Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Guiné 63/74 - P2251: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (8): Cartas que levam saudade(s) das terras e das gentes do Cuor
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Regulado do Cuor > Missirá > Março de 1970 > Era pós-Beja Santos > Esquartejamento de uma peça de caça grossa (um antílope, segundo me parece) caçado na zona de acção do Pel Caç Nat 54 (que em Novembro de 1969 tinha vindo render o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos, e tranferido para Bambadinca). Na foto vê-se o comandante do Pel CaÇ Nat 54, o Alf Mil Alves Correia, referido no texto a seguir. Meses mais tarde, o Pel Caç Nat 54 será substituído pelo Pel Caç Nat 63, do Alf Mil Cabral. (LG).
Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca)> Regulado do Cuor > Missirá > Março de 1970> Era pós-Beja Santos > O Humberto Reis, em reforço, com o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca), do destacamento de Missirá, posa para a fotografia com um troféu de caça a seus pés: na ocasião um antílope, apanhado pelos homens do Pel Caç Nat 54 ou algum caçador local. O destacamento de Missirá ficava a norte do Sector L1, já em terras de ninguém. A sul ficava o destacamento de mílicia e a tabanca em autodefesa de Finete, na margem direita do Rio Geba, frente a Bambadinca... No texto a seguir - parte das memórias de Beja Santos nas terras dos Soncó -, o autor começa a despedir-se (e a fazer o luto pela perda) destas míticas paragens e das suas gentes que o marcaram indelevelmente para toda a vida... Pode, em boa verdade, falar-se, a partir de meados de Outubro de 1969, de uma era pós-Beja Santos... (LG).
Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
Texto enviado em 19 de Setembro último pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).
Luis, espero que estejas de boa saúde e a mergulhar no ano lectivo. Para a semana tenho que entregar o livro "Consumo, logo existo" e não sei como vai ser. Ainda por cima, para a semana vou escrever sobre a emboscada e a mina anti-carro em Canturé. Recomeço as aulas no mestrado de Tecnologia e Segurança Alimentar, no Monte da Caparica. Tenho saudades de almoçar contigo e vou desafiar-te. Os livros seguem pelo correio, como habitualmente. Faz os milagres do costume, escolhendo boas ilustrações. Um abraço do Mário.
Operação Macaréu à Vista - Parte II (8) > Memorabilia do Cuor
por Beja Santos
Cartas de um militar de além-mar em África para superiores ali perto e para a namorada em Portugal
(i) Carta para Jovelino Corte Real, comandante do BCAÇ 2852
Meu comandante,
Avizinhando-se a saída do Pel Caç Nat 52 de Missirá para Bambadinca, considero importante deixar-lhe uma “memória” sobre a situação do Cuor, no sentido de o manter habilitado para as decisões que entender dever tomar com o meu sucessor.
Primeiro, a influência do inimigo não decresceu nos últimos quinze meses: os abastecimentos junto dos Nhabijões, Mero e Santa Helena processam-se com regularidade, são vitais para Madina/Belel, a despeito das emboscadas e patrulhamentos que no passado impuseram respeito, não vejo declínio, a astúcia e a necessidade sobrepõem-se ao temor que possar ter de nós.
Percorremos todo o território do regulado, com excepção da área vizinha entre Quebá Jilâ e Madina e podemos confirmar que a norte, acima do rio Passa em confluência com o rio Gambiel, as tropas do PAIGC movem-se à vontade e controlam as populações que lavram as bolanhas. Não exagero dizendo que o inimigo lavra e colhe as suas produções a menos de sete quilómetros em linha recta de Missirá.
É facto que o inimigo nunca emboscou as nossas tropas, não roubou populações que cultivam a bolanha de Finete e reduziu a sua capacidade em flagelar seriamente Missirá. Não embosca pela simples razão que dispõe de informações quanto à forma como nos movemos diariamente até Mato de Cão: nunca percorremos o mesmo itinerário, de dia ou de noite. Dispõe igualmente de informações que mantivemos uma presença efectiva nos patrulhamentos. Podem atacar Missirá ou Finete mas dispomos, por enquanto, de uma boa capacidade de resposta. Estou em crer que em Julho se aperceberam que é preciso trazer muito material e um grande contingente para fazer estragos ou desmoralizar.
Segundo, continuo a considerar que a fixação de populações não se deve circunscrever a Missirá e Finete. Peço-lhe que repense em repovoar Canturé, há populações em Badora e no Cossé prontas a regressar desde que se faça um quartel, haja milícias e armamento. Canturé repovoada garantiria o afastamento das gentes de Madina de Mero e Santa Helena, dificultaria a circulação das colunas de abastecimentos à volta do Geba. O comandante de Bafatá não contestou os meus argumentos, só que foi seu entendimento que os Nhabijões eram a prioridade das prioridades.
Terceiro, perdemos a capacidade ofensiva a partir do momento em que nos retiraram duas secções da milícia de Missirá, mantendo-se a obrigação do patrulhamento diário a Mato de Cão e a emboscada junto do nosso aquartelamento. Não posso envolver a população civil no abastecimento de águas, nem nos reforços nem nas colunas a Finete. Resultado, estamos atados de pés e mãos, não se pode patrulhar e deixar o quartel entregue aos militares doentes e aos civis. Continuo a defender que Missirá precisa de um pelotão de milícias, um pelotão de caçadores nativos e uma ajuda persistente de Bambadinca seja nos patrulhamentos ofensivos seja nas idas a Mato de Cão.
Quarto, o aquartelamento de Missirá possui presentemente um bom dispositivo defensivo, faltam dois abrigos sólidos, os outros são resistentes, só precisam de manutenção. No essencial está tudo desmatado à volta, o arame farpado foi renovado e está sólido. A escola funciona, as idas periódicas ao médico alteraram muito o quadro de doenças que conheci quando aqui cheguei. O relacionamento com o régulo é excelente, não há quaisquer perturbações de maior na convivência entre militares e civis. No entanto, conviria melhorar as condições de vida das populações, sou adepto de se encontrar uma verba para pagar as obras de arranjo e desmatação feitas por civis, sobretudo na região de Gã Gémeos até Canturé e na estrada do Geba, entre Gambana e Mato Madeira. Trata-se de segurança militar e, claro está, segurança para os civis.
Estou inteiramente à sua disposição, como me compete, para o informar de tudo o que julgar importante para melhorar a sua informação sobre o Cuor. Os meus cumprimentos.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea do aquartelamento (e de parte da povoação, à esquerda), tirada no sentido noroeste-sudeste. Em primeiro plano, a pista de aviação, o perímetro em L de arame farpado, o campo de futebol, a antena das transmissões...Ao fundo, do lado direito, frente à grande bolanha de Bambadinca, o edifício do comando em U...
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados
(ii) Carta para o Major Ângelo da Cunha Ribeiro, 2º comandante do BCAÇ 2852 (2)
Meu comandante,
Deve ser do seu conhecimento qual a situação logística que vou legar ao [meu substituto, o Alf Mil, ] Alves Correia. Noutra carta, com data de hoje, informei o nosso comandante dos aspectos militares que não devem ser silenciados. Entregarei ao meu sucessor os diferentes livros com o material à carga, as folhas de pagamentos dos militares de Missirá e Finete, bem como as duas secções destacadas em Cansamange.
Todas as requisições de material de engenharia estão em ordem. As duas viaturas carecem de substituição, estão envelhecidas, permanentemente empanadas, vivemos um calvário nesta época das chuvas. O gerador eléctrico continua aí em Bambadinca, só poderá aqui chegar por duas vias: ser transportado para o Xime e levado numa LDM ou LDG até perto de Mato de Cão ou entre Saliquinhé e São Belchior, tenho pedido insistentemente, nunca obtive resposta; ou fabrica-se uma jangada robusta que o consiga colocar na bolanha de Finete, mas até hoje não conseguimos.
Os abastecimentos em munições estão hoje facilitados com os dois novos paióis, o mesmo se passa com os paióis de combustíveis. O mais grave de tudo tem sido o abastecimento de arroz para os civis o que nos obriga a colunas infindáveis. Não proponho nenhuma solução, pois os civis não têm dinheiro e nós não podemos oferecer arroz em permanência.
O serviço de justiça está actualizado, saímos daqui com todas as diligências obrigatórias efectuadas até ao momento. Não lhe quero esconder que há graves problemas em Finete para resolver: Bacari Soncó devia ser nomeado comandante e escolhidos três sargentos; o armamento é deficiente e continuo a pensar que o inimigo não tem sido mais demolidor porque a população balanta local é enorme e não lhes convém acirrar os ânimos quando precisam de cambar o rio um pouco acima do quartel e até Boa Esperança. Importaria resolver o problema do professor de Finete, oferecer um balneário à população civil e remodelar o conjunto de bidões do chuveiro dos milícias.
