1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 24 de Maio de 2011:
Carlos,
Este comentário é capaz de ser grande para exigir duas remessas. Assim, se não te importas, envio-o para colocação no blogue.
Um grande abraço
JD
Mais uma vez, vem o Mário fazer a apresentação de um livro, desta feita "Porque Perdemos a Guerra", da autoria do Almirante Pereira Crespo. E como é costume, suscita comentários que, entre o espírito de contradição ou a colagem política, estão a criar-lhe uma confusa ideia de rejeição ou cansaço. Há alguns leitores que a advogam, mas não prescindem dessas leituras, quiçá, atrevo-me a referir, ainda colhem muita informação com as iniciativas do recensor.
Dos comentários em presença ressaltam três ideias principais: a de que não se extrai matéria condizente com o título; que o livro contém contradições, e não fomos derrotados na guerra colonial.
O Mário terá incidido a atenção, pelo menos por ora, nos tão proclamados ensejos do General Spínola para chegar a um acordo de paz na Guiné. Foi exaustiva a exploração dessa matéria aqui no blogue e, de um modo geral, chegou-se à conclusão de que a solução para a guerra seria política (mas sem a conclusão de que sem uma forte acção armada, não seria possível alcançar uma solução política vitoriosa).
Para dar aconchego ao título, o que implica um reconhecimento de derrota, o Autor também fez considerações pertinentes e, tratando-se de pessoa que desempenhou cargos de grande responsabilidade, fê-lo com a competência e dose de conhecimento privilegiado, que o projectaram ao respeito dos seus pares.
Assim, refere que nas três frentes de África, o inimigo evitava o contacto que o dizimasse, tendo em conta o baixo número e dispersão de guerrilheiros, e preferia acolher-se nos países vizinhos, de onde penetrava em territórios nacionais para acções de guerrilha, para onde regressava em seguida, dificultava a nossa acção de represália, e recomeçava a luta quando lhe fosse mais favorável. Os portugueses sempre ponderaram as circunstâncias, pois para o destruir, seria necessária a invasão dos países vizinhos. Acrescenta o Almirante:
"Se assim procedermos, a guerra subversiva que nos era movida poderia evoluir para uma guerra internacional de tipo convencional e, da circunstância, resultariam consequências militares e diplomáticas de quase impossível previsão.
Não tínhamos, portanto, solução militar para vencer a guerra.
O inimigo também não podia alcançar a vitória por meios militares, enquanto actuasse no âmbito da guerra subversiva".
E mais adiante:
"O inimigo também não podia vencer por meios diplomáticos".
E prossegue:
"...tínhamos que adoptar uma solução política, baseada na guerra de desgaste de longa duração, que levasse o inimigo, pela fadiga, pelas divisões internas e pela descrença na vitória, a afastar-se das potências que o apoiavam e a procurar, de novo, integrar-se nas estruturas portuguesas.
O nosso conceito estratégico pode assim definir-se:
a) Mostrar uma vontade firme de resistir e de vencer. O inimigo teria de acreditar que a luta em que estávamos empenhados era para nós vital e de que nunca desistiríamos por fadiga ou por traição;
b) Acelerar o desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos, aumentando os portugueses de raça negra na administração dos negócios públicos. O inimigo teria de optar entre os sacrifícios de uma luta de guerrilha e a sua integração numa sociedade em pleno desenvolvimento, na qual poderia participar;
c) Receber, como irmãos e sem qualquer preconceito, aqueles que, tendo lutado contra nós, desistissem de tal luta"(Pg.53).
Noutro passo, o Autor refere em síntese citada por Eduardo F. Costa, se uma guerra, arrastando-se por largos anos, se transforma numa guerra de desgaste, só pode haver solução militar quando um dos adversários, "num dado momento e por qualquer razão, alcança a superioridade militar. Quando tal solução não se verifica, será derrotado aquele que primeiro desistir de lutar".
Ora, a superioridade militar não se reflecte pelo número de efectivos ou equipamentos, mas pelo uso que deles se possa fazer. Quanto ao conceito estratégico anunciado, parecia aplicar-se com perfeição no caso angolano (e talvez no moçambicano), mas não tinha comparação com o que se passava na Guiné, onde praticamente não havia assalariados. E sobre a "desistência" estamos conversados, apesar das grandes confusões que persistem na maioria dos porugueses. Quero ainda referir que não tive qualquer conhecimento de que as autoridades alguma vez tivessem adoptado o conceito estratégico do senhor Almirante.
Por agora, ficam os críticos mais esclarecidos sobre o livro e a capacidade do Autor.
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Notas de CV:
(*) Vd. ultimo poste de 23 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8312: Convívios (336): Encontro do pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 29 de Maio de 2011 no Fundão (José Manuel M. Dinis)
Vd. último poste da série de 13 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8269: (Ex)citações (138): Ainda o caso das fotografias das bajudas (Joaquim Mexia Alves)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 25 de maio de 2011
Guiné 63/74 - P8320: Convívios (343): Sobre o 12º Convívio da CCAÇ 3491, que aconteceu em 21 de Maio de 2011, em Lousada (Luís Dias)
1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos um resumido relato e 2 fotografias, da recente festa anual da sua Unidade.
12º CONVÍVIO DA CCAÇ3491AVELEDA – LOUSADAMAIO 2011
No passado dia 21 de Maio, reuniu-se em Convívio comemorativo do 37º Aniversário do regresso à Metrópole, a C.CAÇ. 3491 (Guiné 71-74), após 27 meses e meio de ter gasto muito suor, muitas lágrimas e de ter vertido algum sangue (felizmente não muito), a palmilhar os trilhos, matas, bolanhas e picadas, daquelas terras quentes da Guiné.
Como diziam os seus elementos: "VALOROSA companhia que tanto percorreste" e cujo lema foi: "É MUITO...!" e sempre foi levado a sério.
Foi tudo muito! Muita fome, muita sede, muito calor, muito trabalho, muito mosquito, muita mosquinha, muitas abelhas, muitos macacos, muita cobra, muita formiga, muito lacrau, muita operação, muita emboscada nocturna, muita noite perdida no mato, muita caminhada, muita escolta, muita segurança, muita chuva, muita seca, muita picagem e muito tempo de comissão!!!! (e vá lá, muita bajuda gira!).
O encontro teve lugar em Aveleda - Lousada e foi organizado pelo Ribeiro (o homem que nos dava cabo do cabelo, sem parcimónia).
Tudo correu a contento e a felicidade do reencontro entre camaradas é sempre um ponto alto. Muitos levam as suas famílias, onde já se incluem os netos.
Um dos novatos neste nosso convívio foi o Ex-1º Cabo Atirador Avelino (1º GC), que já não via os seus camaradas há também 37 anos (!!!). Para não estar sozinho trouxe com ele o filho e os dois irmãos (tudo gente boa de Matosinhos).
Queixou-se o organizador e com razão de que muitas cartas de camaradas foram devolvidas ou por endereços desactualizados ou por estarem incompletos.
Temos de procurar os faltosos, para que voltem a inscrever-se, com as direcções correctas (código postal certo, senão os CTT, devolvem).
Uma das pessoas que sentíamos mais a falta foi a do camarada Carlos Ferreira, cuja alcunha é bem a sua imagem: o "Nunca falha".
Caro camarada sabemos que estás doente e que essa doença foi impeditiva de estares entre nós. É nosso desejo que reajas rapidamente a essa "emboscada" traiçoeira que te surgiu e possas voltar a conviver connosco no próximo ano. Muita força Ferreira!
Foi com alegria que tivemos a companhia do nosso ex-2º Comandante, Moreira Campos (Coronel reformado), pessoa por quem, pessoalmente tinha e tenho muita estima e consideração o que, julgo, se estendia a todo o pessoal.
Também nos brindou com a sua presença o Ex-Alferes Mário Vasconcelos (responsável pelas transmissões do batalhão/CCS).
Recebemos também a visita do Magalhães Ribeiro, Ex-Fur. Milº Op.Esp, o "Pira de Mansoa", um dos co-editores do magnífico blogue da Tabanca Grande,o homem que desceu a última bandeira portuguesa na Guiné e que teve a amabilidade de se deslocar ao nosso Convívio, acompanhado da esposa, para nos dar um abraço de camaradagem.
Feitas as apresentações a companhia endereçou-lhe uma salva de palmas, em retribuição do seu gesto. Um bem hajas Magalhães e à tua esposa (a paciência que as nossas mulheres têm de ter para nos aturarem nestas andanças), por teres roubado um pouco de tempo ao teu repouso para te deslocares ao nosso Convívio. Já sabes estás sempre convidado. Estarás sempre em família.
Feitas as apresentações a companhia endereçou-lhe uma salva de palmas, em retribuição do seu gesto. Um bem hajas Magalhães e à tua esposa (a paciência que as nossas mulheres têm de ter para nos aturarem nestas andanças), por teres roubado um pouco de tempo ao teu repouso para te deslocares ao nosso Convívio. Já sabes estás sempre convidado. Estarás sempre em família.
Um dos momentos altos do Convívio foi a passagem de fotos dos nossos tempos da Guiné, numa das paredes do restaurante, onde verificámos que estamos, efectivamente, muito mais velhos (!!!). Também foram vistas fotos do Dulombi actual, que muito sensibilizaram os presentes.
A CCAÇ 3491, reforçada pelo então 2º Comandante do Batalhão.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Guiné 63/74 - P8319: Monumento ao Aerograma num Jardim da cidade de Leiria (Manuel Joaquim)
1. Mensagem de Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67, com data de 23 de Maio de 2011:
Caros editores, queridos camaradas:
Em Leiria há um jardim onde está implantado um grupo escultórico chamado SPM, penso, tendo como referência básica o aerograma.
Sobre este assunto envio um texto que não sei se merecerá um Poste na nossa Tabanca Grande.
Percebo pouco destas coisas, nem sei se a imagem do aerograma vai legível. Se acharem que se "aproveita" algo...
Fica ao vosso critério.
Um abraço
Manuel Joaquim
Caros camarigos:
No âmbito da comemoração dos 50 anos do meu curso do Magistério Primário, fui presenteado pela Junta de Freguesia de Leiria com algumas lembranças sobre esta cidade. Entre elas dou com um “volante” em forma de aerograma. E muito surpreendido fiquei quando reparo no seu conteúdo que, nem de propósito, fala sobre a mulher e o seu papel no contexto da guerra colonial, assunto que tem ultimamente vindo à baila aqui no blogue. Publicita a existência de um conjunto escultórico no Jardim de Santo Agostinho, em Leiria, instalado «com o objectivo de homenagear o papel da mulher no contexto da guerra».
Não visitei o local mas brevemente lá irei. Deve ser caso único, uma homenagem escultórica baseada no “nosso” famoso aerograma: «O percurso sugerido pelo conjunto escultórico é finalizado por uma peça, também de aço inox que se constitui como um duplo do meio de comunicação tão recorrente neste contexto – o aerograma», diz o “volante”.
E diz mais o seguinte (um português um pouco confuso, no mínimo):
«Esse elemento metálico de grandes dimensões, constituiu durante os tempos de guerra, um dos elos primordiais de ligação entre o soldado, cujo o quotidiano acontecia em paragens distantes e as suas raízes, base de sustentação emocional que de longe lhe serviam de referencial e garante de coordenadas de vida. A peça, ... ..., materializa uma espécie de padrão dos inúmeros e diversos registos escritos que desempenharam o importante papel de garante da continuidade de uma existência comum, constituindo um veículo das notícias da terra, de cá e de lá, o “nós por cá tudo bem”.»
Segue o texto completo (espero que se consiga lê-lo):
Uff!!! Nem sei se percebi bem o que li. Sinto cá uma vontade de alterar (emendar) este texto! Detesto este linguajar a armar ao “intelectual”, isto tudo para vir dizer que o aerograma foi um excelente meio de ligação entre o soldado e o mundo distante da sua terra natal .
O aerograma foi para muitos um veículo fundamental de comunicação. Para mim, a maior parte das vezes, foi secundário. Usava-o mais quando, por preguiça, cansaço ou algum momento mais depressivo, me fugia a vontade de escrever. Assim, facilmente preenchia o espaço do “bate-estradas” e lá apaziguava a consciência que me acusava de mau comportamento por não corresponder ao desejo de quem esperava notícias minhas. Normalmente usava a clássica carta, com três a quatro fls. escritas.
Aqui vai o texto de um aerograma dirigido à minha esposa (então namorada). Lendo-o, hoje, até o acho interessante mas não eram estes 20 a 30 segundos de leitura que ela esperava. Compreende-se.
Bissorã, 12 jun 66
Por cá tudo bem. Gastando as horas vou pensando no dia em que te poderei abraçar, meu amor.
Que profundo será aquele “Livra!”
Que maravilhoso será o espatifar do pesadelo!
Vai-me acompanhando, sim? Vais, tenho a certeza. Assim será mais fácil, mais entusiasmante o estoiro deste invólucro que nos amarfanha!
Estou contigo. Hoje. Beijo-te.
Estarei contigo. Amanhã. Sempre. Ter-te-ei.
Galhardamente, seremos nós!
A tua entrega. Retribuo.
Sou teu.
