segunda-feira, 17 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6413: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (1): Populações controladas pelas NT e pelo PAIGC, ao tempo do BART 2917 (1970/72) (José Armando F. de Almeida / Luís Graça)




Excertos de: BART 2917: História da Unidade. Cap II. Páginas 11/12

 [Versão policopiada gentilmente ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72,  membro da nossa Tabanca Grande, foto à direita]

3. População

a. Generaliades:

São muito ténues as migrações que hoje se verificam no Sector L1 [, com sede em Bambadinca,] que sofreu sucessivas grandes invasões de povos vindos do interior: primeiro os Beafadas, depois os Mandingas no séc. XIV e posteriormente, já no Séc. XIX, os Fulas.

Senhores de um a cultura mais avançada, os Mandingas pacificamente habituam aos Beafadas aos seus costumes e religião (de tal forma que os dois grupos étnicos muitas vezes se identificam), e convertem,  no Sector L1, os seus vencedores Fulas ao seu islamismo, passando a influenciá-los profundamente através dos dignatários religiosos, ainda hoje quase todos eles Mandingas ou a estes subordinados (Confraria Cadiria).

Aliados, os Fulas, aos portugueses nas campanhas de “ocupação”, vêem, por influência das próprias autoridades administrativas, aumentar já no presente século [XX] o seu domínio sobre os restantes grupos étnicos como quasi exclusivos mandatários daquelas autoridades (Cipaios e intérpretes).

Com a ocupação efectiva do Sector L1 pela autoridade portuguesa, dão-se novas migrações, agora do litoral para interior: 

(i) os Papéis acompanhando as casas comerciais especialmente ligadas à navegação;

(ii) os Manjacos acompanhando a expansão da exploração do coconote (são ainda desta etnia a quasi totalidade dos que sobem às palmeiras no corte dos cachos de chabéu);

e (iii) os Balantas, mestiços de Beafada e Papel (?), atraídos pelas extensas e produtivas bolanhas dos Rios Geba e Corubal que ocupam, praticando a cultura alagada do arroz em que são exímios.

Parece também, ser posterior àquelas campanhas a dessiminação dos (iv) Caboverdianos, especialmente ligados, neste sector, ao funcionalismo (veterinária, agricultura, correios, casa Gouveia, etc.).

A actual guerrilha deu origem a novas migrações na área:

(i) o rico regulado do Cuor – praticamente Mandinga - despovoou-se, quase completamente; 

(ii) diminuiu a ocupação dos Regulados do Corubal e do Xime, passando grande parte das suas áreas e populações ao conrtolo IN;

(iii) o Regulado de Badora – ilha de paz na conturbada Guiné - vê aumentar a sua população especialmente com Balantas e Mandingas deslocados do Regulado do Xime e do Cuor, e Fulas vindos do Regulado do Corubal, Gabu e outros onde o IN campeia.

b. Grupos étnicos
 
(1) Na zona controlada pelas NT [Vd. Quadro 3.1,  acima].
 
Verifica-se que predomimam os Fulas nos Regulados do Xime, Corubal e Badora, os Mandingas no Regulado do Cuor e os Balantas no Regulado do Enxalé; estes últimos estão no Regulado de Badora localizados  nos grandes núcleos de Nhabijões, Mero e Santa Helena.
 
Quanto à ocupação branca, ela é muito pequena assim como a caboverdianna, limitando-se quase só a comerciantes e funcionários.
 
(2) Zona controlado pelo IN

Todos os dados de que se dispõe são estimados e as notícias contraditórias. Podem,os contudo, sem grande margem de erro, avaliar em cerca de 5400 pessoas, na sua maioria de etnia Balanta, Beafada  ou Mandinga, a população controlado pelo IN no Sector L1  dividida pelos seguintes núcleos:
- A NW do Sector, espalhada pelso reguados do Enxalé e do Cuor - 1900 pessoas.
- No Regulado do Xime, ao longo do Rio Corubal, e a sul da Ponta do Inglês - 2000 pessoas.
- No Regulado do Corubal, ao lonmgo detse rio e para jusante da foz do rio Pulom - 1500 pessoas.

(Continua)

[ Revisão / fixação de texto  / quadro: L.G.]



Guiné 1969/71 > Croquis do Sector L1 / Zona Leste (Bambadinca) (vd. Sinais e legendas). O Sector L1 era basicamente constituído por 5 regulados: Enxalé e Cuor, a norte do Rio Geba; Xime, Corubal  e Badora, a leste do Rio Corubal. No regulado de Bissari, não havia população controlada pelas NT.

Em 1970/72, o BART 2917 estava sedeado em Bambadinca, com três unidades de quadrícula em Xime e Enxalé (CART 2715), Mansambo (CART 2714) e Xitole e Ponte dos Fulas (CART 2716).


Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971
Infogravura: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.

Guiné 63/74 - P6412: José Corceiro na CCAÇ 5 (11): Boas recordações de militares da CCAÇ 5, Canjadude - O Tripa


1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 11 de Maio de 2010:

Amigos Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
Grato pela atenção, que possa ser dada à recordação dum militar da CCAÇ. 5, que era Nativo, O “Tripa”.

Um abraço
José Corceiro



José Corceiro na CCAÇ 5 (11)

BOAS RECORDAÇÕES DE MILITARES DA CCAÇ 5, CANJADUDE


Há de facto memórias que povoam o nosso consciente adormecido, que ao serem estimuladas, desencadeiam nas nossas lembranças, processos de regressão às nossas vivências na Guiné, e nos trazem à mente acontecimentos que recordamos carinhosamente com saudade, (sentimentos de afectividade) ainda que com dubiedade… pois no mesmo local também foram vividos momentos angustiantes e com legítima revolta.

Quando cheguei à CCAÇ 5, Canjadude, (rendição individual, Companhia de Nativos) o dia 13 de Junho de 1969, ganhei logo a estima, (quase que poderei dizer que houve empatia mutua), de um militar nativo, que sem me conhecer, se dirige a mim respeitosamente, mas com galhofice, mais ou menos nos seguintes termos:

- Bu tchiga na és Canjadude cá eh periquito bu sibi dirito salta nha mi ombro (acabas de chegar a Canjadude, ainda és periquito, salta no meu ombro).

Foi mais ou menos isto que disse, mas ao confrontar-se com a minha expressão facial a denotar ignorância, perante tal monólogo e estranhar a minha reacção de acanhamento e silêncio, rematou logo de seguida:

- Nosso Cabo, apresenta-se o teu “Alferum Tripa” um soldado às tuas ordens!

Entabulámos diálogo e constato, logo ali, que o “Tripa”, como ele dizia ser o seu nome, falava razoavelmente bem português e gostava de cerveja e particularmente de vinho. Sabia o seu nome verdadeiro, que já não me lembro, pois todos o chamávamos por “Alferum Tripa”e em idade devia estar próximo dos 27, 28 anos.

FOTO 1 > Corceiro e o “Tripa”. Quando cheguei a Canjadude, na parada, são visíveis atrás de nós duas “Tabancas”, sendo uma armazém de material e a outra o posto clínico, posteriormente desapareceram.

O “Tripa”, era único, distinto de todos os militares Nativos da CCAÇ 5, com o seu comportamento e características, “sui generis”. Tinha uma postura singular perante as adversidades da vida, que não é muito comum no ser humano, assim como era ímpar a conduta de comunhão social, que ele cultivava com todos os militares, quer com os Nativos, quer com os Metropolitanos, com os quais ele preferia relacionar-se e no seio dos quais era estimado. Muitas vezes ficava-me a dúvida, se alguns militares Nativos o ignoravam e marginalizavam, afastando-o da sua convivência, ou se era ele que voluntariamente se excluía desses relacionamentos. Era um homem que aparentemente não manifestava conflitos nem distúrbios psíquicos (parecia não haver exigências internas contrárias) e as desavenças interpessoais que surgiam do relacionamento com os elementos do meio circundante, sabia contorná-las com dose bem aferida de humor e, às vezes até com diplomacia.

