Tropas portuguesas desembarcam em Brest, França (1917).
1. Em mensagem do dia 3 de Agosto de 2014, o nosso Camarada Benjamim Durães (ex-Fur Mil Op Esp do BART 2917, Bambadinca, 1970/72), Presidente do Núcleo de Setúbal da Liga dos Comabatentes, enviou-nos este texto relatando a situação em que foi julgado e condenado, o único português fuzilado na I Grande Guerra.
JOÃO AUGUSTO FERREIRA DE ALMEIDA
O único Português fuzilado
JOÃO AUGUSTO FERREIRA DE ALMEIDA, solteiro, nascido a 03 de Abril de 1894, na Rua Alto da Vila, freguesia de Foz do Douro, concelho do Porto, filho de José Ferreira Almeida e de Angelina Augusta que trabalhava como chauffeur para um cidadão alemão de nome Höfle radicado na Foz do Douro – Porto conservando do patrão óptimas recordações, facto que porventura teria influenciado o seu comportamento de rebeldia e posteriormente a resolução que viria a tomar de se passar para o campo do inimigo.
Mobilizado como Soldado chauffeur n.º 956 pela Secção Automóvel de Transporte de Água da Unidade Territorial do 1.º Grupo de Companhias de Administração Militar.
É integrado no Regimento de Infantaria n.º 14 do Corpo Expedicionário Português (CEP), que embarca para França, por via marítima, dado que a Espanha não autorizava a passagem de militares pelo seu território por ser neutral, em 16 de Março de 1917 e desembarca em Brest – França em 21 de Março de 1917, que combateria na I Grande Guerra ao lado do XI Corpo do Exército Inglês.
Em Julho de 1917 é punido com 60 dias de pena correccional por mau comportamento, sendo transferido compulsivamente para a 1.ª Companhia do Regimento de Infantaria 23 para cumprir o mesmo na primeira linha.
No dia 29 de Julho de 1917 pelas 11 horas, e ao fim de 7 semanas na linha da frente, no sector de Neuchapelle, não muito longe da fronteira com a Bélgica e junto às trincheiras com os militares alemães a escassos metros, manifesta o seu descontentamento com a punição que estava cumprir, aos soldados Adelino Alves, de Pomares - Arganil, António Rei, de Vale de Pedra - Soure, e Francisco Alves Carneiro, de Álvares - Góis, todos do Regimento de Infantaria n.º 23, que não tenciona cumprir o castigo até ao fim e que só não desertara para os alemães por não conhecer o caminho até eles.
Armado com uma pistola “Savage”, que mostrou, abriu e exibiu os mapas que lhe viriam a ser apreendidos. E apontou-lhes a localização de pontos estratégicos, o Quartel-General, depósitos de munições, de gasolina, batalhões de infantaria, fortes de artilharia.
Nessa mesma noite de 29 de Julho, o soldado João Augusto Ferreira de Almeida abordou mais nove soldados, em separado, solicitando de novo, e com promessas de dinheiro, oferece entre 60 e 100 francos franceses, a quem lhe apontasse a direcção em que ficavam as trincheiras inimigas, exibindo na ocasião e de novo a pistola e os mapas do sector.
Quanto ao valor exacto variam, mas, embora se tratasse de uma verba considerável para quem cumpria o serviço militar – uma galinha adquirida aos camponeses franceses para fugir à ração de combate atingia os seis francos.
A 30 de Julho de 1917 foram levadas ao conhecimento dos superiores pelo soldado António Rei as declarações estranhas e altamente graves do soldado João Augusto Ferreira de Almeida, acrescentando que, quando se encontrava no sector de Neuchapelle, o companheiro o abordara a pedir indicações acerca do caminho que conduzia às linhas alemãs.
Nesse mesmo dia, o Capitão Mousinho de Albuquerque mandou apresentar o soldado António Rei no Batalhão de Infantaria n.º 23 por este ter prestado declarações de excepcional gravidade contra o soldado João Augusto Ferreira de Almeida e organizar de imediato o processo-crime, tendo sido inquirido o soldado António Rei e mais nove testemunhas, 7 soldados e 2 sargentos, pelo Tenente Artur Barros Basto em processo de averiguações.
O processo foi rapidamente organizado com os dados fornecidos pelas testemunhas e remetido em 07 de Agosto de 1917 ao Juiz Auditor Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira, a fim de que este emitisse parecer nos termos do artigo 337.º do Código do Processo Criminal Militar. (aprovado por Lei de 13 de Maio de 1916).
