terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15671: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (35): De 11 a 30 de Junho de 1974

1. Em mensagem do dia 23 de Janeiro de 2016,  o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma Memória, a 35.ª.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

35 - De 11 a 30 de Junho de 1974

Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUN74/11 – Prosseguem a bom ritmo os trabalhos de Engenharia nas estradas de A. FORMOSA-BUBA, e A. FORMOSA-R. CORUBAL.

- Em virtude de os trabalhos na estrada A. FORMOSA-BUBA estarem quase concluídos, os Grupos de Combate das CCAV 8350 e CART 6250, que estavam de reforço à 2.ª CCAÇ/4513, recolheram às respectivas Companhias. [Só a partir desta data começámos a sentir algum desafogo em Nhala. Era demasiada tropa ali concentrada].

- (...). 2.º Comandante deslocou-se a Nhala.

- Marchou para Bissau, a fim de se apresentar no QG/CTIG, o CAP BRAGA DA CRUZ.

[O “Caso Braga da Cruz” tinha eclodido pouco tempo antes. Encerrava-se agora o último capítulo de uma história lamentável, com efeitos nefastos na Companhia. Por respeito à memória do Capitão e recato de todos os elementos da Companhia, não abordarei aqui o enredo que levou à sua saída de Nhala e ao fim prematuro da sua Comissão. Acrescentaria apenas que este desfecho nada teve a ver com euforias justiceiras ou revolucionárias por se ter dado o 25 de Abril. O “caso” só podia terminar como terminou, quer se tivesse dado antes ou depois do 25 de Abril].


Das minhas memórias: 

13 de Junho de 1974 (quinta-feira) – Notícia de uma ameaça terrível. Que já se esfumara... 

A nota que se segue, de tão desconcertante e extemporânea, vale pelo contributo para a compreensão daquela época de incertezas e ansiedades, e pela amostra do que poderia ter sido a reviravolta decisiva da nossa supremacia militar a nível do Sector, se é que ainda tínhamos supremacia, ou mesmo de toda a zona Sul da Guiné, se não tivesse acontecido o 25 de Abril. Recordo que o Comandante de Companhia comunicou aos alferes a informação recebida que deveria ser apenas para si – e incinerada a seguir -, por não suportar sozinho o sufoco da revelação. Só não recordo a razão desta minha nota já em Junho, quando ela se deve reportar a uma ameaça anterior ao 25 de Abril, como se verá mais à frente. Também não recordo o nome do documento militar com a informação confidencial. Como seria de esperar, a HU não faz qualquer referência à mesma, mas só agora posso constatar isso. 

************

Informações e contra-informações [hoje não percebo esta qualificação] chegadas à Companhia dão conta da eventualidade de uma acção do PAIGC de grande envergadura, talvez definitiva para esta zona, através do isolamento por terra, ar e Rio Buba, seguido de acções ofensivas no terreno. Dá-se conta da minagem da estrada Buba-Nhala-Mampatá, minagem do Rio Buba [creio que seria inédito], e da instalação de enorme quantidade de bases para mísseis terra-ar, constituindo uma barreira no espaço aéreo entre Bissau e Aldeia Formosa. O objectivo do isolamento da zona e consequente quebra nos reabastecimentos de víveres e munições, é o desencadear de emboscadas, flagelações e ataques aos aquartelamentos. A ser assim, isto revelaria uma superioridade militar que, diz-se, incluiria meios aéreos há muito badalados e nunca confirmados. A informação em causa não refere esta eventualidade. Diz-se, apenas...

Diz-se ainda que foram todas estas informações que fizeram o General Spínola antecipar o 25 de Abril para evitar uma chacina na zona. [Hoje isto parece bizarro porque, como se sabe, - mas se ignorava na altura -, o General Spínola nunca esteve na génese do MFA nem do 25 de Abril, embora estivesse informado e, até ao derradeiro momento, sempre em contacto com o Movimento dos Capitães]. Não obstante a Revolução, eles (PAIGC) ameaçaram que virariam toda a sua actual força para este Sector se as conversações sobre a descolonização falhassem. [Seria o reactivar dos planos atrás referidos ou mera chantagem? Mas bizarra é também esta ameaça, a ter existido, pelo contraste entre o que emanava da cúpula do PAIGC e o que era dito no terreno pelos seus representantes, nomeadamente os comandantes militares e os comissários políticos, defensores do cessar-fogo tácito já em vigor].

A verdade é que se falou numa operação de transporte de bombas de Bissau para Aldeia Formosa para serem aqui armazenadas, bem como o estacionamento de alguns Fiat para obstar à tal barreira do espaço aéreo. (Nunca soube se se chegou a iniciar esta operação).

Mais tarde, o Comandante do Batalhão Ten Cor Carlos Ramalheira, em conversa com o responsável militar do PAIGC no Sector Sul, teve a confirmação de que as informações de que dispúnhamos sobre o plano estavam correctas. De facto, as nossas informações militares eram, normalmente, fiáveis.

Não obstante com alguns incidentes, reina agora a paz, mesmo antes dos acordos assinados.

[A História da Unidade revela, no descritivo da Situação Geral do período de 1 a 30 de Junho: “Após a interrupção das conversações de Argel, embora se viva um clima de paz, com um cessar-fogo tácito, continua-se na expectativa, especialmente pelo desenrolar dos acontecimentos que poderão levar à independência e ao regresso à Metrópole das Unidades”].

Mas já é quase impossível o regresso da guerra, tanto porque nalguns locais as nossas tropas já abandonaram as posições, como porque o PAIGC tem agora os seus Comissários Políticos espalhados pelo país a esclarecer as populações, neste momento ainda temerosas, e a evitar conflitos entre aqueles que aplaudem o Partido e aqueles que até agora o combatiam ao nosso lado e que são nada menos que 17 mil. Muitos destes homens, ao princípio, recusaram-se a entregar as armas e a aceitar a ideia de serem integrados na nova ordem quando os portugueses regressarem à Metrópole. Diziam que nos acompanhariam ou continuariam a lutar, incapazes de compreenderem a irreversibilidade da situação. Era de calcular esta atitude, depois de tantos anos a combater pela causa que lhes impingiram como justa, combatendo, sem o saberem, contra eles próprios, exceptuando os que o fizeram por convicção e fidelidade a valores e dependências ancestrais do colonizador.

[Relembro que estou a transcrever memórias com mais de quarenta anos. Mas, naquela altura, recordo, causava-me já algum incómodo pensar na situação dos militares africanos. Como se sentisse uma parte da culpa de terem sido utilizados e no fim descartados e esquecidos, na nossa euforia do regresso a casa. Imaginava-os desamparados e ostracizados pelos sectários revanchistas. Mas longe de imaginar o que se seguiria. Hoje digo sem pejo: foram enganados. Pior, foram traídos. Da parte das autoridades portuguesas pelo abandono ignóbil, sem que fossem expressas claras garantias de integração social, (não estou certo de que não fossem), salvaguarda de represálias, solução de saída do território param os que o desejassem, etc., etc. Da parte do PAIGC, para minha decepção e revolta, a atitude revanchista foi inominável, (para não ser grosseiro), pela sumária eliminação física dos muitos que se destacaram ao lado dos portugueses. Não sou ingénuo nem completamente ignorante para desconhecer que foi assim um pouco em todas as guerras, em todas as épocas e em todas as latitudes. Mas fui ingénuo ao ponto de acreditar que, estando perante um partido revolucionário moderno, civilizado e fundamentado em princípios sérios, (a sua origem e breve história a isso levava a crer), os seus dirigentes seriam o seu reflexo no futuro pacífico da Guiné, com a melhoria das condições de vida das populações e da modernização do país em geral. Que diria Amílcar Cabral de tudo isto? E das bolandas em que vive a Guiné-Bissau desde o fim da guerra? À sua memória faço a justiça de ficar na dúvida. Mas o respeito que lhe tinha era o mesmo que tinha pelo seu homólogo em Angola e foi o que se sabe. E o que se passou e ainda passa lá, não é exemplo para nenhum país civilizado, tal como a Guiné pós independência. Não era disto que falavam os Comissários Políticos, incansáveis no terreno a amaciar desconfianças naturais e a fazer passar a mensagem civilizada de um partido reconciliador e agregador da população guineense. Continuo a admirar e a respeitar uma gesta de guerrilheiros e guerrilheiras do PAIGC, alguns mártires, que conheci em muitas leituras após o fim da guerra, e que me enterneceram com a sua coragem, firmeza de convicções e entrega abnegada à sua luta. Mas isso não diminui a minha revolta. Retomo a transcrição interrompida].