O ”Tripa”, aparentava ter o dom e a bem-fadada sina, de estar sempre em paz com a vida que vivia, despreocupado, sem exigências, sempre alegre e a rir, ar brincalhão, disponível para socorrer o seu próximo, sempre interesseiro quando a migalha fosse alguma sorvedura de bebida alcoólica. Tinha sempre na ponta da língua, reposta enquadrada com humor, hilaridade e correcção, para dar troco às questões de controvérsia com as quais era confrontado, no dia-a-dia, sem nunca distinguir cor de pele, divisa ou galão, a todos respondia com descontracção, a mesma espontaneidade e contenção, sendo parcimonioso quando o momento o aconselhava. Era de etnia Papel, vivia sem família nenhuma em Canjadude, embora dissesse que tinha mulheres e filhos.

Conforme a circunstância, por vezes arranchava-se no Aquartelamento, outras vezes não, agia segundo as conveniências do momento e, qualquer toca ou terreiro eram para ele um palácio.

FOTO 2 > Fui dar com o “Tripa” a cozinhar em Nova Lamego, à sombra do”Poidão”. Um “Chalé” de cinco estrelas, visto ser um lugar sagrado dos Nativos.

Não tinha a mínima réstia de complexo devido à cor da sua pele, mais lhe servindo a mesma, para fazer humor e chacota. Segundo dizia, trabalhou desde criança até ingressar no Exército, como estivador no Porto de Bissau onde se instruiu e tirou o curso da escola da vida, a carregar e descarregar barcos. Não sabia ler, e tinha uma imaginação fértil.

FOTO 3 > O Costa, Operador Cripto, que ao terminar a comissão ficou a viver em Nova Lamego, a escrever uma carta do “Tripa”.

Logo nos meus primeiros dias de estadia em Canjadude, o “Tripa”, muito convicto, com um ar de ingenuidade, mas apresentando-se seguro que está a convencer o mundo inteiro, diz-me:

- Nosso cabo, (era assim que ele me tratava) quando eu nasci a minha pele era completamente branca, só ficou preta já eu tinha 18 anos. Eu tive um acidente de trabalho quando estava a ser construída a auto-estrada entre Lisboa e Vila Franca de Xira, eu era o responsável pelo aquecimento dos bidões de alcatrão, e num descuido meu, caí para dentro dum bidão cheio, ficando unicamente por cobrir de alcatrão, as plantas dos meus pés, essa a razão porque ainda hoje são brancas. Foi após este acaso na minha vida e, para melhor ambientar o meu corpo, que ficou com a pele que o cobre toda negra, que resolvi imigrar para a Guiné, onde me tenho dado muito bem.

Noutra altura, digo eu para o “Tripa”:

- Tu tens as mulheres em Bissau, não seria mais prático que elas estivessem aqui a viver contigo na Tabanca?

Resposta imediata dele, como se estivesse à espera da minha observação:

- Isso é que nunca, eu assim vou-me servindo com as mulheres de todos e ninguém vê, nem mesmo Alá, porque eu fico de costas. Quando o nosso cabo quiser bajuda, é só dizer…

Eu ainda o tentei convencer que ele estava vulnerável e exposto à mesma fragilidade, por não estar a dar assistência e companheirismo às esposas, como devia, mas ele argumentou que a água lavava tudo, só não limpava o alcatrão da pele dele, porque se tinha demorado a banhar-se após ter caído para o bidão.

FOTO 4 > Foto que tirei ao “Tripa” numa operação no mato.

Muitas vezes, em saídas para o mato, em que eu ia e por coincidência também saia o Grupo de Combate em que o “Tripa” estava integrado, ele disponibilizava-se para me levar algum material, para me aliviar o peso e, algumas vezes oferecia-se para me transportar no pescoço dele, para passar ribeiros duma margem para a outra, (na época das chuvas) pois ele tinha de altura mais de 1,80m, e era uma maneira de eu passar sem molhar os pés. O interesse dele por estes préstimos, era a esperança que eu lhe pagasse uma cerveja ou lhe desse o copo de vinho das refeições, que ele adorava e eu raramente bebia, porque o “vinho” eram mais poses do que água e, sempre que eu não trocava o vinho pela fruta a outro camarada (porque não havia fruta) ele lá estava às horas das refeições, para poder apanhar alguma gota de vinho, o que lá ia acontecendo, ou de um, ou de outro militar.

Há uma ocasião em que o “Tripa”, se prontificou a lançar-se numa aventura irreflectida e perigosa, só para beneficiar de mais uns copitos de vinho. A culpa para esta atitude irresponsável, não foi tanto só do “Tripa”, ele acima de tudo quis ser prestável. Após a chegada de uma operação do mato, ao conferir-se o material de Transmissões, verificou-se que faltava um emissor/receptor - AVP1 (Banana). O nosso amigo Nora, de Transmissões, que tinha saído na operação, quando chegou ao aquartelamento e se contabilizou o material que se usou, verificou-se que faltava um AVP1. Entretanto, o Nora, lembrou-se onde tinha deixado, por esquecimento o aparelho, a cerca de sete ou oito quilómetros de distância de Canjadude, para os lados do Cheche. Não se deu conhecimento do facto, a não ser a uns quatro ou cinco elementos da nossa Secção. Posto isto, alguém sugeriu que a solução do problema podia estar nas mãos do “Tripa”, visto que ele estava no momento e no local onde se deixou por esquecimento o aparelho.

Ao tentar um esclarecimento junto do “Tripa”, este disponibilizou-se de imediato para recuperar o aparelho e, insensatamente a sugestão dele foi aceite. Vai daí, o nosso amigo, camuflado de caçador incógnito, lançou-se, quase ao anoitecer, à aventura da reconquista do AVP1. A missão foi cumprida com alto grau de eficiência e, pouco mais passaram de três horas, após o início da aventura, já o “Tripa” dava sinais de satisfação, com o seu troféu de caça embandeirado e a reclamar o prémio da merecida recompensa.

Seja-me permitido que inclua neste artigo, com a devida vénia, uma passagem do “Poste 5987”, cujo artigo foi enviado pelo nosso amigo José Martins, em que o Sr. Coronel, Pacífico dos Reis, a determinada altura diz o seguinte:

“ Certa vez, [Em Canjadude] quando fazia a minha ronda nocturna senti um ruído, como que um gorgolejar, atrás de uma porta. Afastei-a e encontrei sentado no chão um militar africano bebericando uma cerveja. Não resisti e perguntei-lhe porque estava a beber sendo ele islamizado. Depois de se pôr em sentido, dum salto, a resposta veio célere: - “Meu capitão, Alá não me vê atrás da porta”.”

A personagem deste episódio foi o “Tripa”, que estava a beber uma cerveja no Refeitório das Praças e apercebeu-se, pelos orifícios da parede (esteira de bambu) que o Sr. Capitão se estava a dirigir para aquele local. O “Tripa” aproveitando a porta de ligação que existia entre o Refeitório e a Caserna, refugiou-se nesta, onde o Sr. Capitão o encontrou e questionou. Eu estava em Canjadude, na época do acontecimento.

FOTO 5 > O “Tripa” no refeitório, durante a noite, à espera da hora para o render das sentinelas. Vê-se atrás, a porta da caserna onde se refugiou e, o Sr. Capitão, Pacífico dos Reis, o apanhou a beber a cerveja.

O dia 27 de Outubro de 1969, houve coluna de reabastecimento a Nova Lamego, foi muito azarada, pois no regresso tiveram nove furos nos pneus das viaturas. O “Tripa”, que também ia na coluna, caiu duma viatura em andamento. Ficou muito mal tratado, pois fracturou três ou quatro costelas, sofreu escoriações por todo o corpo, contusões e edemas nos membros, e um ou outro ferimento mais profundo. Mesmo no estado lastimável em que se encontrava, todo empanado, não perdia a oportunidade e boa disposição e dizia, que se tinha acidentado, num momento menos feliz da sua vida, porque Alá fechou os olhos e ia adormecendo, de forma que não pôde ampará-lo e protegê-lo, na queda.