Manel
____________
Nota de CV:
(*) Vd. último poste de 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8305: Parabéns a você (262): José Manuel (...), ou Adilan, o meu menino da Guiné, fez 50 anos em Janeiro deste ano (Manuel Joaquim)
Caros editores, queridos camaradas:
Em Leiria há um jardim onde está implantado um grupo escultórico chamado SPM, penso, tendo como referência básica o aerograma.
Sobre este assunto envio um texto que não sei se merecerá um Poste na nossa Tabanca Grande.
Percebo pouco destas coisas, nem sei se a imagem do aerograma vai legível. Se acharem que se "aproveita" algo...
Fica ao vosso critério.
Um abraço
Manuel Joaquim
Caros camarigos:
No âmbito da comemoração dos 50 anos do meu curso do Magistério Primário, fui presenteado pela Junta de Freguesia de Leiria com algumas lembranças sobre esta cidade. Entre elas dou com um “volante” em forma de aerograma. E muito surpreendido fiquei quando reparo no seu conteúdo que, nem de propósito, fala sobre a mulher e o seu papel no contexto da guerra colonial, assunto que tem ultimamente vindo à baila aqui no blogue. Publicita a existência de um conjunto escultórico no Jardim de Santo Agostinho, em Leiria, instalado «com o objectivo de homenagear o papel da mulher no contexto da guerra».
Não visitei o local mas brevemente lá irei. Deve ser caso único, uma homenagem escultórica baseada no “nosso” famoso aerograma: «O percurso sugerido pelo conjunto escultórico é finalizado por uma peça, também de aço inox que se constitui como um duplo do meio de comunicação tão recorrente neste contexto – o aerograma», diz o “volante”.
E diz mais o seguinte (um português um pouco confuso, no mínimo):
«Esse elemento metálico de grandes dimensões, constituiu durante os tempos de guerra, um dos elos primordiais de ligação entre o soldado, cujo o quotidiano acontecia em paragens distantes e as suas raízes, base de sustentação emocional que de longe lhe serviam de referencial e garante de coordenadas de vida. A peça, ... ..., materializa uma espécie de padrão dos inúmeros e diversos registos escritos que desempenharam o importante papel de garante da continuidade de uma existência comum, constituindo um veículo das notícias da terra, de cá e de lá, o “nós por cá tudo bem”.»
Segue o texto completo (espero que se consiga lê-lo):
Uff!!! Nem sei se percebi bem o que li. Sinto cá uma vontade de alterar (emendar) este texto! Detesto este linguajar a armar ao “intelectual”, isto tudo para vir dizer que o aerograma foi um excelente meio de ligação entre o soldado e o mundo distante da sua terra natal .
O aerograma foi para muitos um veículo fundamental de comunicação. Para mim, a maior parte das vezes, foi secundário. Usava-o mais quando, por preguiça, cansaço ou algum momento mais depressivo, me fugia a vontade de escrever. Assim, facilmente preenchia o espaço do “bate-estradas” e lá apaziguava a consciência que me acusava de mau comportamento por não corresponder ao desejo de quem esperava notícias minhas. Normalmente usava a clássica carta, com três a quatro fls. escritas.
Aqui vai o texto de um aerograma dirigido à minha esposa (então namorada). Lendo-o, hoje, até o acho interessante mas não eram estes 20 a 30 segundos de leitura que ela esperava. Compreende-se.
Bissorã, 12 jun 66
Por cá tudo bem. Gastando as horas vou pensando no dia em que te poderei abraçar, meu amor.
Que profundo será aquele “Livra!”
Que maravilhoso será o espatifar do pesadelo!
Vai-me acompanhando, sim? Vais, tenho a certeza. Assim será mais fácil, mais entusiasmante o estoiro deste invólucro que nos amarfanha!
Estou contigo. Hoje. Beijo-te.
Estarei contigo. Amanhã. Sempre. Ter-te-ei.
Galhardamente, seremos nós!
A tua entrega. Retribuo.
Sou teu.
Manel
____________
Nota de CV:
(*) Vd. último poste de 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8305: Parabéns a você (262): José Manuel (...), ou Adilan, o meu menino da Guiné, fez 50 anos em Janeiro deste ano (Manuel Joaquim)
terça-feira, 24 de maio de 2011
Guiné 63/74 - P8318: Notas de leitura (241): Porque Perdemos a Guerra, de Manuel Pereira Crespo (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2011:
Queridos amigos,
O depoimento do Almirante Pereira Crespo é de uma grande coerência e dignidade para um homem com a sua formação. Veio a talhe de foice respigar as suas considerações acerca das conversações Senghor e Spínola que, como todos sabemos, foi o rastilho para a criação da fábula federalista e um dos ingredientes para o spinolismo.
Um abraço do
Mário
O Almirante Pereira Crespo e a guerra da Guiné
Beja Santos
Ministro da Marinha entre 1968 e 1974, o Almirante Manuel Pereira Crespo foi considerado como uma das figuras mais distintas da Armada. A sua ligação à Guiné começou ainda nos anos 40 quando foi nomeado Chefe da Missão Geo-Hidrográfica, funções que exerceu durante 10 anos. Importa salientar que sob a sua direcção foram elaboradas a maior parte das cartas hidrográficas e tipográficas da Guiné portuguesa bem como a rede geodésica do território. Conheci directamente o impacto desse trabalho, em Mato de Cão lá estava e permanece a marca dessa missão Geo-Hidrográfica, destinada a medir a altura das marés; tal como o marco existente em Ponta Varela.
“Porque Perdemos a Guerra” (Edição Abril 1977) constitui o seu depoimento sobre as razões do envolvimento de Portugal e a sua explicação para a derrota. Começa por avançar com noções sobre a guerra e estratégia, explana sobre as políticas de coacção, as diferentes soluções da guerra, as várias estratégias e as possíveis soluções de compromisso. Após este preâmbulo, tece considerações sobre a conjuntura internacional e a natureza da guerra que enfrentamos, confronta as teses de Marcelo Caetano e vai sempre encontrando argumentação para as demonstrar como incontornáveis, na lógica da defesa da Pátria.
É exactamente quando aborda eventuais quadros de negociação com o inimigo que se irá referir às conversações que António de Spínola teve com Senghor, em 1972. Tem todo o cabimento, neste contexto de se registarem os depoimentos de todos os matizes quanto ao conflito, ouvir as suas considerações:
“Na Guiné, em meados de 1972, surgiu, por intermédio do presidente Senghor, do Senegal, uma hipótese de negociações entre as nossas autoridades e Amílcar Cabral. Esta hipótese, na qual o general António de Spínola depositou grandes esperanças, merece uma referência especial, pelas nefastas consequências que provocou em alguns oficiais que prestavam serviço naquela província e que passaram a descrer da política ultramarina do Governo.
Tanto quanto me recordo, seria acordado um cessar-fogo, Amílcar Cabral regressaria à Guiné, colaborando no Governo e, em prazo a fixar, os guinéus seriam consultados sobre o seu destino, aceitando o Governo de Lisboa a independência, se o povo daquelas terras assim o desejasse.
São evidentes os pontos fracos deste projecto.
Amílcar Cabral não regressaria à Guiné como vencido. Manteria intacta a estrutura militar do PAIGC e não se compreende muito bem como viriam a funcionar as relações entre os guerrilheiros e as nossas tropas.
Também não desistiria de amarrar ao destino da Guiné o arquipélago de Cabo Verde. E, de acordo com a ética dos chefes políticos e militares da época, seria indigno negociar o futuro daquelas ilhas, nas costas dos seus habitantes, profundamente marcados pela cultura lusíada.
No que se refere a Angola e Moçambique, o facto de aceitarmos negociar com o inimigo, antes de se considerar vencido, iria moralizar grandemente os grupos armados.
Quando o assunto foi analisado em Lisboa, alguns foram de opinião de que as negociações propostas escondiam uma armadilha de Amílcar Cabral. Depois de instalado na Guiné, promoveria infiltrações nas tropas negras que nos eram fiéis e, na ocasião mais oportuna, procuraria a vitória por um golpe surpresa.
Eu admitia que tal armadilha não existisse nas intenções de Amílcar Cabral e acreditava no seu desejo de negociar com os portugueses nas condições atrás referidas, que, embora vagas, eram-lhe muito favoráveis. Conhecera-o na Guiné. Era um homem de muito valor, sem preconceitos raciais e muito chegado aos portugueses, entre os quais tinha bons amigos. Sempre pensei que lhe seria muito desagradável a convivência com Sékou Touré. De resto, é possível que, já nessa altura, receasse ser assassinado.
O que não acreditava é que a URSS, só pelo facto de Amílcar Cabral se querer entender com os portugueses desistisse das suas pretensões sobre a Guiné portuguesa, óptima posição estratégica para a expansão russa no Senegal e região onde se situa o melhor porto natural de África ocidental.
Admitia, por isso, que, depois de Amílcar Cabral se unir aos portugueses e abandonar os russos estes, com auxílio de Sékou Touré, o denunciariam como traidor e prosseguiriam a luta com um novo chefe.
As condições geográficas da província, extraordinariamente favoráveis ao desenvolvimento de uma guerra subversiva, não exigiriam muita gente. Algumas centenas de homens seriam suficientes (…) Processar-se-ia, assim, na Guiné, um grave desaire, que, além do mais, teria reflexos imprevisíveis na defesa de Angola e Moçambique.
De qualquer forma, o projecto de negociações, antes de ser abandonado, foi cuidadosamente estudado por chefes políticos e militares, tendo havido, para apreciar a matéria, uma reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, a que estive presente, presidida pelo Almirante Américo Tomás e a que assistiu o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas”.
As observações de Pereira Crespo, como hoje é sabido, enfermam de vários enviesamentos. Primeiro, Cabral nunca foi ouvido sobre as conversações Senghor-Spínola. Segundo, é necessário fazer política numa atmosfera de irrealismo para se visionar Cabral como encarregado de Governo e as tropas do PAIGC a provocar golpes de Estado entre Fulas e Mandingas. Terceiro, a URSS, como se comprovou depois de 1970, em que passou a ter um maior acesso ao porto de Conacri, nunca utilizou o porto de Bissau depois da independência, o espantalho soviético foi mesmo buscado à força. E, goste-se ou não, há que reconhecer que a negativa de Caetano para a continuação de conversações com Senghor fomentaram um descontentamento em Spínola e nos seus colaboradores próximos. Inequivocamente, este o acontecimento que marcou a separação entre Caetano e Spínola.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8304: Notas de leitura (240): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (5) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O depoimento do Almirante Pereira Crespo é de uma grande coerência e dignidade para um homem com a sua formação. Veio a talhe de foice respigar as suas considerações acerca das conversações Senghor e Spínola que, como todos sabemos, foi o rastilho para a criação da fábula federalista e um dos ingredientes para o spinolismo.
Um abraço do
Mário
O Almirante Pereira Crespo e a guerra da Guiné
Beja Santos
Ministro da Marinha entre 1968 e 1974, o Almirante Manuel Pereira Crespo foi considerado como uma das figuras mais distintas da Armada. A sua ligação à Guiné começou ainda nos anos 40 quando foi nomeado Chefe da Missão Geo-Hidrográfica, funções que exerceu durante 10 anos. Importa salientar que sob a sua direcção foram elaboradas a maior parte das cartas hidrográficas e tipográficas da Guiné portuguesa bem como a rede geodésica do território. Conheci directamente o impacto desse trabalho, em Mato de Cão lá estava e permanece a marca dessa missão Geo-Hidrográfica, destinada a medir a altura das marés; tal como o marco existente em Ponta Varela.
“Porque Perdemos a Guerra” (Edição Abril 1977) constitui o seu depoimento sobre as razões do envolvimento de Portugal e a sua explicação para a derrota. Começa por avançar com noções sobre a guerra e estratégia, explana sobre as políticas de coacção, as diferentes soluções da guerra, as várias estratégias e as possíveis soluções de compromisso. Após este preâmbulo, tece considerações sobre a conjuntura internacional e a natureza da guerra que enfrentamos, confronta as teses de Marcelo Caetano e vai sempre encontrando argumentação para as demonstrar como incontornáveis, na lógica da defesa da Pátria.
É exactamente quando aborda eventuais quadros de negociação com o inimigo que se irá referir às conversações que António de Spínola teve com Senghor, em 1972. Tem todo o cabimento, neste contexto de se registarem os depoimentos de todos os matizes quanto ao conflito, ouvir as suas considerações:
“Na Guiné, em meados de 1972, surgiu, por intermédio do presidente Senghor, do Senegal, uma hipótese de negociações entre as nossas autoridades e Amílcar Cabral. Esta hipótese, na qual o general António de Spínola depositou grandes esperanças, merece uma referência especial, pelas nefastas consequências que provocou em alguns oficiais que prestavam serviço naquela província e que passaram a descrer da política ultramarina do Governo.
Tanto quanto me recordo, seria acordado um cessar-fogo, Amílcar Cabral regressaria à Guiné, colaborando no Governo e, em prazo a fixar, os guinéus seriam consultados sobre o seu destino, aceitando o Governo de Lisboa a independência, se o povo daquelas terras assim o desejasse.
São evidentes os pontos fracos deste projecto.
Amílcar Cabral não regressaria à Guiné como vencido. Manteria intacta a estrutura militar do PAIGC e não se compreende muito bem como viriam a funcionar as relações entre os guerrilheiros e as nossas tropas.
