1. Mensagem do nosso tertuliano Nelson Herbert*, jornalista na Voz da América, enviada ao nosso Blogue no dia 7 de Fevereiro de 2012:
Caros bloguistas
Mudando de tema, deixo aqui algumas sugestões de leitura... uma vez que muito se tem referenciado as quase inexistentes publicações e obras da autoria de nacionalistas africanos e claro retratando essa fase histórica... a guerra colonial, do ultramar, de independência ou de libertação!
E cá ficam algumas sugestões... umas recentes, acabadinhas de se darem à estampa, outras (outra !) nem tanto, mas pela sua temática, interessa!
1 - "Testemunho" de Filinto Barros. Nacionalista guineense, que actuou na clandestinidade, deixa nesse seu
"Testemunho" a sua percepção e reflexão sobre alguns dos acontecimentos... entenda-se conflitos e guerras intestinas no interior do PAIGC e que acabariam por marcar de forma sangrenta o período da pós independência da Guiné.
Polémica e controversa a obra (publicação póstuma... já que o autor faleceu em finais do ano passado e o livro foi lançado em Dezembro de 2011) de um pouco mais de 100 páginas retrata a leitura que Barros fez das intrigas palacianas que marcaram o pré e o pós golpe de 14 de Novembro, grande parte delas, diga-se, trazida de arrasto pelo PAIGC da guerrilha travada nas matas da Guiné.
Do pós 14 de Novembro, o golpe de destitui Luís Cabral do poder, a guerra civil de 1998/99, passando pelo polémico II congresso do PAIGC de 1992 aos fuzilamentos dos oficiais balantas alegadamente envolvidos na 'intentona" de Outubro de 1994, em o
"Testemunho", fazendo jus ao titulo, Filinto Barros, tido como próximo do ex-presidente Nino Vieira, ensaia por outro lado, de acordo com os críticos da obra, um gesto que o “iliba” de alegadas responsabilidades directas em alguns dos acontecimentos que marcaram a história recente da Guiné.
Cite-se a titulo de exemplo o caso 17 de Outubro, a do fuzilamento do membros do oficialato balanta das Forças Armadas, em que na qualidade de membro de conselho de estado, fora na altura chamado a pronunciar-se sobre o “perdão” da pena de morte aplicada a um grupo de ex-guerrilheiros e dirigentes nacionais, então desavindos com Nino Vieira.
O livro, diga-se entretanto em abono da verdade pode ter o dom de atiçar a reacção dos demais históricos do PAIGC (entenda-se sobreviventes), já que alguns dos referenciados pelas ásperas criticas do autor, tal como Barros deixaram de fazer parte de há muito do mundo dos vivos !
2 - “Um Demorado Olhar Sobre Cabo Verde“ de Jorge Querido. Nesta obra, este engenheiro de formação, um ex-antigo funcionário colonial, nacionalista cabo-verdiano, por sinal o responsável máximo das estruturas clandestinas do então PAIGC nas ilhas de Cabo Verde, explica as relações entre Amílcar Cabral e os seus lugares-tenentes, o recrutamento dos combatentes cabo-verdianos e as crispações nas selvas guineenses.
Na obra, escreve Jorge Querido que não se vislumbrava
“como poderia o cabo-verdiano envolver-se na luta de libertação, integrado numa organização nacionalista africana, sem que antes tivesse tomado consciência de que a sua "cabo-verdianidade" continha uma fundamental dimensão africana, que os colonialistas, apesar da política de assimilação adoptada, não conseguiram destruir.”
Tem-se como inquestionável, que o despertar de qualquer povo submetido a longa dominação estrangeira é, antes de mais, cultural. Em Cabo Verde, no entanto, os principais movimentos de cariz popular que marcaram a primeira metade do século XX, começando pelos “Claridosos” apontavam, quase todos, na direcção da Europa - escreve ainda Jorge Querido.
No seu
“Um Demorado Olhar Sobre Cabo Verde“ Jorge Querido disserta igualmente sobre as razões que terão levado Cabral a associar duas populações na mesma luta, o autor avança várias explicações: teria pesado o facto de Cabral ser filho de cabo-verdianos nascido na Guiné? Teria sido influenciado pelo facto de só em Cabo Verde, pelo nível de escolarização da população, ser possível encontrar o número mínimo de quadros necessário? Ou teria admitido que Cabo Verde, por ser um pequeno arquipélago com pouca população só poderia ascender à independência se fosse "arrastado" por outra colónia como a Guiné?