O “Tripa”, é um dos muitos militares Nativos que me despertam saudades, estou a enveredar esforços no sentido de o poder descobrir, caso ainda seja vivo, pois já localizei dois Gatos Pretos em Bissau e já tenho algumas fotos recentes de Canjadude.

Para todos um abraço
José Corceiro

Foto 6 > Dia 3 de Março de 1970, houve uma grande operação no mato, ficando pouco pessoal no Aquartelamento. Tive que fazer serviço durante a noite, para acompanhar a distribuição dos homens de sentinela, (homens das fotos) pelos postos de vigia. Da direita para a esquerda: Jorge, Saldanha, “Tripa”, Romano e (?).

Foto 7 > Da direita para a esquerda: “Tripa”, Saldanha, Romano e (?).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6320: José Corceiro na CCAÇ 5 (10): Dia de Fanado em Canjadude

Guiné 63/74 - P6411: Em busca de... (131): Fui à Festa da Flor em demanda do camarada Rui Alberto (António Tavares Oliveira)

1. Mensagem do nosso novo camarada António Manuel Tavares Oliveira, ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4615/73, Bassarel, 1973/74, com data de 11 de Maio de 2010:

Há passos que vale a pena dar.
Mais tarde ou mais cedo colhemos os frutos.


Fui à Madeira, à Festa da Flor, mais para aproveitar encontrar um camarada que esteve comigo na 3.ª CCAÇ/BCaç 4615, sediado em Bassarel, Teixeira Pinto.

Através do Núcleo do Funchal da Liga dos Combatentes e graças à simpatia, disponibilidade e entrega de ajuda do Tenente-Coronel Laureano, a quem estou muito grato, conseguimos descobrir o contacto do Rui Alberto Pereira Francisco. Mas todo o esforço depois efectuado em entrar à fala com ele, foi em vão. Não consegui que ele me abrisse a porta.

Está um pouco mal, vim saber.

No entanto, deixei um amigo a tentar obter dados e o obter informações. Tivemos aí sim sucesso. Conseguiu encontrá-lo e colocou-o a falar comigo, através de telemóvel.

Verificamos realmente que ele não está muito bem, mas mesmo assim esse amigo, conseguiu sacar-lhe o contacto doutro camarada de armas, o Barrigana, Carlos Gonçalves de seu nome, madeirense, com quem tenho mantido contactos.

Carlos Vinhal, peço que coloques esta descoberta na tua página e passes a palavra a toda a gente de Teixeira Pinto.

Anexo uma foto



Cumprimentos
António Tavares
Ex-Fur Mil Oliveira
antavol@hotmail.com
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5311: Tabanca Grande (189): António Manuel Tavares Oliveira, ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4615/73 (Os Pifas), Bassarel, 1973/74

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)

Guiné 63/74 - P6410: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (10): O saco do Zé Paz D'Almas

1. Mensagem de Torcato Mendonça, ex-Alf Mil AT Art da CART 2339, Mansambo, 1968/69, com data de 10 de Maio de 2010:

Caro Carlos Vinhal
Obrigado pela info do comentário da 2404.
Como é o teu tempo? Dilata?

Posso estar equivocado. Posso mesmo estar a ler mal. Posso o que quiseres... certo é que resolvi enviar um escrito diferente. Depois de guerras, depois de controversias (não da Série do Blogue), depois disto e daquilo, lembrei-me de algumas "coisas" que dizem.

Desopila, alivia o enjoo, pode ser mezinha e vai em anexo.
Tenho outro anexo. Não vai agora. Um dia segue como Estória de Mansambo que é. Facto a marcar-me para sempre e que escritos de Bolha ou mezinhas do Zé Paz d' Alma, coisa séria e acredita quem quer, não podem aliviar. Quanto mais curar.

Um abraço amigo do
Torcato


AO CORRER DA BOLHA - X

O SACO do ZÉ PAZ d’ALMAS


O Paulinho… Paulito… ou Paulocas. Não era este seu nome. Lá por casa e por alguns amigos, era assim chamado.

O padrinho, homem de posses e mau génio, tinha-o baptizado por Paulino. Nem mais, Paulino como o avô do padrinho. Homem velho, bigodes retorcidos, corrente de oiro na jaqueta, olhar a bater fundo e, ainda a custo, montador de alguma das incautas donzelas que, de quando em vez, para a família Paulino iam trabalhar nas artes domésticas.

Por mor disso acontecia, raramente agora, a interrupção do ciclo de alguma. Raios e coriscos se levantavam pela Maria, a olheira de tudo, velha que já fora donzela e tudo topava. A governanta-mor Maria, antes de o inchaço aparecer, falava de pronto com o avô do padrinho do Paulinho, Paulito ou Paulocas que, como o afilhado, se chamava Paulino.

- Patrão Paulino aquela moça coitada, a filha da Alzira lavadeira, parece que devia consultar o Dr. Leónidas.

- Trata disso e eu logo falo com ele. Respondia, enrolando as pontas da farta e já alva bigodaça, o velho.

Foi crescendo o Paulinho, Paulito ou Paulocas e era tratado como se fosse filho do padrinho, solteirão empedernido, com mulher de casa posta na vila, mais amante, contudo, das cartas e de festanças do que de donzelas.

Cresceu rápido o afilhado Paulino e nos estudos nada deu. Nada.

Um dia foi às sortes e passado um ano, nem tanto, abalou para um quartel.

Por lá andou aos saltos, cambalhotas e “desenfianços”. Só que quartel militar é diferente e foi apanhando “porradas” como diziam, em violação às regras ditas e impostas por oficiais e sargentos, mais estes que aqueles, com caras escanhoadas e marmóreas, modos bruscos e que berram de pronto. Até pareciam terem olhares na nuca.

Não estava, a isso, habituado o Paulino afilhado. Tanta levou que um dia se viu despachado para uma colónia, não penal mas de lugar, de lugar ou província que diziam ser o ultramar. Como era franzino ou fraco de aspecto, ficou logo na que mais perto se encontrava: - Guiné.

Tenta o padrinho a cunha, o pedido, a troca mesmo em paga a outro e nada. Nada livra o afilhado da ida até terras distantes.

Abalou num barco, o Paulino e uns centos de mancebos Tejo abaixo, com muitos lenços, deles e de quem em terra ficava, a abanarem despedidas e a lançarem desejos de regressos rápidos.

Lá se foi o Paulinho, Paulito ou Paulocas como a velha Maria ainda o tratava.

O avô do padrinho, para mais um desgosto deste, finou-se pouco depois. Não de desgosto. Não. Finou-se de esforço de “caça”, num final de quente tarde, a meio do Verão em pleno Agosto.

Por lá, pela Guiné, andava o Paulino, o soldado Paulino, esperto e desenfiado, mesada certa ida da Metrópole. Talvez isso tenha contribuído para mais uma ou duas “porradas” a cortarem vinda de férias. Fartou-se, definitivamente, daquela gente da tropa, daquele calor e mosqitagem de ferroada fácil.

Fartou-se daquilo tudo e tudo fazia para esquecer.

Um dia voltou. Finalmente.

Voltou diferente o Paulino. Mais magro, macilento, olhar afundado e ausente, sorriso apagado.

O velho Dr. Leónidas tentou tratá-lo mas desistiu.

- O tempo cura isto, sentenciou.

Não curou nada. Certas noites, levantava-se em sobressaltos e em muitos dias com toda a gente praguejava.

O padrinho aguentou, aguentou e um dia despachou-o para clínica recomendada. Passam uns tempos e as notícias eram ou pareciam ser boas. Diziam os clínicos: - O Paulino recupera bem. Estas eram as noticias que acompanhavam a conta mensal.

O padrinho e a Maria, já a andar de tripé e bengala, acreditavam.