Chegou a haver casos pontuais de rebelião e, neste Sector, o conflito esteve muito sério, fazendo-nos recear o momento da nossa partida, altura em que podíamos ser atacados por aqueles que haviam combatido ao nosso lado. [Referência à recusa em entregar as armas]. Agora já estão a aceitar os acontecimentos e os Comissários e Delegados Políticos do Partido andam livremente pelas “nossas” tabancas em diálogo com as populações e com a tropa.

Há dias estive em Mampatá com um desses delegados e ele mesmo me disse que está a tentar mentalizar as populações. E que, pela nossa parte, podíamos andar desarmados porque as armas já não eram precisas. Em Aldeia Formosa estiveram dois grupos de combate do PAIGC e os alferes que os comandavam encontraram-se com o nosso Comandante do Batalhão. [Pois... Que deve ter zurzido neles, por nos dizerem a nós que podíamos andar desarmados e eles ousarem aproximar-se das nossas Unidades completamente armados. Como se pode confirmar no seguimento da História da Unidade do meu Batalhão].


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

1974JUN/15 – Realizou-se em A. FORMOSA uma reunião com a população a pedido dos Comissários Políticos do PAIGC, em que além destes comissários também estiveram presentes o Comandante e 2.º Comandante do Batalhão. Esta reunião visava o esclarecimento da população quanto ao programa do PAIGC.

- Comandante deslocou-se a COLIBUIA.

1974JUN/16 – Pelas 14h30, um Soldado do Destacamento da CHAMARRA que se deslocava entre A. FORMOSA e CHAMARRA, foi contactado em região XITOLE 7 F 3.34, por um Grupo IN estimado em 40 elementos armados que o deixaram seguir para CHAMARRA.
Posteriormente, cerca das 15h30 foi comunicado a este Comando que esse mesmo GR IN tinha sido avistado relativamente perto do arame farpado de A. FORMOSA.
Contrariamente ao que se esperava o Comandante do GR IN não procurou contactar este Comando, presumindo-se que tenha retirado.

1974JUN/17 – (...).

- Todas as Subunidades continuam conforme directiva superior a executar patrulhamentos de defesa próxima dos estacionamentos.

- (...).

1974JUN/18 – Pelas 10h10 quando Comandante e 2.º Comandante se deslocavam num Jeep isolado e desarmados a visitar trabalhos na frente da estrada A. FORMOSA-BUBA, encontraram na região de UANE a cerca de 15 metros da estrada um Bigrupo do PAIGC armado. Pararam o Jeep, tendo alguns elementos do bigrupo nomeadamente o seu Comandante, aproximado do Jeep para cumprimentos.
O Comandante do Bigrupo, chamado TIJANE informou que viera do UNAL, cujo Comandante CAMARÁ determinara uma patrulha de reconhecimento à referida região.
Despedindo-se, retiraram presumindo-se que em direcção ao UNAL.

[Não recordo ter feito esta viagem no Jeep do Comandante do Batalhão. A lembrança que guardo, possivelmente de outra ocasião, é que seguíamos numa coluna e que à passagem pela zona do Carreiro de Uane o Comandante que ia, como sempre, na cabeça da coluna, a fez parar, por se encontrar próximo da estrada um grupo numeroso de guerrilheiros. O local, do lado direito da estrada, era uma pequena savana de boa visibilidade. Percebia-se que era um bigrupo numa fila perpendicular à estrada, alongada e disciplinada. Só os da frente se aproximaram do Comandante do Batalhão e depois de um diálogo de alguns minutos a coluna seguiu viagem na direcção de Mampatá. Era de supor que estivessem ali à espera há longo tempo. Quando o resto da coluna passou por eles não houve acenos, não houve cumprimentos. Tudo muito sóbrio e disciplinado].

1974JUN/19Terminaram os trabalhos de Engenharia na estrada A. FORMOSA-BUBA, pelo que foi enviada uma mensagem de felicitações ao Comandante do Dest N.º 2 e seu pessoal. [Sublinhado meu]

- Estiveram em A. FORMOSA O Exmo. Major do CEM, MAIA CORREIA acompanhado por JUVENCIANO, 2.º Secretário da Assembleia Popular do PAIGC.

(...).

[Abro aqui um parênteses na transcrição da H. U. para dar o merecido destaque à referência que dá conta da conclusão da estrada Aldeia Formosa-Buba nesta data. Trata-se de um eixo viário da maior importância, mesmo em tempo de paz, pois liga todo o interior ao porto fluvial de Buba, porta privilegiada de entrada e saída para mercadorias e pessoas. E, se é verdade que sempre assim fora, não é menos verdade que entre Buba e Aldeia Formosa (ou Quebo) se podiam levar várias horas de cansaços e percalços, sobretudo na época das chuvas, para não falar das temidas acções da guerrilha. Agora, em viatura, o novo trajecto pode ser cumprido em meia hora ou pouco mais, quer faça chuva ou faça sol. Mesmo para quem o faça de bicicleta ou a pé, é uma grande evolução para as populações locais. Tanto, que ao longo da estrada se foram fixando tabancas de enfiada, como é bem visível no Google Earth. 

Se esta estrada pudesse ter um nome, bem que podia – e devia – ser um tal, que homenageasse todos aqueles que, integrando os batalhões que nos antecederam neste chão, fizeram de cada viagem pela picada temerosa uma odisseia, muitas vezes lá perdendo companheiros.

Junto duas fotografias da estrada actual com um duplo significado: em baixo, viaturas atascadas na lama, lembrando-nos os baixios das velhas picadas, tantas vezes a barrarem-nos o caminho em emergências e perigos. Não haverá ninguém a que estas situações sejam estranhas; em cima e à esquerda a estrada nova, ainda não majestosa, mas maciça e recta, desimpedida de vistas e apta a grandes acelerações. Só tinha um problemazinho na data das fotografias: não estava acabada. Parece-me que ainda lhe faltava o tapete para depois ser alcatroada. O que ainda levaria muito tempo, devido à falta recorrente de alcatrão sobretudo nos últimos meses da obra. E isso obrigava-nos a circular na pista de terra batida lateral, com as consequências que se vêem. A obra agora concluída teve início na frente de A. Formosa em 27 de Outubro de 1973 e na frente de Buba no dia 30 do mesmo mês].


Fotos 1 e 2: 1974, Berliets com pessoal da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Nhala, atascadas junto à estrada nova, algures entre Nhala e Mampatá, quando se dirigiam para este aquartelamento.

[Prossigo com a História da Unidade].

1974JUN/21 – (...). Pelas 12h00, um Grupo do PAIGC constituído por 48 elementos armados, após contornarem o Destacamento de PATE EMBALO, estacionaram a cerca de 100 metros do arame farpado. Ao serem contactados pelo Comandante do Destacamento e por alguns elementos da população, declararam que a população poderia cultivar onde quisesse e que a guerra já tinha acabado. Cerca das 13h00 retiraram na direcção de KANSAMBEL.

(...).

1974JUN/25 – Pelas 09h00, foi detectado numeroso grupo do PAIGC a cerca de 500 metros do arame farpado do aquartelamento de MAMPATÁ. Este grupo estimado em 120 elementos armados e comandado por um tal INCENDA, depois de contactarem com elementos das NT e população de MAMPATÁ, regressaram novamente ao UNAL, donde tinham vindo.

- Foi deslocada para BUBA metade da CCAV 8351 que, conforme determinação do Comandante-Chefe é deslocada para BISSAU. [Saíam em paz, finalmente, rumo a Bissau e à Metrópole, os Tigres de Cumbijã, do Capitão Vasco da Gama].

1974JUN/26 – Pelas 10h00, Grupo do PAIGC oriundo do UNAL estimado em 50 elementos armados, chegou junto de MAMPATÁ, estacionando a cerca de 160 metros do arame farpado. Era comandado por MIGUEL GOMES, referenciado como Comandante das FAL de CUBISSECO de CIMA. Disseram mais uma vez que a guerra já tinha acabado e que estavam satisfeitos com o procedimento das NT. Cerca das 14h00, regressaram novamente ao UNAL.

- É deslocada para BUBA, a segunda parte e última da CCAV 8351.

- Dois Grupos de Combate da CCAV 8350, sediada em COLIBUIA, foram deslocados para CUMBIJÃ, a fim de guarnecer o respectivo Destacamento.

1974JUN/27 – Pelas 14h00, A. FORMOSA foi assolada por um tufão, de que resultaram vários prejuízos, especialmente nos telhados de alguns edifícios.