Agradeço-lhe muito toda a compreensão que tem tido com os nossos problemas e jamais esquecerei a expressão de Tigre de Missirá que usa comigo. Receba o meu reconhecimento.
(iii) Carta para David Payne Pereira, médico do batalhão
Meu caríssimo David,
Mil anos que vivesse e não esqueceria a profunda dívida que tenho para contigo, tanto pelo bem com que me tratas, como pelo conforto que tens trazido às gentes do Cuor. Não há memória de um médico de batalhão visitar com tanta assiduidade os quartéis do mato, dar consultas seis dias por semana e ver dezenas de doentes todos os dias.
Em breve vou viver aí ao pé de ti mas quero deixar escrito um comovido muito obrigado. Deus te pague o que tens feito pela saúde desta minha gente. Aqui fica a minha admiração e o meu reconhecimento.
(iv) Carta para Herberto Sampaio, oficial de operações
Meu major,
Permita-me que junte algumas considerações sobre a evolução do nosso trabalho no regulado do Cuor. São tudo coisas que conhece perfeitamente, mas prefiro deixar tudo escrito, como se fosse um balanço de todas as minhas preocupações à volta dos pontos mais sensíveis com que o Alves Correia se irá dentro em pouco confrontar.
Antes de mais, independentemente dos militares doentes, é já milagre irmos todos os dias a Mato de Cão e fazermos a emboscada nocturna. Chegamos a sair de Missirá com onze militares válidos e quinze a vinte civis armados para nos reforçarmos em Finete e então seguirmos para Mato de Cão. O Pel Caç Nat 54 terá a sua vida muito dificultada se não se encontrar uma solução de trazer mais milícias para Missirá.
Diz o povo “rei morto, rei posto” e bem gostaria que o meu sucessor tivesse outros meios que eu aqui não encontrei, sobretudo nos últimos meses. Bom seria igualmente que se encontrasse uma solução para as idas a Mato de Cão. Quando aqui cheguei, em Agosto do ano passado, era frequente irmos em média quatro a cinco vezes por semana a Mato de Cão, o que dava possibilidade de conjugar patrulhamentos, vigilâncias e emboscadas. Agora, como desde há largos meses, vamos lá praticamente todos os dias. Quando o quartel ardeu em Março deste ano centrámos toda a energia no seu reaparecimento e nas obrigações da segurança de Mato de Cão. Fomos perdendo gente em Missirá e o meu major criou a obrigação de uma emboscada nocturna perto de Missirá. Nasceu um problema novo: deixámos o mato todo entregue às gentes de Madina.
Peço-vos que revejam esta situação, as próprias populações civis estão inquietas com a presença assídua do inimigo perto de nós, flagelando-nos, sabendo-nos impotentes. É por isso que eu gostaria que o Alves Correia pudesse dispor de outros meios e até vir a poder contar comigo em patrulhamentos nesta região. É este o meu veemente pedido, que submeto à sua consideração.
(v) Para a Cristina Allen
Meu adorado amor,
Desculpa o meu silêncio, é tudo cansaço, a azáfama dos preparativos da partida, conferências de material de tudo o que possas imaginar, desde fronhas e lençóis, passando por pratos e panelas até metralhadoras e víveres armazenados. O meu estado de saúde também está abalado, ainda não me recompus psicologicamente do colapso nervoso do Casanova. O Pires ajuda-me imenso, tem-se revelado um colaborador surpreendente, enquanto um vai a Mato de Cão o outro põe a escrita em dia.
Ainda não se sabe quando terá lugar a nossa transferência para Bambadinca, mas será em breve. Tu perguntas-me na última carta o que vou fazer em Bambadinca e se lá vou ficar até ao fim da comissão. Segundo o comando, vou ficar na intervenção, expressão que quer dizer que posso ir buscar correio, montar seguranças à volta do quartel, emboscar, entrar em operações, fazer colunas, colaborar nos reordenamentos, tudo é possível. Já me disseram que vou para a ponte do rio Udunduma, é uma posição defensiva perto de Bambadinca, uma ponte com uns abrigos horríveis, um sítio sem o mínimo de condições para estar, um quartel que pode ser pulverizado se for bem flagelado.
Mas nada sei sobre o futuro. Não te zangues com o que te vou dizer: sinto imensa tristeza por partir de Missirá. Aqui ainda éramos de algum modo senhores da situação, havia uma relação a construir com as populações, vivíamos juntos, partilhávamos tudo juntos, a começar pelas inquietações e as ameaças constantes.
Em Bambadinca, viverei num quartel a cumprir escalas de serviço. Não sei explicar-te, foi em Missirá que a minha vida mudou, fascina-me toda esta beleza, os permanentes desafios para melhorar o bem estar de militares e civis. Compreendo os soldados, eles têm trinta e seis meses de Missirá, Bambadinca é a miragem do descanso. É escusado dizer-lhes que vão ainda trabalhar mais, depois será tarde, é assim que se aprende.
Amanhã, 15 de Outubro [de 1969], vou a Bafatá de novo tratar dos documentos de que te falei. Se os entregarem amanhã, seguirão logo pelo correio. Não para de aqui chegar correio cheio de fúrias, acusações e até insinuações. Não tenho energia para responder, sinto que perdi capacidade para ter os reflexos prontos, prefiro não responder a ninguém. Estou magoado, concentro-me na música e nos livros.
Li uma comédia assombrosa, “O Ente Querido”, por Evelyn Waugh. Tradução perfeita do Jorge Sena e ilustrações do João Abel Manta, que tu conheces do Diário de Lisboa. É uma sátira violenta no mundo anglo-americano de Hollywood, em que os não competitivos se suicidam ou são atirados para a valeta. O herói, Dennis Barlow, é um poeta que ganha a vida a incinerar animais, ao lado de embalsamadores de seres humanos. No Repouso dos Peregrinos e nos Prados Sussurrantes o que conta é o artifício e a tecnologia: maquilhagem, música ambiente, o automatismo das condolências. Dennis apaixona-se por Aimée, envia-lhe poemas clássicos como se fossem da sua autoria. O Sr. Joyboy, um perito em caracterização funerária, parece ser mais bem sucedido no coração de Aimée. Tudo acaba numa tragédia em tom chocarreiro, em que nos divertimos com o terror da morte. Porque aqui os mortos estão sempre mascarados de vivos, aqui quem ganha sempre é a tecnologia, que resolve todos os problemas da perda da eternidade.
Mas li mais, li os “Poemas Completos” do Manuel da Fonseca [, 1911-1993], um presente do meu padrinho. Gosto muito da prosa dele, o modo sério com que ele ultrapassa as soluções piegas do neo-realismo, e nos faz vibrar com as terras do Alentejo, as charnecas, as navalhas dos malteses, a vida tristonha dos funcionários camarários. Um dos poemas eu já o conhecia de o ter ouvido declamado pela Maria Barroso, com a sua vigorosa expressão dramática, “Estradas”. Começa assim:
Não era noite nem dia.
Eram campos, campos, campos
abertos num sonho quieto.
Eram cabeços redondos
de estevas adormecidas.
E barrancos entre encostas
cheias de azul e silêncio.
Silêncio que se derrama
pela terra escalavrada
e chega no horizonte
suando nuvens de sangue.
Era a hora do poente.
Quase noite e quase dia.
Não achas isto uma perfeição, com este toque de simplicidade? Este livro e o de Evelyn Waugh vão para ti, deixo-os amanhã no correio de Bafatá.
Não esqueço o nosso futuro, os nossos projectos, não te esqueças do que representas para mim, a força que me dás para eu resistir a este turbilhão. Prometo agora escrever mais, parece que estou a sair do desânimo, sinto-me a renascer. Beijos, mil beijos, para quem acaba de fazer exames e nutre por mim a maior ternura do mundo.
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2218: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (7): Afundem a armada de Madina
(2) Carinhosamente conhecido, na caserna, como o Major Eléctrico
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)
Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV 2862 (1969/70) > 18 de Outubro de 1969 > Imagens brutais da reportagem Guerre en Guinée, que passaram na televisão francesa em 11 de Novembro de 1969, no programa Point Contrepoint e que os portugueses, devido à censura, nunca puderam ver antes do 25 de Abril de 1974 (1)...
Fotos: INA - Institut National de l' Audiovisuel (2006) / Cópia pessoal de Virgínio Briote (2)
1. Mensagem do Virgínio Briote:
Luís: Acabo de ter uma conversa telefónica com o Cor Cav, na reforma, Sentieiro, por intermédio de um conhecido comum.