A Antónia, já entrada na idade e substituta de Maria governanta-mor, não acreditava. Tanto assim que foi falar, em segredo claro, com o Zé Paz d’Almas. Agradeceu a visita e confiança nele depositada, benzeu, lançou água benta, fez rezas, mezinhas e disse:

- Aquilo acontece Tóina. Acontece. Tenho visto casos assim. Passa. Passa de certeza e eu vou tratar dele. Se não passar há a corda e o saco.

- A corda e o saco? Diz aflita, benzendo-se a Antónia.

- Sim mulher.

Se ele voltar a ter aflições, falar sozinho, pesadelos no sono, tens que o convencer a usar o saco.

A Antónia olha desconfiada, ouve com atenção o Zé Paz d’Almas e, antes de sair deixa-lhe um cesto com uns mimos.

Passa o tempo e volta a Antónia.

Conversa com Zé Paz d’Almas. Retorna a casa com o cesto, a corda, o saco benzido e todas as recomendações de convencimento do curandeiro.

Anos depois, não muitos, o Paulino, o Senhor Paulino, quando sente qualquer aflição, tormento ou contrariedade a virem, desce à cave, abre a porta, ao lado da porta da adega e agarra o saco.

Calmamente abre um pouco a boca do dito e mete lá a sua. Fala então, desabafa os tormentos e, diz a Antónia, por vezes até urra.

Rapidamente ata-o com a corda e volta a pendurá-lo.

Sai aliviado, sorridente mesmo.

Zé Paz d’Almas morreu recentemente e a Antónia está velha demais. Dizem.

Também parece haver muitos sacos e substitutos. Dizem.

Zés Paz d´Almas parece que não. Dizem.

Dizem cada uma… mas dizem.


NOTA: qualquer comparação, de alguém com o Paulino é pura maldade. Não sei dele. Não deve ter telemóvel e não sei onde vive.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6404: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (9): Páscoa de 1968

Guiné 63/74 - P6409: Notas de leitura (106): Bissau Em Chamas, de Alexandre Reis Rodrigues e Américo Silva Santos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
No estrito cumprimento do dever, li “Bissau em Chamas” num recanto de Maiorca, à espera de sol que chegou prazenteiro a anunciar o Verão.
Peço licença para voltar a importunar os tertulianos, preciso da ajuda de todos aqueles que têm bibliotecas onde constem autores que escreveram sobre a Guiné nos anos 80 e 90. Será que me podem dar notícias desses autores e desses títulos? A todos ficarei reconhecido, é público e notório que só pretendo proceder ao inventário que facilite a vida aos estudiosos de amanhã.

Um abraço do
Mário


Nota introdutória:

“Bissau em chamas”
tem a ver com uma dolorosa guerra civil que devastou a Guiné-Bissau, cindiu a sua classe política, deixou a população moralmente desfeita. O blogue não fica indiferente a todos os seus amigos guineenses, vivem na Guiné-Bissau tertulianos e muitíssimos leitores.

Trata-se de um relato da participação portuguesa nos acontecimentos, enumera as diligências diplomáticas e o auxílio prestado a todos os refugiados. O ex-presidente da República, Jorge Sampaio, enaltece o comportamento das forças militares e civis intervenientes e a capacidade da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa prestarem solidariedade nas horas sombrias da vida de um dos seus irmãos.


Bissau em chamas:
O golpe de Estado e a guerra civil na Guiné-Bissau em 1998


por Beja Santos

Em Junho de 1998, Portugal vivia momentos de grande euforia, sobretudo a Expo 98 provocara uma onda de entusiasmo e autoconfiança com a nossa capacidade de organizar um grande empreendimento. Logo a seguir às comemorações do 10 de Junho, alguns dos navios incluídos na parada em frente à Expo partiram para um pequena grande aventura: seguiram para a Guiné para resgatar todos os portugueses que viviam angustiados o tumulto de uma sanguinolenta guerra civil, desencadeada no dia 7 de Junho. Em complemento desta operação de resgate, nos canais diplomáticos, procurou-se promover a reconciliação das partes envolvidas em conflito. A história desta crise política, e a resposta portuguesa, política e militar, na sequência do golpe promovido por uma Junta Militar chefiada pelo brigadeiro Ansumane Mané é a razão de ser do livro “Bissau em Chamas”, por Alexandre Reis Rodrigues e Américo Silva Santos (Casa das Letras, 2007).

“Bissau em Chamas” relata a acção das Forças Armadas e da diplomacia portuguesa a várias vozes. É uma narrativa centrada na acção empreendida por Portugal, de colaboração com outros países que procuraram mediar o conflito. Tudo começou a 7 de Junho de 1998 e durou até 7 de Maio de 1999, dia em que Nino Vieira se recolheu à Embaixada de Portugal em Bissau e daqui seguiu para o exílio em Portugal.

O pretexto para o levantamento de Ansumane Mané foi a acusação pelo presidente Nino Vieira de incúria no controlo dos paióis de material de guerra do Exército guineense, o que teria permitido o desvio de material para o movimento independentista de Casamansa. Mas o pano de fundo desse pretexto passava por um descontentamento estrutural: agravamento das condições de vida, profunda crise económica, tensões internas nas Forças Armadas, atraso na organização das eleições legislativas, entre outras dificuldades. O PAIGC dava sinais de grandes divisões que se foram transferindo para o campo militar. Quando eclode o golpe de Estado, em escassas semanas, demarcaram-se os apoios aos partidários de Nino e aos da Junta Militar. Nino pediu ajuda internacional ao Senegal e à Guiné Conacri. Em Bissau, irão combater ao lado de Nino tropas senegalesas e conacri-guineenses e ao lado de Ansumane Mané Bissau-guineenses sublevados, as populações puseram-se em fuga, ninguém ignorava que o conflito estava para durar.

O embaixador português, Henriques da Silva, foi confrontado com o problema imediato com a protecção dos portugueses residentes na Guiné-Bissau. A partir da manhã do dia 7, a embaixada portuguesa foi se enchendo de refugiados. A obtenção de informações era vital para a protecção de todos que se refugiavam na embaixada, havia que retransmitir tais informações às autoridades portuguesas ao mais alto nível. Por último, havia que tentar negociar com as partes beligerantes a segurança das pessoas, incluindo os estrangeiros e procurar abrir canais para negociações entre as partes em conflito.

Felizmente, e relacionado com as comemorações do 10 de Junho, que a embaixada tinha encomendado mantimentos em quantidade apreciável. Como mais tarde escreveu Henriques da Silva, quem se refugiou na embaixada passou a comer “arroz com 10 de Junho” ou “massa com 10 de Junho”, tudo servido em pratos de cartão com dois croquetes, pastéis de bacalhau ou rissóis de camarão. O cargueiro “Ponta de Sagres” chegou no dia 11 de Junho e trouxe um alívio momentâneo a estes problemas, mesmo com o porto de Bissau bombardeado com mísseis katyushas e morteiros pesados. Ao longo de dois meses de conflito, com o contributo de navios nacionais e navios franceses, foram evacuadas 2450 pessoas.

O governo português accionou os mecanismos de solidariedade e consulta com a CPLP, em 27 de Junho iniciaram-se as tentativas de mediação, muitíssimo muito mal aceites pelo governo de Nino. De Julho para Agosto, o processo evoluiu, se bem que precariamente, e só com a Paz de Abuja, em 1 de Novembro de 1998 é que a Junta Militar obteve reconhecimento internacional. Nessa altura, Nino estava reduzido ao Bissauzinho e algumas ilhas dos Bijagós. O resto é bem conhecido: a Junta Militar venceu de armas na mão; as tropas da Guiné-Conacri e do Senegal tiveram um comportamento de inépcia e derrotismo inesperados; depois os dirigentes da Junta (Ansumane Mané, Veríssimo Seabra e Lamine Sanhá) foram assassinados; Kumba Ialá ascendeu ao poder e depois foi deposto, seguindo o retorno triunfal de Nino que viria a ser chacinado depois de abandonado pelo seu círculo de sicofantas e até pela sua guarda pessoal.

