segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7880: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (4): Em Mansabá, os últimos tempos de guerra

1. Mensagem de António José Pereira da Costa*, Coronel, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, com data de 16 de Junho de 2010:

Camarada
Aqui vai mais um texto meu.
Tive dificuldade em o construir e por isso saiu uma série de personagens esboçadas.
À consideração "superior".
Um Ab


A Minha Guerra a Petróleo (4)

Em Mansabá, os Últimos Tempos de Guerra

 Vista aérea da povoação e quartel de Mansabá
Foto de Carlos Vinhal

Conheci Mansabá em finais de Novembro de 1972. O quartel vasto era agora guarnecido por uma Companhia de Artilharia – a CArt 3567 (“Os Insaciáveis") – e duas Secções de Artilharia (obuses 8,8 cm), quando já fora sede de Batalhão e depois de um COp. Levar-nos-ia longe a análise da constituição dos Comandos Operacionais (COp), em diversos locais da Guiné e não cabe aqui discutir soluções tácticas, mas antes falar de pessoas. Dos que ali foram parar e dos que ali viviam o seu dia-a-dia. Hoje, passados todos estes anos, creio que ninguém tinha uma ideia acerca do que pretendia. Todos esperavam. Os nascidos e criados naquela terra e arredores deveriam ter dificuldade em entender o que se passara e o que se passava para que tivessem de viver circunscritos a uma localidade, sem puderem deslocar-se livremente e contactar com os seus, que residiam noutros locais, cultivar a terra um pouco mais longe, comerciar, em resumo: viver.

Mal ou bem, mas labutar no dia-a-dia. E, o que era pior, sabiam que, se fossem “apanhados”, teriam de passar a viver em condições muito mais difíceis quando não em situações de dolorosa inferioridade. É que, se a vida de guerrilheiro e da população que o apoia é duríssima, a vida de um prisioneiro será sempre um calvário. Não sabe onde e como estão os que teve de deixar para trás e, na sua nova situação, ser-lhe-ão sempre atribuídas as tarefas mais humilhantes, para além da desconfiança que sentirá sempre à sua volta. E não adianta tentar “comprar” o ex-inimigo…

Naquela altura os campos já estavam extremados. Quem estava de um lado sabia que não tinha possibilidades de se inserir e sobreviver no outro.

Não contactei muito intimamente com a população. Senti mesmo uma certa distância dela em relação a mim, ou seria a todos nós? Sim, nós, os outros, os que fôramos daqui para lá para… para quê? Para combater pela Pátria, pois claro! Para proteger aquelas populações da barbárie, das garras do “comunismo internacional” e assegurar o desenvolvimento pacífico daquela terra e (quem sabe?) “assegurar a passagem a uma maior autonomia”. Enfim, íamos fazer o que se dizia e era sabido que íamos fazer…

É, no mínimo, estranho que a guerra se constitua como factor de aceleração do desenvolvimento e de autonomia. Será que, se não houvesse guerra o desenvolvimento económico e social não se daria? Ou seria retardado? É-me difícil admitir outra forma de desenvolvimento que não seja assente na paz. No fundo, estamos a dizer que quem se revoltou tinha razão e assim conseguiu que a população vivesse melhor, embora pagasse caro essa melhoria. Verdadeiramente insanável esta contradição.

A “guerra” levava, naquela altura, dez anos e, hoje, parece-me que aquela terra e aquela gente padeciam de uma espécie da gangrena que as apodrecia cada vez mais. Os guerrilheiros faziam a guerrilha. Era o seu dever patriótico de homens que queriam ser livres. Imolavam-se, se necessário fosse, em combates curtos, mas intensos, contra um número considerável de conterrâneos seus e contra os que, vindos da “Metrópole”, os perseguiam por vezes com grande violência. Saberiam eles bem porque lutavam? Direi que sabiam.

Naquele tempo, parece-me que todos tínhamos (muitas) certezas. No meio estavam uns que suportavam, que aturavam as vicissitudes daquela situação sem puderem invertê-la. É o drama habitual das grandes massas de um povo que, não sabendo ou não achando necessário participar activamente, limitam-se a tentar sobreviver, oscilando, como um ponteiro desgovernado sobre o painel do momento. Normalmente, a História não regista o seu sofrimento, nem justifica a sua acção… ou falta dela.

Ao contrário da primeira comissão, desta vez, também nunca falei com nenhum guerrilheiro, nem com alguém que com eles tivesse vivido.

É certo que algo melhorara nos últimos tempos de guerra. Agora havia uma estrada asfaltada que levava a Bissau ou a Farim, estava montada uma rede de assistência médica e medicamentosa como nunca existira e o arroz era vendido a um preço simbólico: “cinco pesos e meio”. Ainda me recordo de uma grávida, em trabalho de parto, que foi evacuada para Bissau, por via aérea pelo, hoje general Martins de Matos.

Actualmente, nada disso por lá existe e, mesmo cá, as transmontanas têm os filhos nas ambulâncias…

Vivia-se em paz no interior da tabanca. Contudo numa tensão permanente. Havia que manter o inimigo à distância. Inimigo de quem ou de quê, isso é que era mais complicado de dizer… Para isso lá estávamos, mais de centena e meia de jovens – sim éramos jovens, é bom que se diga – que, com uma certa regularidade, faziam demonstrações de força e, com elas, garantiam que “os outros” não se aproximavam.

Vivia-se numa espécie de equilíbrio tenso e susceptível de se alterar ao menor sopro do acaso. Era a tal gangrena que minava e, cada dia, agudizava mais a situação. Uns já não, outros ainda não. Mas já não ou ainda não, o quê? O que é que cada um de nós, homem ou mulher, velho ou novo, nascido ali ou vindo de outro local, queria, em última análise? Dava a impressão de que aquela situação de equilíbrio iria alterar-se a qualquer momento. De que modo?

Andávamos todos à procura de sermos felizes. Cada um à sua maneira, construindo o seu amanhã à medida dos seus anseios e, quando não os identificava claramente, pelo menos queria que “aquilo” acabasse. Não me peçam estatísticas, percentagens ou tendências. Isso são abstracções de sociólogos ou de políticos carreiristas a justificarem – uns e outros – a marcha de um fenómeno que decorria naquele momento e não era possível parar nem condicionar.

O que pensaria o “Moisés Tchombé”, o chefe do posto, daquilo tudo? Chamávamos-lhe assim pela semelhança física com o ex-dirigente congolês. Será que exercia as suas funções a pensar no dever quotidiano a cumprir ou na simples sobrevivência, esperando que, quando “aquilo” acabasse, pudesse continuar tranquilamente a ser um bom “chefe de posto”? E os dois funcionários da Casa Gouveia, já aliciados para o “Partido”? Que esperariam eles, quando tudo acabasse, se acabasse? Claro que teria de acabar, mas… de que maneira? E o comerciante libanês (outro membro do “Partido”) que vivia como os seus colegas de profissão, num dia-a-dia de compra e vende toda e qualquer coisa que fosse necessária? E os velhos da tabanca, dotados da sabedoria que a idade sempre traz, o que pensariam daquilo? Como visualizariam o fim? Pensariam que o PAIGC, estava condenado a vencer e a tomar conta de tudo e, nesse caso, qual seria o papel deles? E se fosse a “Tropa” – reparem na expressão que usei e que usávamos – a ganhar, como ficaria todo o resto?

Há um indício técnico que, confesso, negligenciei: o Pelotão de Milícia estava incompleto e, embora o método de recrutamento estivesse modificado, centralizando-se num período de recruta num centro de instrução (que chegou a funcionar em Mansabá), parecia não haver interessados em recompletá-lo…

Estranho, para quem tinha que se defender diariamente de um inimigo que não se pode dizer que fosse muito contemplativo, como se viu naquele ataque “ao arame” em que arderam 21 casas. O que pensaria a população, em geral, das possibilidade de evolução da guerra? Valeu-nos naquela altura a Companhia de (instrução) Comandos Africanos que estava em formação e que fez as vezes dos bombeiros, apagando o incêndio, com baldes e bacias. Pedi às instâncias superiores cerca de 250 contos para reabilitar as casas e repor os bens daqueles que tudo tinham perdido. Nem um tostão veio. Não compreendi, na altura, a dificuldade em se aceitar que, em cada casa, houvesse pouco mais de dez contos em bens e alimentos. O PAIGC, vindo dos lados do Morés, atacou ostensivamente a tabanca e incendiou os telhados das moranças a tiro de RPG. O Amadu fala deste ataque, no seu livro e também não o entende(1). O conjunto tabanca mais quartel era grande e tinha um perímetro bem conhecido dos guerrilheiros. Um ataque cirúrgico, como hoje se diz, e que me pareceu um “ajuste de contas”, uma espécie de “perda de estado de graça”. Depois, veio o ataque à coluna de Cutia, a emboscada à coluna da CArt e à própria coluna grande de Bissau a Farim e volta. Terá sido o virar de uma situação de “equilíbrio”.