Também não desistiria de amarrar ao destino da Guiné o arquipélago de Cabo Verde. E, de acordo com a ética dos chefes políticos e militares da época, seria indigno negociar o futuro daquelas ilhas, nas costas dos seus habitantes, profundamente marcados pela cultura lusíada.
No que se refere a Angola e Moçambique, o facto de aceitarmos negociar com o inimigo, antes de se considerar vencido, iria moralizar grandemente os grupos armados.
Quando o assunto foi analisado em Lisboa, alguns foram de opinião de que as negociações propostas escondiam uma armadilha de Amílcar Cabral. Depois de instalado na Guiné, promoveria infiltrações nas tropas negras que nos eram fiéis e, na ocasião mais oportuna, procuraria a vitória por um golpe surpresa.
Eu admitia que tal armadilha não existisse nas intenções de Amílcar Cabral e acreditava no seu desejo de negociar com os portugueses nas condições atrás referidas, que, embora vagas, eram-lhe muito favoráveis. Conhecera-o na Guiné. Era um homem de muito valor, sem preconceitos raciais e muito chegado aos portugueses, entre os quais tinha bons amigos. Sempre pensei que lhe seria muito desagradável a convivência com Sékou Touré. De resto, é possível que, já nessa altura, receasse ser assassinado.
O que não acreditava é que a URSS, só pelo facto de Amílcar Cabral se querer entender com os portugueses desistisse das suas pretensões sobre a Guiné portuguesa, óptima posição estratégica para a expansão russa no Senegal e região onde se situa o melhor porto natural de África ocidental.
Admitia, por isso, que, depois de Amílcar Cabral se unir aos portugueses e abandonar os russos estes, com auxílio de Sékou Touré, o denunciariam como traidor e prosseguiriam a luta com um novo chefe.
As condições geográficas da província, extraordinariamente favoráveis ao desenvolvimento de uma guerra subversiva, não exigiriam muita gente. Algumas centenas de homens seriam suficientes (…) Processar-se-ia, assim, na Guiné, um grave desaire, que, além do mais, teria reflexos imprevisíveis na defesa de Angola e Moçambique.
De qualquer forma, o projecto de negociações, antes de ser abandonado, foi cuidadosamente estudado por chefes políticos e militares, tendo havido, para apreciar a matéria, uma reunião do Conselho Superior da Defesa Nacional, a que estive presente, presidida pelo Almirante Américo Tomás e a que assistiu o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas”.
As observações de Pereira Crespo, como hoje é sabido, enfermam de vários enviesamentos. Primeiro, Cabral nunca foi ouvido sobre as conversações Senghor-Spínola. Segundo, é necessário fazer política numa atmosfera de irrealismo para se visionar Cabral como encarregado de Governo e as tropas do PAIGC a provocar golpes de Estado entre Fulas e Mandingas. Terceiro, a URSS, como se comprovou depois de 1970, em que passou a ter um maior acesso ao porto de Conacri, nunca utilizou o porto de Bissau depois da independência, o espantalho soviético foi mesmo buscado à força. E, goste-se ou não, há que reconhecer que a negativa de Caetano para a continuação de conversações com Senghor fomentaram um descontentamento em Spínola e nos seus colaboradores próximos. Inequivocamente, este o acontecimento que marcou a separação entre Caetano e Spínola.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8304: Notas de leitura (240): O Meu Testemunho, uma luta, um partido, dois países, por Aristides Pereira (5) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P8317: Tabanca Grande (287): Carlos Alberto Duarte Prata, Coronel Reformado, ex-Capitão, CMDT das CCAÇ 4544/73 (Cafal Balanta) e CCAÇ 13 (Bissorã), 1973/74
1. Mensagem de Carlos Alberto Duarte Prata, ex-cap inf, cmdt das CCAÇ 4544/73 (Cafal Balanta) e CCAÇ 13 (Bissorã), 1973/74, atualmente coronel na situação de reforma, com data de 20 de Maio de 2011:
A convite do amigo Manuel Reis, sabedor que eu fora combatente na Guiné, acompanhei-o já a 2 almoços de confraternização na Tabanca do Centro, onde me foi dado o privilégio de, além de contactar com antigos combatentes naquela antiga província e recordar locais e acontecimentos aí decorridos, ficar com uma pequena ideia desta louvável agremiação (chamemos-lhe assim) dos antigos combatentes na Guiné.
O objectivo deste mail é apresentar-me e solicitar os vossos ofícios para que me seja dada a honra de também fazer parte da família da Tabanca Grande, o que, antecipadamente, agradeço!
Chamo-me Carlos Alberto Duarte Prata, natural do Porto, casado, com dois filhos já homens, e sou Coronel de Infantaria, na situação de Reforma.
Frequentei a Academia Militar, curso de 1961/65.
Promovido a Capitão fui mobilizado para Angola onde cumpri uma comissão de serviço entre Maio de 1969 a Julho de 1971.
Em Maio de 1973 fui mobilizado pelo RI15 (Tomar) onde formei a CCaç 4544/73 que seguiu para a Guiné em Setembro de 1973, tendo como destino Cafal Balanta, na região do Cantanhês.
Tentamos de algum modo deixar para memória futura as nossas histórias, contadas sempre na primeira pessoa, com as imprecisões próprias do tempo já passado, mas quantas vezes acompanhadas de fotos exclusivas, que cada um guardou religiosamente. Para o efeito vamos buscá-las ao álbum há muito fechado, como as recordações, boas e más, escondidas no mais fundo do subconsciente. Recordar é viver, mas será também sofrer.
Como saberá, a apresentação neste blogue acarreta a "obrigação" de contribuir para este espólio já importante no que concerne à guerra na Guiné.
Os seus tempos de fim de guerra terão particularidades próprias de uma transição de poder apressada, desordenada e sem apoio por parte da governação de Lisboa. É pelo menos esta a ideia que temos, nós os ex-combatentes já como espectadores, conhecedores da realidade de antes da revolução do 25 de Abril. Poderá dar-nos a sua visão pessoal ou pelo menos contar-nos as peripécias que viu e viveu.
Para terminar a sua apresentação, deixo-lhe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores, e os desejos de que se sinta bem entre nós e entre os seus camaradas do QP que compõem a nossa tertúlia.
Carlos Vinhal
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970
A convite do amigo Manuel Reis, sabedor que eu fora combatente na Guiné, acompanhei-o já a 2 almoços de confraternização na Tabanca do Centro, onde me foi dado o privilégio de, além de contactar com antigos combatentes naquela antiga província e recordar locais e acontecimentos aí decorridos, ficar com uma pequena ideia desta louvável agremiação (chamemos-lhe assim) dos antigos combatentes na Guiné.
O objectivo deste mail é apresentar-me e solicitar os vossos ofícios para que me seja dada a honra de também fazer parte da família da Tabanca Grande, o que, antecipadamente, agradeço!
Chamo-me Carlos Alberto Duarte Prata, natural do Porto, casado, com dois filhos já homens, e sou Coronel de Infantaria, na situação de Reforma.
Frequentei a Academia Militar, curso de 1961/65.
Promovido a Capitão fui mobilizado para Angola onde cumpri uma comissão de serviço entre Maio de 1969 a Julho de 1971.
Em Maio de 1973 fui mobilizado pelo RI15 (Tomar) onde formei a CCaç 4544/73 que seguiu para a Guiné em Setembro de 1973, tendo como destino Cafal Balanta, na região do Cantanhês.
Por determinação do General Comandante do CTIG, em Março de 1974 fui comandar a CCaç 13, em Bissorã, onde me encontrava em 25 de Abril de 1974.
Regressei a Portugal em 30 de Setembro de 1974, após a entrega da Guiné às tropas do PAIGC.
Apenas para informação devo acrescentar que em 1995 regressei à Guiné, durante 6 meses, em missão de Cooperação Militar.
Aqui está pois o motivo da minha ligação aquela antiga província, as saudades dos bons e menos bons momentos lá vividos e a vontade firme de conviver com quem viveu experiências análogas.
Nasci em 03/10/42 e junto envio duas fotos, uma de 1973 e outra actual, penso que não será difícil destrinçá-las...
Um abraço de muita estima e fico a aguardar notícias.
Carlos Alberto Duarte Prata
cadprata@gmail.com
2. Comentário de CV:
Caro Coronel Carlos Prata, bem-vindo à Tabanca Grande, caserna virtual que acolhe todos aqueles que de algum modo se sentem ligados à Guiné dos nossos tempos, Guiné-Bissau actual, mas principalmente aqueles que pisaram aquele chão, deixando muito suor e, infelizmente, sangue. As lágrimas, algumas ou muitas dependendo de cada um e de cada situação, faziam também parte do dia-a-dia daqueles terríveis anos de guerra.
É preciso que se diga que, cada militar do quadro que se apresenta na Tabanca, é para nós um sinal de que o nosso blogue e o nosso trabalho são considerados sérios, onde os tertulianos não debitam anormalidades e fanfarronices para impressionar os leitores.
Regressei a Portugal em 30 de Setembro de 1974, após a entrega da Guiné às tropas do PAIGC.
Apenas para informação devo acrescentar que em 1995 regressei à Guiné, durante 6 meses, em missão de Cooperação Militar.
Aqui está pois o motivo da minha ligação aquela antiga província, as saudades dos bons e menos bons momentos lá vividos e a vontade firme de conviver com quem viveu experiências análogas.
Nasci em 03/10/42 e junto envio duas fotos, uma de 1973 e outra actual, penso que não será difícil destrinçá-las...
Um abraço de muita estima e fico a aguardar notícias.
Carlos Alberto Duarte Prata
cadprata@gmail.com
2. Comentário de CV:
Caro Coronel Carlos Prata, bem-vindo à Tabanca Grande, caserna virtual que acolhe todos aqueles que de algum modo se sentem ligados à Guiné dos nossos tempos, Guiné-Bissau actual, mas principalmente aqueles que pisaram aquele chão, deixando muito suor e, infelizmente, sangue. As lágrimas, algumas ou muitas dependendo de cada um e de cada situação, faziam também parte do dia-a-dia daqueles terríveis anos de guerra.
É preciso que se diga que, cada militar do quadro que se apresenta na Tabanca, é para nós um sinal de que o nosso blogue e o nosso trabalho são considerados sérios, onde os tertulianos não debitam anormalidades e fanfarronices para impressionar os leitores.
Tentamos de algum modo deixar para memória futura as nossas histórias, contadas sempre na primeira pessoa, com as imprecisões próprias do tempo já passado, mas quantas vezes acompanhadas de fotos exclusivas, que cada um guardou religiosamente. Para o efeito vamos buscá-las ao álbum há muito fechado, como as recordações, boas e más, escondidas no mais fundo do subconsciente. Recordar é viver, mas será também sofrer.
Como saberá, a apresentação neste blogue acarreta a "obrigação" de contribuir para este espólio já importante no que concerne à guerra na Guiné.
Os seus tempos de fim de guerra terão particularidades próprias de uma transição de poder apressada, desordenada e sem apoio por parte da governação de Lisboa. É pelo menos esta a ideia que temos, nós os ex-combatentes já como espectadores, conhecedores da realidade de antes da revolução do 25 de Abril. Poderá dar-nos a sua visão pessoal ou pelo menos contar-nos as peripécias que viu e viveu.
Para terminar a sua apresentação, deixo-lhe um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores, e os desejos de que se sinta bem entre nós e entre os seus camaradas do QP que compõem a nossa tertúlia.
Carlos Vinhal
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 23 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970
Guiné 63/74 - P8316: Contraponto (Alberto Branquinho) (34): Teatro do Regresso - 9.º Acto - Filho da ausência
1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 22 de Maio de 2011:
Caro Carlos
Este 9º. Acto - Contraponto (34) - aborda um outro aspecto da realidade verificada em alguns dos regressos, consequência da ausência e da carência por ela provocada... (paciência!...).
Um abraço
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (34)
TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)
9º. Acto – Filho da ausência
Cenário
Refeitório dos soldados.
O Elias, analfabeto, observa as frases escritas na carta que acabou de abrir, vira e revira a folha, com ternura nas pontas dos dedos. Entretanto, olha em volta. Regressa à contemplação da carta. Espera o Cabo Costa, que faz de seu “secretário” na leitura e resposta ao correio que recebe. Esta carta chegara há pouco no Dornier.
Acção
Entra o Cabo Costa e senta-se em frente do Elias.
- Atão, bê lá o que é que a minha mulher diz.
O Costa pega na folha e lê:
- “Meu querido homem…”
Pára e olha o Elias, que já saboreia as palavras, com a cabeça apoiada entre as mãos.
Continua:
- “Espero que esta te bá encontrar de boa saúde que nós por cá todos bem graças a Deus. Olha, agora já te posso dar a nuticia porque já tenho a certeza. No hospital já confirmaram que eu estou grábida. Como bês deixas-te-me uma prenda antes de abalares prá Guiné. Dizem que o menino porque eu acho que é menino debe nascer lá pró Natal. Bai ser o nosso Menino Jesus…”
O Costa pára a leitura e fica a olhar o Elias, com ar interrogativo. Este, com ar embevecido, olha o papel da carta, como se, através dela, visse a mulher, a aldeia, o futuro filho…
Aí o Costa poisa a carta em cima da mesa e começa a contar pelos dedos. E repetia, repetia a contagem. Foi interrompido pelo Elias:
- Atão? Acabou?