“Bissau em Chamas” relata as operações de resgate, colhe os depoimentos dos cooperantes que andaram transviados, o general Espírito Santo descreve a Operação Falcão no âmbito do Plano Crocodilo, múltiplos comportamentos briosos e anónimos são passados em revista, bem como a cobertura noticiosa através do olhar de alguns jornalistas. Igualmente a mediação diplomática é descrita ao pormenor até ao momento dos acordos que eram considerados indispensáveis para a reconciliação nacional. O prefácio é da responsabilidade de Jorge Sampaio.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6361: Notas de leitura (105): Guiné, Sempre!, de Piçarra Mourão (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6408: (Ex)citações (72): A dolce vita de Bambadinca: Os lagostins do Zé Maria, pescados pelo barqueiro do Enxalé em "zona vermelha"... (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1969 > Na tasca do Zé Maria, comendo lagostins do Rio Geba e bebendo umas bazucas... A dolce vita dos nharros de 1ª classe da CCAÇ 12 (ou tugas de 2ª classe, como a gente depreciativamente se classificava a nós próprios): na ocasião, o Alf Mil Cav Rodrigues (já falecido, há uns anos) e os furriéis milicianos Tony Levezinho e Humberto Reis, meus queridos amigos e membros desta Tabanca Grande. A chapa foi batida - salvo erro - por mim, membro assíduo desta tertúlia gastronómica.

O barqueiro do Enxalé, celebrizado por Spínola,  apanhava estes magníficos lagostins de rio, que depois o Zé Maria comprava e que a gente pagava a peso de ouro (50 pesos o quilo!)... O preço era justificado pelo risco...  (50 pesos era o equivalente a dois dias de alimentação de um militar na Guiné, ou uma noite no Pilão ou a uma garrafa de uísque novo...).

Lembras-te, Humberto Reis ? Lembras-te, Tony Levezinho ? Ao Alferes Rodrigues já não posso perguntar, por que já não está entre nós (Paz à sua alma!, fizemos operações conjuntas, foi também vítima - tal como eu e o Marques - da mina A/C em Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971).

E a propósito, o que será feito do tuga Zé Maria, que tinha fama (e se calhar proveito) de rezar a Deus (as NT) e ao Diabo (o PAIGC) ? Ainda estará vivo ?  Sei que era amigo do nosso alfero... que parava lá,  para o  último copo, antes de atacar a bolanha de Finete a caminho de Missirá (a partir de 19 de Outubro de 1970, trocara Fá Mandinga por Missirá...) (*).

O pobre do Zé Maria, que era tuga, tinha fama de ser turra... e fazia-nos pagar caro os lagostins, "pescados em zona de grande risco" (sic) ... entre o Enxalé e o Mato Cão, muito possivelmente pelo barqueiro do Enxalé que o Spínola, em visita ao Destacamento, em 19 de Dezembro de 1970, achava que "pescava em zona vermelha" , e que com isso o tornara famoso... (**).

Foto: © Humberto Reis (2006)

1. "Mas ainda melhor que as mulheres, é o vinho que faz esquecer as mulheres" (Luís Pacheco) ... E da água de Lisboa, camaradas ? Que me dizeis ? Muitos hectolitros de cerveja (bazuca), vinho verde (!), vinho a martelo, água do Poço do Bispo, surrapa, uísque escocês, uísque de Sacavém , cuba livre, água suja do imperialismo (coca-cola), a gente bebeu, do Cacheu ao Rio Grande Buba, passando pelo Geba e o Corubal !!!

 Parafraseando esse poeta maldito, Luís Pacheco (que nos deixou há uns tempos),  bem podíamos dizer que melhor que as bajudas, era a água de Lisboa que nos fazia esquecer as bajudas, todas as bajudas do mundo, as de Lisboa e as de Bafatá, Bolama, Barro, Bambadinca, Guileje, Bigene, Binta, Guidage, Xitole, Mansambo (não havia!!!), Candamã, Afiá, Satecuta, Xime, Fá, Missirá, Sare Gana, Geba, Banjara, Cantacunda, Contuboel, Olossato, Empada, Buba, Mampatá, Quebo, Cansissé, Canjadude, Cheche, Madina do Boé, e por aí fora...

Eu costumo lembrar aos filhos e aos meus amigos mais íntimos que fui para a Guiné com uma mala cheia de livros (à espera de umas férias tropicais!) e ao fim de seis meses havia dias que era capaz de beber uma garrafa de uísque por dia... com água de Perrier.  (Bom, agora que já me confessei, espero que o meu fígado me perdõe)...

Na Guiné, em Mansambo ou em Madina, o que fazia mal ao fígado fazia bem à alma... Não sei o que teria sido a guerra sem a nosso uisquinho com duas pedras de gelo e um bocado de Perrier... O nosso bendito Scotch... "For the Portugese Armed Forces from Scotland with love"... 

Ainda diziam que não tínhamos amigos e aliados! Todos nos ajudavam. Até o Zé Maria1 Até o barqueiro do Enxalé! Até os camaradas do PAIGC que deixavam o barqueiro apanhar lagostins  no Geba Estreito, antes da Foz do Corubal... e, claro, ao Zé Maria comprá-los ao barqueiro, cozê-los e servi-los, esplêndidos, vermelhos, bem temperados com um toque de jindungo q.b., na esplanada do seu bar com vista para o Rio...  Ah!, a dolce vita de Bambadinca!...   
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Notas de L.G.:

(*) Sobre o Zé Maria, há uma deliciosa estória cabraliana, que é obrigatório ler ou reler:

18 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)

(...) Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante.

Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar.

Claro, logo o Alferes, prometeu interceder.
- Como se chama o rapaz? Que colégio? E o nome dos Professores?

Apontadas as respostas, descansou-o. 
– Amanhã mesmo já escrevo para Lisboa. (...)


(**) Vd. poste de 15 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6396: O Spínola que eu conheci (21): Fiquei com óptima impressão do subalterno Comandante do Destacamento do Enxalé (Benjamim Durães / Jorge Cabral / Luís Graça)

domingo, 16 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6407: Álbum fotográfico de Daniel Matos - I

1. Começamos hoje a publicar o Álbum fotográfico do nosso camarada Daniel Matos* (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1971/74), autor do trabalho "Os Marados de Gadamael e os dias da Batalha de Guidaje".


Álbum fotográfico de Daniel Matos (1)

Foto 6 > 26 de Dezembro de 1971, o General António de Spínola passando revista ao 2.º Pelotão da CCaç 3518, no Cumeré.

Fotos 7, 7A, 7B, e 7C > No Posto Escolar Militar n.º 23 (PEM-23, Gadamael) frequentaram as aulas da instrução primária algumas dezenas de jovens alunos (também alguns adultos da população). Não era fácil dar aulas a muitos que não falavam português (nem em crioulo se exprimiam), mas registaram-se muitos casos de bom aproveitamento, concluindo a 4.ª classe.

Foto 8 > Imagem exterior do PEM n.º 23, Gadamael, que ficava ao lado da pista de aviação nova, junto à tabanca.

Foto 9 > Dois dos melhores soldados milícias que nos acompanharam em Gadamael. O da direita, Camisa Conté, viria a falecer em 1973 quando das batalhas de Guileje e Gadamael.

Foto 12 > O autor, junto às águas do Rio Sapo, afluente do Rio Cacine, que banhava Gadamael Porto.

Foto 12A > Iana Abú, mulher respeitada em Gadamael e que foi lavadeira de muitos de nós. Aqui, à porta da sua morança, acompanhada do filhote mais novo.

Foto 19 > Uma das muitas equipas de futebol que formámos ao longo da comissão. Esta representou a Companhia num torneio disputado em Bafatá, em Janeiro de 1974. Em cima (da esquerda para a diteita): 1.º Cabo Escriturário Alexandre Castro; Fur Mil Lopes Silva, Alf Mil José Cavaco, Fur Mil Enf.º Augusto Morais,
Fur Mil Ranger Hélder Calvão, 1.º Cabo Rodrigues, Fur Mil Hélder Novíssimo e o Fur Mil "treinador" António Guerreiro. Em baixo (pela mesma ordem): 1.º Cabo Américo, Fur Mil Daniel de Matos, Fur Mil Mec Auto José Alberto Durão, Alf Mil António Monteiro e Fur Mil TRMS Domingos Pinto.