Uma morança de Mansabá atingida por fogo IN em 12 de Novembro de 1970
Foto de Carlos Vinhal

Tive contacto com o chefe da tabanca, logo no dia da minha chegada e, depois, só me pedia apoio para satisfazer qualquer necessidade da sua gente. Vi que os habitantes da tabanca viajavam pouco. Poderiam ir a Mansoa nas colunas da CArt. e daí a Bissau ou a Farim, na “coluna grande”, mas inexplicavelmente… não iam. Que se passaria para que tal sucedesse?

Dentre os habitantes da tabanca havia uns que não consegui entender. Não eram africanos. O senhor Zé, a mulher, D. Olinda, e uma filhota de três para quatro anos que tinham. Ele tinha explorado a Serração, alguns quilómetros a Sul, à beira da estrada, e hoje ainda abatia uma ou outra árvore que arrastava numa espécie de chassis que normalmente “até andava” fazendo uma fumarada de gasóleo não queimado. Ela cuidava da horta de casa e fazia funcionar um “restaurante barra café”. A filha enervava-se muito com os tiros da artilharia e com os ataques e o filho, com onze anos, acabara por obrigar os pais virem deixá-lo a casa de familiares, em Leiria.

Mansabá > 13ABR71 > Festa de Batisado da filha do senhor José Leal e dona Olinda > Nesta foto, da direita para a esquerda: Cap Mil Jorge Picado, senhor José Leal, Chefe de Posto (“Moisés Tchombé”) referido no texto, a esposa e uma das professoras ou filha do casal.
Foto de Jorge Picado, com a devida vénia.


Mansabá > OUT71 > A D. Olinda, esposa do senhor José Leal, e a filha de ambos no dia da festa do 1.º aniversário da menina
Foto de Carlos Vinhal

A dado momento, colocaram ali duas professoras “de primeiras letras”: a Sérgia, cabo-verdiana, gorda e que não parecia muito interessada na sua actividade e a Maria do Socorro, balanta, já havia concorrido ao título de miss Guiné, mas o júri teve de a eliminar por falta de qualidades estéticas… Tinha uma outra atitude e parecia querer dinamizar o funcionamento da escola. Suspeitei dela por evitar sistematicamente as colunas da CArt e procurar sempre seguir na “coluna grande”. Um dia impedi-lhe o embarque numa delas e, então, não tive dúvidas. Aos saltos em cima do unimog desatou a gritar “que estava farta dos cães colonialistas portugueses”. Então detectei “as malhas que o Império tecia”. O comandante do Batalhão ameaçou-me e obrigou-me a soltá-la. A rapariga estava fortemente “apoiada nas NT” e eu estava a pouco tempo de me vir embora. Após a independência, talvez em consequência dos “apoios” foi funcionária do Exército, no Estado-maior do Exército e na Repartição de Oficiais. Sei que continuou muito preocupada com o que não tinha – a beleza – ao ponto de comprar a uma daquelas vendedoras que frequentavam as unidades militares e as empresas, o bronzeador mais caro. Ao que me disseram assassinaram-na numa das viagens que fez à Guiné. O móbil do crime terá sido o simples roubo.

Que pensariam estas duas mulheres que viviam numa casa anexa à escola. Esta, que tinha sido um posto de comando e um centro de transmissões, era um edifício, de paredes sólidas, construído no “ano dos centenários” – 1946. Há fotos deste tipo de edifícios. Este era contemporâneo do Posto Administrativo, onde o “Moisés” vivia e cumpria as suas obrigações burocráticas, que eu, devo confessar, nunca entendi bem. Por despacho do General Spínola, o director da escola era eu e o segundo comandante do Batalhão era o inspector da circunscrição escolar na sua área. Por mim, nunca intervim no “processo de alfabetização em curso” a não ser para transmitir as instruções que me davam, prontamente contestadas pela Socorro. A escola foi inspeccionada uma vez, durante as férias e na ausência das professoras. Os resultados foram hilariantes e até deram direito a uma música com letra do alferes Rui Serras e música do Yellow Submarine. Prometo que conto um dia destes…

O que pensariam estas mulheres jovens, na altura, do que se passava à sua volta e o que terá sido feito da Sérgia?

E a “malta”? O que pensariam e como aceitariam aquilo tudo, os alferes – nunca tive mais de três devido à escassez de pessoal – os sargentos – entre os quais também existiam faltas, pelo mesmo motivo – e as praças?

Corro o risco de ser injusto, mas a avaliação que faço hoje é fruto de análise de pequenas situações que foram sucedendo então e que me sugerem que se tratava de uma unidade de “homens independentes”. Havia, penso, um núcleo de mentores que lideravam naturalmente. O primeiro-sargento Cipriano Canelas, amigo de outras situações, homem sensato, competente e dedicado, tinha uma característica que pode ser considerada uma forma de resistência: procurava vestir sempre bem, fardado ou à paisana. Aglutinava à sua volta o alferes Silva, ex-seminarista e, por consequência treinado para liderar, como todos os padres; o Bateira, furriel atirador com a valentia própria de quem conheceu os “ambientes do Brasil” e que manejava a MG 42; o Rui Serras, estudante falhado de medicina, angolano de Portalegre ou portalegrense de Angola, persuasivo e alegre que, como vi mais tarde, sabia bem congregar vontades; o Mota e Silva furriel atirador eficaz e reservado.

Depois havia outros, como os malogrados Vale das Transmissões, Sá Lopes, Ranger, sempre pronto a fazer jus à sua qualificação e o Costa, gigante atirador e marido da Júlia. Ainda me lembro do Ramos, magro e louro, meu companheiro naquela coisa das minas… e o Antero Paiva. E o Carvalho, o furriel “Enfermeiro”, que fazia os possíveis por assistir a população e a “malta”, com cuidado e a qualidade possível. Havia também o Alves da Artilharia, sempre sisudo, mas pronto na “hora do aperto” e eficaz no desempenho das tarefas que lhe tocavam.

Entre os soldados, relembro o “Boxista” que tinha andado a aprender a “Nobre Arte” mas com resultados modestos, o Pilo (é nome e não alcunha) pescador do bacalhau e que preferia estar ali com os pés no chão a andar aos tombos num dóri; o Valdez das Transmissões que tocava, na flauta de bisel “El Condor Pasa” acompanhado à viola pela Sousa Pinto da mesma secção.

Todos cumpriam e bem, mas sem entusiasmo excessivo. As coisas, faziam-nas porque era necessário fazê-las, desde a guerra às tarefas de guarnição. Dir-se-ia que resistiam à provação que lhes era imposta.

Não creio que “sofressem de patriotismo exacerbado”. A Pátria, para eles, não era ali… Não notei que odiassem o inimigo, mas distanciavam-se dele. Defendiam-se e faziam a guerra porque a isso os obrigavam e não detectei que nutrissem ódio pelo inimigo, mas também não me pareceu que tivessem qualquer simpatia ou compreensão pela parte contrária. Esta atitude de reserva vinha desde a primeira baixa sofrida pela Companhia, quando tinham pouco tempo de Guiné e eu ainda não estava com eles. Fora um ferido com mina lá para os lados de Manhau. Penso que se sentiram injustiçados e daí nasceu em espécie de revolta surda de quem não teme, mas que também não acredita e, sem outra saída, mantêm uma atitude de fria independência e de liberdade escondida.

Sem grandes alardes de valentia tive prazer em os comandar, mais como cidadãos do que como soldados.

(1) - Djaló, Amadu Bailo, "Guineense, Comando Português", (pág. 246 e 247), Ed. Associação de Comandos, Col. Mama
Sume, Lisboa, Março de 2010.
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Notas de CV:

Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7874: Em busca de... (157): Camaradas da CART 3567 (António J. Pereira da Costa)

Vd. último poste da série de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6614: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (3): Gente de Cacoca e outros

Guiné 63/74 - P7879: In Memoriam (72): Jaime Maria Nunes Estêvão, sold da CART 1690 / BART 1914, natural de Ourém, morto em 24/7/1968, num ataque ao destacamento de Banjara (A. Marques Lopes)



Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  Foto do  Jaime Estêvão, morto em  por um estilhaço de morteiro,  no ataque ao destacamento, em 24/7/1968...





Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  O Sold Jaime Estêvão, natural de Ourém, à esquerda....