A história que me conta, em resumo é a que segue (1):
(i) Era o comandante da CCAV 2485;
(ii) Tinha acabado de regressar de uma operação com 2 Gr Comb da sua Companhia;
(iii) Por impossibilidade do Cap J. Quintela, o comandante do batalhão (Ten Cor Morgado, que é o que aparece no fim do filme com Spínola e Almeida Bruno, e ainda hoje vivo) encarregou-o de comandar 2 Gr Comb da CCAV 2487.
(iv) Esta CCAV estava algo deprimida, por várias razões que não explicitou. Limitou-se a falar de 2 alferes que não tinham regressado das férias em Lisboa. Um deles apareceu em Paris, do outro não me soube dizer nada.
(v) O Ten Cor Morgado informou-o de que ia acompanhado por uma equipa da ORTF e de um ou dois jornalistas do Paris-Match.
(vi) Questionados pelo então Cap Sentieiro sobre a experiência que tinham de cenas de guerra, os jornalistas disseram que já tinham estado no Vietname (não presenciaram qualquer cena bélica), em Angola (idem) e em Moçambique (onde conseguiram filmar umas cenas do final de um rebentamento de uma mina);
(vii) E que pretendiam filmar o que viesse a acontecer, [no TO da Guiné, ] estando desejosos que viesse a haver contacto com o IN.
(viii) A cena filmada é a NE (?) de Bula (para os lados da base de Cobiana).
(ix) O tiroteio foi intenso, de um lado e do outro. As cenas, diz o Cor Sentieiro, não são nem mais nem menos do que as que ocorreram muitas vezes na Guiné.
(x) Que os jornalistas tiveram um comportamento muito profissional. Acabada a emboscada, quiseram ir atrás dele e não no final da coluna como aconteceu quando os GrCmb foram emboscados. Que ele, cap. Sentieiro, não lhes permitiu. Que atrás dele ia um tipo da absoluta confiança, normalmente portador de uma caçadeira ou de um LGFog.
(xi) Que a jornalista era a Chaubel (não tenho a certeza se se escreve assim; que há ainda em Paris uma casa de fotografia, que é da família dela).
(xii) Que ela ficou profundamente arrasada. Nem os acompanhou mais, apanhou o heli e regressou com o Almeida Bruno a Bula, onde desceu.
(xiii) Que era jovem e linda e que, à noite ao jantar, depois dos banhos, apareceu na messe com um vestido de pele, do tipo que as índias usavam nos filmes, sem nada por baixo.
(xiv) Que o militar que estava a servir (ele disse-me o que foi que estava na travessa, mas não fixei) se entusiasmou tanto com o que viu que se distraiu e entornou a travessa na mesa...
(xv) Que alguém em Bula (um dos jornalistas) o provocou, perguntando-lhe se ele, Cap Sentieiro, não terá previamente dado algum sinal ao IN...
(xvi) Que ele, Sentieiro, nunca viu o filme (1), que sabe que ele existe e que as únicas imagens que viu são as que às vezes aparecem na TV. Ele chama a essas imagens fruta fresca, isto é, quando a TV quer mostrar cenas violentas da guerra da Guiné, aí vão elas.
(xvii) Fiquei de lhe enviar o filme. Tenho algumas dúvidas sobre a oportunidade de o fazer, estar a mostrar-lhe cenas que ele pessoalmente viveu há quase quarenta anos. Mas foi tanta a insistência, que acabei por lhe prometer. Temos vários conhecidos comuns e estou convidado para almoçar com ele quando passar por Torres Novas.
E pronto, Luís.
Um abraço, vb
Nota de L.G. - A revista Paris Match publicou, na edição nº 1071, de 15 de Novembro de 1969, uma reportagem efectuada pelo(s) seu(s) jornalista(a)s que vieram (ou veio) à Guiné... Título da peça: Guinée: l'étrange guerre des Portugais [Guiné: a estranha guerra dos Portugueses]...
2. Operação Ostra Amarga
Extractos do PERINTREP Nº 42/69, Página 13 de 23
CAOP/BCAV 2868 (Intervenção-Sector 01)
Op Ostra Amarga
Patrulhamento
Pta Matar-Pta Ponate-Pta Fortuna-Pta Penhasse-Bissauzinho-Bofe
12 Out [de 1969]
7 dias
2 Gr Comb/ CCAV 2485; 2 Gr Comb / CCAV 2486; 2 Gr Comb / CCAV 2487
(i) 1º dia : 500 m a N Ponta Fortuna foi destruído um acampamento IN abandonado há 3 dias, com 14 casas de mato;
(ii) IN, avistado de longe, furtou-se ao contacto;
(iii) 7º dia, accionada uma mina A/P na região de Badapal, com 2 feridos NT; na região de Pecure, IN não estimado emboscou NT, retirando com 4 mortos e 2 feridos; as NT sofreram 2 mortos e 1 ferido; na região a L de Biura, IN não estimado emboscou NT, retirando pela reacção fogo manobra.
(iv) Restantes dias sem contacto.
Guiné > Região do Cacheu > Bula > BCAV Outubro de 1969 > Resumo informativo sobre as Op Caça Ratos, Op Ostra Amarga e Op Gato Assanhado
Ainda no mesmo PERINTREP:
Em 17 de Out[ubro de 1969], durante a Op Ostra Amarga, forças do BCAV 2868 accionaram uma mina A/P na região a sul de Capafa em 1545 1205 D3-86, causando 2 feridos graves às NT (Pelotão Cav BCAV 2868).
Segundo informações de elementos IN que estiveram na tabanca de Nhemgue na noite de 18 para 19 de Outubro, o IN sofreu 4 mortos e 2 feridos.
Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Monumento aos Mortos do Ultramar > > 28 de Outubro de 2007 > Passei por lá e fotografei o muro onde constam os nomes dos infortunados camaradas António Capela, natural de Cabaços, Ponte Lima, e Henrique Costa, natural de Ferrel, Atouguia da Baleia, Peniche, mortos na Op Ostra Amarga / Op Paris Match... Para que sejam lembrados por todos nós e pelos vindouros... (LG)
Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
3. Os mortos na Op Ostra Amarga (filme):
(i) António da Silva Capela
Soldado atirador, nº 07241868 / CCAV 2487 / BCAV 2868
Ferimentos em combate, em 18 de Out. de 1969
Solteiro
Pai: Gabriel dos Santos Capela / Mãe: Rosa Araújo da Silva
Freguesia de Cabaços / Concelho de Ponte do Lima
Local da operação: Bula
Local da sepultura: Cemitério de Lousa – Loures
(ii) Henrique Ferreira da Anunciação Costa
Soldado atirador, nº 03434368 / CCAV 2487 / BCAV 2868
Ferimentos em combate, em 18 de Outubro de 1969
Casado (com Noémia M. M. Oliveira)
Pai: Francisco Ferreira da Costa / Mãe: Maria da Anunciação Lourenço
Freguesia de Atouguia da Baleia / Concelho de Peniche
Local da operação: Bula
Local da sepultura: Cemitério de Ferrel – Atouguia da Baleia
4. Informações adicinais sobre o Batalhão de Cavalaria nº 2868 (Bula, 1969/70)
Unid. Mobilizadora: RCav 7
Comandante: Ten Cor Carlos Alves Morgado
2º Comandante: Maj Cav João Marcelino; Maj Cav Luís Casquilho
Of Inf Op Adj.: Major Cav Ruy Pereira Coutinho
Comandantes de Companhia
CCS: Cap SGE António Vagos
CCAV 2485: Cap Cav José Sentieiro
CCAV 2486: Cap Cav João Almeida; Alf mil José Fernandes
CCAV 2487: Cap Cav João Quintela; Cap QEO Caimoto Duarte
Divisa: Não Temo
Partida: 23 de Fevereiro de 1969 / Desembarque: 1 de Março de 1969 / Regresso: 30 de Dezembro de 1970
Actividade Operacional: Síntese
(i) Com a sede em Bissau, foi-lhe atribuída a função de intervenção como reserva do Com-Chefe.
(ii) Em princípios de Abril 1969, estabeleceu um posto de comando avançado em Cacheu, com a missão de actuar nas regiões de Churo e Pecau, a fim de deter o alastramento da luta armada à região do “Chão Manjaco”, em área temporariamente retirada ao BCAÇ 2845.
(iii) Após um curto período de IAO, até 19 de Abril de 1969, comandou e coordenou a actividade de duas das suas unidades e outra ali instalada do antecedente, desenvolvendo actividade operacional de patrulhamento, batidas e emboscadas nas regiões de Churo-Pecau-Quesse e do Cacheu.