Foto 23 > O autor, à entrada dos quartos de Sargentos em Gadamael; já quando lá chegámos se chamava "Cozinha Económica" ao edifício, e nós, com intensa actividade a condizer no átrio de entrada, soubemos conservar a tradição... O edifício seria completamente destruído nos primeiros dias de Junho de 1973.

Foto 26 > Jovens alunos hasteando a bandeira portuguesa.

(Continua)
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(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6371: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (17): Devolver os corpos às famílias e Bibliografia

Guiné 63/74 - P6406: CCAÇ 3477, Gringos de Guileje: Op Muralha Quimérica, 27 de Março a 8 de Abril de 1972 (Amaro Samúdio)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (1971/73) , Gringos de Guileje > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé chimpazé que ele comprou a um caçador local por 500 pesos...Na foto pode ler-se ainda a oração em verso: "Santo Cristo dos Milagres / Nesta capelinha oramos / Para sempre sorte dares / Aos Gringos Açorianos". 


Sabemos, através do Samúdio, que o monumento foi contruido pelos Gringos (que estiveram em Guileje entre Nov 71 e  Dez 72)  e inaugurado pelo então Ministro da Defesa Nacional, general Sá Rebelo e também pelo então governador, general Spínola, em 12 de Junho de 1972. 

Esta lápide assim como a estatueta e diversos outros objectos de uso corrente, foram encontrados por ocasião das escavações arqueológicas feitas pela AD - Acção para o Desenvolvimento, sob a orientação  do Domingos Fonseca, engenheiro técnico agrícola, membro da nossa Tabanca Grande...
 
Foto: © Amaro Samúdio (2006). Direitos reservados.





1. Operação Muralha Quimérica (Guileje,  27 de Março a 8 Abril de 1972) 
por Amaro Samúdio

[Texto enviado em 15 de Junho de 2007 e que, por lapso, não chegou a ser publicado. Revisão / fixação de texto: L.G.]

No seguimento do transmitido, e bem, pelo nosso camarada Victor Tavares, 1º Cabo Pára-quedísta do BCP 12 sobre esta operação (*),  creio, também , ser útil transmiti-la pela parte das forças sitiadas nessa altura em Guileje, a CCAÇ 3477.

Em 28 de Março de1972 chegam a Guileje as Tropas Pára-quedistas afim de participarem na operação.

Pelas 7 horas da manhã desse dia vão para a mata dois grupos de combate da CCAÇ 3477 para emboscar e fazer protecção à coluna na estrada Gadamael Porto/Guileje que trazia as referidas tropas.

Não foi feita uma coluna mas duas pelo que nos fomos levar água e sandes de forma a estarmos 11.00 horas emboscados.

Em 29 de Março dois Grupos de Combate da CCAÇ 3477 efectuam uma patrulha de reconhecimento na zona de Sinchuro,  conjugada na Op Muralha Quimérica.

No dia seguinte outros dois Grupos de Combate da Companhia efectuam nova patrulha na mesma zona.

Chega nesse dia, 30 de Março, a Guileje a 2ª Companhia de Comandos Africanos para participar na operação.

Em 1 e Abril a CCAÇ 3477 efectua uma patrulha de reconhecimento e protecção à coluna de reabastecimento Gadamael / Guileje, colocando um Grupo no Cruzamento e outro no Bendugo. Nesta patrulha, no Cruzamento, um camarada nosso cai numa armadilha montada pelo IN.

Como os rádios não funcionavam para pedir auxilio,  foram os açorianos, com o espírito de voluntarismo, normal neles, que vieram ao quartel buscar socorros.

Era o açoriano, um miúdo de 18 anos, Luís Alberto Carneiro Monte, não resistiu aos ferimentos,  sendo transportado pelo héli, como ferido, embora já estivesse morto.

Muito embora andar na mata fosse o nosso dia a dia, em 2 de Abril, integrados nesta operação, saímos para o mato com ração de combate para um dia, afim de nos emboscar no  Corredor de Guileje  (vulgo,  para nós,  Corredor da Morte).

Este Corredor, refiro, era a estrada que fazia fronteira com a República da Guiné. O IN circulava, a pé ou com viaturas, absolutamente à vontade. Em Guileje, ouvíamos, regularmente,  o ruído das viaturas.

Atingimos o Corredor cerca das 16,15 horas procedendo à montagem da emboscada. Começava a escurecer e não existiam indícios do IN. Sendo o local de emboscada uma zona de capim, montou-se no corredor uma armadilha artesanal improvisada com um cordão de dolman e uma granada de mão defensiva m/963, retirando cerca 40 metros e mantendo-nos à espera da passagem de elementos do IN que era certa.

Pelas 22,00 horas ouvem-se ruídos no Corredor, não se sabendo, pela escuridão da noite, se seria animal ou o IN. A armadilha rebentou, silêncio de segundos que pareciam horas, ouviram-se gritos e vozes e à ordem de fogo, com a surpresa com que foram apanhados num local onde habitualmente andavam á vontade, não conseguiram responder. Eram cerca de 15 elementos.

Alguns minutos depois,  outro grupo IN de Enora começou a bater zona no local onde estivemos. Recuámos cerca de 2 km para a mata do rio Machampo.

Durante toda a noite o IN bateu a zona. Os rebentamentos eram permanentes e próximos.

Com os rádios, como era habitual, avariados, não era possível contactar o quartel para as pças 11,4 responderem para Kandiafar e Simbeli. .Resultava sempre em paragem dos ataques porque eram duas Aldeias já na República da Guiné.

No dia seguinte, pela madrugada, voltámos ao local da emboscada onde foi encontrado um elemento do IN, fardado,  morto e mais três pares de botas. Foram montadas novas armadilhas e estivemos emboscados durante todo o dia sem que nada se passasse.

Para comer já nada havia mas o principal problema era a água,  pelo que  fomos buscá-la a uma bolanha, onde os animais bebiam, e filtrámo-la com gazes e ligaduras.

À noite voltamos a retirar para um rio tendo durante toda a noite, o IN, batido toda a zona.

No dia 4 de Abril pelas 10,30 chegamos ao quartel saindo, nesse mesmo dia outros 2 Grupos de Combate da CCAÇ 3477 para o Corredor afim de emboscar e montar armadilhas na zona de Babacambune.

Em 5 de Abril pelas 19.00 horas Guileje é atacado com morteiro 120 e canhão s/r.

Em 6 outros 2 Grupos saem para o Corredor para patrulhar e emboscar.

Em 7 Guileje é atacado da direcção da Fronteira com morteiros 120 e canhão s/r durante cerca de 50 minutos,  com cerca de 150 rebentamentos.

Em 8 de Abril de 1972 termina a Operação Muralha Quimérica.

A operação terminou mas nós continuámos em Guileje e,  passados dois dias, no dia 10,  fomos, pelas 19,15 horas, atacados de seis posições diferentes, nomeadamente das direcções de Simbali e Sibijá,  situados em território da República da Guiné, com canhão s/r,  vários morteiros 82 e 120, durante mais de uma hora,  com cerca de 400 rebentamentos.

Durante o ataque um avião sobrevoou Guileje na direcção Sudeste-Nordeste.

É dado como certo que, após a Operação Muralha Quimérica, o IN reforçou, na zona, os efectivos e sua actividade operacional efectuando sobre o aquartelamento várias e violentas flagelações até finais de Abril, diminuindo no mês de Maio devido ao início das chuvas.

A partir dai ia ser o isolamento durante três meses.

Reconheço a maçada que é ler isto mas o que se pode fazer. Foi assim. Por favor, Luís,. aproveita o que entenderes. Um abraço. Samúdio.