- Não, pá. Não pode ser… O filho não é teu.
- O quê??!!
- Pois. Olha lá: a gente embarcou no princípio de Janeiro, estamos no fim de Março e se vai nascer em Dezembro, passam quase onze meses depois de embarcarmos… de tu embarcares.
- Não estou a entender.
- Ó Elias, o filho… não é teu filho.
- Hã??
Ficam os dois a olhar-se e, num repente, o Elias arranca a carta de cima da mesa e sai.
O Costa, aparvalhado, fica a vê-lo afastar-se. O Elias nunca mais lhe falou. Soube que pedira ao alferes para desempenhar as funções de “secretário”.
………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
Cerca de vinte meses depois, regressam da Guiné.
Quando desembarcam do comboio que os transportara de Lisboa para o Porto, o Costa pára para observar o “pai” Elias com o bebé, de quase um ano, ao colo, rodeado da mulher e mais familiares.
Retoma a marcha e, levantando os ombros, diz baixinho:
- Ora… que se lixe… Já estamos em casa.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer
Caro Carlos
Este 9º. Acto - Contraponto (34) - aborda um outro aspecto da realidade verificada em alguns dos regressos, consequência da ausência e da carência por ela provocada... (paciência!...).
Um abraço
Alberto Branquinho
CONTRAPONTO (34)
TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)
9º. Acto – Filho da ausência
Cenário
Refeitório dos soldados.
O Elias, analfabeto, observa as frases escritas na carta que acabou de abrir, vira e revira a folha, com ternura nas pontas dos dedos. Entretanto, olha em volta. Regressa à contemplação da carta. Espera o Cabo Costa, que faz de seu “secretário” na leitura e resposta ao correio que recebe. Esta carta chegara há pouco no Dornier.
Acção
Entra o Cabo Costa e senta-se em frente do Elias.
- Atão, bê lá o que é que a minha mulher diz.
O Costa pega na folha e lê:
- “Meu querido homem…”
Pára e olha o Elias, que já saboreia as palavras, com a cabeça apoiada entre as mãos.
Continua:
- “Espero que esta te bá encontrar de boa saúde que nós por cá todos bem graças a Deus. Olha, agora já te posso dar a nuticia porque já tenho a certeza. No hospital já confirmaram que eu estou grábida. Como bês deixas-te-me uma prenda antes de abalares prá Guiné. Dizem que o menino porque eu acho que é menino debe nascer lá pró Natal. Bai ser o nosso Menino Jesus…”
O Costa pára a leitura e fica a olhar o Elias, com ar interrogativo. Este, com ar embevecido, olha o papel da carta, como se, através dela, visse a mulher, a aldeia, o futuro filho…
Aí o Costa poisa a carta em cima da mesa e começa a contar pelos dedos. E repetia, repetia a contagem. Foi interrompido pelo Elias:
- Atão? Acabou?
- Não, pá. Não pode ser… O filho não é teu.
- O quê??!!
- Pois. Olha lá: a gente embarcou no princípio de Janeiro, estamos no fim de Março e se vai nascer em Dezembro, passam quase onze meses depois de embarcarmos… de tu embarcares.
- Não estou a entender.
- Ó Elias, o filho… não é teu filho.
- Hã??
Ficam os dois a olhar-se e, num repente, o Elias arranca a carta de cima da mesa e sai.
O Costa, aparvalhado, fica a vê-lo afastar-se. O Elias nunca mais lhe falou. Soube que pedira ao alferes para desempenhar as funções de “secretário”.
………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………
Cerca de vinte meses depois, regressam da Guiné.
Quando desembarcam do comboio que os transportara de Lisboa para o Porto, o Costa pára para observar o “pai” Elias com o bebé, de quase um ano, ao colo, rodeado da mulher e mais familiares.
Retoma a marcha e, levantando os ombros, diz baixinho:
- Ora… que se lixe… Já estamos em casa.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8288: Contraponto (Alberto Branquinho) (33): Teatro do Regresso - 8.º Acto - Foi outra guerra qualquer
Guiné 63/74 - P8315: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (9): Maria Arminda Santos, a decana das enfermeiras pára-quedistas, participante do filme Quem Vai à Guerra (a estrear no cinema comercial, a 16 de Junho, em Lisboa, Porto e Aveiro)
Fotograma do filme Quem Vai à Guerra, de Marta Pessoa (Portugal, Real Ficção, 2011)> Quatro enfermeiras pára-quedistas, da esquerda para a direita, a Cristina Silva e a Rosa Serra (1º plano); a Natércia Neves e a Maria Arminda Santos (em 2º plano) (*)..
A Maria Arminda acaba de entrar para a nossa Tabanca Grande, com o nº de registo 500...
Segundo a apresentação feita pelo nosso camarada Miguel Pessoa, "a Maria Arminda é a decana das enfermeiras pára-quedistas, tendo sido a n.º 1 do 1º curso. Tem uma óptima memória que lhe permite relembrar muitas das experiências que viveu na Força Aérea e, das conversas que temos tido, auguro que poderão vir aí muitas histórias interessantes. Por isso, aqui vai a sua ficha de inscrição, de que consta o seu currículo, uma foto da época (tipo passe), uma foto recente e algumas fotos de época que podem ser espalhadas pelo Poste de apresentação… Finalmente, o necessário texto, um dos requisitos para a inscrição" (...)
Em 21 participantes do filme Quem Vai à Guerra, todas mulheres, oito são ex-enfermeiras pára-quedistas, se bem as contei: além das já citadas, temos ainda a Giselda Pessoa, a Ercília Pedro, a Aura Teles e a Júlia Lemos...
O filme vai ter estreia comercial, em Lisboa, Porto e Aveiro, no dia 16 de Junho (**). Dois trailers do filme podem aqui ser vistos:
http://youtu.be/sgECshCJbeE (genérico)
http://www.youtube.com/watch?v=a_mdRc4owwM&feature=related (depoimento de enfermeiras pára-quedistas)
Acima: Foto da rodagem do filme Quem Vai à Guerra, disponível no mural da respectiva página no Facebook (Aqui reproduzidas com a devida vénia...)
___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8289: As mulheres que, afinal, foram à guerra (6): Mais fotos da rodagem do filme "Quem vai à guerra"...
(**) Último poste da série > 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8295: As mulheres que, afinal, foram à guerra (8): As nossas correspondentes e o nosso volume de correio semanal... (Luís Graça)
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970
1. Mensagem do nosso camarada Miguel Pessoa, Coronel Pilav Reformado (BA 12, 1972/74), enviada ao Blogue:
Caros editores
Mais uma enfermeira pára-quedista que vai integrar-se no blogue. Porque ainda não está completamente à vontade nas lides informáticas, a Maria Arminda Santos* procurou o meu apoio para a apresentar aos restantes tabanqueiros, o que faço com muito gosto.
A Maria Arminda é a decana das enfermeiras pára-quedistas, tendo sido a n.º 1 do 1º curso. Tem uma óptima memória que lhe permite relembrar muitas das experiências que viveu na Força Aérea e, das conversas que temos tido, auguro que poderão vir aí muitas histórias interessantes. Por isso, aqui vai a sua ficha de inscrição, de que consta o seu currículo, uma foto da época (tipo passe), uma foto recente e algumas fotos de época que podem ser espalhadas pelo Poste de apresentação… Finalmente, o necessário texto, um dos requisitos para a inscrição.
Vamos ver se ainda consigo convencer mais alguma a juntar-se a nós…
Abraço
Miguel
13 de Janeiro de 2011 > Maria Arminda Santos ao centro da foto. À sua direita a Enf Rosa Serra, nossa tertuliana
2. Apresentação:
Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos
Estado civil: casada
Naturalidade: Setúbal
Profissão: Enfermeira (Aposentada).
Ingresso na Força Aérea Portuguesa no Curso de Enfermeiras Pára-quedistas a 5 de Junho de 1961.
Final do Curso a 8 de Agosto de 1961 como Alf/Grad/Enfermeira pára-quedista
Promoções: em 20 de Novembro de 1962, sendo graduada em Ten/Grad/Enf pára.
1961- A doze de Outubro, colocada em Angola, até Fevereiro 62. Nesse período, nomeada para a missão a Carachi, para acompanhar mulheres e crianças retiradas do ex-Estado Português na Índia, anteriormente à sua invasão.
1962 – Março destacada para Lisboa e Tancos (R.C. P.), na preparação do 2º Curso de Pára-quedismo, para enfermeiras até Maio, findo o qual acompanhou as novas enfermeiras, num estágio efectuado no Hospital da B. A. 4 (Terra Chã), Ilha Terceira, Açores.
1962 – Colocada na Zona Aérea da Guiné e Cabo Verde, mas cedida ao Exército, Hospital Militar de Bissau, para trabalho nas enfermarias e Bloco Operatório. Após o primeiro ataque a Tite, colocada posteriormente na BA12, quando se começaram a fazer “Evacuações Aéreas”, com recurso ao emprego de enfermeiras.
1963 – Janeiro, colocada no Hospital Militar Principal (Lisboa), na prestação de cuidados de Enfermagem, a militares da F.A., queimados em acidentes de dois aviões.
- Colocada temporariamente em dois períodos no Hospital da BA 4, (6 de Maio a 18 de Julho e de 3 de Outubro a 7de Novembro).
- Ainda nesse ano, (19 de Agosto a 24 de Setembro), acompanhamento do 3º Curso de Pára-quedismo para enfermeiras e ida para Hospital da B.A.4.
1964 - De Novembro a Janeiro de 1965 – Colocada na 2ª Região Aérea, no BCP nº 21 e Direcção dos Serviços de Saúde.
1965/67 – Maio até 1969, foi colocada por vários períodos na Guiné, interrompidos, por outras missões: (i) acompanhamento de doentes paraplégicos da FAP, a um Centro de Recuperação, (Stoke Mandeville Hospital), em Aylesbury, nos Arredores de Londres; (ii) missão da NATO, a Gibraltar, Madeira e Açores, (1967); (iii) Hospital da BA nº.4; (iv)em Novembro, a 2ª. Fase do 7º. Curso de pára-quedismo de enfermeiras.
1969 – De 4 de Maio até Dezembro do mesmo ano, desempenhou funções no Hospital da B.A. nº 4 e foi instrutora do Curso de Formação a 1ºs Cabos Enfermeiros (Especialistas e Pára-Quedistas)
1970 – Colocada na 3ª Região Aérea (Moçambique), sendo por dois períodos, de dois meses destacada para Nampula.
A 14 de Dezembro de 1970, passa à disponibilidade a seu pedido, após a rescisão dos contratos anuais automaticamente renovados, fórmula de vínculo que ligava as enfermeiras à Força Aérea Portuguesa, antes do 25 de Abril de 1974). Desempenhou depois as suas funções na vida civil.
Louvores - Seis
Agraciada – Com o Grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência.
Condecorações – Uma medalha de Mérito Militar de 3ª classe.
Mª. Arminda Santos
Ex: Tenente Enf pára
Setúbal, 2011-02-16
3. O MEU SAUDOSO AMIGO AMÍLCAR BARBOSA
O início, na Guiné
Encontrava-me na Guiné desde Julho de 1962 e, passados quinze dias, juntou-se-me a Eugénia, tendo sido nós as primeiras enfermeiras pára-quedistas a lá chegar. Sem percebermos porquê fomos cedidas ao Exército e colocadas no Hospital Militar onde tratávamos dos doentes (não feridos), apenas doentes militares e civis ao serviço das Forças Armadas. O nosso dia-a-dia era trabalho de enfermaria e na sala de operações.
Havendo uma Base, achávamos que deveríamos aí trabalhar, onde também estavam colocados dois médicos, mas reconheço a esta distância que naquela data desenvolvemos um trabalho muito útil no referido hospital; e, não havendo guerra, fazia mais sentido ser essa a nossa actividade que, no entanto, com reduzidas condições de trabalho, me levava a sentir saudades do meu Hospital de Santa Maria, donde saíra no ano anterior.
Habitávamos uma vivenda térrea que partilhávamos com um oficial miliciano da FA cuja mulher era francesa, convivendo como se fôssemos uma família. O nosso contacto com o restante pessoal da FAP era mais restrito, só nos encontrando por vezes ao jantar, quando não estávamos escaladas para serviço nocturno no hospital.
A convivência e a amizade foram-se estabelecendo aos poucos consoante nos íamos reciprocamente conhecendo e o Barbosa foi um dos primeiros, que pelo seu espírito aberto, brincalhão e pelo facto de ser cabo-verdiano, tal como a Eugénia, o que facilitou essa convivência.
Comandava a Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné e a Base, o Ten-coronel Pilav Durval, o qual começou a solicitar a nossa presença na Base, mas sem resultado; e como tal a vida foi continuando do mesmo modo, continuando nós as duas cedidas temporariamente ao Exército.
No período da tarde íamos à Missão do Sono, conjuntamente com o Dr. Norberto Canha, um cirurgião que nas suas horas vagas ia operar doentes com elefantíase e lepra, ajudando na sala de operações, a instrumentar e circular, chegando por vezes a executar a tarefa de ajudantes no acto operatório. Da equipa faziam ainda parte o Dr. Silva e o anestesista, o Dr. Inês, que era de Loulé. Eram todos médicos militares e com eles estabelecemos relações de amizade que perduraram por mais alguns anos.