(iv) Em 30de Agosto de 169, após substituição pelo Comando Militar do Cacheu, transferiu o Pel Cav para Bula, onde assumiu em 5 de Setembro de 1969 a responsabilidade do sector 01-A, então criado nesta zona por subdivisão da área do BCAÇ 2861, com a sede em Bula e incluindo as suas subunidades também ali estacionadas, e depois outras que lhe foram atribuídas em reforço.
(v) Em 8 de Janeiro de 1970, duas das subunidades passaram a ter a sua sede em Ponta Augusto Barros e Pete, com vários destacamentos disseminados nas respectivas áreas de acção. (…)
(vi) A partir do início de 1970, a sua actividade foi especialmente orientada para o desenvolvimento e promoção sócio-cultural do “Chão Manjaco”, com abertura de itinerários e asfaltamento da estrada Bula- S.Vicente e orientação e construção de aldeamentos da população.
(vii) Pela acção desenvolvida, destacam-se as operações “Freio Reluzente” e “Pequeno Baio”, entre outras.
(viii) Dentre o material capturado ao IN, salientam-se 8 espingardas, 4 lanças granadas-foguete e levantamento de 28 minas.
(ix) Em 1 de Dezembro de 1970, o BCAV 2868 foi rendido no sector 01-A pelo BCAÇ 2928, recolhendo a Bissau, a fim de aguardar embarque.
Nota de vb - Seguem-se as Companhias, com a descrição dos percursos da comissão, sem notas relevantes. O BCAV 2868 tem História da Unidade (Caixa nº 117- 2ª Div/4ª Sec do AHM).
5. Bula > Comando de Agrupamento Operacional
COMANDO de AGRUPAMENTO OPERACIONAL
COMANDO de AGRUPAMENTO OPERACIONAL OESTE
COMANDO de AGRUPAMENTO OPERACIONAL nº 1
Início em 8 de Janeiro de 1968 / Extinção em 1 Julho de 1974
Cmandantes: Cor Pára Alcínio Ribeiro / Cor Art Gaspar Freitas do Amaral
Cor Pára Rafael Durão / Tem Cor Inf Pedro Henriques
Cor Pára João Curado Leitão
CEM: Maj CEM Passos Ramos / Maj CEM Santiago Inocentes
Maj Art Pimentel da Fonseca / Maj Inf Bacelar Pires
Maj Art Fernandes Bastos
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Notas de V.B./L.G.:
(1) Vd. post de 8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)
(2) Vd. post de 16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)
Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)
1. O filme-documentário da portuguesa Diana Andringa e do guineense Flora Gomes, As Duas Faces da Guerra, recentemente estreado entre nós (1), utilizou cenas de uma reportagem feita em 18 de Outubro de 1969 por uma equipa da televisão francesa, a ORTF, acompanhada de um ou dois repórteres do então muito em voga semanário Paris-Macth.
Segundo a investigação posterior feita pelo nosso co-editor Virgínio Briote, junto de Diana Andringa e de outras fontes (antigos camaradas, Coronel Sentieiro, Arquivo Histórico Militar, etc.) estas cenas referem-se à Op Ostra Amarga, na região de Bula, em que as NT caíram debaixo de uma emboscada do PAIGC, sofrendo dois mortos e um ferido…
Estas cenas de combate são mostradas no vídeo, que está disponível no sítio do INA – Institut National de l’Audiovisuel [Instituto Nacional Francês do Audiovisual] e que a Diana Andringa e o Flora Gomes retomaram. No filme-documentário, As Duas Faces da Guerra, que se estreou, entre nós, no dia 19 de Outubro último, no decurso do 5º Festival Internacional de Cinema Documental de Lisboa, dois antigos combatentes portugueses que participaram nessa operação (um deles o que fora ferido), comentam emocionados esse episódio de guerra, que ficou também conhecido, ironicamente, por Operação Paris Match, já que nela iam integrados vários jornalistas franceses, incluindo uma mulher, com o beneplácito e a cumplicidade do Com-Chefe.
É de referir que o General Spínola aparece, em carne e osso, no local, às 15 horas da tarde, acompanhado do então Cap. (ou major?) Almeida Bruno a trocar impressões com o TenCor Alves Morgado (comandante do BatCav envolvido na op.).
Será depois entrevistado no final da reportagem, no palácio do Governador (ao que supomos), fazendo-se perante os jornalistas estrangeiros o arauto da política do Governo Português, no que diz respeito à defesa das “províncias ultramarinas”. Fala em francês, mas com erros e pouca desenvoltura. Uma parte das suas declarações são lidas.
Em suma, tudo indica que os jornalistas estrangeiros, oriundos de um país amigo, da NATO, a França, iriam fazer um mero passeio pelo mato e testemunhar, com os seus próprios olhos, que a situação militar, no interior da Guiné, estava sob o nosso inteiro controlo, contrariamente à propaganda externa do PAIGC (que também irá usar, sobretudo nos anos 70, a arma da sedução e da propaganda, convidando jornalistas estrangeiros e diplomatas, de países amigos, a visitar as regiões libertadas).
No que respeita à Op Ostra Amarga (que raio de nome, que premonição!), as coisas, de facto, não correram, como se previa, e os próprios jornalistas caíram debaixo de fogo, juntamente com os Grupos de Combate onde iam integrados… O pior é que tivemos dois mortos e um ferido, sendo a agonia de um dos nossos camaradas registada em filme…
2. Eu já conhecia o vídeo… De resto, algumas cenas já terão passado na nossa RTP… Voltei a revê-lo, agora com outros olhos… Lembrei-que o Virgínio Briote tinha comprado, ao INA, os direitos de “téléchargement” (download) - para uso estritamente pessoal - de nove vídeos sobre a Guiné, embora não tendo conseguido autorização para os passar directamente no nosso blogue, como era nossa intenção (2, 3)…
Em 26 de Outubro último fiz-lhe o seguinte desafio:
Virgínio: Vou aproveitar as imagens que em tempos me mandaste, e vou (vamos os dois) apresentar o vídeo que revimos há dias, as cenas da emboscada, na Culturgest... Estive a fazer um resumo alargado do filme (que é falado em francês), de modo a possibilitar o seu visionamento e a sua melhor compreensão pelos nossos camaradas (muitos dos quais não dominam a língua gaulesa)… Não o podemos inserir directamente no blogue (por causa do copyright) , mas podemos fazer uma ligação (ou link) para o sítio do INA (3)…
Diz-me, entretanto, o que sabes mais sobre este episódio:
(1) É um Gr Comb ou mais de Comandos ? Parece que sim... Pelo crachá de um dos tipos que sai do heli, pelo LGFog 3.7, pela farda, pela disciplina de fogo...
(2) Isto passou-se em 18/10/1969. As NT saíram à 1.30h e foram emboscadas às 7.30...
(3) Na região de Có/Pelundo (?)... Foi o que apanhei do filme da Diana/Flora, mas tenho dúvidas.
(4) Os mortos são o Henrique Costa (natural de Peniche) e o António Capela (este de Ponte de Lima)... Já confirmei os nomes e a data...
Um abraço.
Boa saúde, bom trabalho!
Luís Graça
3. O Virgínio pôs-se a caminho e descobriu mais coisas. Resposta nesse mesmo dia, 27 de Outubro:
Luís, envio-te, em anexo, as fotos que extraí do filme.
Em relação à operação tenho um almoço na 3ª próxima, em que vou mostrar o filme a alguns camaradas que prestam serviço numa das secções do Arquivo Histórico Militar e que me ajudarão a descobrir os pormenores. É possível, identificado o filme e a data em que foi realizado, obter uma cópia do relatório da operação.
Um abraço,
Nota de L.G. - O Virgínio já me tinha enviado, em tempos, essas imagens, ou algumas delas.
4. Nova mensagem do VB:
Luís: Podemos fazer um bom poste ou mais que um, com documentação oficial. Se eu conseguir saber a data, o canal de TV (ORTF?), o pessoal envolvido (tenho algumas dúvidas sobre a unidade). Depois não será difícil, segundo me dizem, sacar o relatório oficial da história. Já troquei algumas impressões sobre o filme com dois camaradas do Arquivo Histórico Militar.
O pessoal do Arquivo Histórico Militar, quero aproveitar para sublinhar, é inexcedível, sempre disponível, com um verdadeiro sentido do serviço público. Foi um deles que há anos me recordou que eu também tinha estado na Guiné...