 1974JUN/29 – Pelas 14h00, GR PAIGC oriundo do UNAL e estimado em 56 elementos armados, chegou junto de CUMBIJÃ, estacionando a 50 metros do arame farpado. Era comandado por MIGUEL GOMES. Contactaram com um Oficial e praças dos Grupos de Combate sediados no CUMBIJÃ, a quem afirmaram que a guerra tinha acabado e que a população poderia ir cultivar para onde quisesse. Cerca das 15h30 iniciaram o movimento de regresso ao UNAL.

(...).

1974JUN/30 – Pelas 14h00, GR PAIGC oriundo do UNAL, voltou novamente à região do CUMBIJÃ, estacionando a cerca de 200 metros do arame farpado. Este grupo trouxe consigo alguns elementos da população sob seu controle que vieram confraternizar com as suas famílias que se encontravam sob nosso controle. Pelas 16h00, o referido grupo regressou ao UNAL.

- Todas as Subunidades do Sector continuam a realizar os seus patrulhamentos de defesa próxima dos estacionamentos.

- O PAIGC levou a cabo uma manifestação de apoio ao Partido. Esta manifestação constou de um circuito em viaturas cedidas pela BECE e DEST ENG N.º 1, percorrendo todas as povoações de A. FORMOSA, MAMPATÁ, COLIBUIA e CUMBIJÃ. Os manifestantes eram portadores de bandeiras do PAIGC e alguns cartazes com “slogans” de apoio ao Partido.

[Passariam também por Nhala, como se pode ver pelas fotografias que se seguem. A estas junto outras, registando momentos de contacto e convívio com elementos do PAIGC, todas elas facultadas pelo meu amigo e ex-camarada Fur Mil TRMS José Roque que me autorizou a publicá-las e a quem fico agradecido].


Foto 3 e 4: Guerrilheiros do PAIGC deslocando-se à vontade numa picada, provavelmente nas imediações de Nhala, em data que também não posso precisar.

Foto 5: Contacto de guerrilheiros do PAIGC com elementos das nossas tropas em local e data que não posso precisar.

Foto 6: Nhala, Junho de 1974 – Guerrilheiros do PAIGC em convívio com os nossos militares. Ao centro, de bigode, o Fur Mil Trms José Roque junto de um camarada que não recordo. No canto superior esquerdo, sorridente, o Fur Mil Joaquim Carrilho.

Foto 7: Nhala, Junho de 1974 – O Fur Mil Trms José Roque com guerrilheiros do PAIGC.

Foto 8: Nhala, Junho de 1974 – Caravana com manifestantes em apoio ao PAIGC, provavelmente no dia 30, em que percorreram várias localidades em viaturas cedidas pela Engenharia.

Foto 9: Nhala, Junho de 1974 – Outra viatura da Engenharia com manifestantes em apoio ao PAIGC. Repare-se no sujeito no canto inferior esquerdo: só ao editar a fotografia reparei no gesto elucidativo da sua mão direita. Sintomático...

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15640: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (34): De 1 a 10 de Junho de 1974

Guiné 63/74 - P15670: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - III Parte: II - Putos, gandulos e o Padre (pp. 17-19)




Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [ Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, 2000). A sua pré-publicação, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.

Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra >  II Putos, Gandulos e o Padre (pp. 17-19)

por Mário Vicente


Como cacho enxame, os putos, alguns já graduados em gandulos, brincavam empoleirados no cruzeiro frente à igreja, quando Torreca, habituado a pantominas, malandrices e patifarias, resolveu fazer mais uma das suas. Se bem o pensou, melhor o fez, e gritou:
–Vem aí o "sacana" do padre!
Como foguete de lágrimas,  daqueles do São Mateus, a canalha dispersou toda num segundo. Porquê esta aversão ao representante da Santa Madre Igreja, meu Deus? Há coisas difíceis de entender.

Os alentejanos,  em abono da verdade, não eram muito de igrejas. Mas o povo era calmo e tranquilo. Verdade!... Verdade também é que os homens só se viam na igreja, em raras excepções, na Noite de Natal, na Missa do Galo, e no Dia de N.ª Senhora da Conceição. Esse sim, era dia grande para a freguesia, dado para além de ser o dia da Padroeira, era nesta data que as moçoilas, e não só, se apresentavam com as suas novas toilettes, guardadas e feitas em segredo por Dona Julinha e prima Xandra, modistas de estilo e gabarito que, na noite de véspera,, tão pouco dormiam, para fazer as últimas provas e retoques nas novidades.

Nestas festas, onde entravam festeiros, teria meu avô metido grande argolada, ao discursar na passagem de posse do pen­dão,  ter-se-ia escorregado com esta:
– Faz hoje um ano que Rosária Antónia pegou no pau!

Entre sorrisos e risotas dos peregrinos, lá ficou minha tia toda corada.

Ponto final,  e voltemos atrás! Porque a questão entre o padre, putos e gandulos existia. O povo não era católico praticante na generalidade. Mas… Todos eram baptizados e casados segundo as leis da Madre Igreja!

Aqui havia gato! Dizia-se que as festas do 5 de Outubro da Colónia tinham acabado por causa do padre. Seria verdade?... As festas que todos diziam serem tão bonitas! Sermões pregava ele quando havia bailes no salão da Sociedade, desancando no pessoal que era um regalo. Teria medo que algum lobo mau comesse alguma das suas ovelhinhas? Não entenderia que por vezes estaria a ofender gente séria e honesta?!...

Na igreja matriz não podiam entrar senhoras ou homens, de manga curta. Um dia, num casamento, as coisas azedaram-se porque alguém, que já tinha sido ou era presidente da Junta de Freguesia e homem de muita cultura protestou, por sua esposa ter sido impedida de entrar na Igreja por trajar com uma blusa cuja manga não lhe cobria o cotovelo.

Não foi ele que ao adro arrancou o bonito gradeamento e levantou um muro que mais parecia entrada de prisão do que Casa de Deus? Desta maneira, com certeza, não conseguiria levar muita gente à Igreja do Senhor, que deveria ser do Povo e não só dos espi­ritualmente dotados!...

Lá que era sacrista.  era. Uma vez, tendo de ir fazer um baptizado a freguesia próxima, por impedimento do padre desta, pediu a Torreca, Carrulho, Calças de Palanco e Carcaça para com ele viajarem.

A malta já estava escaldada com estes convites mas, como vergonha não havia, lá foram. Viagem maravilhosa para lá, só que no regresso as coisas complicaram­-se. Por volta do Monte das Casas Velhas a carripana enguiçou e começou a engasgar, até parar por completo. O padre coçava a cabeça sem saber o que fazer e pedia ajuda a Deus Nosso Senhor. Este, à volta com problemas mais graves, de certeza, nem tempo teria para reparar o carro. Eis que, como de costume, aparece uma ideia genial do Torreca.
–  E se empurrássemos o carro?

Todos de acordo. Mãos à obra! Toca de empurrar. O padre engatou o carro, ligou a ignição e o motor começou a resfolgar, o padre acelerou e pôs-se a “milhas” com medo de nova paragem do motor. Fim de festa, a malta teve de calcorrear cinco quilómetros a “penantes”.

Até podia não ser má vontade do homem porque em termos de condução, a experiência não era famosa. Buzina não havia, quando algum peão se atravessava gritava:
–  Saiam! Saiam, da frente!

Se o obstáculo fosse outro, fazia como fez ao poste no portão, junto à casa do tio Caldeirinha. Aí agarrou-se à cabeça gritando:
– Ai que eu vou bater! Ai que eu vou bater!

Truz, trancada em cheio no poste, esquecendo-se que o travão não era só para destravar, mas também para o inverso. O poste ficou dobrado e o carro com a frontaria metida dentro. Graças a Deus não houve desastres pessoais.

O porquê não se sabe, mas que as coisas não funcionavam bem era notório. Muito Espírito e pouca Terra, e Deus Nosso Senhor gostaria com certeza das coisas mais doseadas. Em vez de se meter na sacristia, deveria sair para os campos, onde Deus andaria com o seu povo. O próprio Cristo, no meu parco saber, julgo não ser simpatizante de Imperadores Espirituais.

Constava que o problema do padre com os putos, nascera de uma brincadeira de mau gosto, a qual deu bronca da grossa. Existia do lado sul da igreja, virado para a fonte, um bonito painel de azulejos, não muito grande, mas de uma certa beleza, reproduzindo a Senhora da Conceição de Murillo, com uma quadra do poeta António Correia de Oliveira. Havendo obras na igreja para as quais era utilizado barro, de que se haveriam de lembrar os gandulos? Fazer bolinhas de barro e incentivar os putos à pontaria ao painel com as ditas bolinhas. Estava-se mesmo a ver que iria estalar bronca. Fundamentalista como o padre era, logo consideraria tratar-se de sacrilégio, obra de demónios.