Fontes:

História da Companhia Independente CCAÇ 3477. Gringos de Guileje

 Caderno Diário, Exclusivo Casa Mendes, Guiné, Edição aprovadsa pelos Serviços Provinciais de Eduação ( A que eu pomposamente chamo "O MEU DIÁRIO DE GUILEJE” e que me custou 3.50 escudos).

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(...) "Acção desenrolada entre 27 de Março e 8 de Abril de 1972, no sul da Guiné (Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael).

"Esta operação, na qual participaram as CCP 121, 122, 123 e outras forças, com resultados excelentes, nas zonas operacionais de Aldeia Formosa, Guileje e Gadamael Porto, foi uma das muitas operações importantes em que intervieram os Paraquedistas do BCP 12 durante o ano de 1972. (...)  A zona de acção situava-se numa região que o PAIGC considerava libertada e onde os guerrilheiros se movimentavam com relativo à-vontade conforme se viria a constatar.

"O rio Balana separava o corredor de Guileje, que se estendia a sul entre a fronteira e ia até Salancaur Jate. A outra, a norte do mesmo rio, onde se movimentavam os grandes efectivos do Primeiro Corpo do Exército do PAIGC e que se incluía no troço do corredor de Missirá.

"Para esta operação, além das Companhias de Pára-quedistas, também fizeram parte duas Companhias de Comandos Africanos assim como duas Companhias do Exército, as CCAÇ 3399 e 3477, mais a CCAÇ 18 além de um grupo especial do COE. Todas estas forças estavam sob o comando do Tenente-Coronel Pára-quedista Araújo e Sá, Comandante do BCP 12 tendo como adjunto o Cap Pára-quedista Nuno Mira Vaz" (...) 

Guiné 63/74 - P6405: Do meu álbum fotográfico (Arménio Estorninho) (1): Bissau - Um olhar de turista

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2010:

Com cordiais saudações a Carlos Vinhal e a todos “Os Tertulianos Tabanqueiros.”
Dando um ar de lembranças pela minha passagem por Bissau, onde aliviei o meu stress e mais parecendo um turista na procura de souvenirs.

Recordando com saudade, com um bloco de imagens de referências sobre a cidade de Bissau que achei interessantes, obtidas de Janeiro a Março/70.

Bissau, como a conheci, era uma cidade pequena, em que a parte urbana (casario de alvenaria) seria idêntica à da minha Lagoa (hoje tembém cidade). Era suficientemente perceptível que a grande maioria dos que se apresentavam como civis eram militares “camuflados à paisana” e/ou seus familiares e parecendo uma cidade cheia de movimento.

Aquando do aproximar do regresso à Metrópole dos militares em fim de comissão de serviço, era ver um movimento inusitado nos estabelecimentos comerciais. Pela minha parte e bem informado, fui comprando muito antes da chegada do navio para o embarque, regateando aqui e além, o que me favorecia obter preços mais acessíveis.

Na baixa de Bissau, tanto de noite como de dia, era ver em grupos os “camuflados à paisana” nos diversos estabelecimentos similares e de restauração, de uma forma geral tudo se movimentava com os militares. Lembrando entre outros: O Noé (dos pombos verdes e ostras), O Solar dos 10 (Restaurante), O Pelicano (na cave, as francesinhas e as inglesinhas), Cervejaria Império, Cervejaria Sol Mar e Esplanada do Bento (locais onde não faltavam as cervejas e os mariscos)

Do meu álbum fotográfico, recordando com um olhar sobre Bissau (1)

Foto 1> Bissau> Bandim> Sacor> (Av. Unidade da Guiné e Cabo Verde)> 1970> Local de paragem de viaturas militares e públicas, para transportes de passageiros.

Foto 2> Bissau> Zona de Brá> Estrada do Aeroporto> 1970> Mulheres grandes “Mindjeres garandis,” levando à cabeça grandes feixes de lenha.

Foto 3> Bissau> Parque Teixeira Pinto> Praça Combatentes da Liberdade> 1970> Parque infantil, as crianças divertiam-se sob a vigilância das mães e/ou amas.

Foto 4> Bissau> Praça Teixeira Pinto> (Praça Combatentes da Liberdade> 1970> Trecho do Parque e Estátua Teixeira Pinto (à esquerda estrada para Alto Crim e à direita para Bandim-Brá).

Foto 5> Bissau> Praça Teixeira Pinto> (Praça Combatentes da Liberdade> 1970> Árvore exótica em floração e fazendo um belo quadro.

Foto 6> Bissau> Av. Teixeira Pinto> (Av. Francisco J. Mendes)> 1970> Avenida urbanizada e tendo ao fundo o monumento na Praça do Império.

Foto 7> Bissau> Pilão (Cupelon de Cima> Mercado de rua> 1970> Vendedoras de farinha de mandioca (fuba) e outros.

Foto 8> Bissau> Pilão (Cupelon de Cima> 1970> Bando de jagudis (abutres) aguardando alguma rapinagem e/ou equilíbrio ambiental.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6373: De Empada a Bissau (Arménio Estorninho) (2): Algumas aventuras em Bissau

Guiné 63/74 - P6404: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (9): Páscoa de 1968

1. Do nosso Camarada Torcato Mendonça, ex-Alf Mil AT Art da CART 2339, Mansambo, 1968/69, mais um Ao correr da bolha, desta feita lembrando a Páscoa de 1968:


AO CORRER DA BOLHA - IX

PÁSCOA de 1968

Abril, Domingo de Páscoa de 68


Ao certo a data não sei. A agenda diz catorze de Abril como a data do Domingo de Páscoa. Irrelevante para nós pois lá não haviam dias de semana.

Na melhor das hipóteses seria celebrado entre quinta-feira e domingo ou segunda-feira.

Recordo, isso sim, o que aconteceu.

Estávamos em Fá de Cima. Havia messe de oficiais e sargentos. Os soldados tinham refeitório e comida diferente. Em Mansambo a comida era igual para todos e, como vivíamos em abrigos, todo o resto era semelhante. Foi assim que nos ensinaram, à maioria dos graduados, que tiraram a especialidade em Vendas Novas.

Estávamos pois em tempo de Páscoa, tempo importante para a maioria dos militares da Companhia, tempo onde a família é mais fortemente recordada, tempo a ter cuidado com a quebra psicológica de muitos.

A maioria, mesmo os pouco ou nada dados à religião católica, gostaria de comemorar aquele dia.

Assim, mesmo na Guiné, resolveram comemorar e eu estava de acordo.

Só que isso viria a trazer-me mais um aborrecimento com o Comandante da Companhia (o segundo, dos seis que tivemos - quatro capitães – dois do QP felizmente - e dois alferes).

Não comento mais:

- O 1.º Sargento já faleceu;

- Esse capitão só lá esteve mais uns dois ou três meses.

Os militares do meu Grupo, com a conivência dos furriéis, compraram para a festa dois ou três cabritos. Disseram-me e, por mim, tudo bem.

Havia o espírito do Grupo de Combate mas, logicamente neste caso o espírito de união da Companhia prevalecia. A comemoração iria ser conjunta certamente. Penso eu pois era um dia festivo, dia de estar com a família e amigos. Ali, naquela terra distante, local de perigo, essa necessidade seria maior. Acresce ainda a vontade de esquecer, por breves momentos a guerra.

A Companhia era de intervenção ao BART 1904, logo fazia Operações, patrulhamentos, rusgas, montava emboscadas, seguranças a Mato de Cão e toda a actividade operacional do Batalhão.

Antes da Páscoa, fizemos um patrulhamento e emboscada. Segue-se uma segurança a Mato de Cão. Chegamos já tarde a Fá e disse para os militares descansarem até mais tarde no dia seguinte.

Desconhecia que o Comandante da Companhia tinha regressado de uma das suas saídas. Esta a Bissau creio eu.

A meio da manhã do dia seguinte, talvez por volta das nove ou mesmo dez horas, um dos furriéis veio falar comigo.