Outra questão. O coronel [Carlos] Matos Gomes, na apresentação do Documentário da Diana/Flora (1), abeirou-se de mim, que me conhecia muito bem, que tinha sido meu camarada, mais novo, na Academia Militar, falou-me de instrutores que tivemos, afinal descobrimos conhecimentos comuns. E do blogue, não se cansou de dizer o excelente trabalho que tens feito. Pena foi eu não lhe ter pedido o contacto, porque pode ser muito útil para o blogue.
O processo do Baptista, o morto-vivo, está nas mãos do Paulo Santiago. Uma maravilha de gajo, este Paulo. Telefonou-me há dois dias, aflito, não conseguia descobrir para onde enviar o pedido da rectificação da caderneta do nosso homem. Lá consegui desenrascar a situação. Agora vamos aguardar.
Era uma boa ideia convidar o Baptista para a nossa próxima reunião.
Um abraço, Luís.
5. Entretanto, o nosso VB contacta a jornalista e cineasta Diana Andringa (27 de Outubro de 2007)
Assunto - As duas faces da Guerra
Cara Diana,
Espero que me perdoe este pedido de informação. No seu filme As duas faces da Guerra estão inseridas algumas imagens de um filme de uma operação militar, ao que penso de uma unidade de comandos do Exército Português, realizadas pela ORTF. Trata-se de uma emboscada feita pelo PAIGC de que resultaram duas mortes de militares portugueses, um deles de nome Capela, natural de Ponte de Lima.
O nosso blogue, depois de uma conversa com o Luís Graça, tem interesse em saber mais detalhes, nomeadamente logísticos, relacionados com essa operação militar. No seu filme é entrevistado o comandante da operação do lado português. Pode informar-me de quem se trata, do nome do militar, penso que capitão na altura, hoje tenente coronel ou coronel?
Grato pela ajuda que, eventualmente nos possa dar.
Cumprimentos,
V.Briote
6. Eis a solícita, pronta, amável e solidária resposta da Diana, no dia seguinte, 28 de Outubro de 2007:
vb: Tenho todo o gosto em lhe dar as informações de que disponho:
(i) Operação Ostra Amarga (dita operação Paris-Match) – 12 a 18 de Outubro de 1969.
(ii) Companhia Cavalaria 2487 [, pertencente ao BCAV 2862, Bula, 1969/70].
(iii) Por a companhia se encontrar sem capitão, foi comandada pelo então capitão e hoje coronel José Maria Campos Mendes Sentieiro, que acabara de chegar de outra missão quando foi mandado comandar essa operação, com uma companhia que não conhecia (era o comandante da CCAV 2485).
(iv) Os mortos foram António da Silva Capela, de Ponte de Lima, e Henrique Ferreira da Costa, da zona de Peniche.
(v) No nosso documentário falam, além do então capitão Sentieiro, um auxiliar de enfermeiro que assistiu aos feridos e foi louvado, Pedro Gomes, de Peniche (que, infelizmente, morreu alguns meses depois da filmagem), e um dos feridos, Leonel Martins, também de Peniche. Ambos eram, além de conterrâneos, amigos do Henrique Ferreira da Costa (que morreu).
Saudações,
Diana
7. Com base nestas pistas, foi possível ao VB chegar ao hoje coronel, na reforma, Sentieiro, que mora em Torres Novas, e obter informação adicional sobre a Op Ostra Amarga e as unidades que nela estiveram envolvidas, bem como sobre os bastidores da dita Op Paris Match… Essa informação detalhada constará de um próximo post.
Agora vamos rever o vídeo da ORTF. Publica-se a sinopse do filme, em francês, seguida de um resumo mais alargado feito por nós. Para aceder ao filme (em formato reduzido, e com uma duração de 13 minutos e 57 segundos), basta carregar no link. As imagens que aqui reproduzimos são fotogramas do filme, retiradas pelo VB da sua cópia pessoal.
Guerre en Guinée
(Carregar aqui para ver o filme; ler primeiro o ponto 8, a sinopse e descrição das cenas em português)
Point contrepoint
ORTF - 11/11/1969
Vídeo: 13' 57''
Guinée Portugaise / VA de la région / VA d'un bateau à quai / VA de la berge / grues / transportement des caisses / marin armé / deux noirs sur une petite embarcation / la rue / travelling latéral le long d'un grand immeuble à loggias / zoom arrière sur un bac / soldats armés / camions militaires / hélicoptère survolant une région à la frontière du Sénégal / soldats armés qui en descendent / ils partent dans un canot pneumatique et s'éloignent /
VA à bord de l'hélicoptère sur les berges de la rivière / BA de la forêt / soldats patrouillant dans la forêt / PA de soldats blancs et noirs qui patrouillent / colonne dans forêt lors de l'embuscade / soldats pris sous le feu / tir au lance grenades / images très assemblées / soldat touché / blessé à terre / cadavre sur le sol / GP sur le soldat blessé / GP de cadavres sur le sol / GP de soldats l'air écoeuré / après l'attaque / soldat aux visages tuméfiés / blessé allongé à qui on fait une transfusion / on essaie de la transporter / il a une jambe coupée / départ du blessé / râle du blessé / GP mort.
Quelques soldats autour du blessé / un soldat assis / GP d'un jeune soldat / un autre fume / GP d'un soldat qui traspire / soldat qui est mort / soldat autour d'un mort / hélicoptère dans le ciel / 2 soldats soutiennent un blessé / hélicoptère qui atterit en contre plongée / attérissage / on retire la civière / une infirmière descend / un monte un blessé sur une civière à l'intérieur de l'hélicoptère / un homme blessé à bras d'homme est hissé à bord / départ de l'hélicoptère / deux têtes de palmiers se détachent dans le ciel / soldat qui boit à la gourde / mise au point de l'officier, de ses hommes /.
Général A. Spinola commandant en chef de l'armée (portant monocle) / "défendre les institutions contre l'avenir du Sénégal et en Guinée" (retire ses monocles) / préoccupation constante des forces militaires / de ménager les populations... le pays profite surtout de l'appui des pays du Pacte de Varsovie.
8. Resumo de L.G. /V.B. > Tradução e adaptação
Guerra na Guiné
(Carregar aqui para ver o filme) (3)
Programa: Ponto Contraponto
Estação de TV: Organismo da Radiotelevisão Francesa
Data: 11 de Novembro de 1969
Duração do filme: 13m 57s
Guiné Portuguesa [apresentação: geografia, história, demografia… Território do tamanho da Bélgica… Meio milhão de habitantes, apenas 3 mil de origem portuguesa…].
Vista aérea da região /
Vista aérea dum barco no cais de Bissa /
Vista aérea da margem /
Gruas /
Estivadores [ Referência à greve dos marinheiros e estivadores do cais do Pindjiguiti em 1959, cuja repressão vai desencadear o início da luta contra o domínio português, segundo os testemunhos posteriores dos fundadores e dirigentes do PAIGC… Referência ao papel histórico de Amílcar Cabral, um homem de origem mestiça (sic), fundador do PAIGC, um partido marxista (sic)] /
Marinheiro armado /
Dois negros numa piroga /
A rua /
Travelling lateral ao longo de zona comercial de Bissau, de casas de arquitectura colonial
[Vinte cinco mil soldados portugueses controlam um terço do território e dois terços da população; o PAIGC controla outro terço do território; o resto está sob duplo controlo]
Zoom de uma barcaça [Bissau é um ilha… A 30 km, é o preciso tomar uma barcaça para penetrar no interior… Referência à travessia do Rio Mansoa, em João Landim, segundo se depreende] /
Soldados armados /
Camiões da tropa da caminho da barcaça.
Helicóptero que sobrevoa uma região de fronteira com o Senegal
[ Fuzileiros vão uma base do PAIGC onde não encontram ninguém… Referência ao constante patrulhamento de rios e braços de mar… Um zebra dos fuzileiros… Uma Lancha de fiscalização da Marinha de Guerra…].
Uma equipa de fuzileiros parte num barco pneumático e afasta-se /
Vista aérea do helicóptero sobre as margens do rio /
Vista aérea da floresta.
Soldados armados que descem do hel...
(Aqui começa a Op Ostra Amarga, envolvendo soldados de uma companhia de cavalaria, - e não de comandos, como nos pareceu inicialmente… A força é comandada pelo então Capitão de Cavalaria Sentieiro… A operação decorre na regia de Bula, segundo apurámos posteriormente).
Soldados deslocam-se na floresta /
Soldados, brancos e alguns negros /
(Ouvem-se os ruídos típicos da floresta… Já de dia, à 7 horas e um quarto, a testa da coluna na mata sofre um emboscada. É atingida por rockets…) /
Soldados debaixo de fogo.