Guiné > Zona Leste > Sector L2 (Geba) > CART 1690 (1967/69) < Destacamento de Banjara >  Uma terceira foto  do malogrado Sold Jaime Estêvão,  lançando-se para a "piscina" à pai Adão...




Fotos: © Alfredo Reis / A. Marques Lopes (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L2 > Geba > CART 1690 / BART 1914 > Destacamentos e aquartelamentos > 1968 > A CART 1690, com sede em Geba, tinha vários destacamentos: Banjara, Cantacunda, Sare Banda, Sare Ganá... Os destacamentos não tinham luz eléctrica, as condições de segurança eram precárias e o reabastecimento irregular. O IN tinha duas importantes bases em Sinchã Jobel e Samba Culo.  A CART 1690 pertencia ao BART 1914 (Tite, 1967/69), que tem página Net.

Infogravura: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados






1. Mensagem do A. Marques Lopes, com data de 18 do corrente:

Amigo, vê em baixo o mail que me mandou esta mulher.



Tenho tentado apanhar no blogue as fotografias de Banjara, sei que o Estêvão está em algumas delas, mas não consigo ir aos sítios. Tenho informações sobre o homem, como era, como morreu... Gostava de dizer à mulher e enviar-lhe as fotografias. Já as tive mas acho que as apaguei, porque não as encontro. Se puderes indicar-me os locais onde estão...

Abraço e obrigado

A. Marques Lopes

2. Mensagem, enviada com ao A. Marques Lopes, por Maria da G. V. (não identificamos a pessoa, por que não pedimos a sua autorização expressa, por escrito), com data de 18 do corrente:



Assunto: Jaime Estevão

Boa tarde.

Interesso-me bastante por toda esta questão da guerra colonial. Marcou muita a minha infância, com partidas de amigos e familiares. Um amigo, um familiar e um meu conhecido não voltaram da Guiné. Lembro-me de ouvir falar de outros mortes na zona. Consegui situar a morte de alguns, um deles na operação Nó Górdio, em Moçambique.



Eu tinha 10 anos quando morreu o Jaime Nunes Estevão. No seu relato diz que houve um morto em Baranja no dia 18 de Maio de 68. Ele era da CART 1690 [, do BART 1914]. Foi a vítima que refere?


Há vários fotos mas sem estarem identificadas Como posso obter mais informações da vida e morte dele na Guiné e identificá-lo nas fotos?


Nunca o consegui esquecer. Ainda hoje recordo nitidamente o dia do seu funeral, as salvas de tiros, as conversas com os irmãos que eram meus colegas de escola . 


Recordo também a partida do meu tio 2 ou 3 meses depois. O barco, as lágrimas da minha mãe, avós e tias e a despedida dele do irmão mais velho, com 36 anos de idade,  em fase terminal de leucemia (morreu 6 meses depois), que lhe disse:
- Nunca mais nos veremos e, aliada à preocupação de deixar as minhas filhas [três] e a minha mulher desamparadas, ainda vou passar o resto dos meus dias a ter medo que partas antes de mim porque não sei qual de nós vai primeiro, se eu com esta maldita doença ou tu com uma bomba no meio do mato.



Ainda hoje o meu tio não gosta de falar da Guiné e não esquece a mágoa de, em vez de acompanhar o irmão e sobrinhas nos seus últimos meses de vida, ainda contribuiu para os tornar mais pesados.


Também me marcou muito a imagem da mãe do Jaime, viúva com 4 ou 5 filhos, sendo ele o mais velho. Dizia que a guerra lhe tinha levado o filho e o sustento dos irmãos mais novos, todos menores. Lembro-me de consolar o irmão Afonso, de 16 /17 anos, e dizer-lhe que ele não seria morto como o irmão porque já não seria obrigado a ir para a Guerra. 


Não me recordo de outro familiar, morreu em 1965, eu tinha 7 anos. Mas recordo vivamente a pena que tinha do meu primo, 3 anos mais novo e sem pai.  Agradeço-lhe antecipadamente qualquer informação que me possa prestar. Estou a tentar descobrir o mais possível sobre as curtas vidas destes jovens (só no concelho de Ourém, cerca de 40) que foram obrigados a partir e deram as suas vidas.


Também tomei contacto com a primeira [guerra] através do meu avô paterno que foi gaseado em França e ficou sempre com problemas de saúde. Morreram lá cerca de 14 ourienses, alguns amigos do meu avô. O meu avô materno partiu para França em 1920, com 19 anos, para fazer parte da reconstrução pós-guerra, onde ficou quase 10 anos. Cresci com as histórias de um e outro sobre a França.


Com os meus cumprimentos

Maria da G.V.



3. Mensagem de L.G., enviada em 18 do corrente ao A. Marques Lopes:

Querido António: Vê lá se encontras aqui alguma foto do Estêvão, neste dossiê de 2007... Estas são fotos do Alfredo Reis, não sei se alguma é tua... Mas julgo que tenho mais, de Banjara... Vou procurar... Estás melhor ?... Vou fazer uma referência ao teu blogue... Fica bem. Luís



4. Resposta do A. Marques na volta do correio:


Há aqui duas [fotos] onde ele está. É o que se está a mandar tudo nu para dentro de água e o que tem o javali. Era um tipo muito forte e trabalhador, amigo e companheiro. Um morteiro caiu em cima de uma árvore onde ele estava perto e um estilhaço furou-lhe o peito mesmo em cima da aorta. Caiu num charco de lama e esvaiu-se em sangue. Era o [Alf Mil Alfredo] Reis que lá estava e diz que o esteve a lavar. Eu não tenho fotografias de lá. Se arranjares mais algumas agradeço. (...)


Obrigado. Abraço


5. Comentário (final) de L.G.:

 Segundo informação constante da lista dos mortos do Ultramar,  naturais do concelho de Ourém, coligida e divulgada pelo  portal Ultramar Terraweb (laboriosa e superiormente criado e mantido pelo nosso camarigo António Pires e a sua equipa),  o nosso malogrado camarada Estêvão, Jaime Maria Nunes Estêvão, de seu nome completo, natural do Regato, Ourém, morreu 24/7/1968 (**), e está sepultado no cemitério da sede do concelho.

Gostaríamos de poder aqui, no nosso blogue e nesta série, recordar um a um todos os nossos camaradas que perderam a vida no TO da Guiné. Agradeço à Maria da G.V. a oportunidade de evocar a memória do seu amigo e nosso camarada de armas Jaime Estêvão, para cuja família e amigos de Ourém mandamos um abraço solidário.

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Notas de L.G.:

(*) Último poste da série > 27 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7873: In Memoriam (71): Fur Mil Av Frederico Manuel Machado Vidal (1943-1964), piloto de T-6, abatido em 24/2 /1964


(**) Vd. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, I Série > 25 Maio 2005
Guiné 69/71 - XXIV: O ataque ao destacamento de Banjara (1968) (A. Marques Lopes)



(...) Vou-vos falar sobre Banjara. Não havia população civil e estava cercado por mata. Estava só um pelotão, 30 efectivos. A um quilómetro havia uma fonte onde, alternadamente, os nossos e o PAIGC se iam fornecer de água. Às vezes, encontravam-se… Mas havia uma fuga concertada dos dois lados, sem tiroteio. Ficava a 45 kms da sede da companhia (a CART 1690, em Geba).

Como podem ver pelo mapa [do sector de]Geba que já vos enviei, tinha do lado esquerdo a base de Samba Culo do PAIGC e do lado direito a base de Sinchã Jobel. Os abastecimentos eram feitos por terra, com grandes dificuldades. Às vezes demoravam muito tempo, pelo que era necessário recorrer aos "produtos" da natureza, isto é, apanhar algum bicho para comer (javalis, pássaros, macacos e, até, cobras). Neste ataque de que vos dou o relatório, tentaram fazer o mesmo que em Cantacunda, mas sem sucesso.

(...) Ataque a Banjara:  24 de Julho de 1968.

"Desenrolar da acção: No passado dia 24, pelas 18H00, o destacamento de Banjara foi atacado por numeroso grupo IN, estimado em cerca de 80 elementos (Bigrupo reforçado) com o seguinte armamento:

-Morteiro 82
-Morteiro 60
-Bazooka
-Lança-Rockets
-Metralhadoras pesadas
-Armas ligeiras


"O ataque terminou às 19H15. Verificou-se que, durante o ataque, as NT sofreram 1 morto [, Sold Jaime Maria Nunesa Estêvão] 
e 2 feridos, tendo sido atingido por uma granada de morteiro a caserna e por uma granada do lança-rocketes o depósito de géneros.