Cassiano, Cartacho, Olhicos, Batsarico, Banecha, Catrino e companhia, e arrolados também, Alacrau, Binito, Malhado e outros, todos receberam ordem para se apresentarem na Guarda Republicana de Barbacena, onde tiveram de passar umas boas horas.

Isto poderia ter sido tratado de outra maneira, mas enfim complicando em vez de simplificar, resultaria na desconfiança e no mau ambiente, em que ambas as partes viviam. Ressalvando, é claro, a parte do Cassiano que foi mais longe e afirmativo re­plicando:
–  Caguime e caguime, padre dum cabrão!

Dos gandulos havia mil e uma partidas, em que os putos eram na generalidade as vítimas. Desde o esmagar ovos chocos nos bolsos das camisas, ao aprender a capar grilos, era uma maravilha. Mas de uma recordo-me muito bem. Em altura de Carnaval, brincava-se muito na aldeia, desde o boi do Entrudo, à Cabarrada, do Enterro das Comadres, às Contradanças. En­fim, o Povo divertia-se da forma que conseguia, não da maneira como queria, é claro.

Numa dessas brincadeiras, exibia-se uma noite, uma contradança
Mário Fitas
 em casa da prima Ana Crespa. Bem ensaiada, os participantes muito bem vestidos e certinhos, de forma que toda a gente queria ver. Prima Ana teve de fechar a porta, porque a gaiatagem era por demais a querer ver o dito espectáculo. Tudo apinhado à porta, esticando-se e empurrando-se para espreitarem pelo postigo.

Foi quando dois gandulos, mestres nas patifarias aos putos, resolveram actuar também. O amigo Zé Manel (Olhico) mais o amigo Cartacho, um às "cambalaritas" do outro, vestindo um capote alentejano, apareceram com um cacete do lado da Cabine, junto à taberna do Vinagre. Alguém da gaiatagem gritou:
–  Ai um Medo!

Foi do bom e do bonito. Toda a gente entrou em pânico quando viu aquele gigante aparecer. Rebentaram com o trinco da porta e fugiram todos para a chaminé, urinando-se. No dia seguinte podia ouvir-se a prima Ana comentando com a vizinhança:
–  Coitadinhos! O medo foi tão grande que se mijaram todos, tive que andar com um balde a lavar a chaminé.

Havia outros Medos na terra que, por vezes, traziam o pessoal em pânico. Mas, logo o Medo desaparecia, quando havia casamento à pressa, sem tules brancos nem flores de laranjeira pois a razão desses símbolos já tinha voado numa madrugada de paixão.

Guiné 63/74 - P15669: Convívios (724): o primeiro almoço convívio do ano da Tabanca da Linha: Hotel Riviera, Carcavelos, 21/1/2016 - Parte II: 67 convivas!... Fotos e legendas de Manuel Resende


Foto nº 1 > "Sim, por que eu não passo de um amanuense da Tabanca da Linha, à espera, há muito, de promoção!... Nado e criado em Cascais, fiz tropa, fiz a guerra, sou ex-combatente, sou vítima da descolonização apressada, apanhei com a troika em cima, tenho os impostos em dia, tenho cartão de eleitor, sou professor catedrático da Escola da Vida, esriba da Tabanca Grande, careca..., porra, que é que querem que ponha mais no Curriculum Vitae ?"


Foto nº 2 > "Ainda um dia hás-de chegar a régulo do Tabancal!", diz o Armando Pires para o Zé Manel Dinis...


Foto nº 3 > "Acalma-te, rapaz!... Estás na linha de sucessão, mas não mates o pai!", diz ao Zé Dinis a  conselheira da Tabanca, Maria de Lurdes (esposa do Zé Rodrigues)... Em primeiro plano, à esquerda, de perfil, o "veteraníssimo" João Sacôto...


 Foto nº 4 > O régulo Jorge Rosales e o seu "súbdito" Armando Pires... "Grande homem grande!", parece dizer o Armando, conciliador...


Foto nº 5 > Os manos Rosales, Jorge e José


Foto0 nº 6 > Carlos A. R. Cruz e esposa Irene (Paço de Arcos)


Foto nº 7 > António Gomes Veloso e esposa Irene


Foto nº 8 > João António (esquerda) e José Robalo Borrego


Foto nº 9 >  Joaquim Tendeiro (esquerda) e Joaquim Carpelho (dois piras)


Foto nº 10 > José Felício, o decano da Tabanca da Linha:  a caminho dos  94 anos!... Merece todo nosso carinho.


Foto nº 11 > José de Jesus (da minha Companhia)



Foto nº 12 >     O José Bastos, ou o Horta, de José Horta Bastos, que já atingiu a dignidade de veterano da Magnifica!


Foto0 nº 13 > Carlos Carronda Rodrigues, cor ref (Algueirão)




Foto nº 14 > António Cardoso e Irene (esposa do Veloso, foto nº 7)


 Foto nº 15 >  Carlos Carronda Rodrigues  e Joaquim [Nunes] Sequeira, um homem do BENG 447   (à direita)


Foto nº 16 > Armando Pires, Jorge Rocha e Manuel Macias



Foto nº 17 > Zé Carioca, o feliz aniversariante


Tabanca da Linha > Carcavelos > Hotel Riviera > 21 de janeiro de 2016 >


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem humorística: LG]


1. Segunda parte da competentíssima reportagem do último almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha (régulo: Jorge Rosales; logística e relações públicas: José Manuel Matos Diniz;  imagem: Manuel Resende,,,)


Mais um almoço-convívio da "Magnífica Tabanca da Linha" que se realizou a 21/1/2016 em Carcavelos,  Cascais. Desta vez fomos experimentar um novo local, um novo restaurante. Abancámos numa boa sala do Hotel Riviera,  no lugar de Junqueiro, Carcavelos.

Fomos 67 convivas, sendo 7 periquitos!!!

Creio que a palavra "BOM" foi pronunciada por muitos. Tivemos que afinar as vozes para cantar os parabéns ao nosso amigo Zé Carioca.

Enfim,  haja saúde para nos irmos encontrando em convívios como este.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15668: Parabéns a você (1025): Fernando Macedo, ex- 1.º Cabo Apont Art.ª do 5.º Pel Art (Guiné, 1971/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de  2016 >  Guiné 63/74 - P15664: Parabéns a você (1024): João Alberto Coelho, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15667: Agenda cultural (461): Na apresentação do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti Um Homem", de Juvenal Amado (José Brás)

1. Em mensagem de hoje, 25 de Janeiro de 2016, o nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68) enviou-nos este texto subordinado à sessão de lançamento do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti um Homem" da autoria do camarada Juvenal Amado, ocorrido no passado sábado, dia 23 de Janeiro.

  
NA APRESENTAÇÃO DO LIVRO DE JUVENAL AMADO 

Gostei muito de ver em forma de livro as recuperadas memórias de Juvenal Amado, a partir da sua experiência vivida na ex-colónia portuguesa da Guiné, por si próprio tornadas palavra escrita que nos serve como um rio que flui a nossos olhos plantados numa das margens, sem que importe muito considerar em qual dos lados da corrente desta água clara.

E uso aqui a imagem do rio, não por acaso, mas porque, lendo duma só vez as mais de trezentas páginas de caracteres em corpo pequeno e algumas fotografias a preto e branco, de rio é a sensação que me colhe pelo movimento das imagens que desfilam, ora em placidez panorâmica, descansada num olhar contemplativo e quase intimista, ora em torrente apertada e tumultuosa na velocidade do desfilar das histórias e das angústias e revoltas.

É certo que um rio tem sempre duas margens, como já se insinuou atrás sem ingenuidades inúteis entre nós que tão bem nos conhecemos já. E que poucas vezes coincidem, tim-tim por tim-tim, as verdades que cada observador abarca, estando cada qual em margens diferentes, ou mesmo na mesma margem e no mesmo exacto tempo.

Então, quando se trate de chamar a longínqua memória ao tempo presente, as diferenças de relato, no modo e mesmo no conteúdo, se diferenciam significativamente e às vezes mesmo antagonicamente, entre os contadores.