Contra-resposta /
Tiro de lança-granadas das tropas portugueses [ que estão equipadas com LGFog 3.7, que eram originalmente só usadas pelas tropas especiais, pára-quedistas, comandos e fuzileiros...] /
Tiro de morteiro 60 /
Correria até à frente da coluna.
Soldado atingido /
Ferido no chão /
Corpos no chão /
(Há um morto imediato, o Henrique Costa, retalhado pela roquetada, enquanto o António Capela, de Ponta de Lima, sobreviverá apenas 45 m, morrendo na altura em que chega o heli) /
Grande Plano do soldado ferido /
Grande plano de cadáver no solo /
Grande plano de um soldado com ar abatido.
Depois do ataque… Soldados de rosto entumecido /
Ferido estendido no chão recebendo soro do maqueiro, de pé (segundo a Diana Andringa, deve ser o Pedro Gomes, soldado maqueiro ou 1º cabo auxiliar de enfermagem, natural de Peniche, e recentemente falecido) /
Tentam transportá-lo /
Tem uma perna partida /
Partida do ferido /
Estertor do ferido /
Grande plano do morto.
Alguns soldados à volta do ferido /
Um soldado sentado /
Grande plano de um jovem soldado /
Um outro que fuma /
Grande plano de um soldado que transpira /
Soldado que morreu /
Soldado à volta do morto /
Um crucifixo caído no capim, perto do morto (Costa?)
Helicóptero que surge no céu /
Dois soldados apoiam um ferido a caminho do helicóptero /
Helicóptero que aterra, em contre plongée /
Aterragem /
Retiram a maca /
Uma enfermeira-pára-quedista, de blusa branca e calças de camuflado, que sai.
Transporte dum ferido em maca para o interior do helicóptero /
Um homem ferido é levado para bordo, em braços/
Partida do helicóptero /
As copas de duas palmeiras destacam-se no céu /
Soldado que bebe água do cantil /
Enfoque da câmara no oficial (capitão Sentieiro ?), rodeado dos seus homens (os 2 Gr Comb da CCAV 2487).
Chega Spínola, (com o seu ajudante de campo, o então capitão Almeida Bruno, hoje general, que empunha a G-3, com luvas brancas…Está também acompanhado de um oficial superior, tenente coronel Morgado, comandante do Batalhão de Cavalaria 2868, com sede em Bula)…
Por fim, o General Spínola (comandante-chefe das forças portugesas, usa monóculo, diz o guião) dá uma entrevista à equipa da ORTF e possivelmente aos restantes jornalistas (que nunca aparecem no filme), defendendo a política ultramarina do Governo Português... e a sua actuação na Guiné)...
No essencial, diz o Com-Chefe português: A preocupação constante das forças militares é de proteger e apoiar as populações, contrariamente ao que diz a propaganda do PAIGC, o qual beneficia sobretudo do apoio dos países do Pacto de Varsóvia e da China… (Discurso de circunstância ou de contrapropaganda…).
__________
Notas de L.G./V.B.:
(1) Vd. post de 20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)
(2) Vd. post de 16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)
(...) "A respota do INA veio-nos no dia 14 de Dezembro, autorizando-nos a inserir um link para o sítio francês, mas não a disponiblizar qualquer vídeo do INA no nosso blogue...
Cher monsieur Briote,
Nous vous remercions de l'intérêt que vous portez à nos archives, nous nous réjouissons que vous ayiez pu retrouver des documents qui vous tenaient à coeur.Vous pouvez bien entendu faire un lien (link) vers les documents qui vous intéressent depuis votre blog. En revanche, pour l'instant, vous ne pouvez pas proposer la vidéo directement sur votre blog.Pourriez-vous nous envoyer l'adresse de votre blog ? Merci encore pour vos encouragements.Cordialement,Nadine LaubacherIna.fr - responsable marketing et commercial (...)
(3) O visionamento do vídeo, em formato reduzido, no sítio do INA (que tem como subtítulo Archives pour tous, Arquivos para todos...) é gratuito mas é antecedido de um irritante anúncio publicitário... Se alguém quiser, pode comprar os vídeos sobre a Guiné: este por exemplo custa 3 euros...
É preciso ter paciência, amigos e camaradas da Guiné... Não há almoços grátis, estão-nos sempre a dizer os economistas da praça, que é para ver se a gente deixa de comer à borla... ou mesmo até se perde o apetite e deixa definitivamente de comer!... Mas é assim, são as leis do mercado... Humor à parte, o nosso blogue procura respeitar e fazer respeitar os direitos da propriedade intelectual...
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
Guiné 63/74 - P2248: Blogpoesia (6): África Raiz, de Fernanda de Castro
Desenhos originais de Eleutério Sanches. Capa de Inês Guerreiro
Tipografia A. Cândido Guerreiro, (Herdeiros) Lda.,
em Setúbal, Rua Serpa Pinto, 20 e 22, Portugal
Dezembro de 1966
ÁFRICA RAIZ (**)
no teu corpo rugem feras,
uivam fomes e medos ancestrais,
no teu sangue há marés,
na tua pele há dardos e punhais.
Ventre de Continentes,
és mater e matriz.
Ásia é semente, Europa é flor,
outros serão essência ou tronco,
tu, África, és raiz.
Dos teus flancos de fêmea fecundada,
nascem florestas, rios e montanhas.
Florestas venenosas de gigantes,
de monstros, de ciclopes vegetais,
de fungos, de landólfias e de orquídeas,
onde pastam manadas de elefantes,
onde flores carnívoras,
sob um céu baixo, de invisiveis brasas,
sugam antenas e digerem asas.
Fios de água, que vertes das entranhas
e te rasgam a pele
como pontas de lança,
como lâminas de aço,
prendendo, laço a laço,
matas, capim, tarrafe, canaviais.
furiosos caudais
saltando precipícios,
arrastando pirogas, crocodilos,
abrindo a golpes de água
os leitos abissais
dos Zambezes, dos Congos e dos Nilos.
Montanhas como dorsos de mamute,
gargantas de titans, abismos de neblina,
e na crosta rugosa a lepra das florestas,
as pegadas do vento,
as aves de rapina.
Presença subterrânea
de lavas e de chamas,
de vulcões em potência,
ressonância, rumores
dos rios interiores,
promessas de esmeraldas, de rubis,
de metais raros,
Kilimanjaros
nos roxos da distância.
é metal em fusão sobre as bolanhas.
Pilam arroz e milho, nas tabancas,
as mulheres Mancanhas.
com fieiras de contas e missangas,
rebolam-se no chão,
trincam nozes de coco, chupam mangas.
os zumbidos, as moscas, o calor,
mergulham a tabanca
num cálido torpor.
Não há relógios. O que marca o Tempo,
não é o Sol, não é a Lua, a Estrela,
mas a esteira, o tambor, o arroz, a rede,
o sono, o amor, a fome, a sede.
costumava dizer
a Dembo, seu herdeiro,
filho primeiro
de sua irmã Fulata:
- Que mais hás-de querer, ó Dembo,
se tiveres
vacas, arroz, mulheres,
aguardente de cana,
chabéu, mancarra, milho,
e cada ano um filho?
ao chefe branco seu amigo,
com felina ironia:
- Negro é assim, coitado...
E sorria
com seus dentes limados,
aguçados,
de velho canibal,
que tem, só para ele, cem mulheres,
pra ele, Joaquim de Có,
enquanto o chefe branco tem só uma,uma só.
em torno dos mais velhos,
dos que sabem contar coisas remotas
dos tempos esquecidos,
os mais novos escutam
com os cinco sentidos:
Dia que Deus fez mundo,
fez dois homens igual.
Deu a eles embrulho,
dois embrulhos igual,
e disse: não abrir,
se não eu castigar.
Um deles abriu,
pensou: Deus não vem cá.
Deus foi e castigou.
Ao outro deu caneta,
a ele deu enxada;
depois fez ele preto,
e ele pôs-se a chorar.
Veio então diabo,
sem ninguém chamar,
pôs-lhe mão na cabeça,
fez-lhe festa, festinha,
e o cabelo zangou
Guiné 63/74 - P2247: Como a 2ª REP/CTIG via os acontecimentos em 1967 (III): Período de 1964 a 1967
Fixação do texto: vb
__________
CTIG > 2ª Rep > Uma síntese cronológica dos movimentos independentistas da Guiné (1967) (continuação)
1964
Em Janeiro agrava-se a situação no Sector de Bissau verificando-se a fuga, de Bissau, de elementos do PAIGC considerados recuperados, e a apreensão de material na região de Nhacra.
Por outro lado, o IN começou a desenvolver actividade no sector Oeste (Umpabá) com vista ao alastramento da subversão à área dos Manjacos.