"O ataque foi efectuado no sentido Norte-Sul tendo o IN instalado alguns elementos do lado Sul. Verificou-se que mal o IN abriu fogo com os morteiros 82 e 60, alguns elementos correram imediatamente para a rede de arame farpado, cortando o arame nalguns sítios, procurando penetrar no aquartelamento. No entanto, devido à pronta reacção das NT, não o conseguiram, tendo sido obrigados a retirar, após o que continuaram a flagelar o aquartelamento sem, contudo, causarem mais baixas às NT.

"Diversos: A hora a que o ataque se realizou quase que coincidiu com a hora da terceira refeição. Verificou-se que a maioria dos soldados se encontravam a tomar banho, pois tinham acabado de jogar uma partida de futebol.

"O impacto inicial do ataque foi sustido principalmente pelo soldado Manuel da Costa que, mal se iniciou o ataque, correu para a metralhadora pesada Breda e, sem ser apontador da mesma, pô-la imediatamente [em acção] e manteve-se sempre nesse posto, e pelo soldado José Manuel Moreira da Sila Marques que, sozinho, em virtude dos outros dois camaradas que constituíam a esquadra do morteiro 81, terem sido feridos, funcionou com o mesmo, tendo a presença de espírito para, a certa altura, e após ter verificado que algumas das granadas estavam sujas de terra, despir os calções para limpar as mesmas e poder assim continuar a bater o IN com um fogo bastante certeiro.

"A coluna de socorro, constituída por 1 PEL REC do EREC [Esquadrão de Reconhecimento] 2350, 1 GR COMB da CART 1690 e pelo PEL CAÇ NAT 64, saiu de Saré Banda às 07H30 do dia 25 (e tal deveu-se a ter sido necessário recolher as forças que executavam a Operação Iluminado) e atingiu Banjara às 15H00, pois foi necessário picar toda a estrada até ao destacamento de Banjara.

"Quando a coluna lá chegou ordenei que um Gr Coimb batesse toda a região, tendo o mesmo detectado várias manchas de sangue e pedaços de camuflado IN, e munições de armas ligeiras.

"Devido às baixas, deixei uma secção a reforçar o destacamento de Banjara, tendo em seguida regressado a Geba.

"Resultados obtidos: 

"Baixas sofridas pelo IN: dois mortos confirmados; várias baixas prováveis; material capturado: munições de armas ligeiras e uma granada de morteiro 82". (...)

Guiné 63/74 - P7878: Convívios (295): XXII CONVÍVIO DO BCAÇ 2884, em 28 de Maio na Régua (José Firmino)


1. O nosso Camarada José Firmino (ex-Soldado Atirador da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71), enviou-nos hoje, com pedido de publicação, uma mensagem com o programa da festa do seu batalhão:
XXII CONVÍVIO DO BCAÇ 2884
José Rodrigues Firmino ex. Sol. Atirador da CCAÇ 2585 do BCAÇ 2884 - Guiné, Jolmete 1969/71, informa que o XXII almoço convívio do BCAÇ 2884 (MAIS ALTO) composto pelas CCS, CCAÇ 2584, CCAÇ 2585 e CCAÇ 2586, terá lugar no dia 28 de Maio de 2011 na cidade da RÉGUA (Património Mundial da Humanidade)

- 10h00: Concentração de todos participantes, familiares e amigos no adro da Igreja de Nossa Senhora do Socorro;
- 10h30: Missa em honra de todos ex-Combatentes falecidos, no final da missa seguirá em caravana em direcção ao restaurante "TORRÃO" onde será servido um requintado almoço.
Para qualquer informação ou marcação contactar:
José Rodrigues Firmino josefirminoslb@gmail.com, ou
Pinto da Costa da CCAÇ 2584, telem. 919227959.

Restaurante:
Torrão-Peso da Régua
5050 PESO DA RÉGUA
Tl.: 254 313 850 e 254 322 823
http://www.pai.pt/restaurantes/restaurante-torrão/y:pt_2570904_1__1.html
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7877: O Alenquer retoma o contacto (4): Depois de Guileje, seguiu-se Ganturé (Armando Fonseca)

1. Em mensagem de 24 de Fevereiro de 2011, Armando Fonseca (ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42, Guileje e Aldeia Formosa, 1962/64), volta com mais uma das suas memórias.


O Alenquer retoma o contacto (4)

Depois de Guileje seguiu-se Ganturé

Durante a permanência do meu pelotão em Guileje, enquanto ia avançando a construção do aquartelamento, nós deslocávamo-nos com frequência a Aldeia Formosa, Buba, Bedanda, etc.

Nessas deslocações sofríamos algumas emboscadas e como reagíamos de imediato, porque tínhamos um forte poder de fogo, depressa eram aniquiladas.

Lembro-me de uma das vezes em que fomos a Bedanda, termos sofrido uma emboscada e na sequência desse ataque, em certa altura ver um arame a ir pelo ar, saindo debaixo da minha auto-metralhadora. Esse arame não era nada mais nada menos do que o comando de uma mina que depois de levantada tinha o bonito peso de sete quilos.

Pelo que se deduziu, o arame foi puxado no exacto momento em que uma das rodas o pisava e por isso se partiu e a mina não explodiu. Depois de bem examinado o local, ainda havia mais outra mina idêntica uns metros mais à frente, mas que devido à nossa rápida reacção, o IN partiu em debandada e não houve tempo de a fazer explodir.

Depois do aquartelamento de Guileje ter condições de alguma segurança para defesa do pelotão que aí se instalou, nós rumamos para outras paragens.

Em Gadamael Porto encontrava-se uma Companhia que se encontrava totalmente isolada por estrada, devido às dezenas de árvores que ocupavam as estradas que comunicavam com essa localidade vindas de Norte. Ali só se chegava de barco ou de helicóptero.

Essa Companhia era constantemente flagelada pelos ataques do IN e toda aquela gente vivia em frequente sobressalto, até que foi posta em marcha a Operação “Furão” que tinha por fim pôr transitável a estrada entre Guileje e Gadamael.

Então, a 2 de Fevereiro de 1964, lá vamos nós a escoltar os Caçadores e a Engenharia a fim de desobstruir a estrada. Assim: depois de quase um dia, e de várias dezenas de árvores cortadas e retiradas para as bermas da estrada, chegámos a Gantoré que se situa a cerca de três quilómetros de Gadamael Porto.

Ao chegarmos, foram detectados vários vestígios da presença do IN que aí se tinha instalado, porque as tropas que estavam em Gadamael não conseguiam vir até aí sem que sofressem grandes emboscadas que as obrigavam a voltar para trás.

Depois de instalado em Ganturé um perímetro de segurança, o Pelotão de Cavalaria deslocou-se a Gadamael onde foi recebido com pompa e circunstância; havia um grande lanche à nossa espera com comida e bebida à descrição.

Nesse dia eu que nem sou de muitas bebidas, apanhei o maior pifo da minha vida, que nem sei como regressei a Gantoré, nem por onde o carro passou, só sei que acordei no outro dia de manhã debaixo do carro, deitado em cima de um pouco de capim seco que alguma alma caridosa se encarregou de lá colocar.

Durante os próximos dias seguiram-se a montagem do arame farpado à volta do aquartelamento, a escavação de abrigos, a melhoria de habitabilidade das palhotas ali existentes, que eram agora as nossas habitações, e escoltas aos arredores a fim de serem minados os possíveis acessos do IN.

O meu Pelotão deslocava-se a Gadamael várias vezes por dia visto que era lá que funcionava a cozinha e as messes de Sargentos e de Oficiais. Por vezes também nos deslocávamos a Guileje.

Nessas deslocações, nos locais que se julgavam perigosos, fazia-se fogo de reconhecimento e numa dessas vezes aconteceu um caso pouco vulgar:

Ao serem feitas algumas rajadas para reconhecimento, no cruzamento entre Gantoré, Gadamael Porto e Gadamael Fronteira, senti uma leve comichão no pescoço e um liquido viscoso a correr-me pelo peito. Qual não foi o meu espanto ao verificar que já existia uma quantidade de sangue dentro da camisa.

Coloquei um penso e ao chegar a Gadamael o médico verificou que havia um corte provocado por um objecto metálico. Como não tínhamos ouvido nenhum tiro por parte do IN isso criou-nos alguma admiração. No regresso fomos averiguar no local se havia alguns vestígios de algum atirador isolado, mas o que se encontrou foi uma lasca de ferro tirada de um poste dos fios telefónicos que era de ferro, o que nos levou a supor que foi o nosso próprio fogo que me provocou esse ferimento.

Quem havia de dizer que aquela lasca arrancada pelo fogo das nossas metralhadoras vinha entrar pela janela de visão do condutor, que é muito limitada em tamanho, cerca de 40X15cm.