O Dr. Canha, que tinha na Guiné a mulher, Dr.ª Célia, professora, e a quem nós ajudámos ao parto de uma filha, vim anos depois a encontrá-lo, como Prof. Doutor e Director do Centro Hospitalar de Coimbra. O Dr. Inês, encontrei-o algumas vezes no Algarve, (quando ia para a casa da minha saudosa colega, amiga e comadre, a Maria Zulmira). Do Dr. Silva perdi-lhe o contacto.
Certa manhã na época, das chuvas, ouvimos o ruído de dois F86 voando muito baixo sobre a cidade e com fraca visibilidade. Depois só ficou um no ar; passadas umas horas soubemos ser o Barbosa, que aterrou no extremo da pista preso a um gancho e a uma espécie de rede, em último recurso, pois estava quase sem combustível. Nessa noite ao jantar houve comemoração, como habitualmente regada com uma garrafa de vinho branco “Casal Garcia”.
O Barbosa andava muitas vezes connosco, sempre alegre e a cantar as “Mornas e as Coladeras”, ao desafio com a Eugénia.
Certa noite fomos a um jantar de despedida do Tenente-Coronel Moura Pinto e de recepção ao Tenente-Coronel Barbeitos, tendo o nosso amigo Barbosa feito um discurso, tão eloquente que quase nos levou às lágrimas. Dessa data lembro-me de outros pilotos: o Mendonça, o Pessoa e o Andrade (de alcunha o Ventoinhas, que era dos helicópteros) e por acaso, irmão de uma enfermeira civil, minha amiga, o Simão e o Lobato (que em 1963 foi feito prisioneiro pelo PAIGC, sendo depois libertado, como todos sabemos, na Operação Mar Verde, em 1970).
A nossa vida continuava sem sobressaltos, até que em fins de Janeiro ou princípio de Fevereiro de 1963, dá-se o primeiro ataque ao aquartelamento de Tite, do outro lado do Geba. Ainda prestávamos serviço no Hospital Militar e foi quase ao fim tarde que começaram a chegar os feridos, cujo número não me recordo; lembro-me apenas que se operou pela noite fora, com mais uma mesa operatória improvisada, com um auto-clave e estufa para esterilização de materiais, insuficientes para as necessidades repentinas e com as quais ninguém contava.
Tivemos vários mortos nesse dia, mas não me recordo do número, apenas sei que mais tarde, no Hospital da Base Aérea nº 4, na Ilha Terceira (também conhecido pelo da Terra-Chã), vim a trabalhar com o Sargº Enf.º Amaral, cujo filho, um Furriel miliciano, morrera nesse ataque.
A partir daí a guerra na Guiné estava instalada e assim que foi possível fomos colocadas na Base de Bissalanca, para o início das evacuações aéreas com enfermeiras. Havia os aviões Auster e os helicópteros Alouette II; nestes não nos era possível acompanhar de perto os feridos, os quais eram transportados fora do helicóptero, numa espécie de caixas colocadas por cima dos patins do heli, uma de cada lado. Nos Auster a maca quase entrava pela cadeira ao lado do piloto e na cauda do avião. Felizmente mais tarde chegaram os DO-27 e os Alouette III, onde passámos a fazer inúmeras evacuações, adaptando e modificando os meios sanitários e a nossa actuação, com a finalidade de uma mais eficaz prestação de cuidados aos feridos, os quais iam sendo cada vez em maior número. Infelizmente tivemos que chegar a fazer evacuações no Dakota, quando havia ao mesmo tempo muitos feridos e a pista era adequada para a sua aterragem.
As nossas comissões eram por curtos períodos, mas continuamente a saltitar de Província para Província, intercalando com o acompanhamento de novos cursos de pára-quedismo para enfermeiras, permanências no hospital da Terra-Chã, na Ilha Terceira, na Direcção do Serviço de Saúde da FAP e no Hospital Militar Principal de Lisboa. Foi assim que eu, entre outros locais, fui parar à Guiné por seis vezes...
Penso que num dos períodos, entre 1965/66, voltei a encontrar ali o Barbosa, estando também a Nazaré, mais tarde a Zulmira e outras colegas. Ele era um companheiro presente, tinha a sua namorada Estela, com quem viria mais tarde a casar, e nós éramos as suas “irmãs mais velhas”, portadoras de mensagens e encomendas, de cá para lá e vice-versa, (o que aconteceu também com outros camaradas, ao longo da nossa vida militar). Por vezes cantava para nós, e bem, as canções do Charles Aznavour, do Gilbert Bécaud, ou os fados da Amália Rodrigues, fazendo nós o coro, o que nos ajudava a esquecer as tristezas daquela terra que se apelidou do “Vietname Português”. Fazia também umas piruetas (era um bom ginasta) e até parecia ser feito de borracha.
Fiz várias evacuações em DO-27 com o Barbosa e recordo especialmente duas; uma pela positiva, a ida a Bolama, para evacuar uma criança; a outra pela negativa, à Aldeia Formosa, a de um Furriel que infelizmente faleceu. O Barbosa e eu tínhamos sempre peripécias que nos aconteciam nos percursos, mas acabavam sempre bem.
A ida a Bolama
Saímos para Bolama a meio da tarde para recuperar uma criança que o médico suspeitava ter uma poliomielite. Chegados à pista não estava ninguém, apenas um militar que guardava o hangar. Indicou-nos a zona donde tinha vindo o pedido de evacuação e vendo da minha parte a vontade de ir ao local, pediu a outro colega que me transportasse num carro de caixa aberta, que estava próximo, tendo o Barbosa dito que eu não iria sozinha; e lá seguimos por uma picada, (talvez um a dois quilómetros).
Era chamada à zona, de “Ato Fula”. Tinha no terreiro uma entrada e as palhotas da tabanca situavam-se em círculo, tendo nas suas traseiras as terras de cultivo. De repente fomos cercados por todos os habitantes; as crianças, todas contentes por nos verem, faziam uma “chilreada”, sem eu entender uma palavra e tocavam-me. Nunca deviam ter visto uma mulher de camuflado e vim depois a saber que diziam que eu tinha “mezinha”.
Com aquele aparato todo, o Barbosa saltou para o carro e pediu ao motorista que pusesse rapidamente o mesmo a trabalhar e disse-me que subisse também, porque não queria que nos apanhassem à mão, o que eu não consegui fazer, por estar presa no meio das mulheres e filhos, aproximando-se entretanto também alguns homens. Não havia nada a fazer; embora soubéssemos que naquela área não havia ataques, a situação não era cómoda para nós - e começava a escurecer.
Ao longe vinham dois homens, que pareciam ser os “Homens Grandes” da tabanca, os quais traziam algo nas mãos que receámos serem granadas. O Barbosa dizia para o motorista "esta minha tenente mete-me em cada uma…” Os Homens aproximaram-se e, num gesto de gratidão por lá termos ido, ofereceram-nos a cada um uma massaroca de milho, possivelmente as melhores da sua lavra; e com gestos de alguma humildade apertaram-nos as mãos.
Fiquei impressionada com os acontecimentos e nunca mais esqueci aquela população. Chegámos já de noite à Base, com todos preocupados pela nossa demora. Ao jantar o nosso amigo contou no gozo a todos, como os “turras iam apanhando à mão, sem nenhum trabalho e de uma assentada, um piloto e uma enfermeira”. Foi uma risada e um momento de boa disposição, com o aparato descrito pelo nosso amigo.
A ida a Aldeia Formosa
Numa manhã, muito cedo, na época das chuvas, recebemos um pedido de evacuação tipo “Y” e lá fui com o Barbosa buscar o ferido. Quando chegámos este não estava junto à pista mas no aquartelamento; desloquei-me então eu até ao local onde o ferido se encontrava, num gravíssimo estado. Tinha um esfacelamento de grande parte do pescoço e face, de onde o sangue saía em abundância, levando-me a pensar que uma das carótidas podia ter sido também atingida e que, assim sendo, pouco ou nada havia a fazer. De imediato consegui canalizar-lhe uma veia, mas o ferido acabou por falecer-me nos braços, em frente do oficial que comandava o destacamento. Colocou-se-nos o problema: deixá-lo ali, ou eu assumir que tinha falecido após a descolagem, com o que o Barbosa concordou. O morto era um furriel miliciano, estimado por todos com quem convivia. Os camaradas estavam desolados com o desfecho daquele acidente (cuja causa soubemos então) e o seu apelido e aquela imagem ainda hoje estão presentes no meu pensamento, que reservo, por respeito à sua memória.
Ao colocarmos a maca no avião, o oficial veio pedir ao Barbosa se aterrava em Buba, porque já tinha contactado com o Comando do Batalhão, que lhe queria prestar homenagem - e assim se fez. Ao aterrarmos estavam os militares todos formados e o Comandante veio entregar uma Bandeira Nacional e pediu-nos que cobríssemos o seu corpo e o levássemos desse modo para a Base. Concordámos e assim procedemos, mas também sabíamos que tínhamos que a guardar antes da aterragem. É certo que não procedemos de acordo com as regras instituídas, mas não podíamos deixá-lo no meio daquela tropa fragilizada pela triste ocorrência, a aguardar pelo caixão para ser dali retirado pelos meios habituais.
Só entende este nosso procedimento quem lá esteve e conheceu as condições por que passaram os militares na Guiné, principalmente os que estiveram colocados no interior, muitas vezes vivendo praticamente nos abrigos.
O Barbosa guardou a bandeira, que devolveu posteriormente; e eu anotei no meu relatório da “evacuação aérea” que o ferido tinha falecido cinco minutos após a descolagem. MISSÃO CUMPRIDA.
Anos depois, já casada e com filhos, fora da FA, onde entrei e saí voluntariamente, após quase dez anos vividos intensamente - mas dos quais nunca me arrependi - soube pela comunicação social da morte na Carreira de Tiro de Alcochete de um piloto, para minha tristeza o meu AMIGO AMÍLCAR BARBOSA.
Senti uma grande mágoa pela perda de mais uma pessoa boa com quem na vida me cruzei; durante esse período foram infelizmente bastantes cuja perda nos deixou marcas que por vezes nem o passar do tempo faz esquecer.
Quando falamos entre nós o Barbosa, entre outros, vem-nos à lembrança, enquanto A VIDA E A NOSSA MEMÓRIA O DEIXAR RECORDAR.
Mª Arminda Santos
Enf.ª Pára-quedista
4. Comentário de CV:
Cara Enfermeira Maria Arminda, muito obrigado por se juntar a nós nesta Caserna Virtual, onde lhe vamos arranjar um lugar confortável, porque a antiguidade é um posto e a senhora é só a Enfermeira Pára-quedista mais antiga de Portugal, diz o Miguel, e nós acreditamos, que a senhora foi a primeira classificada do primeiro curso de Enfermeiras Pára-quedistas.
A Maria Arminda que esteve em acção logo no início da guerra colonial, está numa posição privilegiada para nos contar as suas memórias coincidentes com esse tempo. Tudo o que nos possa descrever, não só sobre a Guiné, mas também nos outros TO, será uma mais valia para este Blogue que a partir de hoje é também seu.
Vamos dar-lhe a honra simbólica de ser a 500.ª tertuliana do nosso Blogue. Este número era para nós uma meta mágica. A partir de hoje podemos dizer que somos mais de meio milhar de tertulianos.
Permita que em nome dos tertulianos que viveram em aquartelamentos no interior da Guiné, cercados de arame farpado, lhe agradeça o bem que fez aos nossos camaradas que desafortunadamente precisaram de evacuações por doença ou ferimentos em combate, quantas vezes em condições bem perigosas para as máquinas, tripulação e pessoal de saúde. Este agradecimento feito à n.º 1 das Enf Pára-quedistas é extensivo a todos os nossos anjos da guarda.
Receba, senhora Enfermeira, um beijinho colectivo da tertúlia que a estima e fica honrada com a sua presença no Blogue.
O Editor de serviço
Carlos Vinhal
____________
Notas do Editor:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)
Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8308: Tabanca Grande (285): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71)
Caros editores
Mais uma enfermeira pára-quedista que vai integrar-se no blogue. Porque ainda não está completamente à vontade nas lides informáticas, a Maria Arminda Santos* procurou o meu apoio para a apresentar aos restantes tabanqueiros, o que faço com muito gosto.
A Maria Arminda é a decana das enfermeiras pára-quedistas, tendo sido a n.º 1 do 1º curso. Tem uma óptima memória que lhe permite relembrar muitas das experiências que viveu na Força Aérea e, das conversas que temos tido, auguro que poderão vir aí muitas histórias interessantes. Por isso, aqui vai a sua ficha de inscrição, de que consta o seu currículo, uma foto da época (tipo passe), uma foto recente e algumas fotos de época que podem ser espalhadas pelo Poste de apresentação… Finalmente, o necessário texto, um dos requisitos para a inscrição.
Vamos ver se ainda consigo convencer mais alguma a juntar-se a nós…
Abraço
Miguel
TERTULIANA N.º 500
Ten Grad Enf.ª Pára-quedista Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos
13 de Janeiro de 2011 > Maria Arminda Santos ao centro da foto. À sua direita a Enf Rosa Serra, nossa tertuliana
2. Apresentação:
Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos
Estado civil: casada
Naturalidade: Setúbal
Profissão: Enfermeira (Aposentada).
