1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Agosto de 2017:
Queridos amigos,
Para bom entendimento do que foi o incontestável sucesso da Exposição Colonial Portuguesa, que se realizou no Porto em 1934, há que atender ao ressurgimento dos valores imperiais do Estado Novo, às expetativas de industriais e agricultores que pretendiam a complementaridade de mercados, cientes das tremendas dificuldades da economia mundial e até com a vizinha Espanha a entrar em roda livre, não esquecendo o apetite alemão por colónias.
Tudo somado, investiu-se a sério, organizou-se muito bem, e não faltou o escândalo da Balanta Rosinha de peito ao léu na capa das revistas.
Pretendia-se uma lição de colonialismo e de envaidecimento por um Portugal que não era um país pequeno.
Um abraço do
Mário
Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934 (2)
Beja Santos
Capitão Henrique Galvão, Diretor Técnico da Exposição
Desenho de Eduardo Malta
A exposição do Porto foi inegavelmente um grande evento na lógica imperial do Estado Novo, veiculando uma importante mensagem para dentro do país e uma outra para novos concorrentes imperiais que até pretendiam ter acesso às colónias portuguesas em África, como Hitler. Internamente, toda a encenação exaltava a dimensão civilizador do projeto colonia; externamente, dava-se como demonstrado que tínhamos um projeto colonial antigo e que o Império Colonial Português era inquestionável. Num artigo alusivo a esta exposição, a investigadora Luísa Marroni escreveu um curioso artigo na revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto que iremos acompanhar de perto. A direção técnica da exposição esteve a cargo de Henrique Galvão, contou-se com o empenho e apoio financeiro do Grupo Pró-Colónia do Porto. Na divulgação o evento contou com o apoio do bispo do Porto e de grande parte do clero do Norte e muitos outros intervenientes, todos apostavam e se empenharam na política colonial ressurgida com o Estado Novo.
A exposição estava estabelecida no Palácio de Cristal e jardim envolvente, durou três meses e meio e culminou com a realização de um cortejo alegórico que percorreu as ruas da cidade do Porto, desde a foz do rio Douro até aos jardins do Palácio de Cristal. Era constituída por secção oficial e secção particular. A secção oficial organizava-se por 15 temas (história da obra colonial portuguesa, representação etnográfica, representação militar, monumentos, parque zoológico, teatro oficial, cinema oficial, informações, correios e telégrafos, livraria colonial, socorro e assistência aos indígenas, sala de exposição de arte, conferências e congressos, posto de provas de produtos coloniais e cantina) e diferenciados produtos e produtores completavam a secção particular. Almada Negreiros desenhou selos, Eduardo Malta pintou e desenhou, a Vista Alegre produziu peças para a exposição, o príncipe de Gales, o futuro rei Eduardo VIII, foi talvez o seu visitante estrangeiro mais ilustre. No Porto dava-se visibilidade ao projeto imperial em marcha.
Registe-se que não era a primeira vez que se trazia a Portugal réplicas de aldeias indígenas. Recorde-se que na Grande Exposição Industrial Portuguesa, realizada em Lisboa, em 1932, veio uma tabanca Fula e foram mesmo exibidos Fulas na exposição, houve mesmo uma descrição de um escritor guineense, Fausto Duarte, que no ano anterior ganhara o primeiro prémio de literatura colonial.
O regime apostava na lição do colonialismo, respirava-se o sucesso na questão do equilíbrio financeiro e na ideia da estabilidade social conseguida pelo Estado Novo. Falava-se abertamente numa ofensiva patriótica e pacificadora nas colónias, isto a despeito de se manterem graves tensões, por exemplo na Guiné, envolvendo Felupes e Bijagós.
A exposição era encarada como uma lição viva, era para sentir o pitoresco, o exótico, a ingenuidade dos colonizados, pretendia-se substituir preconceitos com esta catequese sentimental de que Portugal não era um país pequeno, estendia-se entre o Minho e Timor. Lição viva porque se recriou a ambiência das colónias envolvida por modernismos da metrópole, encenaram-se povoados, modos de vida e de organização familiar, usos e costumes, trajes e rotinas, engendraram-se representações estereotipadas.
Como escreve a investigadora Luísa Marroni na conclusão do seu artigo, “O estudo da Exposição Colonial realizada no Porto, em 1934, admite sinais da transformação pretendida na sociedade portuguesa: de rutura com os valores o passado próximo para adoção de outros conformes com a ordem estabelecida.
A mudança é conseguida com recurso a um conjunto de instrumentos eminentemente sensoriais nos aspetos socioculturais e ao nível político, a representação unificada da nação. A simbologia empregue fundamenta a nova ordem sociopolítica, reforço da ideia e políticas imperiais, compreendida pela associação feita aos princípios do domínio e da ressurreição capaz de influir na sociedade, individual e coletivamente. A monopolização do espaço público com um conjunto de símbolos visuais remetem para outros tempos, encenando, reinterpretando, ou substituindo figuras, regras e valores anteriores ao golpe militar de 28 de Maio de 1926”.
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Nota do editor
Último poste da série de 16 de Setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17772: Historiografia da presença portuguesa em África (88): Exposição Colonial Internacional de Paris, 1931 (1) (Mário Beja Santos)