E, depois, um rio não tem apenas as duas margens que se avistam ou não entre si na hora do correr da água que passa, mas tem também uma montante, quer dizer, verdades que antecedem o lugar de observação, desde a nascente e pelo percurso variado e influenciador, e uma jusante, quer dizer, verdades que são consequência da realidade observada no lugar da margem de quem falou da água que viu correr e a marcou irremediavelmente com seus sinais.


Juvenal Amado tem pressa de contar. De contar muito. De contar tudo. Por sorte e por habilidade própria, nem essa pressa nem o desejo de falar tudo, prejudicam o seu contar, nem na forma, nem no estilo, nem no encadeado das histórias que nos serve.

Em primeiro lugar, talvez, porque nunca esteja sozinho na sua margem, ou porque nunca feche a sua margem aos que com ele calharam embarcar no Cais da Rocha e caminhado nos vinte e sete meses de mato, de bolanhas, de combates, de patusc de dores, de brincadeiras, de raivas e de esperanças, nem mesmo, aos que, na outra margem, lhe amarguravam os dias.

Em segundo lugar, talvez também porque a sua forma comovida de semear os contos que nos traz sobre os trambolhões e sobre a amizade, sejam o retrato chapado dele próprio, da sua tendência solidária, da sua franqueza, da sua descomplicada maneira de contar, da certeza dos amigos que conserva e lhe atestam a grandeza da alma e a inteligência humana.

O rio do Juvenal nasce em Alcobaça e faz-se de muitos afluentes que nele entraram após a escola primária. “Operário em construção” logo a seguir na indústria vidreira, moralmente amparado entre um pai republicano e o operariado da região, engrossando o caudal nos anos que separaram dos quartéis militares do puto e o mar no caminho da Guiné.

A Guiné em si própria, traçada de rios e de rias; de mares verdes de mato; de medos e de convicções; de águas que lhe emendam os erros, lhe confirmam algumas certezas, lhe ampliam a humanidade.

A jusante, a confirmação de que um rio nunca corre duas vezes no mesmo lugar. A perspectiva de voltar ao lugar da partida, aos amigos deixados dois anos e tal antes, ao convívio que o tinha construído durante quase vinte e dois anos, era uma ilusão que se esfumou. Os seus amigos tinham ficado no RALIS a entregar os farrapos da velha farda; tinham ficado no cais de desembarque, abraçados aos seus familiares; tinham ficado na viagem miserável no Niassa entre Bissau e Lisboa; tinham ficado nas matas da Guiné, uns de facto para sempre, e outros aparentemente inteiros no que lhes restava do que tinham quando haviam partido.

Na sessão de apresentação do livro do Juvenal, com uma sala muito composta por amigos e, em especial por antigos companheiros das matas e actuais da Tabanca Grande, no fim das intervenções, foi dada oportunidade para algumas perguntas. De imediato a questão que foi levantada e que constituiu a o tema único do período, foi sobre as dúvidas levantadas pelo título do livro “A TROPA VAI FAZER DE TI UM HOMEM”.


Já quase a fechar, porque tomei o título do livro como uma subtil provocação ao leitor, recurso bem esgalhado para suscitar o interesse da leitura, pareceu-me apropriado arredondar a conversa e fazer numa curta intervenção, uma abordagem ao tema, abordagem que reproduzo aqui de memória.

“O homem que alegadamente a tropa faria, não passa ao olhar de hoje, de uma falsa questão. O homem, e quem diz homem diz mulher, não é um exemplar padrão de que se fazem, por fora e por dentro, milhões de cópias espalhadas pelas sete partidas do mundo, Igual, o homem é apenas nas suas ânsias de ser feliz enquanto cá anda. Porém, nos modos de chegar a essa felicidade, cada um de nós tem um caminho e um agir diferentes. 
Como diz o poeta espanhol António Machado, não existe caminho. É andando que fazemos o nosso caminho. Também não existe um homem padrão e cada homem se faz crescendo nas realidades que cercam cada qual, nos condicionamentos, nas dúvidas e nas escolhas face às realidades diferentes. 
José Ortega y Gasset, para continuarmos em Espanha, diz “O homem é o homem e suas circunstancias”. Quer dizer, o homem não é em absoluto o produto exclusivo das circunstâncias em que se faz, mas é-o em grande percentagem do dele é público ou íntimo. O homem pode pela sua vontade, combater as circunstâncias que o envolvem e, por vezes traçar partes de si próprio. Contudo, na sua maior parte, vive como o rio apertado pelas margens das circunstancias. 
Portanto, a tropa condicionou o crescimento de cada soldado mas a cada um à sua maneira porque não viveram todos e ao mesmo tempo, nem os lugares, nem todos os acontecimentos. Portanto, da tropa e da guerra vieram milhares de homens, diferentes uns dos outros à vinda, como diferentes eram à ida, nenhum voltando, pode dizer-se, o mesmo homem que era quando partiu, influenciado pelas circunstâncias que o condicionaram sob o olhar particular de que era portador”.

José Brás
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 Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15666: Agenda cultural (460): Lançamento do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti Um Homem", da autoria de Juvenal Amado, levado a efeito no passado dia 23 de Janeiro no Chiado Clube Literário e Bar - Galeria Comercial Tivoli Fórum, em Lisboa (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P15666: Agenda cultural (460): Lançamento do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti Um Homem", da autoria de Juvenal Amado, levado a efeito no passado dia 23 de Janeiro no Chiado Clube Literário e Bar - Galeria Comercial Tivoli Fórum, em Lisboa (Miguel Pessoa)

 

1. Em mensagem de hoje 25 de Janeiro de 2016, o nosso camarada Miguel Pessoa, Cor PilAv Ref (ex-Ten PilAv, BA 12, Bissalanca, 1972/74), enviou-nos um trabalho sobre o lançamento do livro "A Tropa Vai Fazer de Ti Um Homem", da autoria do nosso outro camarada Juvenal Amado, levado a efeito no passado dia 23 de Janeiro no Chiado Clube Literário e Bar, na Galeria Comercial Tivoli Fórum, em Lisboa.




"A TROPA VAI FAZER DE TI UM HOMEM!"

A sala do Chiado Clube Literário e Bar, na Galeria Comercial Tivoli Forum, em Lisboa, mostrou-se pequena para albergar o grupo de amigos do Juvenal Amado que quiseram estar presentes na apresentação do seu livro “A Tropa vai fazer de ti um Homem!”.

Correndo o risco de falhar nomes dos combatentes presentes (o escriba de serviço limita-se a referir aqueles que conhece…) pudemos registar a presença do Virgínio Briote, Cláudio Moreira, Manuel Joaquim, Carlos Silva, José Brás, Rui Pedro Silva, Armando Pires, Hélder Sousa, Giselda Pessoa e Miguel Pessoa, para além de outros bloguistas (caso da Felismina Costa), amigos pessoais do Juvenal e seus familiares – a esposa Manuela e a filha Vanessa.

Na mesa, para além da representante da Editora e do autor, esteve o nosso camarada Hélder Valério Sousa, convidado pelo Juvenal para apresentar a obra… e o perfil do nosso camarigo Juvenal, de que realçou o seu carácter de homem bom, solidário e amigo do seu amigo, características bem vincadas no texto que escolheu para ler, um pequeno episódio incluído no livro agora publicado.

Precavido, o Juvenal tinha preparado a sua intervenção escrita, cuja leitura foi dificultada pela emoção do momento, o que levou o Hélder Sousa a terminar a leitura do texto preparado pelo autor do livro.

Verificámos uma boa afluência de pessoal interessado na aquisição do livro, que o Juvenal teve o gosto de autografar, antes e depois da sessão de apresentação.

Fica para o fim uma foto do nosso camarada Juvenal Amado, um homem feliz com esta sua realização, na companhia da filha Vanessa, de uma amiga de família - a Rosa Caramba, viúva de um seu camarada - e da esposa Manuela.

Reproduzimos mais em baixo a intervenção do nosso camarada Juvenal Amado, lida (a meias com o Hélder Sousa...) no decorrer deste encontro.

E lembramos que no próximo dia 29 de Janeiro o Juvenal estará presente em Monte Real para apresentar esta sua obra aos camarigos da Tabanca do Centro, por ocasião do seu 50.º Encontro, uma segunda oportunidade para quem quiser adquirir o livro agora editado.

Miguel Pessoa











A INTERVENÇÃO DO JUVENAL AMADO

Caros camaradas, amigos e familiares:
Poderá discutir-se até à exaustão, os benefícios ou malefícios de se ter ido ou não à tropa. Deixar o emprego, a namorada, a casa e o conforto da casa paterna, perder a identidade e passar a ser um número mecanográfico. A partir dali perdíamos a autonomia social, mandavam em nós até nas pequenas coisas, como se fez a barba ou não, a enorme chatice que era ter um botão desabotoado, as botas mal engraxadas, não se poder sair sem licença prévia, perder o direito de nos vestirmos como nos aprouvesse e termos que cumprimentar até com quem estávamos chateados, no caso de ser nosso superior.