- O Capitão suspendeu tudo o que a Companhia tinha preparado para o dia de Páscoa. Os nossos chegaram atrasados à formatura e há problema.

Respondi que ia tratar do assunto.

Falei com o Capitão, disse o que se havia passado e o porquê do atraso. Do resto nada disse. Ele é que comandava e o assunto era com ele.

Tudo resolvido. Fui falar com o Grupo e trocamos breves palavras. As suficientes. Tudo esclarecido e cada um foi à sua vida.

O almoço no refeitório dos soldados era normal.

Na messe havia comida diferente a querer dizer: - É Dia de Páscoa.

Recusei-me a almoçar. Troca de palavras menos próprias e abandonei a mesa.

Passado um pouco, um dos alferes veio falar comigo ao quarto. Estava triste. Homem casado sofria certamente mais do que eu. Mostrei-lhe “ O Meu Diário”.

Folheou e disse:

- Não escrevas. Destrói isto. Na porta tens “I’m free” e com isto ainda tens problemas. Hoje sinto-me deprimido e desabafou um pouco…

Segui o conselho de uma pessoa mais calma, menos sanguínea. Ficou a recordação e os cabritos que nos acompanharam para Mansambo. Um deles, não comprado, a levantar problemas… coisas de bodes.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6388: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (8): Promessas

Guiné 63/74 - P6403: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (29): Do Inferno ao Paraíso

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 10 de Maio de 2010:

Caro Vinhal
Mais um pouco da “Viagem…” da 2791 por terras da Guiné, assumindo um dever a que foi chamada e cumprido com dedicação e orgulho por todos os que dela fizeram parte.

Um abraço
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (29)

Do Inferno ao Paraíso


À conta e força de vários, variados e sofridos “passeios ecológicos” (dir-se-ia hoje?!) pela Natureza e natureza das matas “Balangreanas”, começámos a conhecê-las minimamente e aos seus meandros imprevisíveis.

Diga-se em abono da verdade que havia zonas de Paraíso e de Inferno, onde numas e noutras, se “passeavam” gentes diabólicas”. Quando a linha dos “azimutes” calhava de se interceptar, … suavam as “trombas” e soavam as trompas. As espadas e os tridentes enfrentavam-se com fogo, em nome e defesa de uma “verdade”(?) comum a ambos os contendores: aquela terra era considerada ser de sua pertença! Estávamos a ter tempos complicados.

A trinta de Julho a CCAÇ 2791, FORÇA, a 3 GCOMB sai de Teixeira Pinto com “guia de marcha” para Bissau, onde vai tomar parte e ajudar na segurança de proximidade das chamadas “gentes do ar condicionado”, das suas “comodidades civilizacionais” e não só, já que corria à boca pequena que o Amílcar Cabral estaria disposto “sentar-se” na cadeira do Governador Spínola ?!?!

Já não tenho a certeza, mas creio que com o mesmo objectivo de segurança, também se deslocaram para lá efectivos dos Comandos,Páras e Fuzos à mesma estacionados em Teixeira - Pinto.

Devo confessar que sentimos um certo orgulho por nos ter sido atribuída essa missão, que julgámos ser sinal de reconhecimento meritório do nosso passado de intervenção activa.

A par de sentirmos esse orgulho, ficámos contentes e aliviados por nos terem dado esse ”trabalho”, já que em princípio ele seria sinónimo de “não porrada” naquelas matas meias lixadas em que por dá cá aquela palha se “apanhava nos cornos” (salvo seja!). Um gajo nem uma “mijadela” descansado atrás de uma árvore podia dar sem estar sujeito a que nos mandassem uns tiraços aos “tomates”!! Para fazer uma “evacuação fisiológica” era precisa a presença de um “bi- grupo de assistentes”…!! Que o diga quem por lá andou!

Esse orgulho ficou patente aquando da apresentação do Pessoal. A disciplina, o porte e o garbo traduziu-se espectacularmente nos batimentos e movimentos às ordens em Parada, não deixando os créditos por mãos alheias e pouco ou nada ficando a dever à Tropa Especial, comparativamente e nessa matéria, salvaguardando claro, a diferença de estilos.

Para além do mais, todo aquele armamento que usávamos dava na vista por sermos tropa “macaca”, tendo para mim que despertámos a curiosidade em muito boa gente que nos observou. O nosso Capitão Mamede, ”Miliciano de gema”, ficou ufano, ao que recordo! A sua Rapaziada da 2791 - FORÇA era assim e sei que ele se orgulhava e confiava nela e na sua homogeneidade de comando.

Aqui na cidade Capital, tudo seria na certa muito melhor! Umas “férias” sem contar eram um belo prémio. Tínha-nos saído a sorte grande!

A base da CCAÇ 2791 passa a ser o AGRBIS e os seus objectivos serão os patrulhamentos, escoltas, vigilância, emboscadas… assim como assumir posição de destaque em serviços de Bissau, como policiamento, segurança e guarda de instalações consideradas objectivos estratégicos.

Para concretizar estas directivas, os três GCOMB actuaram ao nível de GR ou de secção, conforme a necessidade. Ao meu 2.º GRUPO coube basicamente a segurança e defesa das instalações dos serviços de distribuição de água, na “Mãe de água”; “Central Eléctrica”; ”Emissora de Rádio”, para além de policiamento de Bissau. Para tal fraccionou-se em secções que alternavam creio com as do 4.º GCOMB. O meu Comando fixou-se, ao que recordo, na esquadra (?)da “Mãe de Agua” onde a Polícia, se a memória me não atraiçoa, me ficou subordinada. Daí fazia as inspecções às instalações onde a segurança era feita pelo meu Pessoal, uns patrulhamentos em viatura pela cidade permitindo-me conhecê-la um pouco melhor.

Nas “folgas”, que também as tínhamos, aproveitava-se para mergulhar mais fundo no “banho de civilização” inesperado e as capelinhas em lugares mais ou menos “esquisitos”, com maior ou menor chamamento à sensatez, não eram evitadas,…pelo menos em grupo, não tendo havido ao que sei, quaisquer tipos de incidentes “carnais” à conta de venais “criaturas” insinuantes, de diversas belezas e colorações!!

Na esplanada do “Bento” descansava-se a vista à fresca de umas loirinhas com “camarão - tremoço” observando o bambolear corporal feminino passeante que, coisa estranha, naquelas coordenadas e para mim, tinha outro “sabor”, vá-se lá saber porquê!!

“Pira” que aparecesse por lá era quase de imediato detectado e posto à prova com conversas vizinhas não directas mas audíveis, sobre acontecimentos bélicos terríveis e desastrosos que punham na certa o “desgraçado” com vontade de dar corda aos braços e nadar de volta a casa!! Depois vinha a intromissão:

- Donde és?

- …

- Para onde vais?

- …

É pá, calhou-te um dos piores sítios. É uma zona f…, estão sempre a “embrulhar”!Tiveste um azar do car… pá! F… pá nem queiras saber… ainda ontem…!!!”

As “conversas” do fiz e aconteci narrando feitos guerreiros dignos de filme também eram por vezes audíveis, emanadas por bocas em rostos não tisnados, prendendo a atenção de recém-chegados e não só!

Enfim, ditos “moralizadores” deste estilo “ajudavam à adaptação“ e punham um “Pira” a ver “turras“ em tudo o que era sítio!!!

No entretanto, as “loirinhas”… iam-se acumulando em cima da mesa!! Era uma parte da vida no dia-a-dia de uma cidade em que as fardas eram omnipresentes, fazendo pressentir uma guerra que se passava lá mais para longe. Para mim(nós) era o Paraíso!

Um abraço para todos

Luís Faria

Bissau > Esplanada do Bento

Bissau > Av da República

Fotos: © Luís Faria (2010). Direitos reservados.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6231: O 6º aniversário do nosso blogue (26): Parabéns Luís Graça por este Espaço de Memória Futura (Luís Faria)

Vd. último poste da série de 14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6156: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (28): Teixeira Pinto - O Bolo