Ingresso na Força Aérea Portuguesa no Curso de Enfermeiras Pára-quedistas a 5 de Junho de 1961.
Final do Curso a 8 de Agosto de 1961 como Alf/Grad/Enfermeira pára-quedista
Promoções: em 20 de Novembro de 1962, sendo graduada em Ten/Grad/Enf pára.
1961- A doze de Outubro, colocada em Angola, até Fevereiro 62. Nesse período, nomeada para a missão a Carachi, para acompanhar mulheres e crianças retiradas do ex-Estado Português na Índia, anteriormente à sua invasão.
1962 – Março destacada para Lisboa e Tancos (R.C. P.), na preparação do 2º Curso de Pára-quedismo, para enfermeiras até Maio, findo o qual acompanhou as novas enfermeiras, num estágio efectuado no Hospital da B. A. 4 (Terra Chã), Ilha Terceira, Açores.
1962 – Colocada na Zona Aérea da Guiné e Cabo Verde, mas cedida ao Exército, Hospital Militar de Bissau, para trabalho nas enfermarias e Bloco Operatório. Após o primeiro ataque a Tite, colocada posteriormente na BA12, quando se começaram a fazer “Evacuações Aéreas”, com recurso ao emprego de enfermeiras.
1963 – Janeiro, colocada no Hospital Militar Principal (Lisboa), na prestação de cuidados de Enfermagem, a militares da F.A., queimados em acidentes de dois aviões.
- Colocada temporariamente em dois períodos no Hospital da BA 4, (6 de Maio a 18 de Julho e de 3 de Outubro a 7de Novembro).
- Ainda nesse ano, (19 de Agosto a 24 de Setembro), acompanhamento do 3º Curso de Pára-quedismo para enfermeiras e ida para Hospital da B.A.4.
1964 - De Novembro a Janeiro de 1965 – Colocada na 2ª Região Aérea, no BCP nº 21 e Direcção dos Serviços de Saúde.
1965/67 – Maio até 1969, foi colocada por vários períodos na Guiné, interrompidos, por outras missões: (i) acompanhamento de doentes paraplégicos da FAP, a um Centro de Recuperação, (Stoke Mandeville Hospital), em Aylesbury, nos Arredores de Londres; (ii) missão da NATO, a Gibraltar, Madeira e Açores, (1967); (iii) Hospital da BA nº.4; (iv)em Novembro, a 2ª. Fase do 7º. Curso de pára-quedismo de enfermeiras.
1969 – De 4 de Maio até Dezembro do mesmo ano, desempenhou funções no Hospital da B.A. nº 4 e foi instrutora do Curso de Formação a 1ºs Cabos Enfermeiros (Especialistas e Pára-Quedistas)
1970 – Colocada na 3ª Região Aérea (Moçambique), sendo por dois períodos, de dois meses destacada para Nampula.
A 14 de Dezembro de 1970, passa à disponibilidade a seu pedido, após a rescisão dos contratos anuais automaticamente renovados, fórmula de vínculo que ligava as enfermeiras à Força Aérea Portuguesa, antes do 25 de Abril de 1974). Desempenhou depois as suas funções na vida civil.
Louvores - Seis
Agraciada – Com o Grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência.
Condecorações – Uma medalha de Mérito Militar de 3ª classe.
Mª. Arminda Santos
Ex: Tenente Enf pára
Setúbal, 2011-02-16
Na foto, Maria Arminda Santos rodeada por camaradas
3. O MEU SAUDOSO AMIGO AMÍLCAR BARBOSA
O início, na Guiné
Encontrava-me na Guiné desde Julho de 1962 e, passados quinze dias, juntou-se-me a Eugénia, tendo sido nós as primeiras enfermeiras pára-quedistas a lá chegar. Sem percebermos porquê fomos cedidas ao Exército e colocadas no Hospital Militar onde tratávamos dos doentes (não feridos), apenas doentes militares e civis ao serviço das Forças Armadas. O nosso dia-a-dia era trabalho de enfermaria e na sala de operações.
Havendo uma Base, achávamos que deveríamos aí trabalhar, onde também estavam colocados dois médicos, mas reconheço a esta distância que naquela data desenvolvemos um trabalho muito útil no referido hospital; e, não havendo guerra, fazia mais sentido ser essa a nossa actividade que, no entanto, com reduzidas condições de trabalho, me levava a sentir saudades do meu Hospital de Santa Maria, donde saíra no ano anterior.
Habitávamos uma vivenda térrea que partilhávamos com um oficial miliciano da FA cuja mulher era francesa, convivendo como se fôssemos uma família. O nosso contacto com o restante pessoal da FAP era mais restrito, só nos encontrando por vezes ao jantar, quando não estávamos escaladas para serviço nocturno no hospital.
A convivência e a amizade foram-se estabelecendo aos poucos consoante nos íamos reciprocamente conhecendo e o Barbosa foi um dos primeiros, que pelo seu espírito aberto, brincalhão e pelo facto de ser cabo-verdiano, tal como a Eugénia, o que facilitou essa convivência.
Comandava a Zona Aérea de Cabo-Verde e Guiné e a Base, o Ten-coronel Pilav Durval, o qual começou a solicitar a nossa presença na Base, mas sem resultado; e como tal a vida foi continuando do mesmo modo, continuando nós as duas cedidas temporariamente ao Exército.
No período da tarde íamos à Missão do Sono, conjuntamente com o Dr. Norberto Canha, um cirurgião que nas suas horas vagas ia operar doentes com elefantíase e lepra, ajudando na sala de operações, a instrumentar e circular, chegando por vezes a executar a tarefa de ajudantes no acto operatório. Da equipa faziam ainda parte o Dr. Silva e o anestesista, o Dr. Inês, que era de Loulé. Eram todos médicos militares e com eles estabelecemos relações de amizade que perduraram por mais alguns anos.
O Dr. Canha, que tinha na Guiné a mulher, Dr.ª Célia, professora, e a quem nós ajudámos ao parto de uma filha, vim anos depois a encontrá-lo, como Prof. Doutor e Director do Centro Hospitalar de Coimbra. O Dr. Inês, encontrei-o algumas vezes no Algarve, (quando ia para a casa da minha saudosa colega, amiga e comadre, a Maria Zulmira). Do Dr. Silva perdi-lhe o contacto.
Certa manhã na época, das chuvas, ouvimos o ruído de dois F86 voando muito baixo sobre a cidade e com fraca visibilidade. Depois só ficou um no ar; passadas umas horas soubemos ser o Barbosa, que aterrou no extremo da pista preso a um gancho e a uma espécie de rede, em último recurso, pois estava quase sem combustível. Nessa noite ao jantar houve comemoração, como habitualmente regada com uma garrafa de vinho branco “Casal Garcia”.
Com Zulmira Andrade e Barbosa
O Barbosa andava muitas vezes connosco, sempre alegre e a cantar as “Mornas e as Coladeras”, ao desafio com a Eugénia.
Certa noite fomos a um jantar de despedida do Tenente-Coronel Moura Pinto e de recepção ao Tenente-Coronel Barbeitos, tendo o nosso amigo Barbosa feito um discurso, tão eloquente que quase nos levou às lágrimas. Dessa data lembro-me de outros pilotos: o Mendonça, o Pessoa e o Andrade (de alcunha o Ventoinhas, que era dos helicópteros) e por acaso, irmão de uma enfermeira civil, minha amiga, o Simão e o Lobato (que em 1963 foi feito prisioneiro pelo PAIGC, sendo depois libertado, como todos sabemos, na Operação Mar Verde, em 1970).
A nossa vida continuava sem sobressaltos, até que em fins de Janeiro ou princípio de Fevereiro de 1963, dá-se o primeiro ataque ao aquartelamento de Tite, do outro lado do Geba. Ainda prestávamos serviço no Hospital Militar e foi quase ao fim tarde que começaram a chegar os feridos, cujo número não me recordo; lembro-me apenas que se operou pela noite fora, com mais uma mesa operatória improvisada, com um auto-clave e estufa para esterilização de materiais, insuficientes para as necessidades repentinas e com as quais ninguém contava.
Tivemos vários mortos nesse dia, mas não me recordo do número, apenas sei que mais tarde, no Hospital da Base Aérea nº 4, na Ilha Terceira (também conhecido pelo da Terra-Chã), vim a trabalhar com o Sargº Enf.º Amaral, cujo filho, um Furriel miliciano, morrera nesse ataque.
A partir daí a guerra na Guiné estava instalada e assim que foi possível fomos colocadas na Base de Bissalanca, para o início das evacuações aéreas com enfermeiras. Havia os aviões Auster e os helicópteros Alouette II; nestes não nos era possível acompanhar de perto os feridos, os quais eram transportados fora do helicóptero, numa espécie de caixas colocadas por cima dos patins do heli, uma de cada lado. Nos Auster a maca quase entrava pela cadeira ao lado do piloto e na cauda do avião. Felizmente mais tarde chegaram os DO-27 e os Alouette III, onde passámos a fazer inúmeras evacuações, adaptando e modificando os meios sanitários e a nossa actuação, com a finalidade de uma mais eficaz prestação de cuidados aos feridos, os quais iam sendo cada vez em maior número. Infelizmente tivemos que chegar a fazer evacuações no Dakota, quando havia ao mesmo tempo muitos feridos e a pista era adequada para a sua aterragem.
As nossas comissões eram por curtos períodos, mas continuamente a saltitar de Província para Província, intercalando com o acompanhamento de novos cursos de pára-quedismo para enfermeiras, permanências no hospital da Terra-Chã, na Ilha Terceira, na Direcção do Serviço de Saúde da FAP e no Hospital Militar Principal de Lisboa. Foi assim que eu, entre outros locais, fui parar à Guiné por seis vezes...
Penso que num dos períodos, entre 1965/66, voltei a encontrar ali o Barbosa, estando também a Nazaré, mais tarde a Zulmira e outras colegas. Ele era um companheiro presente, tinha a sua namorada Estela, com quem viria mais tarde a casar, e nós éramos as suas “irmãs mais velhas”, portadoras de mensagens e encomendas, de cá para lá e vice-versa, (o que aconteceu também com outros camaradas, ao longo da nossa vida militar). Por vezes cantava para nós, e bem, as canções do Charles Aznavour, do Gilbert Bécaud, ou os fados da Amália Rodrigues, fazendo nós o coro, o que nos ajudava a esquecer as tristezas daquela terra que se apelidou do “Vietname Português”. Fazia também umas piruetas (era um bom ginasta) e até parecia ser feito de borracha.
Fiz várias evacuações em DO-27 com o Barbosa e recordo especialmente duas; uma pela positiva, a ida a Bolama, para evacuar uma criança; a outra pela negativa, à Aldeia Formosa, a de um Furriel que infelizmente faleceu. O Barbosa e eu tínhamos sempre peripécias que nos aconteciam nos percursos, mas acabavam sempre bem.
A ida a Bolama
Saímos para Bolama a meio da tarde para recuperar uma criança que o médico suspeitava ter uma poliomielite. Chegados à pista não estava ninguém, apenas um militar que guardava o hangar. Indicou-nos a zona donde tinha vindo o pedido de evacuação e vendo da minha parte a vontade de ir ao local, pediu a outro colega que me transportasse num carro de caixa aberta, que estava próximo, tendo o Barbosa dito que eu não iria sozinha; e lá seguimos por uma picada, (talvez um a dois quilómetros).
Era chamada à zona, de “Ato Fula”. Tinha no terreiro uma entrada e as palhotas da tabanca situavam-se em círculo, tendo nas suas traseiras as terras de cultivo. De repente fomos cercados por todos os habitantes; as crianças, todas contentes por nos verem, faziam uma “chilreada”, sem eu entender uma palavra e tocavam-me. Nunca deviam ter visto uma mulher de camuflado e vim depois a saber que diziam que eu tinha “mezinha”.
Com aquele aparato todo, o Barbosa saltou para o carro e pediu ao motorista que pusesse rapidamente o mesmo a trabalhar e disse-me que subisse também, porque não queria que nos apanhassem à mão, o que eu não consegui fazer, por estar presa no meio das mulheres e filhos, aproximando-se entretanto também alguns homens. Não havia nada a fazer; embora soubéssemos que naquela área não havia ataques, a situação não era cómoda para nós - e começava a escurecer.
Ao longe vinham dois homens, que pareciam ser os “Homens Grandes” da tabanca, os quais traziam algo nas mãos que receámos serem granadas. O Barbosa dizia para o motorista "esta minha tenente mete-me em cada uma…” Os Homens aproximaram-se e, num gesto de gratidão por lá termos ido, ofereceram-nos a cada um uma massaroca de milho, possivelmente as melhores da sua lavra; e com gestos de alguma humildade apertaram-nos as mãos.
Fiquei impressionada com os acontecimentos e nunca mais esqueci aquela população. Chegámos já de noite à Base, com todos preocupados pela nossa demora. Ao jantar o nosso amigo contou no gozo a todos, como os “turras iam apanhando à mão, sem nenhum trabalho e de uma assentada, um piloto e uma enfermeira”. Foi uma risada e um momento de boa disposição, com o aparato descrito pelo nosso amigo.