Cerca de um mês depois, quando nos deslocávamos ao encontro de uma coluna que se destinava ao abastecimento do aquartelamento de Guileje vinda de Aldeia Formosa, pois como anteriormente citei, nunca os dois Pelotões de Cavalaria se encontravam do mesmo lado do rio Balana, por causa da possível destruição da ponte, sofremos uma emboscada em que de novo voltei a ser ferido por uma rajada, que batendo na frente da auto metralhadora junto da janela, cujos estilhaços das balas juntamente com tinta se vieram espetar na minha cara. Fiquei com quatro ou cinco ferimentos ligeiros, e o resto eram pedaços de tinta espetados por toda a cara. O Alferes ao ver a minha cara ficou estupefacto, ainda ficou mais preocupado do que eu.

Até esta altura, Março de 1964, já com 22 messes de comissão, nunca tínhamos tido ninguém ferido, mas aqui o nosso bom anjo parecia ter-nos abandonado.

Permanecemos em Ganturé até 20 de Maio. No dia seguinte fomos para Sangonhá, mas ficará para uma próxima edição, que por agora não me vou alongar mais.

Um grande abraço para toda a tabanca, em especial para os seus editores
Armando Fonseca
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7736: O Alenquer retoma o contacto (3): Actividades do Pel Rec Fox 42 em Janeiro e Fevereiro de 1963 (Armando Fonseca)

Guiné 63/74 - P7876: Blogues da nossa blogosfera (43): Falando de Brasões, de Escudos de Armas e de ironias históricas (José Belo)



1. Com a devida vénia, transcrevemos este texto (e imagens) com a qualidade JB, não a do bebível com 15 anos, mas a do nosso camarada José Belo (ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70), actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, inserto no seu Blogue Lappland to Key-West.


OS BRASÕES, OS ESCUDOS DE ARMAS E AS IRONIAS HISTÓRICAS


OBS: - O Brasão da bonita Buarcos nada tem a ver com esta pequena ironia histórica. Muito pelo contrário, é uma homenagem por parte da Tabanca da Lapónia a um MUI ILUSTRE leitor da mesma, um SENHOR D'A, que vive, precisamente, em Buarcos.


Alguns dizem hoje que o lugar dos Brasões será num Museu de História. Outros, talvez mais radicais, afirmam que estes devem fazer parte do "lixo da História". Como somos um Povo com uma História de que nos devemos orgulhar, vamos antes procurar uma zona central e dizer que eles (os Brasões) pertencerão às... "Curiosidades da História.

Foi com alguma curiosidade que, há tempos, observei um Escudo de Armas junto de alguns dos comentários a postes de um muito conhecido blogue de ex-combatentes da Guiné. Achei algo de familiar naquele Escudo de Armas. A ser mais preciso, diria que achei algo de "meio-familiar". A leitura heráldica do referido Escudo apresenta um campo vermelho com cinco asas de ouro, postas em sautor. (Abreus, modernos). Mas, se dividirmos o Escudo de Armas a meio, no sentido vertical, e lhe acrescentarmos um campo de ouro com quatro palas de vermelho (Lima, antigo), surge o Escudo de Armas da família medieva dos Abreus e Limas. À qual, curiosamente, estou ligado pelo lado da minha Avó paterna.  Posso garantir aos leitores que ISTO não se trata de mais uma operação de "Agit-Prop" [...]. Como muito bem diz o nosso Povo na sua sabedoria de muitos séculos feita: "No melhor pano cai a nódoa"! (Ou serão antes... as nódoas?)

Escudos de Armas, Brasões e outros bonitos floreados medievos, serão "distintos". Principalmente quando se bebe chá com torradas, tendo um anel brasonado no espetado dedo. (Muitos havia na Casa de Chá "Versailles" da Lisboa da minha juventude). Quantos falsos? Mas, isso já são outras histórias.

Facto é que já há muitos anos, curioso com a tal ligação familiar aos "Senhores D'Abreu e Lima",  procurei todas as informações possíveis sobre o historial da mesma, e dos dois ramos que a formam (Abreus e Limas). Como todas as famílias com raízes nos princípios da época medieval, a história é longa e cheia de acontecimentos. Alguns de "gargalhar", outros de "meditar", e, outros ainda de... procurar esquecer!

Como "detalhe" interessante, (principalmente para alguns pseudo-nacionalistas "à outrance"), deve-se salientar que os varões da Família Abreu, e da Família Lima, estiveram presentes (e lutaram!) na que talvez tenha sido uma das mais importantes batalhas da nossa História - Aljubarrota. Só que, e como algumas outras famílias portuguesas nobres... ao lado do Rei de Castela, integrando as tropas invasoras de Portugal! (Visto da perspectiva da "escumalha-independentista" portuguesa, o lado escolhido terá o que se lhe diga.) É claro que os tempos, as tradições, as vassalagens, OS INTERESSES DE CASTA, e não só, seriam outros. Mas, e de qualquer modo, são interessantes algumas das aversões, quase genéticas (por parte de alguns), à... escumalha miúda.

E, meus Amigos, o humor Lapão nada tem a ver com isto.
José Belo


2. Comentário de CV:

E por falar em humor, façam o favor de ir ler os comentários a propósito deste artigo. Não percebi muito bem, mas até se fala lá da introdução da banana (?).
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Fevereiro de 2011 &gt; Guiné 63/74 - P7728: Parabéns a você (212): Agradecimento do José Belo, um lusitano na terra dos Vikings

Vd. último poste da série de 18 de Fevereiro de 2011 &gt; Guiné 63/74 - P7813: Blogues da nossa blogosfera (42): Coisas da Guiné, de A. Marques Lopes

Guiné 63/74 - P7875: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (72): Na Kontra Ka Kontra: 36.º episódio




1. Trigésimo sexto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 27 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


36º EPISÓDIO

O Alferes ficou aparvalhado, sem saber o que dizer. Passava-se alguma coisa com o seu amigo. Antes de ir para Madina Xaquili davam-se como verdadeiros amigos e agora a reacção do Ibraim era perfeitamente incompreensível. Estendeu o dinheiro, recebeu o bilhete e entrou. Sentado à espera que o filme comece pensa em tudo o que podia ter provocado aquela reacção, não chegando a conclusão alguma. Decide que no fim do espectáculo irá tirar tudo a limpo, confrontando o amigo com a reacção que tinha tido.

Depois dos documentários, que desta vez foram sobre as Pousadas de Portugal, e começado o filme dessa noite é que o Alferes se apercebe que se trata do “Deserto Vermelho” de Antonioni. Óptimo filme, mas nestas circunstâncias talvez preferisse um tema menos pesado, quiçá uma “coboiada”.

O que é certo é que no intervalo metade da assistência já não voltou à sala. O filme era realmente difícil.

No fim o Alferes deixou sair todo o pessoal e só depois de dirigiu para a saída. O Ibraim não teria justificação para não falar com ele.

Ou porque já não havia necessidade de controlar as entradas, dado o género de filme, ou porque o Ibraim efectivamente não se queria encontrar com o amigo, o que é certo é que o Alferes não conseguiu descortiná-lo. Acabou por ir para o quartel convencido que o Ibraim tinha algo contra si. Por um lado quer resolver a situação, por outro tem receio de enfrentar a realidade que lhe pode ser adversa e decide estar algum tempo sem ir ao cinema para não ter um NA KONTRA que se poderia transformar num KA KONTRA, nada desejado.

Como depois do trabalho permanece mais tempo no quartel, dedica-se novamente ao jogo da “lerpa”, continuando a perder, como sempre acontecia.

Azar ao jogo, sorte no amor, eis que chega do Porto, a resposta da sua namorada. Dedica-se agora a escrever-lhe longas e apaixonadas missivas. Raramente joga às cartas.

Pelo motivo que é conhecido não vai ao cinema durante várias semanas. Algumas vezes joga às cartas e até ganha… o que o preocupa. Os dias vão passando.

O Alferes Magalhães sentado à porta do bar de oficiais do
Comando de Agrupamento.

Num fim duma manhã, estando a trabalhar no seu local de trabalho, na Sala de Operações, vêm chama-lo pois estava lá fora um militar nativo com galões de Alferes que lhe queria falar. Não era mais do que o João Sanhá de Madina Xaquili. Há um NA KONTRA efusivo. Ambos estão felizes por se reverem, no entanto o Alferes Magalhães nota que o semblante do João é mais carregado do que habitualmente. Não foi preciso esperar muito tempo para saber a razão. O João vai contando que agora lá na tabanca já não há moranças. Que as coberturas das palhotas que não arderam durante os ataques estavam agora sobre os abrigos para estes não se esboroarem. Quanto aos ataques, referiu que já tinha havido vários e no que houve na semana seguinte ao primeiro, quando o Alferes Magalhães já estava em Bafata, morreu o Dionildo. O João carregou ainda mais o semblante.

