1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 29 de Maio de 2010:
Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
É com estima que a vós me dirijo para apresentar este escrito, que publicarão se assim o entenderem.
Caso publiquem, podem atribuir o titulo que ajuizarem.
Um Abraço
José Corceiro
José Corceiro na CCAÇ 5 (12)
Isto que escrevi é para ser interpretado como sendo duas partes, em que a primeira são factos verídicos, que eu vivi no teatro operacional, da Guiné, e a segunda parte é a descrição do que aconteceu numa rabularia, (rábula?) durante uns momentos de lazer sem serem desrespeitosos (minha opinião).
Canjadude visitada por dois ilustres Generais
Nos 25 meses que estive na Guiné, tive a particularidade de estar algumas vezes próximo do nosso COMCHEFE, General António Ribeiro de Spínola, tendo uma vez dialogado com ele no Hospital Militar de Bissau. Outra vez, numa operação troquei com ele duas ou três palavras via rádio para o heli, e na mesma operação, depois em terra, prestei um esclarecimento que me foi pedido.
Estive próximo dele a ouvir os seus discursos, duas vezes em Bissau, uma vez em Nova Lamego, duas ou três vezes em Canjadude, CCAÇ 5.
Foto 1 > Topo do PRC- 10. Painel com os botões de comutação.
Foto 2 > Foto que tirei no Hospital Militar de Bissau, em Fevereiro de 1971, a um desenho feito por um militar chamado Victor, que estava lá internado. O desenho foi oferecido ao General António de Spínola, pelo Victor. Não sei do seu paradeiro.
No mato, durante uma operação para os lados do Rio Corubal, entre o Cheche e o Burmeleu, o Sr. General apareceu de surpresa no heli, antecedido de dois T6.
Recebi a comunicação no emissor/receptor AN-PRC10, do emissor/receptor do heli, e disse:
- Maior desta, comunicar com maior dessa, escuto (conheci a voz inconfundível).
Eu respondi:
- Vou passar maior.
Passei o micro ao Capitão e houve comunicação, montou-se segurança, coloquei tela laranja no solo para sinalizar local de aterragem do heli. Sua Excelência saiu do heli, esteve a falar com o Capitão cerca de cinco a dez minutos, dirigiu umas palavras de agradecimento, apreço e incentivo, aos homens que estavam próximo do heli, dizendo-lhes que como soldado, partilhava o mesmo sacrifício e que estava em espírito com todos.
Deve ter dito algo ao Capitão, sobre Transmissões, uma vez que não tinha sido muito fácil iniciar a comunicação com os meios aéreos. Eu ao ser interpelado, sobre esta questão, respondi que do nosso lado não tinha havido alteração nenhuma de sintonia, (canal) estava tudo nas frequências estipuladas, quer no AVP1, quer no AN-PRC10 (que eram os aparelhos, de frequência modelada, utilizados para entrar em contacto com meios aéreos). Dirigiu-se para o heli e desapareceu nos céus da Guiné.
Foto 3 > Aproximação do heli à pista de Canjadude, que trazia de surpresa o General António de Spínola.
Foto 4 > Heli a aterrar na pista de Canjadude, vendo-se um dos militares a correr para montar segurança na pista que ficava fora do arame farpado.
É lógico, que não tenho capacidade para aferir ou fazer algum juízo abonatório ou desfavorável, sobre as capacidades do nosso COMCHEFE na Guiné, ou sobre a personagem do General António de Spínola, foram meros contactos que tive com ele, direi
flashes, embora já tenha ouvido os mais diversos comentários sobre a sua pessoa, assim como já li muita coisa que ele escreveu, entre as quais a primeira edição do livro - Portugal e o Futuro - que comprei logo que foi posto à venda, em Fevereiro de 1974, que esgotou imediatamente.
Foto 5 > O General Spínola na pista de Canjadude, acompanhado pelo Comandante da CCAÇ 5, na altura o Capitão Arnaldo Costeira.
Foto 6 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.