Guiné > Cassacá > 1964. Encerramento do Congresso do PAIGC.
Foto do Arquivo Amílcar Cabral. À Fundação Mário Soares, os nossos agradecimentos e a devida vénia.
Em Fevereiro, realiza-se em Cassacá (Quitafine) uma reunião de quadros do PAIGC onde são tratados problemas de ordem militar, política, administrativa e social tendo merecido atenção especial o problema do analfabetismo.
O IN aumenta a sua actividade nos Sectores Oeste e Sul havendo a assinalar a utilização, pela primeira vez, de morteiro 82 m/m (na Ilha do Como e em Buba).
Em Março, exerce um grande esforço no aliciamento das populações da área de Bula e Geba. É referenciada pela primeira vez o emprego de Metralhadora Pesada 12,7 m/m (Cabedú e Campeane).
Em Abril, com o fim de isolar a região de Bafatá, há uma tentativa de alastramento da subversão para Leste (regulado de Sancorlá), a partir do Sector Oeste, o que provocou a fuga da população. Por outro lado são desencadeadas as primeiras acções a Norte do Rio Cacheu.
Em Julho, é levada a cabo a primeira acção de fogo na região dos Manjacos (estrada Jolmete-Pelundo).
[… Parte do texto ilegível]
1965
(…)
Em Julho, um grupo de elementos do PAIGC começou a actuar na área de S. Domingos, onde do antecedente, apenas havia acções da FLING.
Em Novembro, tornou a revelar-se na Ilha de Bissau, desta vez com um assalto a uma casa comercial e o assassínio de um Chefe de tabanca, Alferes de 2ª linha, colaborador das NT.
Paralelamente, teve particular interesse o facto de elementos IN lançarem um engenho explosivo entre a população que assistia a um batuque na tabanca de Morocunda, em Farim, causando 19 mortos e 70 feridos entre a população civil. Este acto levou à detecção de uma importante rede terrorista.
Em Dezembro, destaca-se um grande número de acções contra os aquartelamentos, com sistemático emprego de morteiros e elevado consumo de munições.
Durante este ano foi assinalado o emprego de 242 engenhos explosivos, dos quais foram levantados 153.
1966
Em princípios deste ano, a FLING encontra-se dividida em duas facções: a chamada “FLING de salão”, apoiada pelo Governo Senegalês, e a “FLING combatente”, sem esse apoio, enquadrando a maioria dos militantes e tendo como Secretário-Geral François Mendy.
Em Janeiro, o IN leva a efeito a primeira acção na região de Bassi (Sector Leste).
Em meados deste ano verifica-se um recrudescimento de acções em todos os Sectores, a maioria visando as populações.
De salientar a execução da primeira emboscada na estrada Bissau-Mansoa.
Em Julho é referenciado o emprego, pela primeira vez, de Canhões s/r 8,2 (Beli).
Mais tarde, em Novembro, é referenciado o uso de Canhões s/r 7,5 (Canquelifá).
Em Agosto, é reportada a presença de mercenários cubanos entre os grupos.
Em data que não se pode precisar, François Mendy é expulso da FLING, sendo a chefia do Movimento entregue a Benjamim Pinto Bull (na foto, à esquerda), que dissolvera o seu UNGP e, entretanto, já havia aderido à FLING na qualidade de Secretário da Informação e Imprensa.
Uma das suas primeiras preocupações foi a criação do Serviço de Assistência aos Refugiados da Guiné-Bissau (SARG).
Em Dezembro são interceptadas grande número de comunicações rádio, a maioria em língua espanhola, confirmando-se assim a utilização pelo IN de meios rádio para controlar os movimentos das nossas tropas.
Durante este ano, o “Ano da Informação”, o PAIGC realizou mais dois filmes de propaganda Labanta Negro e Nossa Terra, que foram projectados em vários países.
Neste ano, foi assinalado o emprego de 359 engenhos explosivos, dos quais 242 foram levantados.
1967
No início deste ano, o IN revelou-se da seguinte forma:
(i) Sector de Bissau: prosseguiu o trabalho de aliciamento das populações tanto em Bissau como nas zonas rurais.
(ii) Sector Oeste: mantém-se em Bases ao longo da fronteira com o Senegal, com efectivos retirados do Oio. Alastrou a actividade de guerrilha à região de Teixeira Pinto.
(iii) Sector Leste: concentrou elevados efectivos ao longo da fronteira com o Senegal. ontinuou a actuar com persistência contra os aquartelamentos das NT no Boé. Manteve o controlo de toda a área do Xime e Porto Gole.
(iv) Sector Sul: Manteve o controlo de todo o sector com a excepção das regiões do Forreá, Ilha de Bolama e Arquipélago dos Bijagós.
Utilizou grande número de engenhos explosivos.
Entretanto os laços entre a Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN) e o PAIGC são concretizados através da propaganda panfletária e de emissões radiodifundidas pela “Voz da Liberdade” (Argel).
Em Junho é referenciado um movimento de revolta no seio do PAIGC que culminou com uma tentativa de assassinato de Amílcar Cabral. Os chefes dissidentes pretenderam substituí-lo por um “preto da Guiné”. Parte deles teriam sido executados.
Em Julho, no decurso de uma reunião efectuada em Dacar, um certo número de antigos militantes expulsos do PAIGC e da FLING anunciou a criação de um movimento progressista da FLING “FLING progressista”, chefiado por Pablo Gomes Diaz que se proclama pró-cubano e pró-chinês.
No receio de ver prosperar esta organização, Benjamim Pinto Bull, já na qualidade de Secretário-Geral da FLING, intensificou as diligências junto dos países membros da OUA com o fim de obter o reconhecimento oficial da sua organização.
Por esta altura é referida a existência de um novo movimento, Juventude do Movimento dos Resistentes da Guiné-Bissau (JMRGB) de que se desconhecem os objectivos políticos e filiações.
Em Julho, a Rádio “Libertação”, emissora do PAIGC, transmitiu o seu primeiro programa e a partir de 27 Agosto passa a difundir os “Comunicados de Guerra” do PAIGC.
Em Outubro, delegados do PAIGC foram ouvidos num dos Comités da ONU.
Durante este ano, foi assinalado o emprego de 314 engenhos explosivos, dos quais 220 foram levantados.
__________
Nota do co-editor vb:
(1) Vd. posts de:
5 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2243: Como a 2ª REP/CTIG via os acontecimentos em 1967 (II): Período de 1961 a 1963
4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2240: Como a 2ª REP/CTIG via os acontecimentos em 1967 (I): Período de 1947 a 1960
22 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXV: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - I Parte
25 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - II Parte
26 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLXXXVIII: Simbologia de Pindjiguiti na óptica libertária da Guiné-Bissau (Leopoldo Amado) - III (e última) Parte
Guiné 63/74 - P2246: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (13): O batuqueiro de Contabane e o livro do PAIGC
Foto: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados
Capa do manual escolar do PAIGC O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia) (1)
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72):
Boa Noite, Luís:
Era minha intenção contar, numa futura memória (2), como me veio parar às mãos o livro da 2ª classe [do PAIGC]. Atendendo aos posts publicados, julgo oportuno divulgá-lo neste momento.
Uma noite, em Contabane, quase no fim da comissão, e após uma tarde de batuque, o batuqueiro veio ter comigo, chamou-me para o meio do Reordenamento, retirando de junto dos tambores o referido livro e um cinturão,usado pelos guerrilheiros, tendo-me oferecido os dois.
No dia seguinte já não o encontrei, tinha seguido, ainda cedo, para uma outra tabanca qualquer. Não o voltei a ver. Não sei, até hoje, qual o motivo da oferta do livro e do cinturão.
Conhecia o referido batuqueiro há muito tempo, era frequente passar, periodicamente, pela zona do Saltinho.
Abraço
P. Santiago
2. Comentário de L.G.:
Obrigado, Paulo, por me teres contado a história do livro, conforme o meu pedido... Não há gestos inocentes ou neutros ou inteiramente desinteressados: o teu amigo batuqueiro deveria ser um simpatizante ou até um militante do PAIGC... Andando de aldeia em aldeia, como os dgilas, até podia ser um agente duplo, fazendo simultaneamente o jogo da PIDE/DGS e do PAIGC... Qualquer das duas hipóteses é verosímil...