A ida a Aldeia Formosa
Numa manhã, muito cedo, na época das chuvas, recebemos um pedido de evacuação tipo “Y” e lá fui com o Barbosa buscar o ferido. Quando chegámos este não estava junto à pista mas no aquartelamento; desloquei-me então eu até ao local onde o ferido se encontrava, num gravíssimo estado. Tinha um esfacelamento de grande parte do pescoço e face, de onde o sangue saía em abundância, levando-me a pensar que uma das carótidas podia ter sido também atingida e que, assim sendo, pouco ou nada havia a fazer. De imediato consegui canalizar-lhe uma veia, mas o ferido acabou por falecer-me nos braços, em frente do oficial que comandava o destacamento. Colocou-se-nos o problema: deixá-lo ali, ou eu assumir que tinha falecido após a descolagem, com o que o Barbosa concordou. O morto era um furriel miliciano, estimado por todos com quem convivia. Os camaradas estavam desolados com o desfecho daquele acidente (cuja causa soubemos então) e o seu apelido e aquela imagem ainda hoje estão presentes no meu pensamento, que reservo, por respeito à sua memória.
Ao colocarmos a maca no avião, o oficial veio pedir ao Barbosa se aterrava em Buba, porque já tinha contactado com o Comando do Batalhão, que lhe queria prestar homenagem - e assim se fez. Ao aterrarmos estavam os militares todos formados e o Comandante veio entregar uma Bandeira Nacional e pediu-nos que cobríssemos o seu corpo e o levássemos desse modo para a Base. Concordámos e assim procedemos, mas também sabíamos que tínhamos que a guardar antes da aterragem. É certo que não procedemos de acordo com as regras instituídas, mas não podíamos deixá-lo no meio daquela tropa fragilizada pela triste ocorrência, a aguardar pelo caixão para ser dali retirado pelos meios habituais.
Só entende este nosso procedimento quem lá esteve e conheceu as condições por que passaram os militares na Guiné, principalmente os que estiveram colocados no interior, muitas vezes vivendo praticamente nos abrigos.
O Barbosa guardou a bandeira, que devolveu posteriormente; e eu anotei no meu relatório da “evacuação aérea” que o ferido tinha falecido cinco minutos após a descolagem. MISSÃO CUMPRIDA.
Anos depois, já casada e com filhos, fora da FA, onde entrei e saí voluntariamente, após quase dez anos vividos intensamente - mas dos quais nunca me arrependi - soube pela comunicação social da morte na Carreira de Tiro de Alcochete de um piloto, para minha tristeza o meu AMIGO AMÍLCAR BARBOSA.
Senti uma grande mágoa pela perda de mais uma pessoa boa com quem na vida me cruzei; durante esse período foram infelizmente bastantes cuja perda nos deixou marcas que por vezes nem o passar do tempo faz esquecer.
Quando falamos entre nós o Barbosa, entre outros, vem-nos à lembrança, enquanto A VIDA E A NOSSA MEMÓRIA O DEIXAR RECORDAR.
Mª Arminda Santos
Enf.ª Pára-quedista
4. Comentário de CV:
Cara Enfermeira Maria Arminda, muito obrigado por se juntar a nós nesta Caserna Virtual, onde lhe vamos arranjar um lugar confortável, porque a antiguidade é um posto e a senhora é só a Enfermeira Pára-quedista mais antiga de Portugal, diz o Miguel, e nós acreditamos, que a senhora foi a primeira classificada do primeiro curso de Enfermeiras Pára-quedistas.
A Maria Arminda que esteve em acção logo no início da guerra colonial, está numa posição privilegiada para nos contar as suas memórias coincidentes com esse tempo. Tudo o que nos possa descrever, não só sobre a Guiné, mas também nos outros TO, será uma mais valia para este Blogue que a partir de hoje é também seu.
Vamos dar-lhe a honra simbólica de ser a 500.ª tertuliana do nosso Blogue. Este número era para nós uma meta mágica. A partir de hoje podemos dizer que somos mais de meio milhar de tertulianos.
Permita que em nome dos tertulianos que viveram em aquartelamentos no interior da Guiné, cercados de arame farpado, lhe agradeça o bem que fez aos nossos camaradas que desafortunadamente precisaram de evacuações por doença ou ferimentos em combate, quantas vezes em condições bem perigosas para as máquinas, tripulação e pessoal de saúde. Este agradecimento feito à n.º 1 das Enf Pára-quedistas é extensivo a todos os nossos anjos da guarda.
Receba, senhora Enfermeira, um beijinho colectivo da tertúlia que a estima e fica honrada com a sua presença no Blogue.
O Editor de serviço
Carlos Vinhal
____________
Notas do Editor:
(*) Vd. poste de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)
Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8308: Tabanca Grande (285): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71)
Guiné 63/74 - P8313: Os nossos médicos (26): J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Med (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71), criador literário do Paparratos
A. Comentário, com data de 22 do corrente, de José Pardete Ferreira ao poste P8062:
Meu caro camarada de armas [, Albino Silva:]
(...) "Apresentado o bom soldado português Gabriel ou o Paparratos], o autor divaga pelos espaços míticos dos estudantes que frequentavam a Cidade Universitária no início dos anos 60: o Café Roma, onde hoje é um Mc Donald’s, junto ao Cinema Londres, a praxe do luto académico, o Café Colonial, o CDUL, o Monte Carlo, o Monumental, o D. Rodrigo, a Pastelaria Biarritz bem como as respectivas faunas, sonhos, devaneios. Tudo entremeado pela vida mais ou menos bélica no chão manjaco onde vai aparecer o alferes miliciano médico Pekoff. Fica-se com a ilusão que Pekoff se cruza com o Paparratos, mas seguramente, já que são figuras mais ou menos falsas e mais ou menos reais, seguem caminhos paralelos. E temos um flash dessa tão celebrada e jamais esquecida 105ª Companhia de Comandos, comandada com cada vez maior frequência pelo alferes Jorge Esteves, em virtude das visitas, quase permanentes a Bissau, do capitão Dias Anjos e que se prolongavam no tempo. A sua mulher encontrava-se de férias na capital providencial, os dois pombinhos podiam ser encontrados no Quartel General.
"O Posto de Comando do Aquartelamento do Chão Manjaco era conhecido como A Casa da Mariquinhas com as suas janelas com tabuinhas. Por dever de causa, o autor apresenta-se pondo-se ao espelho através de João Pekoff, vamos aos seus locais de estudo, alguns dos cafés atrás referidos, subimos até à Cantina Universitária, às Pró-Associações de Medicina e de Letras, às Associações de Direito e de Ciências, entramos no Estádio Universitário. Ficamos a saber que além dos estudos de medicina, pratica desporto e andou no associativismo religioso. Pelo que se dirá adiante, a sua guerra não foi só feita de tiros e morteiradas mas também de hospital e em Bissau, remendando feridos graves e ligeiros, criando a ideia, junto dos autóctones, de que era feiticeiro. Um bom pretexto para, sempre a propósito e a despropósito, voltar aos cafés de Lisboa e saudar os seus amigos inesquecíveis. (...)
"Como quem não quer a coisa, dado o retrato do CDUL e o seu desempenho na Academia Lisboeta, vamos numa missão helitransportada à Caboiana, que meteu bombardeamentos, reconhecimentos e até mosquitos. No Cacheu, para que conste, as Companhias de açorianos e madeirenses não só não se misturavam como tinham hortas separadas. E depois o alferes Pekoff vai até à Ilha de Jeta, fazer a psico, tratar das populações, e o alferes deliciou-se com esta floresta quase tropical, pensou mesmo que estava num Haiti a 4 horas de voo da Europa. Spínola é conhecido pelo Brigadeiro Sebastião Ribeiro, alguém que vai todos os dias ao Hospital, lugar onde o pessoal de saúde é de uma dedicação exemplar. Nova saltada à mocidade de João Pekoff, desta feita às suas práticas no andebol e até às suas lembranças da campanha presidencial de 1958 e às manifestações ao candidato Humberto Delgado. Paparratos e Pekoff encontram-se de facto num passeio à Ponta de Caió, andaram por lá até desoras, o que trouxe uma grande inquietação lá no aquartelamento do chão manjaco. Fala-se da Pax Romana, dos movimentos católicos universitários, da retirada de Madina do Boé, da Operação Mar Verde (tratada no livro como a Operação Verde Tinto), depois viaja-se até Paris, segue-se o tratamento de um ferido VIP, o capitão cubano Peralta, a guerra prossegue, o Paparratos continua a fazer das suas na tabanca, ao aproximar-se do sentinela que grita 'Alto!', ele continua a avançar e é fulminado por uma rajada. A família soube da notícia e ficou incrédula pois disseram-lhes que tinha falecido de um acidente em serviço, morte impensável para quem fazia parte das tropas especiais". (...)
O francês, historiógrafo da nossa guerra colonial, e que tem acompanhado a produção literária dos ex-combatentes portugueses, René Pélissier, escreveu o seguinte sobre autor e o livro, num artigo ("Combater, viajar, rezar") publicado na revista Análise Social, vol. XL (176), 2005, 717-730:
(...) "Não é preciso mais do que o verbo 'amar' para fazer um ser humano completo. Quase completo! Mas o amor encontrá-lo-emos em alguns dos títulos referidos mais abaixo. Mesmo nos livros de guerra, o amor — ou o seu contrário — surge; sobretudo quando os seus autores não a fizeram pessoalmente. O amor em O Paparratos ? Verdadeiramente não, mas uma certa nostalgia positiva dos anos de juventude de José Pardete Ferreira, isto é, neste caso, os dois anos (1969-1971) que passou como médico militar na Guiné. Inicialmente mobilizado numa companhia de comandos no território dos manjacos, depois afecto ao Hospital Militar de Bissau, ele evoca neste romance «histórico» factos reais, como (i) a evacuação de Madina do Boé (...), (ii) o ataque português contra Conakry, (iii) a captura de um capitão cubano próximo de Guileje e o seu tratamento pelos médicos portugueses em Bissau (...).
"Pelo mesmo editor [, Prefácio], muito dinâmico a nível da literatura de guerra, recomendamos as recordações apaixonantes de José Alberto Mesquita, também ele, actualmente, médico. Decididamente, os médicos constituem uma percentagem muito grande dos autores que escrevem sobre a guerra colonial". (...)
Pardete Ferreira (de quem não temos qualquer foto) diz, sobre si próprio, o seguinte, em termos autobiográficos:
Dados Pessoais constantes do seu blogue:
Ao nosso camarada J. Pardete Ferreira queremos dirigir formalmente o convite para se sentar, aqui, connosco no bentem da nossa Tabanca Grande, sob o mágico, frondoso, secular e fraterno poilão, onde cabe toda fauna do mundo, desde os morcegos aos irãs, desde os tugas aos fulas, desde os manjacos aos balantas, desde os inimigos de ontem aos amigos de hoje... Ele próprio já constatou que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande.
Com um Alfa Bravo do Luís Graça
______________
Nota do editor:
Vd. último poste da série > 2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8032: Os nossos médicos (25): Dois louvores militares atribuídos ao ex-Alf Mil Med Amaral Bernardo (CCS / BCAÇ 2930, e CCAÇ 6, 1970/72)
Meu caro camarada de armas [, Albino Silva:]
Obrigado por se ter lembrado de algumas coisas, mas não de todas:
1 - Ainda bem que confirma a real existência do Paparratos.
2 - Fica-lhe bem não querer nomear o graduado em questão. O que eu conto é a "morte do Paparratos" e não outro episódio passado antes da minha chegada ao aquartelamento que, como bem descreve, ficava ao pé do arame farpado.
3 - Está enganado: estive em Teixeira Pinto ao mesmo tempo que o meu colega e amigo Prof. Maymone Martins e fui enviado à pressa para o CAOP porque o Dr. Bessa deu baixa ao Hospital.
4 - Nunca fui Capitão, limitei-me a ser Alferes enquanto estive na Guiné e em T. Pinto não estive só 15 dias... esqueceu-se dos outros até aos seis meses!!!
5 - Obrigado pelas boas referências que fez de mim.
6 - Li o seu livro.
Desejo-lhe boa saúde e trabalho... nestes tempos de crise são coisas importantes a desejar aos amigos.
J. Pardete Ferreira
José Pardete Ferreira. Sim, sou o autor de "O Paparratos" de que tanto gostou. Agradeço-lhe a publicidade e o seu padrinho de casamento, o Emílio Rosa, está no Colonial e em Bissau. Estivemos pois muito próximos. O David Payne foi meu colega na Faculdade e creio que igualmente, durante um tempo no HM241 [, vd. foto acima, do nosso arquivo].
Afinal o mundo é pequeno. Um Abraço do Companheiro jpardete@hotmail.com + 1 blog no Sapo.
C. Comentário de L.G.:
José Pardete Ferreira foi, pois, nosso camaradana na Guiné, Alferes Miliciano Médico (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71)... Nasceu em 1941, estudou na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Turma de 1966), trabalhou no Hospital São Bernardo, em Setúbal (onde foi Director Clínico). Interessou-se também pela prática do desporto e pela medicina desportiva. Vive em Setúbal. Tem uma conta no Facebook. E um blogue no Sapo.