Consternação do Alferes. Terrível. O seu amigo Ibraim vira-lhe a cara e agora o seu amigo Dionildo morria.

Reage mais uma vez a uma má notícia e, como era seu costume, convida o João para almoçar. No Senhor Teófilo comem uma bela cachupa, que a esposa dele tinha cozinhado nesse dia.

De regresso ao quartel, depois de se despedir do João, não deixa de pensar e repensar: Morre o Samba, o Ibraim não lhe fala e o Dionildo, de quem se tinha tornado grande amigo morre agora também. Se antes repetia, porquê o Samba, agora repete sem cessar: Porquê o Dionildo?

Os dias continuam a passar. Com o reatar da correspondência com a namorada e “as coisas” a correr pelo melhor, o nosso Alferes resolve ir de férias à Metrópole. No princípio de Novembro de 1969 e no dia aprazado toma o avião, o Dakota, para Bissau. O avião sobrevoa a relativa baixa altitude regiões que ele sabe muito bem serem autênticos santuários do PAIGC, como o Oio. Chega a ver pessoas em tabancas controladas pelos guerrilheiros. A viagem é curta e depressa o avião se faz à pista do Aeroporto de Bissalanca.

O Dakota onde vai o Alferes Magalhães sobrevoando a
tabanca da Ponte Nova.

Passa dois dias em Bissau antes de embarcar para a metrópole. Encontra-se com amigos e com os Alferes do seu curso de Mafra que ficaram a trabalhar no Quartel General. São dois dias já de verdadeiras férias. Não deixa de ir à “Casa Gouveia” comprar algumas prendas para os familiares, mas sobretudo para a sua namorada.

Na manhã do embarque deixa o aposento, que ocupava com mais sete camaradas nas instalações do Quartel de Santa Luzia e, pedindo um táxi, dirige-se para Aeroporto.

O Alferes Magalhães na camarata do QG.

Os aviões vêm de Lisboa durante a noite, passando pela ilha do Sal em Cabo Verde e regressam durante o dia à Metrópole. Não atravessam o continente africano. Os países a sobrevoar não o permitem por Portugal ser um país colonialista. De qualquer modo vai-se sempre a ver a costa de África. Sabendo disso o nosso Alferes, ao fazer o check-in, pede um lugar à janela e do lado direito da cabine.

Chamam para o embarque. O nosso Alferes tem que mostrar o cartão de embarque e um documento, o Passaporte Militar, trazido de Bafata. Depois de muito procurar, de esvaziar várias vezes os bolsos e um pequeno saco que levava com ele, o dito documento não aparece. Todos os passageiros já tinham embarcado. Sem Passaporte Militar o Alferes Magalhães ia ficar em terra.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7861: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (71): Na Kontra Ka Kontra: 35.º episódio

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7874: Em busca de... (157): Camaradas da CART 3567 (António J. Pereira da Costa)

EM BUSCA DE...

CAMARADAS DA CART 3567

1. De acordo com o solicitado em mensagem de 26 de Fevereiro de 2011, pelo nosso camarada António José Pereira da Costa* (Coronel Art na reserva, na efectividade de serviço, que foi comandante da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74), divulgamos o seguinte apelo:

A fim de eventualmente poderem participar no próximo Convívio da CART 3567, a ter lugar no dia 7 de Maio de 2011, em Portalegre, procuram-se informações dos seguintes camaradas, de quem nada se sabe:

Nelson Roma de Moura Pereira
Rúben Dias
Manuel Casimiro Esteves Antunes
José Alberto Guerreiro Gonçalves
Bernardino Silva Faria
Roberto Joaquim António Sequeira
Carlos Alberto Gonçalves Alpuim
Licínio Manuel F. Rios

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Notas de CV:

Emblema da CART 3567 da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho

(*) Vd. poste de 27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7513: Os nossos seres, saberes e lazeres (28): Banco de Crachás e Guiões (António Costa)

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7846: Em busca de... (156): Paula Simões, filha do Sold da CCAV 1482 (1965/67), César J. Simões, procura notícias de seu pai e dos seus camaradas (V. Briote / J. Martins)

Guiné 63/74 - P7873: In Memoriam (71): Fur Mil Av Frederico Manuel Machado Vidal (1943-1964), morto em 24/2 /1964


Furriel Mil Aviador Frederico Vidal (1943-1964)

Foto:   De origem desconhecida

1. Mensagem que nos chega através do nosso co-editor Virgínio Briote:

Caros Luís, Carlos e Eduardo: Reencaminho esta mensagem, de remetente que desconheço [ tudo indica que seja um camarada da FAP, que com ele privou, no TO da Guiné], pelo interesse que tem: recordar o Furriel Piloto Frederico Vilar, morto em 24 [e não 21] de Fevereiro de 1964 [, possivelmente na Ilha do Como].

vriote


2. Mensagem de um camarada da FAP, que não se identificou:

Esta é uma foto do Furriel Piloto Frederico [Manuel Machado] Vidal, abatido na Guiné, quando voava num T-6 [?], no dia 24 [e não 21] de Fevereiro de 1964,  um dia antes de completar 21 anos.

O pequeno macaco que está no seu ombro era um Sagui [ ou babuíno ? ] que juntamente com um cão (o Borrachão) nos divertiam, junto à rede, que isolava o grupo operacional do resto da base por razões de segurança. Ler esta imagem é um exercício transcendente, mas gratificante, para todos aqueles que também combateram na Guiné.

É a última recordação que o Frederico nos deixou e o seu facies  é duma inocência e candura a toda a prova. Que descanse em Paz e peça a Deus por todos nós, povo da sua Pátria, pela qual deu a vida. (**)

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Notas de L.G.:

(*) Na lista dos mortos do ultramar, da Liga dos Combatente, o Frederico Manuel Machado Vidal, de seu nome completo, morreu em 24/02/1964, em combate, no TO da Guiné. Em Albarraque, Sintra, há uma rua com o seu nome... Rua Furriel Aviador Frederico Manuel Machado Vidal - Albarraque - Sintra - Portugal,  Código Postal: 2635-036.

Segundo o sítio Geneall, o nosso camarada Vidal nasceu em 25/2/1943, filho de Frederico Manuel de Freitas Vidal (Cascais, 1912- Cascais, 1997) e de Maria Helena da Silveira Machado (1915 -2003).


(**) Último poste da série 16 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7623: In Memoriam (70): Na morte de Vitor Alves (1935-2010). Em memória de um homem honesto. (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P7872: Notas de leitura (210): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Está concluída a leitura das mais de 600 páginas de “A Última Missão”**. Recomendo a toda a gente: nada de prosápia, crítica quando necessário, denúncia da situação injusta em que vivem aqueles guineenses que connosco combateram, memórias poderosas de três comissões, relatos indispensáveis do que ele viveu na Guiné, nomeadamente em 1972 e 1973.

A literatura memorial ficou mais rica com esta prosa sincera, nobre, própria de um combatente valoroso que se esconde por detrás dos seus soldados, como compete a quem tem coragem e repudia a farronca.

Um abraço do
Mário


A batalha de Guidage (1973) e a última missão em Guidage (2008)

Beja Santos

“A Última Missão”, por José de Moura Calheiros (Caminhos Romanos, 2010) é uma obra fundamental para a literatura de carácter memorial da guerra da Guiné, mais propriamente de toda a guerra que envolveu as Forças Armadas Portuguesas entre 1961 e 1974. Trata-se de uma grande angular de um oficial pára-quedista que experimentou dentro das matas e em operações de altíssimo risco o que foram as guerras de guerrilhas em Angola, Moçambique e Guiné. Combateu ao lado dos seus soldados, gizou operações, foi submetido ao stresse de enviar tropas especiais e de quadrícula para o aceso dos combates. O coronel Calheiros viveu episódios excepcionais como Guidage e Gadamael, em 1973, esteve na reocupação do Cantanhez.

Em 2008, voltou à Guiné para trazer de volta os corpos dos combatentes que estavam inumados no cemitério militar de Guidage. Detentor de um impressionante acervo fotográfico, o autor maneja a memória e a imaginação de uma forma poliédrica durante esta última missão, confrontando o leitor com a história de três teatros de operações, entre 1963 e 1973. É um documento de grande dignidade e coragem. A dignidade de exaltar os companheiros e os feitos. A coragem em assumir as convicções, como é patente até nas críticas que faz a relatos militares onde deliberadamente se omitiram os feitos ou desempenhos das tropas pára-quedistas e dos seus chefes, no caso específico da Guiné.