O Juiz Auditor Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira, concluiu que o arguido (soldado João Augusto Ferreira de Almeida) tentara passar para o inimigo, achando-se por isso incurso na caução do n.º 1 do art.º 54.º do Código da Justiça Militar e a quem, pelo art.º 1.º do Decreto n.º 2867 de 30 de Novembro de 1916, publicado no Diário do Governo n.º 243 da I Série, cabia a pena de morte. Por isso, parecia ao Juiz auditor que o arguido poderia ser julgado sumariamente como dispunha o art.º 337.º do Código do Processo Criminal Militar.
Com base nos elementos apurados, o Comandante do Corpo Expedicionário Português, General Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, despachou para processo disciplinar com intuito de que o soldado João Augusto Ferreira de Almeida, respondesse perante o Tribunal de Guerra a fim de ali lhe ser feita a respectiva aplicação da lei militar.
Para tal atendia a que soldado João Augusto Ferreira de Almeida, cometera os seguintes factos criminosos:
1.º - Tentara passar para o inimigo, para o que perguntara a várias praças o caminho a seguir, chegando até a oferecer dinheiro com o fim de obter essa informação; e,
2.º - Quereria indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constando em duas cartas itinerárias de que a praça era portadora.
Ultimadas as diligências necessárias, foi marcado o Conselho de Guerra para as 14 horas do dia 15 de Agosto de 1917, em Roquetoise, o julgamento do soldado João Augusto Ferreira de Almeida.
CONSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL
Presidente – Coronel de Infantaria, António Luís Serrão de Carvalho;
Juiz Auditor - Dr. Joaquim de Aguiar Pimenta Carreira;
Secretário - Tenente José Rosário Ferreira
Promotor - Capitão Herculano Jorge Ferreira.
Júri
- Major Joaquim Freire Ruas
- Capitão Adriano Augusto Pires
- Capitão David José Gonçalves Magno
- Alferes Joaquim António Bernardino, e
- Alferes Arnaldo Armindo Martins
Defensor Oficioso - Capitão Joaquim Baptista Leone Júnior
Feita a chamada dos jurados e das testemunhas, lidas as principais peças do processo, identificado o réu e feitos os interrogatórios e alegações, o Juiz auditor ditou os seguintes quesitos:
1.º - O facto de o arguido em 29 de Julho, encontrando-se na primeira linha, tentar passar para o inimigo perguntando a várias praças o caminho e oferecendo a um dinheiro para que lhe prestasse essa informação;
2.º - O facto de o arguido querer indicar ao inimigo os locais ocupados pelas tropas portuguesas, constantes de duas cartas itinerárias de que era portador;
3.º - O mau comportamento do réu;
4.º - O crime ser cometido em tempo de guerra;
5.º - O réu ter cometido o crime com premeditação;
6.º - O crime ter sido cometido, tendo o agente a obrigação especial de o não cometer; e,
7.º - O estar ou não provado o imperfeito conhecimento do mal do crime.
O acusado, soldado João Augusto Ferreira de Almeida, negou o crime e apresentou como atenuante o imperfeito conhecimento do mal que do facto poderia resultar.
Sobre os sete quesitos, o Júri pronunciou-se do seguinte modo:
1.º - Provado por maioria (viria a decidir a condenação) com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins;
2.º - Provado por maioria;
3.º - Provado por unanimidade;
4.º - Provado por unanimidade;
5.º - Provado por maioria com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins;
6.º - Provado por maioria com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins;
7.º - Provado por maioria com o voto vencido do Alferes Arnaldo Armindo Martins.
Tendo considerado provadas as circunstâncias agravantes, o promotor de justiça conclui:
- “Julgo, pois, procedente e provada a acusação e nos termos do artigo 1º do decreto de 30 de Novembro de 1916 condeno o réu à morte com exautoração”.
Na audiência o Defensor Oficioso - Capitão Joaquim Baptista Leone Júnior - recorreu da sentença proferida para o General Comandante do CEP, Fernando Tamagnini de Abreu e Silva porquanto a pena acessória de exautoração militar em que o réu havia sido condenado desaparecera da nova legislação, em virtude do que dispunha o artigo 5.º do decreto de 16 de Março de 1911
Sobre o recurso formulado, pronunciou-se o Auditor Geral do CEP, Dr. António Augusto de Almeida Azevedo, concluindo que "a lei de 30 de Novembro de 1916, n.º 2867, decretou no artigo 1.º que fosse condenado à morte o militar que praticar qualquer dos crimes a que corresponda esta pena nos termos dos artigos 52.º, 53.º, 54.º e outros do Código de Justiça Militar, mas não preceitua a condenação à morte com exautoração”.