Em
“Um Demorado Olhar Sobre Cabo Verde”, o autor aborda igualmente a polémica questão da luta armada naquelas ilhas atlânticas, tal como chegou a ser preconizada pelo PAIGC.
“Um Demorado Olhar Sobre Cabo Verde“ de Jorge Querido, pelo papel desempenhado pelo autor na implantação no PAIGC naquele arquipélago atlântico, diríamos nós um testemunho de leitura obrigatória e ao entendimento e contextualização do próprio pensamento estratégico de Amílcar Cabral... o de “união” de dois povos numa luta travada nas matas da Guiné.
3 - "Aristides Pereira, Minha vida, nossa história", do jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes aborda a vida do primeiro Presidente da República e ex-companheiro de Amílcar Cabral na luta pela independência de Cabo Verde e Guiné-Bissau.
O livro-entrevista, que narra a história de Aristides Pereira desde o seu nascimento na ilha da Boavista, em 1923, até à sua morte, em Setembro de 2011, em Portugal, recentemente lançado na cidade da Praia, por algumas das revelações contidas e atendendo o facto de alguns dos visados, serem “camaradas do partido” ainda vivos, tem estado a suscitar um certo desconforto nas hostes paicevistas (e ex-paigecistas) em Cabo Verde.
O livro, de 496 páginas, traz detalhes dos anos passados por Aristides Pereira na Guiné-Bissau e em Conakry, até chegar à luta armada, onde conviveu com Amílcar Cabral, a morte do líder, a negociação para a independência de Cabo Verde e os 15 anos que esteve à frente dos destinos do arquipélago.
4 - “La Verite du Ministre –Dix Ans Dans Les Geoles de Sekou Toure” do conacri-guineense Alpha-Abdoulaye Diallo, não sendo de todo um livro recente (original em francês - desconhece-se tradução para uma outra língua), não deixa entretanto de se impor como uma das incontornáveis obras para o entendimento de aspectos fulcrais da história da Guiné-Bissau, nomeadamente a Operação Mar Verde, a da invasão militar portuguesa à Guiné-Conacry e sua repercussão na tirania que viria a marcar o regime de Sekou Touré, assim como o assassinato de Amílcar Cabral, a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri.
Num rápido olhar sobre a biografia deste autor e antigo governante guineense, destaca-se o facto de Alpha Abdoulaye Diallo ter dedicado toda a sua carreira politica ao estado guineense e ao regime de Sekou Touré, onde exerceu varias funções, nomeadamente a de secretario de estado dos negócios estrangeiros, chefe da delegação da Guiné e nas Nações Unidas, passando pela pasta de secretário de estado da Juventude, desportos e da cultura popular, na qualidade da qual seria detido em 1971, no rescaldo da operação Mar Verde, a da agressão militar portuguesa a Guine Conacry a 22 de Novembro de 1970. Diga-se, acontecimento que para o autor acabaria por contribuir, ante o clima de desconfiança e de intriguismo politico que se implantou em Conacri para a tirania do regime de Sekou Touré.
Treze ministros fuzilados e outros tantos condenados a “morte lenta” nas tenebrosas celas de Camp Boiro, o “gulag” do regime de Sekou Touré.
Sobre este campo de horrores e de morte lenta realce-se o facto dos então guinéus “capturados” na sequência da Operação Mar Verde, terem passado por ele, antes da morte por fuzilamento !!!
"La Verite du Ministre - Dix Ans Dans Les Geoles de Sekou Toure” não deixa de se constituir no primeiro testemunho em livro, legado por uma das vitimas desse ignóbil período da história da Guiné-Conacri.
(fontes: obras em epigrafe,
A semana.cv,
Expresso das ilhas.cv,
PNN)
PS: As fotos das capas dos livros em questão, estão “attached” ao email enviado ao editor do blogue”.
Deixo entretanto a tarefa da recensão critica a tais obras ao "kota" Mário Beja Santos.
Mantenhas
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Janeiro de 2012 >
Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)
Vd. último poste da série de 10 de Fevereiro de 2012 >
Guiné 63/74 - P9468: Notas de leitura (331): O Boletim Geral do Ultramar (2) (Mário Beja Santos)