Toda esta viagem até Guidage proporciona retornos à sua vida operacional, há sempre bons pretextos para comparar a Guiné de ontem e de hoje, a evolução das lutas em Angola e Moçambique. Descreve a preparação dos pára-quedistas, como era a vida do BCP 12, em Bissalanca, no tempo da sua comissão entre 1971 e 1973, conta-nos minuciosamente o que vão fazer em Guidage, detalha até ao mais terrífico dos pormenores as vicissitudes em torno do cerco de Guidage desenvolvido pelo PAIGC. A guiarmo-nos pelo depoimento do comandante Manuel dos Santos (“Manecas”, comissário e comandante da frente Norte do PAIGC), Guidage foi sujeita a um cerco brutal mas, escreve ele em “A Última Missão”, o objectivo deste cerco não estava ali, mas em Guileje que iria ser submetida a uma tempestade de fogo. Amílcar Cabral terá dito que se Guileje caísse tudo mais se desmoronaria. O cerco de Guidage não era mais do que uma manobra de diversão com o objectivo de atrair para a sua defesa todas as forças de intervenção portuguesas, impedindo-as de dificultar o assédio do PAIGC a Guileje. O dispositivo bélico do PAIGC metia respeito, tal como ele o descreve, envolvendo corpos de exército, uma bateria de artilharia pesada e mísseis terra-ar. O cerco começou como uma emboscada a aviões que iam fazer a evacuação de feridos a Guidaje, dois aviões foram abatidos, pelo menos. Isto no dia 4 de Abril de 1973. Depois montou-se o dispositivo do cerco sobre a estrada Binta-Guidage, com uma concentração de todas as unidades na base de Cumbamory. Ele escreve que nunca houve intensão de ocupar Guidage mas sim de provocar um elevado potencial de pânico e desmoralização. Desmente categoricamente o que tem vindo a ser escrito sobre os resultados da operação dos Comandos Africanos à base de Cumbamory. E escreve mesmo: “As afirmações de que os Comandos teriam encontrado e destruído milhares de munições, centenas de armas ligeiras, metralhadoras, granadas e minas, centenas de lanças-granadas, dezenas de rampas de foguetões e muito mais, são uma pura fantasia!” E remata:” Este ataque à nossa base em nada afectou o nosso potencial e a operação de cerco apenas terminou quando já não tínhamos necessidade de desviar as Forças de Intervenção do nosso objectivo principal, que não era ali, mas sim no Sul da Guiné”. O cerco iniciou-se em Abril, o PAIGC movimentou bastantes unidades, abateu dois aviões e outro desapareceu. Guidage ficou sem possibilidades de reabastecimento por ar. Começaram as dificuldades por estrada, logo em 17 de Abril, a caminho de Binta, com minas anti-pessoal. No início de Maio começaram as intensas flagelações bem como a Bigene. Com o cerco pretendia-se não deixar passar nenhuma coluna de viaturas nem tropa apeada. O coronel Calheiros descreve o calendário do assédio e o sofrimento de todos. Os pára-quedistas que morreram iam a atravessar a bolanha de Cufeu. Só em Junho é que se retomou a normalidade. O capitão Salgueiro Maia conta, aliás, o episódio da coluna de reabastecimento em que participou em 11 de Junho.

Outro relato de grande envergadura é a descrição que nos oferece da batalha de Gadamael, surgiu na sequência na retira de Guileje, outro inferno em que capitão e médico vão ser feridos, a população civil refugia-se no tarrafo depois de ter saqueado os géneros da cantina, o comandante do COP 5, recém-chegado não conhecia os oficiais, nem os sargentos nem as instalações, nem sequer o perímetro defensivo e plano de defesa e não tinha comunicações com o exterior. E também não tinha soldados. A intensidade dos bombardeamentos em 1 de Junho foi de 800 granadas. A Companhia que estava em Cacine enviou uma mensagem para o comando-chefe informando que Gadamael estava destruída e que o pessoal fugira para o mato. Entre 1 e 3 de Junho, o Comandante de Gadamael, alguns oficiais e sargentos e entre 10 a 15 outros militares (os que não abandonaram as instalações) passaram o tempo a lançar algumas granadas de morteiro 81 e a disparar tiros de metralhadora. Há verdadeiros casos de heroísmo, façanhas que honram o militar português. O General Spínola tenta aterrar em Gadamael, não consegue, as lanças da Marinha procedem à recuperação de cerca de três centenas de militares e população que se haviam refugiado no tarrafo. Os pára-quedistas foram determinantes na distensão em Gadamael nesse período dramático. O coronel Calheiros exalta a liderança do tenente-coronel Araújo e Sá, terá sido fundamental para solucionar os problemas defensivos de Gadamael.

Voltamos a Março de 2008, em Guidage a equipa técnica conseguem localizar as campas e procedem à exumação daqueles que ali pereceram em Maio de 1973. É nessa operação que se descobre um coração em pedra rosada que estava na zona do peito do soldado António Vitoriano. Fica assim resolvido o mistério daquela mão aberta com um círculo vermelho que vem na capa do livro. A missão está cumprida, o coronel Calheiros rememora as muitas dores daquela comissão, também o sofrimento que vira em Moçambique naqueles postos avançados em que um pequeno número de soldados eram vítimas fáceis do guerrilheiro John. Em Portugal irão ter lugar as cerimónias do último adeus aos pára-quedistas.

É indiscutivelmente um dos relatos mais emocionantes que um militar escreveu sobre a guerra de África. É uma escrita de boa qualidade, entremeia a singeleza com o crisol dos grandes valores que levaram os combatentes a resistir ao infortúnio na determinação do cumprimento do dever. Até às consequências de trazer os restos mortais dos que se doaram ao supremo sacrifício. Leitura obrigatória para o nosso dever de memória.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7868: Notas de leitura (209): A Academia Militar e a Guerra de África (Mário Beja Santos)

(**) Vd. postes de:

17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7805: Notas de leitura (204) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (1) (Mário Beja Santos)
e
18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7871: Blogoterapia (179): Espero, para o ano, reformado, participar no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande (Gumerzindo Silva, CART 3331, Cuntima, 1970/72)

1. Mensagem do Gumerzindo Caetano da Silva (ex-Sold Cond, CART 3331, Os Tigres de Cuntima, Cuntima, 1970/72, a viver na Alemanha desde 1973), agradecendo os votos de parabéns +pelo seu aniversário que lhe foram transmitidos pelo P7858 (*)




Meu Caro Camarigo Luis Graça:


Não calculas a satisfação que se sente ao ver-nos neste dia especial
rodeado de tantos amigos. Já o fiz no blogue e agora faço-o, a ti em particular, venho agradecer-te imenso porque vocês são de facto espectaculares. 


Não te vou roubar muito tempo, porque calculo que todo ele é pouco,mas a verdade
é que te devo dizer que,  quando em Setembro de 2009 fui confrontado com um
ligeiro AVC que,por graça de Deus,foi simplesmente um grande aviso, tive um grande senhor Neurologista que,  ao fazer-me perguntas sobre o meu passado,e quando lhe contei que tinha estado na guerra na Guiné, e que hoje acompanhava tudo o que se tinha passado na altura, ele aconselhou-me a pôr isso um pouco de parte e eu fi-lo,embora de tempos a tempos, lá fosse dar uma espreitadela.


Hoje sinto-me totalmente diferente,  melhor, mas continuo a ter cuidado. Depois veio um problema familiar. (...).
 Daqui a um ano estarei reformado, e depois se houver saúde e sorte estarei mais tempo em Portugal do que aqui na Alemanha. Estou ansioso para assistir a um Almoço em Monte Real, mas vamos aguardando até que chegue o dia. Se tudo correr como, estou planeando, no próximo encontro estarei em Portugal mas para assistir ao almoço da minha CART 3331, não é possível dividir-me em dois, mas estarei perto uma vez que o nosso convívio este ano é na Figueira da Foz.


Como quase sempre vou na sexta e volto na segunda.Luis,  cumprimentos à tua família. Para ti este grandioso Alfa Bravo do Caetano.  (**)
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Gumerzindo Caetano da Silva
Hauptstr. 112
D 53797 Lohmar
Tel.: 0049 2246 8201
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 25 de Fevereiro de 2011 >  Guiné 63/74 - P7858: Parabéns a você (220): Gumerzindo Silva, ex-Soldado Condutor da CART 3331 (Tertúlia / Editores)


 (**) Último poste da série  >  22 de Fevereiro de 2011  >  Guiné 63/74 - P7844: Blogoterapia (178): Regresso ao passado (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P7870: Parabéns a você (222): Luís R. Moreira (ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447 (Tertúlia / Editores)



PARABÉNS A VOCÊ

27 DE FEVEREIRO DE 2011

LUÍS MOREIRA*

Caro camarada Luís Moreira, a Tabanca Grande está contigo nesta data festiva.