Por outro lado ir para a tropa era como chegar à idade adulta, sair da alçada da família, satisfazer algum fascínio pelas armas e, porque não, algum desejo de aventura.
Sem esperar arranjámos amigos. Embora sem saber, esses ficaram para toda a vida. Eles foram chegando e partindo engolidos pelas rápidas transformações que a vida militar ditava.

Depois de mobilizados, encontrávamos os que connosco viveram mais tempo, nos destacamentos no tempo que duraram as comissões e quando estas acabaram, despedimo-nos. Muitos de nós não nos tornámos a ver, o que à partida parecia impossível dado os laços que se criaram em zona de conflito. Desembarcado, rapidamente tentei esquecer aqueles dois anos e pico e durante 20 anos limitei-me a trocar alguma mensagem, alguma visita a dois ou três, fui ao casamento do Ivo, do Caramba e do Silva. Conheci os filhos bebés. Mas as coisas nunca se passam como nós inicialmente pensamos e, à medida que avançamos na idade, o passado vem ter connosco de várias formas e nem sempre pacífica. Foram os almoços da Companhia, ir à procura das fotografias antigas, olhar para as imagens e tentar lembrar os nomes, acabando por pôr em marcha um mecanismo de recordações e afectos que julguei já não existir.

Depois, aconteceu encontrar amigos ao longo dos anos seguintes e, quando esperava alguma solidão, eles multiplicaram-se e enchem hoje muitos álbuns de memórias que nos ligam, forjadas em situações iguais ou parecidas, que criam novos laços a todo o momento. Este é um projecto a caminho dos 8 anos, inicialmente sem pretensões de o ver passado a livro, o que acabou por acontecer. Nele tento transmitir sem ódios, sem paixões sem remorsos, sem falsas modéstias sem puritanismos, sem vencedores nem vencidos, sem saudades excessivas que me toldassem o raciocínio, sobre um tempo que passou da minha juventude do qual ficaram os rostos e datas, que jamais poderei esquecer. Pelo menos foi sempre essa a minha intenção. Está claro o que outros pensam de nós, está um bocado além do que podemos fazer. Porque ao nortearmo-nos pelos nossos princípios e seguirmos os nossos impulsos ao expor o que achamos correcto, nunca cederemos ao mais fácil, e assim nunca agradaremos ao mesmo tempo a gregos e a troianos.

O que está dito está dito e só o oiro agrada a todos. Pode ter sido mal exposto ou mal interpretado, mas ficou gravado assim e assim ficará na versão que cada um julgar mais consentânea com a sua forma de pensar, ou no seu juízo de valor. O tempo ensinou-me que não há verdades nem certezas absolutas. Nada há a fazer quanto a isso, mas também nada pretendo fazer, pois alterar o que vi ou que penso sobre o que me levou a ir combater em terras da Guiné ainda hoje está inalterável na minha cabeça - negá-lo seria uma desonestidade a que nunca me sujeitaria. Porventura as minhas motivações ou razões serão iguais ou parecidas às de milhares de jovens que para lá foram ao longo dos 13 anos de guerra, com a generosidade e ingenuidade dos nossos 20 anos. Resta-me assim esperar que para além do que possam discordar, vejam a honestidade com que apresento à vossa consideração as passagens de vidas sem nada de extraordinário, mas verdadeiras. Não podia escrever este livro de outra maneira. Ele não aconteceu, foi acontecendo lentamente e foi assim que amadureceu.

Nestes anos muita coisa se alterou, muitos partiram, mas também muitos chegaram para me dar alento e mostrar que não era em vão o trabalho a que meti ombros. Todos deixaram marcas, no tempo que passei com eles. São as suas vidas, histórias e a sua riqueza humana, que valorizaram o que escrevi. Nada mais valioso do que poder fazer deles também autores, de que me servi na concepção deste livro. Nada teria sido escrito sem as suas palavras, sem as nossas conversas, sem as suas vivências e o seu . incentivo ou as suas críticas. Espero que não o entendam como relatório de operações pois não é disso que se trata. Trata-se de situações vividas, compiladas, reunidas sem rigor histórico. Interessam sim as personagens, todas elas reais, de carne e osso, que comigo conviveram em dado momento bom ou mau. As dúvidas foram e são muitas, certezas praticamente nenhumas. Não há volta a dar. As razões foram tão diferenciadas como diferenciadas foram as condições e evolução ao longo dos anos da guerra. Alterou-se o armamento, o equipamento, mas também a maneira de encarar o conflito. Também foi crescendo a contestação ao mesmo.

O estado de espirito com que foram os jovens em 1962, terá sido bem diferente dos que foram comigo em 1971. Mas nenhum livro porá uma pedra final sobre o assunto e a discussão sobre o conflito, bem como as consequências do fim dele, as condições da nossa retirada do teatro de operações, alimentarão as tertúlias de ex-combatentes durante muitos anos. Diz-se que a História só deve ser escrita de 100 em 100 anos, por isso só após o nosso desaparecimento físico o que se escreveu merecerá a atenção de historiadores que, livres da nossa visão apaixonada, sem terem que tomar partido, sem terem que dizer o que esteve certo ou que esteve errado, talvez consigam colocar-nos no lugar da História, lugar esse que será de todos os ex-combatentes por direito e sem excepção.

Disse anteriormente que foi um processo solitário, resta-me também deseja-lo solidário. Naquele tempo tínhamos pouco tempo para sermos meninos e jovens, mas não sei se foi a Tropa que Fez de Mim um Homem.

A todos os presentes quero agradecer a vossa presença, que encaro como testemunho vivo da vossa estima. Bem hajam por isso.

Quero aqui deixar uma palavra especial para o Luís Graça, para Hélder Valério, Carlos Vinhal, ao Belarmino Sardinha, ao José Brás e ao dr. Nuno Miguel Ferreira Oliveira que fez a correcção de texto.

Por último, quero agradecer à minha mulher e filha, por tudo o que me deram ao longo das suas vidas, em que não contabilizaram nem regatearam o seu amor. Sem elas nunca seria o homem que sou.

Muito obrigado.
Juvenal Amado
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15661: Agenda cultural (459): Integrada no 14.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 27 de Janeiro de 2016, pelas 15 horas, apresentação do livro "Adeus até ao meu regresso", da autoria de Mário Beja Santos, no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

Guiné 63/74 - P15665: Notas de leitura (800): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

1. Reprodução da mensagem que o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou ao autor do livro Catarse em 22 de Janeiro de 2016:

Meu prezado Reverendo Abel Gonçalves,

Agradeço-lhe muito o envio do seu livro, que muito apreciei. As duas recensões serão publicadas no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Peço-lhe o favor de ver no seu computador esta referência, é bem possível que possa rever todos os locais por onde andou.

Em 2010, voltei à Capela de Bambadinca que está felizmente recuperada pelas missionárias que ali trabalham.

Porquê publicar as nossas recordações em blogue? No meu caso, trata-se de uma colaboração que vem de longa data e não tem fim, procuro repertoriar tudo aquilo que tem a ver com a Guiné, nomeadamente os testemunhos de quem ali combateu a partir de 1963.

O seu testemunho é singularíssimo, não conheço outro capelão que tenha bisado a comissão, o que acresce a importância do seu testemunho. Seria muito tocante que se inscrevesse no nosso blogue, estou certo e seguro que tem muitas histórias para contar e rever as imagens preciosas ali contidas também podem ser um refrigério para a sua alma.

Receba o agradecimento profundo e a elevada consideração do
Mário Beja Santos


Catarse, pelo Major-Capelão Abel Gonçalves (1)

Beja Santos

É a primeira vez que oiço falar num capelão que fez duas comissões na Guiné. Tem hoje 85 anos, é major, e vive na Ordem da Trindade, no Porto. Em 2007, em edição de autor, publicou Catarse (palavra que nos remete para o procedimento terapêutico pelo qual uma pessoa se cura revivendo acontecimento traumáticos). Telefonei-lhe, pedi-lhe o livro, prontamente acedeu e convidou-me a passar pela Rua da Trindade, para conversarmos. Lembro-me dele na capela de Bambadinca, num domingo em que vim muito cedo de Missirá, as fotos que ele publica no livro coincidem com a lembrança que me ficou.