Foto 7 > General Spínola a discursar para os militares da CCAÇ 5 na parada de Canjadude.
“Mas eu e mais alguns Gatos Pretos tivemos, o raro privilégio, de termos ouvido discursos improvisados por um outro General na Guiné, o General Futuro. Discursos Inflamados e Grandíloquos, que apelavam: Ao amor Pátrio; ao dever e obrigação cívica de preservar a Pátria una e indivisa; ao sacrifício de cada um, desprezando a própria vida em benefício da defesa e a honra da unidade do solo sagrado. Elogiavam-se as grandiosidades dos feitos Portugueses, relevando o orgulho que todos nós devemos sentir, por termos tão carismáticos e solícitos heróis; enalteciam-se os nossos probos Governantes, que sacrificavam toda a sua proficiência, abnegando todos os seus direitos, em benefício da Nação, para provento do Povo.
Eram discursos de rara eloquência; de exaltação fervorosa, onde se glorificava a qualidade impar do destemido e brioso Soldado Português, no campo de batalha, e a quem se dedicavam todas estas dissertações e se agradecia a sua prestimosa heroicidade.
A coragem e bravura, destes temerários beligerantes, intimidavam até os Deuses Mitológicos do Olimpo, que se sentiram inseguros perante os avanços e façanhas destes aguerridos homens lutadores, com alma magnânime. Os Deuses da Guerra pressentiram tão perturbada e ameaçada a Paz nos seus domínios, que sentenciaram que era imperativo travar tamanhos avanços e audácias, levadas a cabo por devotos e fiéis guerreiros. Assim, viram-se obrigados a convocar, urgentemente, um Concílio de Guerra no Limbo, para ajustar tácticas de Guerra contra os destemidos e bravos mancebos, que pelejavam no cenário operacional.
Foto 8 > Sua Excelência o General Futuro, a entrar na sala dos actos solenes, em Canjadude, para dissertar para as tropas, sobre o tema a guerra nos seus domínios, e exaltar os feitos alcançados.
Foto 9 > Sua Excelência o General Futuro a preleccionar a sua oratória, em Canjadude, para as tropas reunidas.
O Conselho de Guerra dos Deuses deliberou, contra os obedientes e aprumados Soldados Portugueses, o seguinte: Desamarrar todos os Ventos; encapelar e alvoraçar os mares, para inundar as Bolanhas; enfurecer as tempestades; enraivecer os temporais; encolerizar o ribombar dos trovões; exasperar as línguas de fogo; inflamar de velhacaria os raios e os coriscos; destacar exércitos e mais exércitos de mosquitos raivosos e exacerbados, para reprimir e suster as progressões bélicas dos combatentes, de forma a serenar e inibir as apoteoses patrióticas dos triunfos já obtidos, pelo temido exército Português.”
Foram estes discursos, cuja explicação atrás situei, enquadrados em cenários de raros momentos lúdicos, que eu vivi no teatro operacional da Guiné. Eram ocasiões de descontracção e cumplicidade fraternal, com um comportamento amalgamado de chacota “fabulizada” contida, abarcando condutas de respeito merecido.
Para todos um abraço
José Corceiro
OB: - As fotos 3 a 7, são resultado de conversões de “frames” dum filme de 8mm celulóide, o primeiro formato popular, que foi convertido em VHS quando este apareceu, que por sua vez foi convertido em digital (DVD) e por último converti “frames”, em fotos, formato JPG, que apresento. Por isso a fraca qualidade depois de tanta conversão.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Junho de 2010 >
Guiné 63/74 - P6521: Em busca de... (135): Carlos Miguel (O Fininho), ex-Fur Mil da CCAÇ 5, procura fotos suas do tempo de Guiné (José Corceiro)
Vd. último poste da série de 17 de Maio de 2010 >
Guiné 63/74 - P6412: José Corceiro na CCAÇ 5 (11): Boas recordações de militares da CCAÇ 5, Canjadude - O Tripae