Assim, vêm os Editores, em nome de toda a Tertúlia desejar-te um feliz dia de domingo de aniversário junto dos teus familiares e amigos mais próximos.

Que festejes esta data por muitos anos, com muita saúde e boa disposição, tendo sempre por perto aqueles que amas e prezas.

Na hora do brinde não esqueças os teus camaradas e amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que irão erguer também uma taça pela tua saúde e longevidade.
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Notas de CV:

Luís R. Moreira foi Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447, Guiné, 1970/71.

Postal de Parabéns de autoria do nosso camarada Miguel Pessoa

(*) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5890: Parabéns a você (83): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447, Guiné 1970/71 (Editores)

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7866: Parabéns a você (221): João Carlos Silva, ex-Cabo Especialista da FAP (Tertúlia / Editores)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7869: Memória dos lugares (145): Bedanda 1972/73 - Filhos da Terra / Filhos da Guerra (2) (António Teixeira)

1. Continuação da apresentação da série de fotografias dedicadas aos Filhos da Guerra*, do nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda; 1971/73).


BEDANDA 1972/73

FILHOS DA TERRA / FILHOS DA GUERRA (2)










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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7863: Memória dos lugares (144): Bedanda 1972/73 - Filhos da Terra / Filhos da Guerra (1) (António Teixeira)

Guiné 63/74 - P7868: Notas de leitura (209): A Academia Militar e a Guerra de África (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Um volume da maior utilidade para entender o papel da Academia Militar no decurso da guerra. A estrutura do seminário permitiu obter um leque variado de opiniões, desde o contexto internacional, passando pela análise da sociedade portuguesa e olhar de vários oficiais sobre a evolução dos três teatros de operações.

Um abraço do
Mário



A Academia Militar e a guerra de África

Beja Santos

Em 28 de Maio de 2009 a Academia Militar promoveu um seminário intitulado “A Academia Militar e a Guerra de África”. O acervo documental desde evento deu lugar a uma publicação: “A Academia Militar e a Guerra de África”, edição da Academia Militar e Prefácio Edições, 2010. Sumariam-se algumas das questões tratadas no decurso dos trabalhos.

O Prof. António Telo abordou o enquadramento internacional e a situação política nacional nesse período de 13 anos. Considera ter havido dois momentos fundamentais no decurso do conflito no que diz respeito aos apoios externos para a estratégia seguida por Salazar: no início da década de 60 ocorreu um afastamento em relação à Grã-Bretanha e aos EUA o que foi acompanhado de uma aproximação à França e à RFA; na segunda metade dos anos 60 registou-se uma aproximação à África do Sul e à Rodésia, o regime apostou na construção de uma estratégia comum para a África Austral. O Reino Unido descolonizara de maneira pacífica, aceitou os ventos da História, isto enquanto, ainda no mandato de Eisenhower, se inflectia para uma política de descolonização e tal doutrina acentuou-se com a administração Kennedy. Sem estes apoios, o regime, necessitando de um exigente esforço militar, procurou dois parceiros com interesses na região. Está hoje bem esclarecido porque é que a RFA praticou tão boa vizinhança com o regime de Salazar: tendo enveredado pelo rearmamento próprio, a NATO precisava de dispor de uma retaguarda segura para essa frente da Europa Central, a Espanha não fazia parte da NATO, optou-se por Portugal. A RFA assinou três dezenas de grandes acordos de cooperação com Portugal: base de Beja, o uso de Alverca, modernização da indústria de defesa em Portugal, a espingarda G3, a pistola Walther, as metralhadoras ligeiras passaram a ser fábricas em Braço de Prata e outras unidades, montagem em Portugal do Unimog, aquisição de aviões Do-27, etc., etc. Escreve o historiador: “O que acontece na década de 60 é que Portugal desenvolve duas estratégias nacionais: uma oficial e outra real. Na estratégia oficial, Portugal aposta tudo no conceito de “pátria pluricontinental e multirracial”, o que implica o envolvimento nas três guerras de África e a criação de um mercado de livre circulação do escudo, que abarcava Portugal e as suas colónias. Na estratégia real, Portugal aproxima-se cada vez mais da RFA e da França que eram a locomotiva da CEE, tanto em termos de comércio, como dos financiamentos, dos fluxos técnicos ou humanos”. E de facto a França e a RFA foram os grandes apoios internacionais na primeira fase do esforço das guerras de África. Os problemas vão surgir com o fim da guerra da Argélia e com a viragem política da RFA aproximando-se do Leste. A política diplomática de Salazar, virou-se para outras alternativas: Lisboa apoiou, em 1966, a declaração unilateral da independência da Rodésia branca; assinam-se acordos com a África do Sul, tanto no campo económico como na cooperação militar. Em absoluto sigilo, desenha-se um entendimento estratégico que abarcava toda a África Austral. A África do Sul, a partir de 1967, fornece equipamento militar e intervém em operações, nomeadamente com helicópteros, primeiro, e acções combinadas e a criação de uma força internacional, depois. Quando se chega ao 25 de Abril, a CEE era de longe o maior parceiro de Portugal em termos de comércio e na África Austral estava em curso uma operação que procurava consolidar a supremacia branca em Angola e Moçambique.

Numa comunicação sobre a formação de oficiais entre 1960 – 1974, o coronel Vieira Borges realçou o papel da Academia Militar como escola de formação dos oficiais dos quadros permanente do Exército e da Força Aérea, destacou as preocupações dos diferentes comandantes da Academia nestes períodos, os planos dos cursos e também a formação dos quadros de complemento. A Academia formou entre 1960 e 1974 mais de 1100 oficiais; a formação foi-se adaptando à guerra subversiva.

O coronel David Martelo debruçou-se sobre o recrutamento de oficiais, destaca, através dos números, o desgaste provocado pela guerra e a necessidade de recorrer aos capitães milicianos bem como à formação de oficiais na Escola Central de Sargentos. Analisou com minúcia a controversa legislação de 1973 que fez estalar o descontentamento dos oficiais do quadro com os estímulos aos capitães do QEO e introduziu dinâmica ao chamado movimento dos capitães.

A professora Maria Helena Carreiras procedeu a uma intervenção sobre o papel das mulheres na sociedade portuguesa, durante o período do conflito africano, deteve-se no MNF – Movimento Nacional Feminino, as Madrinhas de Guerras, as enfermeiras pára-quedistas e as mulheres dos militares, tanto na retaguarda como na linha da frente. “Falar da guerra só no masculino é contar apenas uma parte da história”, concluiu.

Num diagnóstico sobre o retrato do militar português, o tenente-general Abel Couto começou por apresentar a evolução dos comportamentos da juventude face ao serviço militar obrigatório. O que ressalta das estatísticas é o crescimento da percentagem dos apurados e a elevada percentagem de faltosos, adiados e voluntários. Traçou o enquadramento do militar na guerra, sobretudo o carácter do soldado e referiu-se aos efectivos e baixas.

Os oradores seguintes referiram-se aos três teatros de operações. O tenente-coronel Pires Nunes deixou bem claro na sua exposição que a situação militar em Angola reduzira a estilhas os três grupos de guerrilheiros. O coronel Matos Gomes, a propósito de Moçambique, referiu detalhadamente as estratégias do general Augusto dos Santos e do general Kaúlza de Arriaga, considerando que a estratégia de Kaúlza se revelou inadequada e incapaz de estabilizar militarmente Moçambique, não contribuindo para a resolução do problema político. O general Manuel Monge, a quem competiu a análise do teatro de operações da Guiné, concluiu a sua intervenção da seguinte maneira: “O general Spínola não aceitou, em 1973, permanecer na Guiné porque quando comunicou ao professor Marcelo Caetano que só uma solução política era possível para a guerra, a resposta dada foi de que era preferível uma derrota militar com honra do que ter que negociar com terroristas. Os militares sabiam o que os políticos de então consideravam “uma derrota militar com honra, pelo modo como as Forças Armadas tinham sido tratadas na Índia. Obviamente que Spínola não podia aceitar isso, foi substituído pelo general Bethencourt Rodrigues. Um grande general foi cumprir uma missão de sacrifício quando já não havia esperança: a Guiné estava perdida. Então os centuriões perceberam que já não era possível defender a Pátria nas fronteiras do Império. Havia que volver à Europa. Foi o que fizemos no 25 de Abril”.

O volume termina com a publicação das conclusões.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7839: Notas de leitura (208): Antologia Poética da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)