Como escreve, estava pacatamente a ajudar nas confissões quaresmais, na paróquia de Oliveira do Douro, quando apareceram dois agentes da GNR que entregaram uma guia de marcha para se apresentar com urgência no RI 15, em Tomar.

Acha-se com o ordenado de alferes, habituado a paróquias pobres, começa a sonhar com uma máquina fotográfica. Em Abril de 1967, incorporado no BCAÇ 1911  [Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69], embarca no Uíge, em Bissau é despejado numa barcaça, dias depois, após uns treinos de desembarque no Ilhéu do Rei, ficam sediados em Brá. A experiência foi gratificante:


“Tive oportunidade de batizar um pequeno grupo de nativos que os militares catequistas do Batalhão de Engenharia tinham devidamente preparado".

Seguem para Teixeira Pinto numa LDM, fica a viver numa casa da missão católica e celebra numa pequena igreja. Aproveita a evacuação de um ferido grave e vai até ao Jolmete. O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama. Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe:
“Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.
Não ficou sem resposta:
“É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”.

[foto à esquerda, major-capelão ref Abel Gonçalves]

Fala da solidão, da falta de correio, da sensaboria da comida, apercebeu-se rapidamente da dureza da guerra. Regressa a Teixeira Pinto, sofrem uma emboscada, alguém a seu lado foi atingido mortalmente. Albino, o jovem cristão que guardava a casa de missionário, recebe-o com alegria quando chega a Teixeira Pinto e prepara-lhe um churrasco, ele não esqueceu a solicitude do jovem e guardou na memória a receita:
“Num tacho tinha posto rodelas de cebola, alhos, azeite, piripiri, loureiro, muito sumo de limão, de uns limões e pequeninos, casca fina como papel. Cada pedaço de carne era molhado naquele preparado e logo assado nas brasas”.

Dão-lhe instruções para sair Teixeira Pinto, vem de férias. Acaba por se comportar como qualquer militar, fica nervoso quando lhe fazem perguntas pois dirigem comentários descabidos, sente-se apático, indiferente às banalidades, tudo lhe parece insignificante com o que viu, sentiu e aguentou até à exaustão. Regressa e é destacado para um batalhão da cavalaria. Apresenta o novo território:
“É um setor muito grande, com 18 destacamentos. Trata-se de Bafatá. Na sede do batalhão não se conhecem problemas, a vida está difícil mais para a fronteira ou da povoação de Geba em diante”.

Presta igualmente assistência ao setor de Bambadinca, mas no essencial o seu território vai de Cambajú ao Xitole, de Banjara ao Xime, de Sara Bácar a Geba. Lembra-nos que a sua arma é sempre o terço, faz-se acompanhar com uma imagem do Imaculado Coração de Maria que lhe fora oferecida pelos ex-paroquianos de Ervedosa do Douro.

Cortesia do Carlos Coutinho
Gostou do ambiente de Bafatá e do primeiro comandante do BCAV 1905 [Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68]. É um capelão solícito:

“Os missionários não podiam sair da cidade, e quem prestava um mínimo de assistências às pequenas comunidades católicas era o capelão. Levava o dinheiro atribuído a essas comunidades a pedido do senhor Prefeito Apostólico. O capelão girava sempre de destacamento para destacamento, com a mochila às costas e o mínimo indispensável para celebrar a Eucaristia. Um bloco de notas para apontar pedidos”.

Levava também rebuçados, velas para oferecer às mesquitas, jornais, revistas e livros para toda a malta. Descreve as duas missões de Bafatá, a masculina e a feminina e depois dá-nos conta de certas solicitações insólitas para o seu múnus. Encontrou em cima da secretária o requerimento de um soldado que pedia para ser autorizado a usar barba, tinha feito uma promessa a Nossa Senhora de Fátima. O comandante despachou para ele. Leu, meditou e escreveu:
“Indeferido, porque não se pode prometer o que é contra a legislação”.
Falou com o soldado e tranquilizou-o, ficaram amigos.

Descreve Bambadinca:

“A povoação de Bambadinca tinha uma sala de aulas/capela, polivalente, que pertencia à missão católica de Bafatá, mas os missionários não podiam lá ir. Só os capelães militares e com grande escolta. Um cortinado separava o altar do resto da sala. Ao lado, outra sala mais pequena, sempre cheia de urnas com mortos, para oportunamente serem transportados para Bissau. Era no meio das urnas que me paramentava para a celebração da Eucaristia”.

Visitou várias vezes o Xime, bem como o Xitole, lembra-se muito bem das atribulações da viagem. E vem mais uma brejeirice que ele intitula “o médico do Xitole”:

“No Xitole havia um alferes médico, o Dr. Sílvio, que era quem praticamente comandava o destacamento.
O capitão miliciano era, creio eu, um notário que não queria saber de nada.
O Dr. Sílvio é que me recebia e sempre muito bem. Mostrava-me os abrigos que mandara fazer e as valas de acesso aos mesmos.
- Capelão, que quer comer ao pequeno-almoço? - O que o senhor doutor me receitar! 
- Umas sopas de vinho fresco que tenho no frigorífico. 
- Se dão força aos cavalos e o senhor doutor receita, vamos lá a elas!
Os dois, um de cada lado de um bidão de gasolina vazio, sentados em cadeiras improvisadas com as aduelas dos pipos. E este vinho era muito cristão, pois tinha sido muitas vezes batizado pelos lugares por onde tinha passado!”.

(Continua)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74).

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


2. Nota do editor:

Do BCÇ 1911, temos pelo menos um membro da nossa Tabanca Grande, desde 11/12/2011, o Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto rodas, CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69).  Tem vários postes publicados sobre a história do batalhão, além de uma história deliciosa sobre um outro capelão, um jovem alferes, que ele conheceu em Bissau e a quem deu um boleia...,  e "que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário"...

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15664: Parabéns a você (1024): João Alberto Coelho, ex-Alf Mil Op Esp do BART 6522 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15657: Parabéns a você (1023): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15663: Convívios (725): Almoço, no restaurante "O Teimoso", Casal do Forno, Marteleira, na estrada nacional nº 8-2 [Torres Vedras-Lourinhã], sábado, dia 30, comemorativo dos 50 anos do regresso do pessoal do BCAÇ 619: CCAÇ 616 (Empada), CCAÇ 617 (Catió e Cachil) e CCAÇ 618 (São Domingos), 1964/66

1. Através do nosso camarada Carlos Alberto Rodrigues Cruz (,ex-fur mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66), por mensagem de 22 do corrente, soubemos que:


(i) no próximo dia 2/2/2016 os elementos que integraram o BCAÇ 619, respetivamente, CCAÇ 616 (Empada), CCAÇ 617 (Catió) e CCAÇ 618 (São Domingos) vão comemorar os 50 anos do seu regresso a casa;


(ii) haverá um almoço-convívio, no restaurante "O Teimoso", Lourinhã, no sábado, dia 30 do corrente;

(iii) a organização é de malta do norte, da CCAÇ 617 [, de quem não temos nenhum contacto].


2. Pergunta-nos o Carlos AS R. Cruz: 

"Para quem vai de Lisboa, pela autoestrada A8, em qual saída da mesma deve sair para ir direto a esta localidade ? Será na 1ª saída, logo que se aviste a placa sinalizada como Lourinhã ? Ou será apenas na 2ª ?"

Respondi-lhe nestes termos:

"Em princípio, tomas a A8...

"Na A8, sais na primeira indicação para a Lourinhã (depois das duas indicações para Torres Vedras – “Torres Vedras Sul” e “Torres Vedras Centro”);

"Da portagem até à Lourinhã são cerca de 20 km, o Casal do Forno, antes da Marteleira, deve ficar a cerca de 13/14 km. O restaurante "O Teimoso" fica do lado esquerdo, antes da fábrica de rações Valouro... Consulta o mapa aqui!... (Página do Facebook).

Restaurante "O Teimosos"
Casal do Forno, EN 8-2, 
Marteleira
2530-336 Lourinhã


3. O nosso camarada queria que eu passasse por lá [, mas não vai dar]...

"Se me fôr possível irei levar o meu álbum fotográfico para te poder mostrar fotos (algumas já um pouco degradadas devido aos anos, mais de 50) mas ainda capazes de te aguçar a curiosidade sobre o que foi o percurso da Companhia [, a CCAÇ 617,] nomeadamente a nossa permanência na ilha do Como, já nos últimos dias da nossa comissão, mas que ficaram marcados pelo terrível ataque a que fomos sujeitos na véspera do dia de natal de 1965 em que tivémos só 16 feridos de uma assentada, alguns com necessidade de evacuação para a metrópole, devido à sua gravidade e urgência no tratamento das mazelas sofridas.

