiroteio avulso.
Operação Andorra e a memória de elefante do Quetá Baldé
Voltei para a cubata e pedi para me chamarem Quebá Soncó, o nosso picador. Sentámo-nos e terei dito algo como isto:
- Quebá, está a chegar um pelotão que ficará em Missirá enquanto nós partimos com toda a milícia para fazer um grande reconhecimento nas lalas de Paté Gidé, descer por Sancorlã em direcção ao rio de Biassa e cerca de 12 Km à frente contornar o rio de Ganturandim , atravessar para Salaquinhé e sair em Chicri, acima de Mato de Cão. Prevejo cerca de 40 horas de marcha, dormiremos uma noite muito perto de Madina. Peço-lhe para ir com os olhos muito abertos. Pretendo saber exactamente quantos caminhos saem de Madina até ao Geba. Num deles emboscaremos até um dia. Seja franco comigo, fale sempre verdade comigo, sempre que houver trilhos novos, vestígios da passagem recente de gente que vai aos Nhabijões ou para Santa Helena ou Mero, diga-me logo.
A Operação Andorra deixou marcas em nossas vidas de combatentes: foi penosa, pôs-nos os nervos à prova e terá sido provavelmente a gota de água da luta feroz que a partir daí Madina nos vai desencadear. Pessoalmente, aprendi que existia um inimigo oculto na mata, tão ou mais letal que o fogo: as abelhas. Não há relatório da Andorra e por essa razão recorri à memória prodigiosa de Queta Baldé:
-Lembro que saímos ainda de noite, o capim todo molhado, era capim de época seca, muito alto, molhava até ao pescoço. Havia lua, tínhamos dois cajueiros à direita, frente à porta de armas, e virámos para Cancumba, onde nosso alfero gostava de ver as árvores do pau de sangue. Como sou de Amedelai, negociava muito com a ponta de Sancorlã. Vendiam ali aguardente e amendoim. Fizemos bem o caminho porque eu conhecia os trilhos velhos e indiquei-os ao Quebá. Fomos de Cancumba até Paté Gidé, não havia nada a não ser floresta fechada, à volta da ponta tínhamos laranjeiras, eu conhecia aqueles campos onde antes da guerra se plantava milho, mandioca e arroz. Caminhámos com as fardas molhadas, metemo-nos na lama, depois veio o Sol e depois choveu, e a seguir voltou o sol. Em Sancorlã, também nada. Nosso alfero disse ao Quebá para descer ao rio de Biassa, passando por Tumaná. Se até aí não tínhamos avistado nada, quando saímos para Biassa encontrámos um trilho que tinha usado há algum tempo. Uma hora depois, entrámos no velho trilho onde antes da guerra eu fora fazer comércio a Madina. Mas estava tudo abandonado, só íamos encontrando javalis, cabras de mato e porcos espinhos. Quando eu era menino ia com o meu paizinho por este caminho até Sarauol, que durante a guerra passou a ser um local terrível onde as tropas não iam. Lembro-me também que Cibo Indjai me substituiu nesta altura a orientar Quebá Soncó. À volta de Madina, nas bolanhas, havia sentinelas permanentes e pedimos a nosso alfero para descermos dentro do mato fechado como se fôssemos em direcção a S. Belchior. Caminhávamos para o fim do dia, quando se descobriu um trilho fresco perto de Iaricunda. Atravessámos em direcção a Sinchã Corubal e aí jantámos e montámos emboscada junto do trilho. Foi uma noite sossegada e ao amanhecer subimos para o interior, era um trilho que avançava para Chicri. Foi aí que nosso alfero, quando viu marcas no chão mandou montar nova emboscada.
Abelha, abelha!!!...
Eu olho banzado para este homem a quem só falta perguntar o nome de todos aqueles que ali estavam... na verdade, é acima de um palmeiral em Mato de Cão que usamos a convencional meia lua e no pressuposto que iríamos surpreender um contigente que viesse dos Nhabijões com sal, tabaco e outros produtos necessários à vida em Madina/Belel. As horas passam, as fardas ensopam, a vigilância perigosamente quebra. Eis então que levo uma cotovelada do José Jamanca que cicia ao meu ouvido direito:
-Vem um grupo mas de Madina para Chicri!
-Manda todo o grupo emboscado inverter a posição - respondo-lhe - e passa a palavra de que serei o primeiro a disparar, orientando o fogo de dilagrama e morteiros. Até nova ordem os bazuqueiros não trabalharão dentro daquela mata densa.
É um trilho enorme, bem sulcado e eu avisto à distância de centenas de metros. E quando vários vultos entram na minha mira mando despejar os morteiros sobre a coluna de Madina e disparo uma rajada para o interior da picada, onde avançam vultos em marcha apressada. Mas a coluna vinha preparada para reagir e reagiu desta vez. A floresta é um clamor de descargas, a folhagem desfaz-se, os ramos partem-se, os gritos de fúria e pesadelo misturam-se. Peço a dois apontadores de dilagrama para responderem aos RPG2 que não param de trabalhar.
Respondem e segue-se o alívio de um silêncio sepulcral. Grito para avançarmos e avançamos centenas de metros, até onde estava a cabeça da coluna. Como um mês atrás, encontrámos esteiras, sacos de comida, carregadores e uma arma semiautomática. Chamam-me a atenção para vestígios de sangue, há quem se prepare para uma caça ao homem. Mas a coluna inimiga fincara-se talvez um quilómetro atrás e despejou fogo na nossa direcção. Escondidos atrás das árvores, procuramos ver onde disparam as kalash e as bazucas. É nesse preciso instante se ouvem vozes estridentes que semeiam o pânico:
- Abelha, abelha, toca a fugir!.
É um espectáculo assombroso o que se segue e vejo de pé, impotente, incapaz de qualquer reacção: à distância, os guerrilheiros de Madina gritam e fogem, correndo por mim em pânico, os soldados de Missirá fogem. Fogem sacudindo-se batendo com as mãos no peito e nas pernas. Fogem com uivos de dor. Aquela indecifrável cena apocalíptica levanta-me o ânimo e por pura imitação desato a correr. É mais à frente que consigo que o Quebá me explique o que se está a passar: os tiros destruíram os favos, as abelhas atacam. As abelhas podem matar, irei aprender.
Mais tarde, em Março, quando entrar no HM 241 para ser operado assistirei à chegada de uma companhia de fuzileiros que caíra debaixo de um enxame de abelhas, entraram com o corpo todo inchado, alguns em estado de profundo choque, urrando com aquele sofrimento inusitado de abelhas que atacam quando se sentem perseguidas ou sentem o cheiro do suor ou do sangue.
É nesta atmosfera de dilúvio e derrocada que o soldado Sadibi Camará larga duas granadas e ouve-se uma explosão e a seguir um clamor de sofrimento: Sadjo Seidi tem as duas pernas estilhaçadas por uma granada ofensiva que se desencavilhou. Exactamente como um mês atrás retiramos com um ferido (felizmente menos grave), seguimos de Chicri para Gambaná, atravessamos em passo estugado para Malandim e ficamos em Finete a aguardar um helicóptero que o Teixeira chamara entretanto. Sadjo irá recuperar de uma das pernas, a outra deixou-a coxear para todo o sempre, devido a ferimentos no joelho e calcâneo.
Os livros do mês
Aprendi muito com as abelhas. Elas irão reaparecer no próximo mês, na Operação Anda Cá, onde seremos obrigados a regressar ao local do acidente para recuperar bazucas e morteiros, e também a Mansambo e na região do Xime, como aqui se irá contar. O lastimável disto tudo é que íamos tendo, todos nós, um saber de experiência feito, sem nenhuma indicação, sem sabermos quais as reacções mais adequadas perante esta fúria biológica. Quem diz abelhas diz macaréu, diz travessias de riachos, tornados e até doenças cuja existência nos era completamente desconhecida.
Capa do romance policial de SS. Van Dine, A Série Sangrenta. Lsiboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Vampiro, 30). Capa de Cândido Costa Pinto.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Volto para Missirá, onde nos esperam as obras, as aulas, um quotidiano fervente. No regresso ouvimos as explosões das morteiradas com que em Madina se espera um inimigo que já está longe. Em Missirá espera-nos o aconchego do banho e uma carne assada preparada por Jobo Baldé. Com o corpo moído e a convicção que amanhã regressaremos a Mato de Cão, vou para a minha cubata ler o correio que me foi entregue em Finete.
Capa da novela de Ernest Hemingway, O Velho e o Mar. Lisboa: Livros do Brasil. s/d. (Colecção Miniatura, 41). Capa (falubosa) de Bernardo Marques.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Os postais ilustrados dos nossos amigos e familiares
Já vos falei dos bihetes postais que enviei sobretudo a partir de Bissau e Bafatá. Uma palavra para os bilhetes postais que vinham de Portugal até este ponto obscuro da floresta silenciosa:
A Cristina manda-me um marco do correio e insinuações que apontam para um casal de namorados. Se era verdade que suspirávamos pelo correio, convém agora relembrar que as nossas notícias, quando faltavam, ou se atrasavam, quebravam o ânimo dos nossos entes queridos. A minha irmã dá-nos notícias da família e manda-me um avião da TAP a sobrevoar impossivelmente o velho Aeroporto da Portela, como a recordar-me que eu era bem vindo a qualquer momento. O meu irmão agradece lembranças do Natal através do Palácio da Pena, com as pinturas da época. E a minha mãe escreve-me de S. Pedro do Sul com uma panorâmica de Vouzela e um velho comboio a atravessar a ponte. Espero que os historiadores do séc. XXI cuidem da função determinante que estes bilhetes postais tiveram nos nosso ânimos, substituindo palavras, acentuando sentimentos, gritando ausências.
Portugal > Bilhete postal > Edição Lifer - Porto, s/d. Colecção Postales Escudo de Oro > Impresso en España / Print in Spain, Barcelona / Nº 516 > Vouzela (Portugal) > Vista panorâmcia / Panoramic view / Vue panoramique...
Enviado ao Alf Mil Mário Beja Santos, SPM 3778, por sua mãe: "S. Pedro do Sul, 27/8/1969: Meu estimado e querido filho: Estou sem notícias tuas há uma semana. Mas possivelmente [há] atrasos na correspondência... De Lisboa, escrever-te-ei uma longa carta. Peço que rezes pelas minhas melhoras e que as águas produzam o seu efeito na minha saúde. Sigo com o Rudolfo para casa. Estive aqui 15 dias. Vês como é lindo, este sítio ? Muito tenho pensado em ti, meu querido filho. Como estarás de saúde ? (...).
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Há entradas e saída no nosso contigente militar. Chegou o Benjamim Lopes da Costa que veio substituir o Paulo. O Benjamim será um camarada inesquecível, mesmo quando, cheio de sofrimento, lhe darei voz de prisão após uma emboscada em que ele perdeu a cabeça e me chamou assassino. Cimentámos uma grande amizade que durou até 1990, ano da sua morte num estúpido acidente. E leio, leio desalmadamente. Primeiro, o épico que é O Velho e o Mar, por Ernest Hemingway. Nunca me cansarei desta narrativa em que um velho marinheiro, de nome Santiago, lá para Cuba, persegue um espadarte com 5 metros de comprimento, ganhando a luta mas perdendo a carne da presa, devorada por tubarões. Luta metafórica da nossa vida, vitória sobre o silêncio e sobre a solidão no alto mar: "Mesmo no alto mar, um homem nunca está só", escreve Hemingway. O herói policial do escritor S. S. Van Dine é o fleumático, super chique e super intelectual Philo Vance. O romance que devorei em duas horas livres é A Série Sangrenta, a tragédia dos Greene, um clã de multimilionários de Nova Iorque que vão sendo abatidos em casa, contrariando toda a lógica, graças a um génio diabólico que se vai revelar impotente perante os dotes de análise desse investigador gastrófilo, amante de porcelanas chinesas, mestre de esgrima e profundo conhecedor da música renascentista. Estes livros suavizam as asperezas do barro do quotidiano, uma roda que não pára de dançar.
Vem aí Fevereiro, mês em que vou ser punido, irei a Quebá Jilã donde traremos um prisioneiro, segue-se a tragédia da Anda Cá e temos por fim a Operação Fado Hilário, uma ida à base de Galoiel, salvo erro na companhia do Torcato Mendonça, e numa operação capitaneada por Laranjeira Henriques, de quem tenho saudades. Vamos então contar.
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá
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