Foi por isso opinião do Auditor Geral que se desse provimento ao recurso, devendo ser proferida nova sentença por outro Auditor.
Em face deste parecer, o presidente do Tribunal marcou novo julgamento para 12 de Setembro, com novo Juiz Auditor Dr. José Maria de Magalhães Pais Pinheiro, não sem que um dia antes o Defensor Oficioso tenha solicitado a junção ao processo de um novo requerimento, decerto com a intenção de obrigar ao adiamento da audiência. Este requerimento baseava-se em que o soldado Ferreira de Almeida era filho de um doido (facto que, segundo o recurso, podia ser provado pelo Juiz Auditor do Tribunal de Guerra); tinha dado indícios de alienação mental, pelo menos depois da sua condenação e teria mesmo dado tais indícios antes desse facto. Tais circunstâncias tinham sido referidas em público pelo próprio chefe do Serviço de Saúde, Tenente-Coronel Médico, Dr. José Gomes Ribeiro, pelo que o requerente solicitava que fosse feito exame médico-legal às faculdades mentais do soldado João Augusto Ferreira de Almeida.
Assim, no próprio dia 12 de Setembro o General-Comandante do CEP solicita por despacho ao Auditor Geral uma informação sobre o assunto do requerimento. E este, de imediato, refere que “não juntou o requerente documento comprovativo do facto de dar indícios de alienação mental após a sua condenação, o que leva a concluir que é menos exacta semelhante alegação” e que, tendo o pedido “manifestamente por fim protelar a resolução de um crime gravíssimo”, era seu entender que deveria ser indeferido.
Não foi o julgamento assim adiado. E o novo Auditor Dr. José Maria de Magalhães Pais Pinheiro, articulando a sentença de forma semelhante à anterior, concluiu:
“Julgo procedente e provada a acusação e, consequentemente, condeno o réu à morte, com expulsão”.
Quatro dias depois, a 16 de Setembro, pelas 07 horas e 45 minutos, cumpria-se a sentença na localidade de Picantin, próximo de Levantie..
Foi difícil encontrar um oficial que se prestasse a comandar o pelotão de fuzilamento, pois todos se esquivaram a isso, sob diversos pretextos.
O soldado João Augusto Ferreira de Almeida, alimentou até à última hora a esperança de não ser executado, pois muitos oficiais lhe garantiam que não o seria. Talvez por isto, a sua atitude foi de arrogância e zombaria até ao último momento, pois estava convencido que não seria executado. Quando viu que a sua execução era inevitável demorou-a quanto pôde, agarrando-se ao Capelão Joaquim Batista de Aguiar, que era Pároco nas Oficinas de São José, no Porto, e que se ofereceu como Capelão voluntário em 12 de Março de 1917, e embarcou para França em Junho de 1917, que o acompanhava e que persistia em não se retirar do seu lado, e tirando constantemente a venda que lhe tinham posto sobre os olhos. Isto levou cinco minutos.
A sentença foi executada por 3 Sargentos (entre eles o Sargento Teófilo Antunes Saraiva), quatro 1.ºs Cabos e 4 Soldados, sob o comando do Major Horácio Severo de Morais Ferreira.
No final do fuzilamento e de acordo com os regulamentos, procedia-se à revista do armamento. Precisamente a arma do sargento Teófilo Saraiva não tinha sido disparada - o que configurava um procedimento muito grave - sujeito a Conselho de Guerra. Felizmente para o Sargento provou-se que o facto foi devido "à deficiente colocação do fecho de segurança da espingarda" - o que o ilibou.
Momentos depois, no cemitério de guerra de Lavantie, próximo do lugar do fuzilamento, do lado de lá da Estrada de Bacquerot, num campo de cultura, cercado de arame farpado, descia à cova o cadáver do Soldado João Augusto Ferreira de Almeida, que a justiça condenara a morrer sob a infamante acusação de traidor à Pátria.
Inicialmente foi sepultado no coval n.º 18, sendo posteriormente transferido para o Cemitério de Richebourg, Talhão B, Fila 6, Coval 19, onde ainda se encontra.
Um abraço
Benjamim Durães
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13462: Efemérides (169): A primeira guerra total 1914-18, Revista do Expresso 12-07-2014: tiive o privilégio de ser um dos entrevistados, e de falar do meu tio avô, ten-cor Manuel Carmona Gonçalves, que esteve em África (Luís Gonçalves Vaz)