"Luis já vai um pouco extensa a minha mensagem mas é sempre difícil dizer em menos palavras aquilo que me vai na alma. Despeço-me, com aquele abraço que te é devido não só pela obra por ti criada, mas por seres um ser humano de eleição, amigo de todos nós e dinamizador de toda uma realidade que admiramos, também pelo teu percurso académico bem demonstrativo da tua personalidade que encanta quem te conhece.

"CRUZ (Grã-tabanqueiro nº 638
Paço de Arcos-sur-mer
2770-134 - Paço de Arcos"

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15662: Atlanticando-me (Tony Borié) (3): Nunca é tarde (3)

Terceiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - Capítulo 3

Hoje, vimos e falámos com o nosso interlocutor, é uma autêntica “picareta falante”, nunca está calado e, repete tudo, para ver se entendemos, não sei se estão recordados, o Nico encontrou uma nova rapariga de nome Diane, cá vai a continuação da história.

Passado um tempo, já se viam aos fins de semana, nas festas que se realizavam no clube dos Açores e, numa dessas festas, um dos presentes, homem já de uma certa idade, oriundo dos Açores, com responsabilidades numa quinta, propriedade do pai da Diane, pergunta-lhe:
- Ó companheiro, de que ilha é o senhor, lá nos Açores?
O Nico, muito admirado com a pergunta, responde:
- Eu não sou dos Açores, eu sou do continente.
E logo lhe responde, o outro:
- Então não é dos Açores, e anda a dançar com a filha do patrão!

O Nico ficou embaraçado, não soube o que responder, no entanto tomou alguma coragem e, quando teve oportunidade, perguntou à Diane:
- Tu és filha do meu patrão?
Ao que ela respondeu, sorrindo:
- Eu tentei manter esse pormenor em segredo, com receio que isso afectasse a nossa boa relação, todavia, não é só o meu pai que é dono. O meu pai, na altura, tinha dois barcos de pesca, associou-se à empresa, mas há mais sócios, mas isso não impede que sejas meu amigo, ou impede?
Ele, de novo embaraçado, responde:
- Não, não, só que uma rapariga bonita como tu, andares na companhia de um empregado...
Ela, não o deixou acabar de falar, e disse-lhe:
- Achas que sou bonita? Então por que esperas?
Ele, ainda mais embaraçado, responde-lhe:
- Espero, porquê?
E ela, desinibida, alegre, responde-lhe:
- Para me dares um beijo e, começares a namorar comigo.

O Nico ficou como uma criança, de cinco anos, a quem dão um brinquedo e não sabe para que serve. Primeiro, o seu pensamento parou, depois pensou na Dina, depois olhou para a Diane, mirou-lhe o corpo, de alto a baixo, fixou-lhe os olhos, viu ternura, carinho, talvez amor, paixão, um desejo percorreu-lhe o corpo, sentiu mesmo vontade de a beijar, como ela lhe pediu, não resistiu mais, quase sem querer, beijou-a na face. Ela, nesse momento, fechou os olhos, e pensou: "Ele é mesmo bonito. Vai ser o meu marido, custe a quem custar".

A Diane era uma mulher desinibida, sem preconceitos, sabia o que queria, não deixou mais o Nico, que aos poucos foi rareando as cartas para Portugal, acabando mesmo o namoro com a Dina e, claro, passado algum tempo, o clube dos Açores, na cidade de São Diego, estado da California, num domingo de primavera, fechou para o público, pois iria receber uma grande festa privada, que era a cerimónia do casamento da Diane com o Nico. Este, quando deu um beijo na Diane, após o padre, perante as pessoas presentes que enchiam a igreja, os ter pronunciado marido e mulher, pensou por instantes: "Como foi possível ter vindo tão longe, encontrar um amor numa mulher que eu não conhecia, que agora é minha esposa, que eu adoro. Como Deus é grande, sou tão feliz".
E a Diane, nesse preciso momento, pensava: "Eu sabia que este homem iria ser meu. Que feliz que me sinto".


A Diane, passado uns tempos, fica grávida, nasce um rapaz, o clube dos Açores volta a fechar para o público, pois realizou-se o baptizado do filho da Diane e do Nico, que ficou com o nome Michael, mas que todos chamavam Mike. A Diane era filha única, o Mike cresce com toda atenção que é possível dar a uma criança, em que toda a família põe os olhos, pensando que no futuro será um líder.

Os pais da Diane também tinham outras propriedades, onde pastavam grandes manadas de vacas, com grandes pomares de árvores de fruto. O Mike frequentou escolas privadas, sempre com bom aproveitamento, nos tempos livres andava pelos jardins da casa e nas propriedades dos avós, descalço, a correr, atrás dos pássaros, para ver onde faziam os ninhos. Já mais crescido ingressa numa universidade, para continuar a estudar, com a intenção de se graduar em finanças, pois era essa a disciplina que a família queria, mas o Mike tinha outras ideias.

Certo dia pela manhã, o Nico, ao levantar-se diz à Diane:
- Vou para a escola de novo, vou tirar as licenças de capitão de barco, para mim é fácil, pois já sei toda a técnica, embora não vá exercer, quero ter as licenças de capitão.
Ela, como sempre, sorridente, responde-lhe:
- Se é esse o teu sonho, realiza-o, mas creio que é mais útil se começares a tomar conta de alguma administração das propriedades dos meus pais, até mesmo lá na empresa marítima.
O Nico ficou a pensar. Os pais da Diane já não eram novos, e diziam-lhe:
- Vocês deviam ir morar por uns tempos, lá no campo, naquela propriedade ao norte, ver como é bom cheirar as flores das árvores, agora sozinhos, com o Mike na universidade, até vos fazia bem, e claro, começavam a olhar por aquilo, pois nós já não somos crianças.

A Diane, quando ficou grávida, e depois quando do nascimento do Mike, teve alguns problemas, teve mesmo que ir para o hospital um mês antes de a criança nascer, os doutores na altura recomendaram que não tivesse mais filhos, pois já a mãe tinha tido o mesmo problema, quando do nascimento da Diane. Agora andava com algumas dores em toda a região da barriga, só ela sabia como se sentia, algumas vezes tentava esquecer, mas as dores estavam lá, por todo o tempo e um dia pela manhã, diz ao Nico:
- De algum tempo para cá, tenho uma dor aqui, não é bem aqui, parece que é em toda esta zona.

Quando dizia isto, apalpava, toda a zona do estômago, em baixo... O Nico não a deixou acabar de falar. Imediatamente lhe disse:
- Vamos já ver o nosso doutor, já me devias ter dito isso. És uma pessoa que toma tantas atitudes e esta não. Por Deus, veste-te, arranja-te, vou já telefonar a marcar consulta para esta manhã.

Foram ver o doutor, que depois de a analisar, a manda internar no hospital para exames. A Diane foi internada, e nos exames foi-lhe detectada uma doença nova, a que nos dias de hoje, chamam câncer. Não resistiu, morreu uns meses depois, com dores de sofrimento, mas sorrindo, sempre que olhava para o Nico, o grande amor da sua vida.

O clube dos Açores voltou a fechar para o público, pois realizou-se um beberete, depois das exéquias do enterro da Diane.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)

Guiné 63/74 - P15661: Agenda cultural (459): Integrada no 14.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 27 de Janeiro de 2016, pelas 15 horas, apresentação do livro "Adeus até ao meu regresso", da autoria de Mário Beja Santos, no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

1. Em mensagem enviada ao nosso Blogue, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos conta da próxima tertúlia do Fim do Império, a levar a efeito no próximo dia 27 de Janeiro de 2016, pelas 15 horas, no Palácio da Independência, em Lisboa, com a apresentação do livro "Adeus até ao meu regresso", da autoria do nosso camarada Mário Beja Santos:


14.º CICLO DAS TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO 

LISBOA/SHIP/Palácio da Independência
Largo de São Domingos, 11 - Lisboa


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Nota do editor

Último poste da série de 20 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15642: Agenda cultural (458): Conferência, sábado, 23, às 16h, na Universidade Lusófona, Campo Grande, em Lisboa, sob o tema "Quem mandou matar Amílcar Cabral?: Da investigação à atualidade dos factos". Oradores: José Pedro Castanheira, jornalista; Julião de Sousa, historiador; José Luís Hoppfer de Almada, analista político; moderação: Mário Beja Santos; organização: Embaixada da República da Guiné-Bissau; apoio: RDP África