Sobre ele, como escritor, e sobre o seu Paparratos diz o nosso camarada Beja Santos (no poste P:
Sobre ele, como escritor, e sobre o seu Paparratos diz o nosso camarada Beja Santos (no poste P:
(...) "É assim que José Pardete Ferreira apresenta as suas divertidas memórias, que incluem, talvez com uma intensidade única o meio universitário do princípio dos anos 60, sobre a sua passagem por terras da Guiné onde serviu como alferes miliciano médico e, autobiograficamente falando, aparecerá como João Pekoff, um médico que forjou Gabriel, o Paparratos (“O Paparratos, Novas Crónicas da Guiné, 1969 – 1971”, por José Pardete Ferreira, Prefácio, 2004) " (...).
Também sobre o Paparratos, escrevue René Pélissier, na Análise Social, vol. XL (176), 2005, 717-730 ("Combater, viajar, rezar"):
Também sobre o Paparratos, escrevue René Pélissier, na Análise Social, vol. XL (176), 2005, 717-730 ("Combater, viajar, rezar"):
(...) "Apresentado o bom soldado português Gabriel ou o Paparratos], o autor divaga pelos espaços míticos dos estudantes que frequentavam a Cidade Universitária no início dos anos 60: o Café Roma, onde hoje é um Mc Donald’s, junto ao Cinema Londres, a praxe do luto académico, o Café Colonial, o CDUL, o Monte Carlo, o Monumental, o D. Rodrigo, a Pastelaria Biarritz bem como as respectivas faunas, sonhos, devaneios. Tudo entremeado pela vida mais ou menos bélica no chão manjaco onde vai aparecer o alferes miliciano médico Pekoff. Fica-se com a ilusão que Pekoff se cruza com o Paparratos, mas seguramente, já que são figuras mais ou menos falsas e mais ou menos reais, seguem caminhos paralelos. E temos um flash dessa tão celebrada e jamais esquecida 105ª Companhia de Comandos, comandada com cada vez maior frequência pelo alferes Jorge Esteves, em virtude das visitas, quase permanentes a Bissau, do capitão Dias Anjos e que se prolongavam no tempo. A sua mulher encontrava-se de férias na capital providencial, os dois pombinhos podiam ser encontrados no Quartel General.
"O Posto de Comando do Aquartelamento do Chão Manjaco era conhecido como A Casa da Mariquinhas com as suas janelas com tabuinhas. Por dever de causa, o autor apresenta-se pondo-se ao espelho através de João Pekoff, vamos aos seus locais de estudo, alguns dos cafés atrás referidos, subimos até à Cantina Universitária, às Pró-Associações de Medicina e de Letras, às Associações de Direito e de Ciências, entramos no Estádio Universitário. Ficamos a saber que além dos estudos de medicina, pratica desporto e andou no associativismo religioso. Pelo que se dirá adiante, a sua guerra não foi só feita de tiros e morteiradas mas também de hospital e em Bissau, remendando feridos graves e ligeiros, criando a ideia, junto dos autóctones, de que era feiticeiro. Um bom pretexto para, sempre a propósito e a despropósito, voltar aos cafés de Lisboa e saudar os seus amigos inesquecíveis. (...)
"Como quem não quer a coisa, dado o retrato do CDUL e o seu desempenho na Academia Lisboeta, vamos numa missão helitransportada à Caboiana, que meteu bombardeamentos, reconhecimentos e até mosquitos. No Cacheu, para que conste, as Companhias de açorianos e madeirenses não só não se misturavam como tinham hortas separadas. E depois o alferes Pekoff vai até à Ilha de Jeta, fazer a psico, tratar das populações, e o alferes deliciou-se com esta floresta quase tropical, pensou mesmo que estava num Haiti a 4 horas de voo da Europa. Spínola é conhecido pelo Brigadeiro Sebastião Ribeiro, alguém que vai todos os dias ao Hospital, lugar onde o pessoal de saúde é de uma dedicação exemplar. Nova saltada à mocidade de João Pekoff, desta feita às suas práticas no andebol e até às suas lembranças da campanha presidencial de 1958 e às manifestações ao candidato Humberto Delgado. Paparratos e Pekoff encontram-se de facto num passeio à Ponta de Caió, andaram por lá até desoras, o que trouxe uma grande inquietação lá no aquartelamento do chão manjaco. Fala-se da Pax Romana, dos movimentos católicos universitários, da retirada de Madina do Boé, da Operação Mar Verde (tratada no livro como a Operação Verde Tinto), depois viaja-se até Paris, segue-se o tratamento de um ferido VIP, o capitão cubano Peralta, a guerra prossegue, o Paparratos continua a fazer das suas na tabanca, ao aproximar-se do sentinela que grita 'Alto!', ele continua a avançar e é fulminado por uma rajada. A família soube da notícia e ficou incrédula pois disseram-lhes que tinha falecido de um acidente em serviço, morte impensável para quem fazia parte das tropas especiais". (...)
O francês, historiógrafo da nossa guerra colonial, e que tem acompanhado a produção literária dos ex-combatentes portugueses, René Pélissier, escreveu o seguinte sobre autor e o livro, num artigo ("Combater, viajar, rezar") publicado na revista Análise Social, vol. XL (176), 2005, 717-730:
(...) "Não é preciso mais do que o verbo 'amar' para fazer um ser humano completo. Quase completo! Mas o amor encontrá-lo-emos em alguns dos títulos referidos mais abaixo. Mesmo nos livros de guerra, o amor — ou o seu contrário — surge; sobretudo quando os seus autores não a fizeram pessoalmente. O amor em O Paparratos ? Verdadeiramente não, mas uma certa nostalgia positiva dos anos de juventude de José Pardete Ferreira, isto é, neste caso, os dois anos (1969-1971) que passou como médico militar na Guiné. Inicialmente mobilizado numa companhia de comandos no território dos manjacos, depois afecto ao Hospital Militar de Bissau, ele evoca neste romance «histórico» factos reais, como (i) a evacuação de Madina do Boé (...), (ii) o ataque português contra Conakry, (iii) a captura de um capitão cubano próximo de Guileje e o seu tratamento pelos médicos portugueses em Bissau (...).
"Pelo mesmo editor [, Prefácio], muito dinâmico a nível da literatura de guerra, recomendamos as recordações apaixonantes de José Alberto Mesquita, também ele, actualmente, médico. Decididamente, os médicos constituem uma percentagem muito grande dos autores que escrevem sobre a guerra colonial". (...)
Pardete Ferreira (de quem não temos qualquer foto) diz, sobre si próprio, o seguinte, em termos autobiográficos:
"(...) Nasci durante a 2ª Guerra e ainda me lembro das senhas de racionamento, aqueles
selinhos, castanho claro ou roxo esbatido, tavez com um pouco de verde,
igualmente! Penso no 'black out', porque a aviação alemã vinha bombardear Lisboa, com o meu pai a orientar as operações, com as tiras de papel a cruzarem
os vidros, as grandes portas interiores de madeira fechadas, luzes apagadas e a
permissão de uma ou outra vela em pontos estratégicos que não podessem ser
vistos do exterior. Fiz igualmente a minha Guerra, na Guiné, hoje Guiné-Bissau,
com um quarto de mato e três quartos em Bissau, nos hospitais, civil e
militar" (...).
Telefone> 265522530; telemóvel> 914019160
Data Nascimento> 15-02-1941
Ao nosso camarada J. Pardete Ferreira queremos dirigir formalmente o convite para se sentar, aqui, connosco no bentem da nossa Tabanca Grande, sob o mágico, frondoso, secular e fraterno poilão, onde cabe toda fauna do mundo, desde os morcegos aos irãs, desde os tugas aos fulas, desde os manjacos aos balantas, desde os inimigos de ontem aos amigos de hoje... Ele próprio já constatou que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande.
Com um Alfa Bravo do Luís Graça
______________
Nota do editor:
Vd. último poste da série > 2 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8032: Os nossos médicos (25): Dois louvores militares atribuídos ao ex-Alf Mil Med Amaral Bernardo (CCS / BCAÇ 2930, e CCAÇ 6, 1970/72)
Guiné 63/74 - P8312: Convívios (342): Encontro do pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 29 de Maio de 2011 no Fundão (José Manuel M. Dinis)
1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de hoje, 23 de Maio de 2011:
Olá Carlos, bom dia.
Solicito a divulgação de um Encontro, já no próximo domingo, ali para as faldas da Estrêla, no Fundão, onde os heróicos sobreviventes da CCaç 2679 e do Pel Caç Nat 65, que andaram a malhar no leste da Guiné, nas terras fulas que vão do infinito Corubal em Buruntuma (onde mais parecia um regato), e subiam os marcos que fazem o ângulo recto da passagem da fronteira da Guiné-Conakry para a do Senegal, de onde se passava a calcorrear para oeste até um marco número sessenta e tal, algures entre Bajocunda e Pirada, donde se flectia para sul, novamente em direccção ao Corubal, fazendo uma barriguinha para a Z.A. de Nova Lamego. Foi nas terras atrás identificadas, quiçá a mais larga área de intervenção do TO da Guiné, que os ainda jovens veteranos ficaram a conhecer-se e vão providenciar um encontro para matança de fomes estomacais e sentimentais.
Um grande abraço
JD
No dia 13 de Maio de 2011 17:16, João Patricio <joao.patricio@finantia.com> escreveu:
É com imenso prazer que faço parte do grupo de trabalho deste grande evento conjuntamente com o Aquino e o Dinis. Agradeço o empenho de todos na abrangência do maior numero de presenças, pois já confirmaram alguns dos companheiros, que até á presente data, desconheciam estes nossos encontros.
17.00H – Passeio pelos pomares de Cerejeiras da encosta da Gardunha
18.00H – Regresso ao Hotel Alambique e encerramento do encontro
Diligenciei esforços para que todos aqueles que pretendam pernoitar de 28/29 ou 29/30 de Maio fiquem bem acomodados e com um preço acessível.
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8296: Convívios (335): Almoço/Convívio do BCAÇ 3883, dia 28 de Maio de 2011, em Viseu (António Rodrigues)
Olá Carlos, bom dia.
Solicito a divulgação de um Encontro, já no próximo domingo, ali para as faldas da Estrêla, no Fundão, onde os heróicos sobreviventes da CCaç 2679 e do Pel Caç Nat 65, que andaram a malhar no leste da Guiné, nas terras fulas que vão do infinito Corubal em Buruntuma (onde mais parecia um regato), e subiam os marcos que fazem o ângulo recto da passagem da fronteira da Guiné-Conakry para a do Senegal, de onde se passava a calcorrear para oeste até um marco número sessenta e tal, algures entre Bajocunda e Pirada, donde se flectia para sul, novamente em direccção ao Corubal, fazendo uma barriguinha para a Z.A. de Nova Lamego. Foi nas terras atrás identificadas, quiçá a mais larga área de intervenção do TO da Guiné, que os ainda jovens veteranos ficaram a conhecer-se e vão providenciar um encontro para matança de fomes estomacais e sentimentais.
Um grande abraço
JD
No dia 13 de Maio de 2011 17:16, João Patricio <joao.patricio@finantia.com> escreveu:
É com imenso prazer que faço parte do grupo de trabalho deste grande evento conjuntamente com o Aquino e o Dinis. Agradeço o empenho de todos na abrangência do maior numero de presenças, pois já confirmaram alguns dos companheiros, que até á presente data, desconheciam estes nossos encontros.
As metas que nos propusemos e que tomamos como objectivos estão a ser alcançadas e até ultrapassadas.
Em ficheiro encontram-se o nome todas as confirmações até à presente data.
Programa do encontro dia 29 de Maio de 2011 dos Bravos Soldados do Leste - 40 Anos de Peluda - CCac 2679 e Pel Caç Nat 65 (Leões Negros)
Em ficheiro encontram-se o nome todas as confirmações até à presente data.
Programa do encontro dia 29 de Maio de 2011 dos Bravos Soldados do Leste - 40 Anos de Peluda - CCac 2679 e Pel Caç Nat 65 (Leões Negros)
10.30H – Concentração no átrio do Hotel Alambique no Fundão
11.15H – Missa na Igreja Matriz de Aldeia de Joanes em Homenagem aos antigos companheiros já falecidos
13.00H – Almoço e entrega de diplomas de presença no Hotel Alambique
15.00H – Passagem de um filme “A Guiné de Hoje” apresentado pelo meu amigo Pereira Nina (que esteve na Guiné nos anos 1972/1974 e que no passado mês de Março voltou à Guiné por um período de 30 dias)
17.00H – Passeio pelos pomares de Cerejeiras da encosta da Gardunha
18.00H – Regresso ao Hotel Alambique e encerramento do encontro
Diligenciei esforços para que todos aqueles que pretendam pernoitar de 28/29 ou 29/30 de Maio fiquem bem acomodados e com um preço acessível.
Hotel Alambique (275 774 145) ou www.hotealambique.com
-quartos individual normal – 29.50€
-quarto casal normal – 47.50€
quarto individual superior – 31.50€
quarto individual superior – 31.50€
-quarto casal superior – 62.50€
Confirmações
Aguardo noticias Vossas
____________Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8296: Convívios (335): Almoço/Convívio do BCAÇ 3883, dia 28 de Maio de 2011, em Viseu (António Rodrigues)
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