De qualquer modo, ele sabia que tu ias valorizar este ronco... Incapaz de compreender o que dizia o livro, como a imensa maioria dos guineenses - a começar pelos teus e os meus soldados, que eram soldados de 2ª classe, porque justamente não sabiam ler nem escrever o português -, o teu batuqueiro achou que era uma honra, para ele, oferecer um objecto fétiche como este ao alfero, comandante do reordenamento de Contabane... Repara que é um belo manual, com desenhoa cores, muitas letras, e no fim uma fotografia, a cores, do Amílcar Cabral, que muitos guineenses, simpatizantes e militantes do PAIGC, nunca terão visto ao vivo... Admitamos até que o teu batuqueiro foi apenas um correio, encarregue de te levar a encomenda... Se assim foi, a mensagem do remetente só podia ter uma leitura:
- Tuga, a razão não está na força das tuas armas, mas na justeza da nossa luta...
A verdade é que a encomenda ficou em boas mãos e, trinta e cinco anos depois, aqui está uma bela estória, que já contaste aos teus filhos e que agora transmites aos teus velhos camaradas de Guiné... Obrigado, amigalhão.
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Notas dos editores:
(1) Vd. post de 27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2221: PAIGC: O Nosso Livro da 2ª Classe (1): Bandêra di Strela Negro (Luís Graça / Paulo Santiago)
(2) Vd. post de 23 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2064: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (12): Evocando todos os militares do 53
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Guiné 63/74 - P2245: Cancioneiro de Cuntima (Vitor Silva, CART 3331, 1970/72)
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Documento do Comandante Militar do CTIG, datada de 25 de NOvembro de 1972, atestando "o seu apreço ao 1º Cabo Vitor Manuel C. B. e Silva pelos serviços prestados à Pátria na Província da Guiné".
Guiné > Zona Leste > Cuntima > CART 3331 (1970/72) > Cópia da capa da história da unidade, Os Tigres de Cuntima.
Cópia de documento do poema de uma presumível canção, Soldado. Desconhece-se o autor, possivelmente um anónimo da CART 3331 (Cuntima, 1970/72).
Fotos: Vitor Silva (2007). Direitos reservados.
1. Em 7 de Maio último recebemos uma lacónica mensagem do Vitor Silva, ex-1º Cabo da CART 3331, Cuntima, 1970/72, acompanhada de vinte e tal fotos, sem legenda.
Assunto - Imagens de Cuntima-Guiné
Junto anexo imagens de Cuntima, referentes à minha comissão de serviço 1970/72.
Um abraço.
Vitor Silva
2. Letra da canção Soldado:
Partiu num qualquer navio,
Numa leva de soldados,
Ia calado e sombrio
Entre prantos desolados.
Sabia o itinerário
E o rumo antecipado,
Mas ignorava o fadário
Que lhe estava reservado.
Desembarcou na Guiné,
Em manhã enevoada,
E sentiu ao pôr do pé
Naquela terra molhada,
Que o destino o lançava
Rumo ao desconhecido,
Sem uma ideia formada,
Numa guerra sem sentido.
Fioi destacado p’ró mato,
Lá p’ra terra de Cuntima,
Tinha a fronteira a um passo
E os guerrilheiros em cima.
Sofreu ataques cerrados,
Abafou medo em trincheira,
Sentiu os dias contados,
Viu a hora derradeira.
Fez desumanas picadas,
Padeceu de sede e fome,
Viu cair em emboscadas
Camaradas de uniforme.
Chupou água na bolanha,
Rebolou-se em pó ardente,
Deixou sangue em terra estranha,
Veio-se embora doente!
E depois de tal fadário
Deram-lhe o golpe final:
- Chamaram-lhe mercenário,
Soldado colonial.
Versos enviados pelo Vitor Silva
Revisão de texto: L.G.
3. Os editores do blogue saudam o Vitor, mas querem saber mais sobre ele e a sua unidade. Para já, e com atraso de alguns meses, publicamos algumas das fotos relativas ao nosso camarada, novo membro da nossa tertúlia, e à sua companhia, incluindo a digitalização de uns versos, sob o título Soldado, que presumimos fazer parte do Cancioneiro de Cuntima...
Esperamos que ele nos leia e esclareça algumas das nossas dúvidas. Os editores.
PS - Encontrámos a seguinte mensagem do Vitor Silva, com data de 8 de Maio de 2007, no Livro de Visitas do Sapo da página do nosso camarada Domingo Pereira Monteiro, ex-Alf Mil da CCAÇ 1496, BCAÇ 1876, 1966/67:
Fui enviado para a Guiné, a bordo do UÍGE, integrado na Companhia de Artilharia 3331 em 14 de Dezembro de 1970. Fomos destacados para CUNTIMA onde permanecemos até ao dia 25 de Novembro de 1972.
O dia a dia não terá sido muito diferente de outras localidades. A Guiné era quase tudo mato ! De dia, saída para o mato, picagens para os reabastecimentos até FARIM, e à noite junto às valas à espera do fogo de artifício que costumava vir dos lados do SENEGAL. A minha companhia ficou conhecida por TIGRES DE CUNTIMA. Um abraço.
Guiné 63/74 - P2244: Cusa di nos terra (12): Ainda vi burros em Bafatá (Beja Santos)
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Paisagem, pintura de Augusto Trigo (n. 1938). Em exposição no hall de um banco, em Bissau, o BCAO. Com a devida vénia ao pintor (que vive actualmente em Portugal), ao Rui Fernandes (autor da foto) e à AD (que detém os direitos da imagem no seu site Guiné-Bissau) (2).
Guiné > Região do Oio > Bissorã > 1965 > CART 703 > NO Oio também havia burros, como se comprova nesta foto com o João Parreira, um cavaleiro à maneira, embora ele fosse de artilharia e tivesse mais tarde trocada a sua dama pelos comandos (3)..
Foto: © João S. Parreira (2007). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Ingoré > 1998 > Esta foto, com a Zélia Neno, ex-companheira do Xico Allen, chegou-nos por mão do Albano Costa, com a seguinte legenda: “Esta foto vale pela imagem, e os brancos em África converteram-se? Não é que ficaram a ver a Zélia [Neno] a puxar o burro, mulher de armas!" (4) ...
Foto: © Albano Costa / Zélia Neno (2006). Todos os direitos reservados
1. Mensagem do Beja Santos, com data de 11 de Outubro:
Ainda vi burros em Bafatá e arredores. Mas o régulo [do Cuor,] Malã, como seu pai, Infali, deslocavam-se pelo regulado a trote de burro. Malã contou-me que precisava de 8 a 9 horas para percorrer as picadas de Sansão e Missirá até Sinchã Corubal e Madina (5).
2. Comentário de L.G.:
Mário: A provar alguma coisa, estas fotos mostram-nos que também eles, os burros, parecem querer resistir à extinção em África, em geral, e na actual República da Guiné-Bissau, em particular...
Na Guiné sempre houve burros, pelo menos desde os anos 30, a avlaiar peloa foto do livro do médico João Barreto... Onde há comerciantes, gilas, havia burros...
Se a memória me não falha, o único burro (fora os humanos) que vi na Guiné foi a caminho de Madina/Belel (6), a 31 de Março de 1970: estava num estado lamentável, morto por abelhas selvagens e em vias de decomposição, já coberto de formigas... Deveria pertencer aos teus amigos de Madina... Mas tudo indicava que o PAIGC e a respectiva população - nomeadamente ao longo do corredor do Óio - também usavam os bons serviços do burro, no transporte de armas, mantimentos e outras mercadorias... Enquanto nós aturávamos as nossas bestas!
E já agora, sobre o pobre do burro encontrei os seguintes provérbios crioulo-guineenses:
Buru tudu karga ki karga si ka sutadu i ka ta janti (O burro, com pouca ou muita carga, se não é açoitado não anda);
Karna di buru ta kumedu na tenpu di coba, di fugalgu na tenpu di seku (= carne de burro se come na estação, a de animal nobre na seca);
Praga di buru ka ta subi na seu ou Praga a di buru ka ta ciga na seu (Praga de burro não sobe ao céu).
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Notas dos editores:
(1) Vd. post de 5 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2241: Álbum das Glórias (32): Um livro comprado em Bissau, no alfarrabista, de João Barreto, médico de saúde pública (Beja Santos)
(2) Vd. posts de:
14 de Outubro de 2007Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama
25 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 – P2213: Dando a mão à palmatória (2): Rui Fernandes, o fotógrafo do pintor Augusto Trigo (Virgínio Briote)
(3) Vd. post de 12 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1584: Um choro no mato e as (des)venturas de um futuro comando em Bissorã (João Parreira)
(4) Vd. posts de:
1 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCVI: A viagem do Xico e da Zélia em 1998 (Zélia)
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1106: A ubiquidade dos nossos mortos (Zélia)
(5) Vd. post de 26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2218: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (7): Afundem a armada de Madina
(6) Vd. post de 27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças)