domingo, 7 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8646: (Ex)citações (145): Uma afirmação, um desabafo, uma pacificação (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 5 de Agosto de 2011:

Meus camarigos editores
Envio-vos um texto, que como sempre fica ao vosso dispor publicar ou não.

Faço aqui uma ressalva, neste "intróito", pelo que, se o texto for publicado, agradeço que também seja publicado este "naco de prosa".

E essa ressalva é a seguinte: Não responderei a provocações, nem "lugares comuns" e muito menos a idiotices.

Gosto de respeitar todos, o que significa, obviamente, uma reciprocidade.

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves


UMA AFIRMAÇÃO, UM DESABAFO, UMA PACIFICAÇÃO

Sou um homem de direita!

Poderia tentar explicar o que é ser de direita para mim, mas isso seria fazer neste espaço o oposto daquilo que eu acho este espaço deve ser e repetidamente tenho afirmado, ou seja, um espaço que não deve servir para debater política.

Tive na minha adolescência pensamentos e atitudes daquilo que se poderá chamar de esquerda, mas não vingaram em mim, isto apenas para que se saiba que não sou propriamente um ignorante na “coisa” política.

Desenganem-se os que pensam que vou aqui escrever um texto político, ou de elegia de um qualquer lado em detracção do outro!
Não o vou fazer, porque como acima digo este não é o espaço para tal, e também porque penso e vivo de modo a que, lá por eu pensar de uma determinada maneira, não quer dizer que outros não possam pensar de maneira diferente, ou seja, assumo ou tento assumir que eu posso não ser o detentor da verdade, mas que com a verdade dos outros e a minha, talvez se encontre a verdade, isto falando das “coisas do mundo”, porque para mim, como todos sabem, a Verdade é só uma, e é essa que eu tento todos os dias encontrar e viver.

Mas vamos ao que interessa, ou pelo menos, ao que me interessa.

Têm surgido uns comentários, (sobretudo quando há recensões de livros sobre Amílcar Cabral ou o PAIGC), em que se pretende arrogar um pretenso patriotismo, que só existiria perante um pensamento imutável, de que o passado teria de ser o presente, chegando ao cúmulo de colocar em causa o “Juramento de Bandeira” de alguns que não pensem de tal modo.

Comentários que se arrogam o direito de colocar em causa a motivação daqueles que combateram na Guiné, ou seja onde for, por causa de se exprimirem no sentido de que a guerra de África, ou as suas motivações, não seriam correctas e estariam erradas atendendo à história do mundo.

Depois outros comentários, tentando rebater estes, vêm invocar passados, lidos à luz do presente, como se fosse possível aferir pelo mesmo padrão de hoje, a escravatura, ou as barbaridades, (aos olhos de hoje), cometidas pelos colonizadores, dos quais nós Portugueses, seriamos os últimos, pelos vistos.
Esquecemo-nos do Tibete, por exemplo, e de outros “Tibetes” pelo mundo fora, ontem, hoje e amanhã.
Esquecemo-nos, por exemplo, que segundo rezam alguns livros da história da Guiné, os Balantas seriam escravos de outras etnias.

Mas enfim, não é isso que está em causa, mas sim a afirmação que coloco no inicio: Sou um homem de direita!

E repito esta afirmação para dizer que considero Amílcar Cabral um pensador e um homem digno de grande estatura, que lutou pelo seu povo e pelos seus ideais.
Ao que sabemos, tentou fazê-lo primeiro pela via pacífica, e, depois, nada conseguindo, enveredou pela luta armada.
Merece todo o meu respeito, e não me custa nada reconhecê-lo!

Mas se reconheço o seu direito a lutar pelos seus ideais, reconheço também o direito de Portugal, naquele tempo, lutar por aquilo que considerava seu.
Se Portugal naquele tempo estava enganado, pelos vistos a história, (não a do 25 de Abril, mas a história do mundo), veio mostrar que sim, que os ventos eram outros, mais valia ter resolvido pacificamente o problema, do que ter morrido nem que fosse um só homem.

Mas isso não invalida em nada o esforço, a coragem, a entrega de todos aqueles que combateram a guerra de África, isso não permite de modo algum que alguém venha dizer que não cumpriram a sua missão de Portugueses!
E tanto o fizeram aqueles que acreditavam que estavam a lutar por uma causa justa, como aqueles que tinham dúvidas, ou como aqueles até, que estavam contra, mas decidiram combater como a Pátria lhes exigia.
E destas três formas de estar na guerra, surgiram heróis, surgiram referências, surgiram Portugueses que em nada negaram a história do seu País, com tudo o que à mesma pertence.

Sou um homem de direita, como tal sou um humanista, e na génese do ser Português, (como se costuma dizer), vive o meu coração, a minha alma, cristã e católica.
Como poderia eu então não respeitar o meu inimigo, perdoar-lhe, esperando ser perdoado, e acolhê-lo, se ele quiser ser acolhido?

Com a mesma vontade com que combati, com o mesmo empenho em que me coloquei ao serviço de Portugal, tento agora perdoar, acolher, perceber, e sobretudo encontrar a paz.

E isso não me diminui em nada, mesmo nada, nem eu admito que alguém, seja quem for, me venha dizer que eu sou menos Português, ou que não combati como os Portugueses combateram desde o tempo de Afonso Henriques.

Claro, não concordo, nem nunca concordarei, que se faça o elogio do inimigo em detrimento de nós Portugueses, (como alguns infelizmente se empenham em fazer por vezes neste espaço), mas não é isso que me faz sair de um “ponto de encontro” onde encontrei amigos, ou melhor, camarigos, que falam a mesma linguagem que eu, e que, embora alguns tantas vezes nas antípodas politicamente, (será que estaremos realmente tão separados politicamente?), encontramos razões para estarmos juntos, conversarmos e sobretudo fazermos um pouco de história cimentada na amizade.

Como também não concordo que se anatematize o antigo inimigo, ou aqueles que não pensam como eu, com ideias antigas ou novas, porque entre ambos, como entre aqueles que pensam como eu, há gente boa e digna, e há, (permitem-me que o diga), gente que não merece sequer uma linha de comentário.

É que o mundo não é preto e branco apenas!
O mundo tem mais cores, e são essas cores que acabam por dar graça ao preto e ao branco, e por favor, não me venham dizer o que o preto e o branco não são cores, porque não é disso que se trata.
Se apenas virmos o mundo a preto e branco, vemos apenas o mundo que queremos ver, e não o mundo como ele é realmente, com o preto e o branco, mas carregado de outras cores que lhe dão a beleza, mesmo quando a violência da natureza nos mete medo, como por exemplo numa erupção vulcânica.

Há anos atrás, o António Mourão, fartou-se de cantar “Oh tempo volta para trás”!
Cantou, cantou e há gente que ainda canta, mas o tempo não voltou, não volta e nunca vai voltar para trás.

Olhemos para o passado, para o presente e até para o futuro, como olhamos para o mundo.
Há preto e branco em tudo, mas em tudo há também outras cores!
Nem tudo foi mau no passado, nem tudo é bom agora, e no futuro teremos sem dúvida do mau e do bom.

Não sei se toda esta escrita serviu ou serve para alguma coisa, mas pelo menos a mim serviu-me para desabafar, para afirmar, para ficar mais em paz comigo mesmo e julgo que com os outros, com aqueles que querem realmente ficar em paz.

Um abraço forte e sempre camarigo para todos.
Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 5 de Agosto de 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8595: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (32): Hoje almocei com o Joaquim Gaspar (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8609: (Ex)citações (144): O Google Maps é agora quem mais ordena ? A confusão de topónimos: A Bissorã do nosso tempo chama-se agora Califórnia ?!... Piada de mau gosto, erro técnico, distracção, estupidez etnocêntrica... ? (Manuel Joaquim, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã, Mansabá, 1965/1967)

Guiné 63/74 - P8645: Recortes de imprensa (44): Jornal Açoriano Oriental noticía em 1961 a partida para a Guiné da Companhia de Caçadores Especiais 274 (Durval Faria)

1. Mensagem do nosso camarada Durval Faria (ex-Fur Mil da CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64), com data de 31 de Julho de 2011:

Caro camarada
Junto envio texto do jornal Açoriano Oriental do ano de 1961, aquando da partida da Companhia de Caçadores Especiais 274.

Um grande abraço
Durval Carlos Simas Faria



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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8583: Facebook...ando (11): Partidas e chegadas... (Durval Faria, ex-Fur Mil, CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64)

Vd. último poste da série de 6 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8644: Recortes de imprensa (43): O pacto secreto de NINO com a PIDE, jornal TAL & QUAL, 14 Maio 1999 (Magalhães Ribeiro/Manuel Marinho)

sábado, 6 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8644: Recortes de imprensa (43): O pacto secreto de NINO com a PIDE, jornal TAL & QUAL, 14 Maio 1999 (Magalhães Ribeiro/Manuel Marinho)


1. Com a devida vénia e agradecimentos, publica-se hoje, para quem ainda não conhece, um documento que faz parte da história da guerra na Guiné. É um artigo do jornal TAL & QUAL, do dia 14 de Maio de 1999, da autoria do jornalista José Paulo Fafe. Recorda-se que Nino Vieira, então Presidente da República da Guiné-Bissau, enquanto foi vivo (27ABR1939 - 03MAR2009), lamentavelmente, que saibamos, jamais comentou publicamente os factos ali inclusos.

A postagem, em formato Word, contou com a preciosa e amigável colaboração do nosso Camarada Manuel Marinho (1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), pelo que se registam igualmente os nossos melhores e devidos agradecimentos.


O pacto secreto de NINO com a PIDE
No dia em que Nino quis desertar…

Em Fevereiro de 1974, o antigo presidente Guineense Nino Vieira encontrou-se, na Suíça com um emissário da PIDE/DGS, para negociar os termos da sua rendição às tropas Portuguesas.

Poucas semanas antes do 25 Abril de 1974, o agora deposto presidente da Guiné, João Bernardo “Nino” Vieira, esteve a um passo de trocar as matas da Guiné então portuguesa por uma “vida condigna” em Lisboa.

Nos finais do mês de Fevereiro Nino Vieira – na altura comandante – geral das forças do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo-verde) – encontrou-se secretamente, na cidade suíça de Genebra, com um funcionário da Direcção-Geral da Segurança (DGS), com o objectivo de negociar os termos da sua rendição às tropas portuguesas.

A reunião, que culminou uma série de contactos em que os serviços secretos franceses (SDECE), jogaram um papel determinante, serviu para que Nino transmitisse pessoalmente ao enviado português as suas condições para abandonar a luta guerrilheira; que os seus homens não fossem molestados, aceitando ou não, integrar as forças portuguesas; e ser evacuado juntamente com a família para Lisboa, onde o governo português lhe teria de criar condições para manter um nível de vida aceitável.

NEGOCIAÇÕES

Tudo tinha começado algumas semanas antes, quando Alexandre de Marenches, chefe da “secreta” francesa, se deslocara a Portugal, para manter uma das habituais reuniões de trabalho com o seu amigo Agostinho Barbieri Cardoso, o “homem forte” da polícia portuguesa.

Nesse encontro em que a partir de certa altura foi chamado a participar o inspector-adjunto, Abílio Pires, Marenches puxou a questão guineense, perguntando: “Porque é que vocês não voltam a sentar-se à mesa com o PAIGC?”.

Barbieri Cardoso não hesitou um segundo em responder negativamente à sugestão do chefe do SDECE, argumentando que, se Marcelo Caetano tinha proibido Spínola de prosseguir os contactos com os guerrilheiros guineenses – encetados em 1972, através do presidente senegalês, Leopold Senghor – não iria permitir à DGS fazê-lo.

Diplomaticamente, Marenches insistiu no tema e, segundo Abílio Pires, que chefiava o CI2 (o departamento da DGS encarregue de recolher e tratar as informações referentes ao Ultramar e estrangeiro), “garantiu a boa vontade de Senghor e os bons ofícios do coronel Belial Ny, ao tempo inspector-geral das Forças Armadas do Senegal”.

Barbieri manteve-se inflexível e voltou a invocar a recusa do governo em autorizar qualquer tipo de contactos com os homens do PAIGC.

Mas Marenches dispunha de um “trunfo” que, aparentemente, deixou o “número um” da polícia portuguesa de boca aberta. “Os meus serviços possuem informações que nos permitem concluir que o vosso governo se prepara para manter contactos com os guineenses através dos serviços secretos ingleses e não lhe escondo que essa situação é, do nosso ponto de vista, intolerável”.

Segundo Abílio Pires, ”a impassibilidade do rosto de Barbieri Cardoso não me permitiu concluir se estaria ou não, a par desse facto”.

A verdade é que, como viria mais tarde a saber-se (através de uma reportagem do jornalista José Pedro Castanheira publicada no semanário “Expresso”, em Março de 1994), o governo português estava a ultimar os preparativos para dois meses mais tarde, enviar o diplomata José Villas-Boas a Londres para se avistar com três representantes do PAIGC, num encontro promovido e mediado pelo Foreign Office, que teve lugar no apartamento 535 da Dolphin Square. E, logicamente, as autoridades de Paris não estariam nada interessadas em que os ingleses começassem a intrometer-se na área da chamada África francesa…


“Padre”

Foi então que Abílio Pires encontrou uma ocasião propícia para sugerir algo que há muito defendia – que em lugar de imiscuir-se em negociações directas com os guerrilheiros, a DGS promovesse a deserção de destacados combatentes do PAIGC.

Mais de um quarto de século após a reunião que o juntou a Marenches e a Barbieri, o então inspector-adjunto justifica a sua proposta: “Se era verdade que o moral das nossas tropas não era o melhor, não era menos verdade que as coisas não estavam famosas do lado deles, até porque existia uma guerra surda entre guineenses e cabo-verdianos”.

E adianta Abílio Pires: ”era a altura ideal para que tentássemos promover a deserção de gente como o Nino Vieira, de modo a levá-los a serem eles a pedir negociações”.

A proposta de Abílio Pires desanuviou o ambiente algo tenso que, a partir da revelação de Marenches sobre os contactos mediados pelos serviços ingleses, se tinha instalado na sala do primeiro andar da Rua António Maria Cardoso, onde Barbieri possuía o seu gabinete. Até porque – o próprio Barbieri têlo-ia referido explicitamente – uma tentativa de estimular a deserção de destacados combatentes de forças inimigas nunca poderia ter a oposição do poder político, bem antes pelo contrário.

O momento era único. A “ Operação Guidaje”, onde o PAIGC tinha sofrido uma pesada derrota, desmoralizara os guerrilheiros e a sucessão de Amílcar Cabral, assassinado um ano antes, tinha deixado feridas insanáveis entre os combatentes independentistas, com guineenses e cabo-verdianos a não esconderem fortes divergências, tanto a nível étnico como ideológico.

O hoje general João Almeida Bruno, que conhece aquela antiga colónia portuguesa como as suas mãos, definiu ao “T&Q”, Amílcar Cabral como o “Cimento entre guineenses e cabo-verdianos do PAIGC”.

A partir do seu desaparecimento, na opinião de Almeida Bruno, “tudo se desmoronou”, com as inevitáveis lutas intestinas a debilitar a organização nacionalista.

A reunião terminou com o acordo, entre os responsáveis da DGS e do SDECE, em desenvolver acções no sentido de abordar Nino Vieira.

Peça fulcral em todo este processo seria um agente, simultaneamente ao serviço das “secretas” francesa e portuguesa, cujo nome de código era “Padre” ou “Abbé”.

De origem fula, radicado em Conakry, este informador tinha nos últimos tempos, colaborado incessantemente com as autoridades portuguesas (ver em baixo: SENEGAL, 30 DE Junho de 1973…) e mostrava-se uma “peça essencial” na área das informações.

O primeiro contacto com Nino Vieira foi promovido pelos homens do SDECE e nas palavras de Abílio Pires, “correu inesperadamente bem”.

O guerrilheiro mostrou-se disponível para encontrar-se com um representante da DGS em terreno neutro e, à partida, não escondeu o seu desejo em abandonar a luta.


Siderado

O segundo e último encontro deu-se em Genebra, na Suíça, em finais de Fevereiro.

Um funcionário intermédio da DGS – “até para não envolver formalmente a organização”, nas palavras de Abílio Pires – e o próprio Nino Vieira dialogaram por algumas horas, tendo o líder guerrilheiro colocado apenas as duas condições anteriormente referidas: os seus homens não serem molestados e ele e a sua família serem acolhidos em Lisboa.

Na capital portuguesa, entre os responsáveis da DGS a par destes contactos, a disponibilidade de Nino Vieira foi recebida com entusiasmo.

A consumar-se a sua deserção, a polícia portuguesa marcava pontos e acentuava mais a sua indispensabilidade na guerra do Ultramar, algo que, ainda hoje, os próprios militares reconhecem.

Os preparativos para acolher Nino Vieira e a sua família começaram então a ser tratados ao mais alto nível da DGS.

Questão essencial era encontrar um colégio para onde a filha de Nino fosse estudar, bem como escolher uma residência onde a família Vieira pudesse, em segurança, passar os primeiros tempos na então metrópole.

Anos mais tarde, em declarações ao jornalista José Manuel Barroso, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, confirmou ter conhecimento dos contactos que a DGS manteve com Nino, “embora eles não fossem da minha direcção”, o que pressupõe que o próprio Marcelo Caetano estaria ao corrente das diligências levadas a cabo pelos homens da António Maria Cardoso.

Simultaneamente, Abílio Pires foi encarregado de viajar até Bissau para informar o brigadeiro Bettencourt Rodrigues – que tinha sucedido a António Spínola como governador da Guiné – das diligências que no maior dos segredos, a DGS tinha levado a cabo nos últimos meses.

Uma viagem que nunca chegou a efectuar, até porque a intentona militar de 16 de Março, que precedeu o 25 Abril, levou a que todas as atenções da política se centrassem na situação interna.

Poucos dias após o golpe militar que derrubou o regime – e já preso em Caxias – Abílio Pires recebeu uma visita de um oficial da 2ª Divisão do Estado Maior do Exército, seu velho conhecido das reuniões do Conselho de Segurança Interna, o então major Bacelar Begonha.

É que um relatório de Pires sobre a operação destinada a promover a deserção de Nino Vieira tinha sido encontrado na sede da DGS e, segundo o major Begonha o general Spínola teria ficado “siderado” ao lê-lo….

SENEGAL, 30 DE Junho de 1973…


Tudo indica que a vontade de João Bernardo “Nino” Vieira abandonar a luta guerrilheira datava já de 1973, quando o PAIGC se preparava para eleger o substituto de Amílcar Cabral – assassinado a 20 de Janeiro daquele ano, em Conakry – à frente daquele movimento nacionalista.

Nessa altura as divisões entre guineenses e cabo-verdianos eram notórias e o mal-estar tinha-se instalado no seio do PAIGC, onde Aristides Pereira (que mais tarde viria a ser presidente de Cabo Verde) era o candidato natural à sucessão de Cabral. No Verão desse ano e apesar de algumas movimentações feitas pelos seus incondicionais, caso do guineense Fidélis Almada, Nino tinha compreendido que, apesar do seu prestígio militar, não possuía condições para ascender á liderança do PAIGC – o que só veio a ocorrer após a independência, quando, a 14 de Novembro de 1980, chefiou um golpe de estado que depôs o presidente Luís Cabral.

ENCONTRO

Num documento intitulado “Guiné: uma diligência interrompida”, o já falecido tenente-coronel António Vaz Antunes refere um encontro em território senegalês que, no dia 30 de Junho de 1973, teria mantido com um representante pessoal do próprio Nino Vieira. À reunião organizada pelo já referido “padre”, deveria comparecer o então general Spínola, mas atrasos motivados pelas comunicações entre Cuntima e Bissau, impediram a sua presença.

O encontro teve lugar alguns dias depois da bem sucedida “ Operação Guidaje” (comandada pelo hoje general João Almeida Bruno e onde o PAIGC perdeu cerca de uma centena de combatentes, além de várias toneladas de armamento e munições) e o seu interlocutor foi direito ao assunto, não escondendo algum desânimo e muito pessimismo no evoluir da guerra “Já chegamos à conclusão de que sozinhos, não somos capazes de fazer uma Guiné melhor”.

Assim, segundo Vaz Antunes, o representante de Nino, após ter admitido existirem fortes divergências no interior do PAIGC entre guineenses e cabo-verdianos, teria proposto que em dia e hora que se combine, acaba a guerra e nós seremos integrados nas forças da Guiné, sem recriminação ou vingança”.

IRRITAÇÃO

O tenente-coronel Vaz Antunes, que tinha comparecido ao encontro sem dar cavaco aos seus superiores, ouviu e prometeu contactar de imediato o general Spínola, o que veio a fazer ao fim da tarde do dia seguinte já em Bissau.

A primeira reacção do general do monóculo não foi propriamente simpática.

“Então o senhor não sabe que proibi todos os contactos? Não sabe o que aconteceu aos três majores?!” – explodiu referindo-se à tentativa de abertura de conversações com o PAIGC, que resultou na trágica morte dos majores, Passos Ramos, Magalhães Osório e Pereira da Silva em 1970.

Mas após alguns momentos de irritação, Spínola não resistiu a que Vaz Antunes lhe contasse ao pormenor os detalhes do seu encontro em território senegalês – e quando o tenente-coronel terminou o relato levantou-se e foi abraçá-lo: “Mal sabe você o alto serviço que acaba de prestar à Nação!”.

Pedindo-lhe o maior segredo sobre o caso, acto contínuo, o general contactou telefonicamente o inspector António Fragoso Allas, ao tempo a chefiar a DGS na Guiné, e que ocasionalmente se encontrava de licença, mandando-o regressar de imediato a Bissau: “Tenho aqui uma coisa importantíssima que requer a sua presença”.

Dois dias depois, Vaz Antunes regressou a Farim onde, a par da passagem de alguns helicópteros que transportavam interlocutores encarregues de dar continuação aos contactos por ele encetados, apenas observou “uma tranquilidade esperançosa”.

Um mês depois, este oficial entrou de licença e, em Lisboa, teve conhecimento da substituição de António de Spínola pelo brigadeiro Bettencourt Rodrigues à frente da administração portuguesa da Guiné

“Ouvi os discursos e, pareceu-me estarem em dessintonia com tudo o que se tinha passado, o que muito me surpreendeu”.

O que, então Vaz Antunes desconhecia é que Spínola amuado por Marcelo Caetano ter-se recusado terminantemente a “cobrir” politicamente, os seus contactos com certos sectores do PAIGC, tinha apresentado a sua demissão do cargo de governador da Guiné…
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Nota de M.R.:


Guiné 63/74 - P8643: Estórias avulsas (56): Quando o Dulombi foi flagelado pelo PAIGC com “Armas Pesadas” (Luís Dias)

1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


QUANDO O DULOMBI FOI FLAGELADO PELO PAIGC COM “ARMAS PESADAS”

Em 20 de Outubro de 1972 saía uma notícia no D. N. com o título “A LUTA NA GUINÉ” e o subtítulo “A Actividade do inimigo desenvolve-se quase exclusivamente na faixa fronteiriça”, referindo-se ao Boletim das Forças Armadas da Guiné que se transcreve:
BISSAU, 19 – O Boletim Informativo das Forças Armadas da Guiné, referente ao período de 1 a 15 de Outubro, é do seguinte teor:

"A situação militar na província continua caracterizada pela actividade que o inimigo desenvolve, quase exclusivamente na faixa fronteiriça, visando paralisar os trabalhos e serviços essenciais à vida das populações. No período em análise inserem-se neste quadro: uma acção de rapto a norte da região de Quenhaque, junto ao rio Cacheu; o ataque a uma viatura civil desencadeado junto à fronteira norte, quando circulava no itinerário Canhamina - Cambaju, transportando elementos da população para os seus locais de trabalho; a implantação de minas anti-pessoal a norte de Farim e a sul de Cabuca que, assinaladas, pela população, foram levantadas e destruídas. Enquadrando-se na mesma preocupação o inimigo flagelou com armas pesadas, à distância, as povoações fronteiriças de Dulombi e Aldeia Formosa. (a)

As nossas forças continuaram as tarefas de desenvolvimento económico e social da província e a garantir as condições de segurança necessárias à sua realização. Assinale-se, no âmbito da assistência educativa, a cargo das Forças Armadas, o início das actividades lectivas em 129 postos de ensino por 197 professores militares, que abriram com uma frequência de cerca de 10 000 alunos. (b)
No âmbito da missão de segurança, as nossas forças interceptaram a oeste de Sare Uale, um grupo inimigo que tentava infiltrar-se em território nacional, o qual foi obrigado a retroceder com pesadas baixas.

Uma formação, agindo fora da sua zona de acção e em desobediência a todas as determinações superiores, violou a fronteira do Senegal e provocou um incidente com um destacamento militar daquele país. Este incidente foi já objecto de comunicado especial. (c)

Em seguida o boletim referia-se ao número de estrangeiros que tinham atravessado a fronteira para transacções comerciais (senegaleses, guineanos e gambianos) (d) e depois retomavam:

Em consequência da nossa actividade e da reacção das nossas forças e populações o inimigo sofreu 16 mortos e a apreensão de uma metralhadora Dectyarev, dois lança granadas foguete RPG2, quatro espingardas kalashnikov, cinco Simonov e três pistolas-metralhadoras PPSH, além de outro material e grande quantidade de munições.

Da acção do inimigo resultou a morte de 11 elementos da população. As nossas forças sofreram 4 mortos em combate, cujos elementos de identificação foram oportunamente divulgados.” (e)

a) O meu falecido pai quando leu esta notícia e a recortou, ficou muito apreensivo com a mesma, quando ali é referido que o Dulombi havia sido atacado com armas pesadas e escreveu-me relatando essa preocupação, dele e da minha mãe, é claro. De facto, nesse tempo, nos relatos que escrevia para casa (pais, namorada, amigos e restante família), apenas mencionava que fazíamos operações, colunas, picagens e pouco mais. Nunca falava em pormenor sobre o que nos sucedia. Deste modo, compreendi o que lhes ia na alma e escrevi de volta a dizer que, de facto, havíamos sido atacados por “armas pesadas”. Pesadas, porque as espingardas, os roquetes, as pistolas metralhadoras, os morteiros 60 e as munições e granadas para estas armas, que normalmente o IN usava contra nós na zona do Dulombi, transportados pelos guerrilheiros atacantes percorrendo mais de 50 km (eles eram oriundos de uma base que ficava na Guiné-Conacri, muito para além do Rio Corubal e do território da Guiné) tornavam-se, vivamente, “armas pesadas” (Eh!Eh!Eh!). Não eram nem canhões, nem mísseis, nem carros de combate, nem aviões. E, assim, os meus pais talvez tenham ficado um pouco mais descansados.

A zona do Dulombi era a que detinha a maior área de quadrícula da Guiné. As nossas operações eram sempre a palmilhar largas dezenas de quilómetros em busca do inimigo. Uma ida ao Rio Corubal implicava sempre um esforço físico considerável. A quadrícula foi aumentada quando a área de Galomaro passou também a estar incluída nas nossas tarefas operacionais, a partir de 9 de Março de 1973.


b)Isto de ter cerca de 10 000 alunos a receberem aulas por elementos das forças armadas era obra.

c)Tratava-se aqui da acção inopinada de elementos do Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria - Chaimites, que entraram no Senegal pela estrada de Pirada e tiveram uma escaramuça com militares senegaleses.


d)Não entendo como conseguiam controlar as entradas de estrangeiros ao pormenor de dizerem tratar-se de 1876, distribuídos por países e tudo !!!

e)Pelo menos os nossos comunicados referiam as nossas baixas. Quando ouvíamos os comunicados de guerra do PAIGC eram, na sua maioria, ridículos. Destruíam sempre o que eles denominavam os campos fortificados, sofrendo as nossas forças sempre pesadas baixas e quanto às deles, eram zero (muito raramente falavam que tivessem sofrido mortos – lembro-me de terem referido algumas baixas, entre mortos e feridos, num contacto/emboscada, connosco em 11 de Março de 1972, em Paiai Lemenei, mas que nós tínhamos sofrido oito mortos e diversos feridos, com muita perda de armamento, munições e outro material – o que, felizmente, não foi verdade, dado que apenas sofremos feridos ligeiros e foi o In que deixou armamento e material diverso e diversos rastos de sangue).

Um abraço
Luís Dias
Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
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Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:

18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8567: Estórias avulsas (114): O tio Quim Quim (Felismina Costa)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8642: Notas de leitura (262): Marcello e Spínola: A Missão do Fim (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Tive que ler duas vezes até me convencer que comprei gato por lebre. É espantoso como um professor catedrático vem incensar uma tese de mestrado, fala em inegável marca de qualidade, quebra com a rotina historiográfica e ineditismo de abordagem. Não é que o jovem mestre não tenha sido cuidadoso na investigação, o resultado é água chilra, tudo quanto se diz sobre o salazarismo, o marcelismo e o spinolismo não traz novidade nenhuma.
Bem dizia a minha avó que só é novo o que foi esquecido, neste caso é um acto de prosápia da mais descarada vir dizer que este trabalhinho é uma renovação dos estudos históricos. Andamos a falar nas manigâncias das agências de rating e deixamos no seu impune sucesso estes trapaceiros da investigação histórica.

Um abraço do
Mário


Marcello e Spínola: entre o déjà vu e o óbvio

Beja Santos

O livro chama-se “Marcello e Spínola: A Missão do Fim” (por Márcio Barbosa, Edições Almedina, 2011). No prefácio, o Professor Doutor Rui Cunha Martins exalta o ineditismo da abordagem e classifica este contributo como um marco referencial para a renovação dos estudos históricos sobre o Portugal contemporâneo, uma leitura incontornável.

Lê-se o estudo e fica-se com a convicção profunda que o dito professor está a gozar connosco, está a apadrinhar um estudo banal, dispensável (mesmo que consciencioso) que nada acrescenta ao que já sabíamos. Vamos aos factos. Marcello Caetano e Spínola estão efectivamente associados ao fim da era colonial, todo esse dramatismo está suficientemente detalhado, a bibliografia está identificada, não há ainda provas sobre o tempo e os termos da rota de colisão entre o presidente do Conselho e o Governador da Guiné, muito menos é possível associar Amílcar Cabral como peça charneira desse drama. Matéria, aliás, de pouca monta. Vamos por partes.

Primeiro, não se percebe uma longa cronologia sobre as primícias da ditadura em Portugal, está tudo documentado quanto ao modo como Salazar criou um regime chamado “Situação”, como Caetano nele colaborou dedicadamente, mas com ampla margem de manobra face ao ditador que veio de Coimbra. Não há ninguém que não saiba que Salazar e salazarismo são a mesma coisa, que Caetano era um colaborador crítico e por vezes incómodo, sobretudo quando dizia abertamente que o regime corporativo nunca saíra do papel. Como está amplamente documentado que para além de uma grande admiração que o ditador nutria por Caetano nunca lhe conferiu o estatuto de delfim. Meio livro é dedicado a dizer coisas consabidas sobre Salazar, a evolução do regime ditatorial e o início da guerra colonial. O estudo lê-se bem, é um bom resumo sobre a ligação entre Salazar e Caetano, fazendo avultar as dissemelhanças e não ocultando o carácter conservador e permanentemente legalista de Caetano.

A chegada de Caetano a S. Bento é também uma crónica com poucas surpresas: ele vai ficar refém de Tomás, da evolução da própria guerra e da sua incapacidade em pôr em prática o que designava por “autonomia progressiva para o Ultramar. A ligação de Caetano com as colónias, em 1944, também está profundamente estudada como é igualmente conhecida a sua posição federalista, que ele transmitiu ao Conselho Ultramarino. Aqui também não há surpresas, Caetano procura lançar Angola e Moçambique numa senda desenvolvimentista e por outros meios procura fazer o mesmo no Portugal europeu. Tudo correu sem prenúncios de borrasca apocalíptica até 1973.

Quando chega ao poder, em Setembro de 1968, Spínola já partira para a Guiné com ideias muito próprias do que ia fazer na guerra e na captação das populações. Irão entender-se bem, nesses primeiros anos, Spínola não esconde a ninguém que nunca se ganha militarmente uma guerra subversiva. Isto é muito bom de dizer quando não há o risco de a perder, Spínola falhou a paz no chão manjaco, falhou a invasão de Conacri, não conseguiu inverter o curso da guerra ou desalojar o PAIGC das suas posições. Certo é que consolidou os apoios que os portugueses tinham como certos, sobretudo junto dos fulas e mandigas, lançou a Guiné no progresso e recebeu apoio caloroso para a sua política da “Guiné Melhor”. Mas foram trunfos insuficientes.

Enquanto isto ocorre no mais belicoso dos teatros de operações, Caetano não convence com a” renovação da continuidade”. Na revisão constitucional, Caetano é forçado ao jogo do equívoco, teme o descontentamento dos ultras ou a perde de confiança do Almirante Tomás. É nesse ano de 1972 que parece surgir uma oportunidade de conversações de paz na Guiné. Dizer-se que Amílcar Cabral estava disposto a conferenciar com Spínola e não dispor de um documento a favor dessa tese, havendo até testemunhos contrários de Aristides Pereira e Luís Cabral é conjectura irrelevante. O que se negociou, e bem, foi um encontro entre Senghor e Spínola, logo que soube dos resultados (uma proposta de autonomia a prazo, que seria coroada pela independência), Caetano proíbe novas conversações. Caetano não vislumbrou saída política, insidiosamente tudo se encaminhou para um impasse, só que subitamente o teatro de operações da Guiné entrou em tumulto: após o assassinato de Amílcar Cabral, as ofensivas do PAIGC e a chegada de armamento tecnologicamente superior inverteram o curso da guerra.

Porque é na Guiné que deixa de haver impasse militar, os relatórios da delegação da PIDE/DGS na Guiné bem avisam Lisboa de que o PAIGC e sobretudo Cabral terá possibilidades de fazer a independência e acelerar a toada ofensiva nos teatros de operações. Caetano é intransigente, não abre mão para negociações com o PAIGC, elas só terão lugar quando o regime tiver entrado no ocaso, em Março de 1974. O que Spínola propõe em “Portugal e o Futuro” já não é concretizável, após a morte de Cabral só resta a independência.

Se todo este relato decorre de uma atmosfera de seriedade da investigação, sem qualquer elemento inovador, a conclusão não fica atrás: que nos anos 60 o Estado Novo já não era realizável, já não havia condições para regimes autoritários com o tipo de alianças políticas sem as quais Portugal não podia viver; que o projecto político de Caetano era um compromisso inviável com a renovação, ele que era tão radicalmente anti-revolucionário, tão dentro da legalidade; que rejeitou a negociação com o PAIGC de Amílcar Cabral (argumento absurdo, não há provas de que Cabral tenha apoiado as teses de Senghor, a posteriori); que os spinolistas lamentaram esta perda de oportunidade e também por isso apoiaram Spínola, se bem que sem medir as consequências de que se caminhava alegremente para o fim do Império.

Resta questionar como é que é possível um professor catedrático vir elogiar esta digressão de investigação bem elaborada sem mais nada, sem mais futuro. Dá que pensar como as universidades se entretêm em circunlóquios autistas e depois pretendem embasbacar o público. Este livro é gato por lebre, é mais um comprovativo de que a melhor investigação já não passa pelos títulos universitários.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8629: Notas de leitura (261): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P8641: Blogpoesia (156): O Sonho e a Realidade ou a angústia de uma sentinela (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, (Galomaro, 1971/74), com data de 1 de Agosto de 2011:

Caros camaradas
Quem não se lembra das noites passadas nos postos de vigilância em que o cansaço e o sono nos faziam ver um inimigo em cada sombra, onde os sons se tornavam quase fantasmagóricos.

Quando a luz parda do pré-amanhecer despontava, desfazia as nossas dúvidas sobre as sombras, e os sons eram substituídos pelos afazeres dos homens e mulheres.

Era com um inegável prazer que víamos e ouvíamos o Mundo despertar.

Juvenal Amado


O SONHO E A REALIDADE

Escrevo e alinho as ideias
Elas jorram desordenadas
Sem rimas
Outros disseram que era poesia
Condenso palavras vagas
Assim a vida é poesia
As palavras explodem
Urgentes como a luz da aurora
Sonolento, encosto-me aos bidões
Noites longas para quem espera
Aguço o ouvido
Só a natureza fala que é a voz de Deus
Dos geradores fica o silêncio
Timidamente através da floresta
A luz parda da manhã eleva-se no horizonte
Os últimos pássaros nocturnos
Lançam o seu desafio no ar
Também eles se despedem da noite
Não tardará e Sol elevar-se-á majestoso
Milagre repetido todos os dias
Rapidamente tornar-se-á agressivo e impiedoso
Vergará homens e mulheres
Recomeça a vida haverá alegrias e tristezas
O som ritmado do pilão espalha-se no ar
Parece música
Este pequeno canto do Mundo acorda
Cumprirá a sua tarefa.
Com a boca pastosa dos cigarros
Saboreio lentamente café e pão
O abrigo na penumbra do amanhecer
Reserva-me protecção e frescura
Vou-a saborear nem que seja por breves momentos
Despojado de tudo nos lençóis brancos
Prazer que vivo por antecipação
Fecho o mosquiteiro
Fecho os olhos e ainda acordado
Sonho com outro lugar
Paragens tão belas de névoas rasteiras
Que transbordam de perfeição
Mas porque ela não existe para além do sonho
O que será de mim sem sonhos?
E se condensar é poesia
Então em sonho, eu faço alguma poesia

Juvenal Amado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8566: Blogpoesia (152): Uma parte de nós ficou para sempre lá (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 2 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8630: Blogpoesia (155): Pôr-do-sol alentejano (Felismina Costa)

Guiné 63/74 - P8640: História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74): Ilustrações (Parte I) (Jorge Canhão)












Ilustrações retiradas da História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74), unidade que foi rendida pelo BCAÇ 4612/74 (Mansoa, 1974)... (Sobre esta aparente confusão de dois batalhões com o mesmo número, ler o poste do nosso camarada Agostinho Gaspar, P7414, de 10 de Dezembro de 2010).

Um exemplar da história desta unidade, o BCAÇ 4612/72,  foi-nos oferecido em tempos  pelo nosso camarigo Jorge Canhão (ex-Fur Mil 3ª C/BCAÇ 4612/72, Mansoa e Gadamael, 1972/74).  O Jorge há havia aqui publicado uma série de postes com a história do batalhão... (se bem que incompleta, segundo julgo crer). 

Este documento tem cerca de uma dúzia de interessantes (e raras) ilustrações, feitas por um ilustre desconhecido, a estilete sobre "stencil"... Julgo que merecem também vir à luz do dia, pelo menos aquelas cuja imagem tem melhor resolução. 

Com tempo e vagar, retomaremos alguns aspectos da actividade operacional deste batalhão que foi rendido já depois do 25 de Abril de 1974 pelo BCAÇ 4612/74 (unidade a que pertenceu o nosso co-editor Eduardo Magalhães Ribero).

Imagens: Cortesia de  Jorge Canhão (2011).

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Guiné 63/71 - P8639: Em busca de... (173): Contacto de camaradas da CCS/BCAÇ 2834, Buba, 1968 (Manuel Traquina)

1. Mensagem de Manuel Traquina (*), ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, com data de 2 de Agosto de 2011:

Camarada Vinhal:
Agradeço se possível algum contacto com elementos da CCS do BCAÇ 2834 que esteve em Buba no ano de 1968.
Não me recordo do número da Companhia com a qual estivemos cerca de um ano.

Um abraço
Traquina



Sobre o BCAÇ 2834:

Unidade Mobilizadora: RI 15 - Tomar
Comandante: TCor Inf Carlos Barroso Hipólito
2.º CMDT: Maj Inf Rui Barbosa Mexia Leitão
Of Inf Op/Adj: Maj Inf Albino Simões Teixeira Lino

CMDTs CCS:
Cap SGE António Freitas Novais
Cap Mil Art António Dias Lopes
Cap Inf Eugénio Batista Neves

CMDT CCAÇ 2312: Cap Mil Inf Júlio Máximo Teixeira Trigo
CMDT CCAÇ 2313: Cap Inf Carlos Alberto Oliveira Penim
CMDT CCAÇ 2314: Cap Inf Joaquim de Jesus das Neves

Divisa: "Juntos Venceremos" - "Para Vencer, Convencer"
Partida: 10JAN68
Regresso: 23NOV69


Síntese da Actividade Operacional

Em JAN68, rendendo o BART 1904, assumiu a responsabilidade do sector de Bissau, com a sede em Bissau e abrangendo os subsectores de Brá, Nhacra e Quinhamel, comandando e coordenando a actividade das subunidades ali estacionadas, por forma a garantir a segurança e defesa das instalações e populações da área; as suas subunidades foram então atribuídas a outros sectores.

Em 24JUN69, foi substituído no sector de Bissau pelo BCAÇ 1911 e assumiu em 25JUN68 a responsabilidade do Sector S2, com sede em Buba e abrangendo os subsectores de Sangonhá, que viria a ser extinto em 29JUL68, Gadamael, Cameconde, que desde 20DEZ68, passou a subsector de Cacine, Guileje, Gandembel e Buba, onde rendeu o BART 1896.

De 20AGO68 a 07DEZ68, a sua ZA foi reduzida dos subsectores de Guileje e Gandembel, que foram atribuídos temporariamente ao COP 2.

Em 15JAN69, a sua sede foi transferida para Aldeia Formosa, onde substituiu COP 1 e sendo então o subsector de Aldeia Formosa, incluído na sua ZA. Em 29JAN69, o subsector de Gandembel foi extinto e em 19JAN69, o subsector de Buba foi atribuído ao COP 4, então criado. Em 10JUL69, por transferência da sede do COP 4 para Aldeia Formosa, o Batalhão deslocou a sua sede para Gadamael, abrangendo nesta altura os subsectores de Guileje, Cacine e Gadamael.

Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos, emboscadas e segurança e controlo dos itinerários, bem como operações e acções sobre as linhas de infiltração e bases inimigas, orientada para a desarticulação dos grupos inimigos que procuravam fixar-se na sua ZA e ainda para a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Buba-Aldeia Formosa.

Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 2 pistolas-metralhadoras, 1 espingarda, 115 granadas de armas pesadas, 20 cunhetes de munições de armas ligeiras e 92 minas anticarro e antipessoal, destas, parte detectada e levantada nos itinerários.

Em 30SET60, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, sendo a sua ZA integrada no Sector S3, então sob responsabilidade do BART 2865.

Notas do Editor:
- Elementos recolhidos na Resenha Historico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 7.º Volume, Fichas das Unidades, Tomo II, Guiné.
- Emblema da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2011 > Guiné 63/71 - P8600: Em busca de... (172): Adalberto Santos, ex-Pára-quedista do BCP 12, Guiné, 1967/72, procura camaradas

Guiné 63/74 - P8638: Facebook...ando (12): Voz dos Combatentes... (Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Gostaria de vos dirigir um apelo para que adiram a uma conta no Facebook, que pretende ser um sítio de utilidade máxima para todos os Combatentes da Guerra do Ultramar e cujo endereço é: VOZ DOS COMBATENTES.

Nesta nova página virtual propõe-se a união de todos os Combatentes da Guerra do Ultramar, sem excepção de qualquer tipo, para dar voz a todos que ali se queiram pronunciar objectivamente sobre esta matéria, nomeadamente contra o ostracismo e o desprezo em que nos encontramos votados, salvo casos muito pontuais sem grandes efeitos práticos desde o 25 de Abril de 1974, por parte do poder político nacional, e a realizar uma Assembleia Nacional de Combatentes, para, entre outras decisões de interesse para a nossa classe, definirmos e formalizarmos um adequado e justo caderno reivindicativo, com a maior unanimidade possível.

Uma vez finalizado e aprovado, o caderno reivindicativo será entregue, por uma comissão a designar para o efeito, ao 1º Ministro do governo vigente.

Os membros autores desta página têm diversas tarefas pela frente (quase todas elas parte do referido caderno), nas quais pretendem empenhar o seu melhor e máximo de esforço para tomadas de resoluções firmes, claras e objectivas, em prol da nossa dignidade, direitos e bem-estar, em tempo útil, ou seja enquanto estamos vivos.

Entre as ditas tarefas, destaco as mais relevantes:

1 - A retirada das ruas e acolhimento em instalações condignas de todos os Combatentes afectados pelo distúrbio de Stress Pós Traumático da Guerra e que sobrevivem miseravelmente nas ruas e becos das grandes cidades do nosso país.

2 - A reivindicação de alimentação, alojamento, vestuário, higiene pessoal e despesas fúnebres, completamente grátis para todos os Combatentes "sem abrigo".

3 - A reivindicação de apoio médico urgente para todos os Camaradas traumatizados física e psicologicamente.

4 - A reivindicação de assistência médica, do foro psicológico, para os familiares que mais directamente convivem com os nossos Camaradas doentes e que, por sua vez, se sentem também atingidos nas suas saúdes.

5 – A reivindicação de revisão do valor das reformas e subsídios que garantem a subsistência e sobrevivência dos Combatentes deficientes.

6 – A reivindicação de um subsídio no valor de 60,00 Euros/mensais, a todos os Combatentes reformados em substituição do subsídio anual de "Complemento de
reforma".

7 - A reivindicação de desconto de 50% nas taxas moderadoras para o acesso aos Hospitais, Centros de Saúde e Unidades de Saúde Familiares.

8 - A reivindicação de desconto de 50% no preço dos medicamentos necessários para o combate às doenças que afectam os Combatentes, em consequência da guerra.

9 – A reivindicação da revisão das Tabelas de Invalidez, em função do aumento da idade de todos os Combatentes com deficiências físicas e psicológicas da guerra.

10 – A exigência junto do Governo para que, em colaboração com os Governos de Angola, Moçambique e Guiné, se recolham e tragam para Portugal todos os restos mortais dos Combatentes portugueses falecidos naqueles 3 teatros de operações, aproveitando a louvável e generosa disponibilidade da TAP para fazer o seu transporte aéreo.

Precisamos da força e apoio de todos… só com a nossa união conseguiremos reunir poder reivindicativo credível e convincente junto da opinião pública e política… adiram hoje a este novo projecto que pode ter pernas para “andar” assim nós o queiramos… adiram… mas adiram já… amanhã será tarde demais… pois, a cada ano que passa, estamos rápida, irreversível e irremediavelmente a desaparecer.

Para chegar à página escrevam no gooogle > Facebook > Entrem no Facebook > em Pesquisa escrevam: VOZ DOS COMBATENTES.

Com um grande abraço para todos vós,

Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

21 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8583: Facebook...ando (11): Partidas e chegadas... (Durval Faria, ex-Fur Mil, CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64)


Guiné 63/74 - P8637: Efemérides (74): O malfadado mês de Agosto de 1964 (António Bastos)

1. Mensagem do nosso camarada António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66, com data de 1 de Agosto de 2011:

Camaradas da Tabanca Grande,
Um grande abraço para todos, sou o António Paulo S. Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç 953.

Na minha comissão de serviço na Guiné nos anos de 1964 e 1965, o mês de Agosto não me traz boas recordações como vou contar-lhes. Tenho tudo publicado no meu diário na página do Carlos Silva.

No dia 8 de Agosto 1964, saímos às 6.00 horas, de barco, para patrulhar a tabanca de Coboiana e falar com o seu régulo que na altura era o João.
Já nós íamos no meio do Rio Cacheu, quando fomos apanhados por um tornado que por sorte nos empurrou para a margem. Foi a primeira escapadela à morte.

Depois de esperar cerca de duas horas pois o barco ficara em seco, lá seguimos viagem. Mas a coisa não ficou por aqui!.. O Furriel, autoritário que era, tirou os comandos do motor e leme do barco das mãos do militar da Engenharia, que era o responsável, e levou-o ele, até entrarmos no rio Coboy. Asneira do Furriel, já era a segunda, pois a primeira foi quando o avisaram que vinha aí um tornado, e ele deu como resposta: - "Sois uns maricas".
Como em vez de entrar no rio de Coboiana entrou num antes que era o Rio Coboy, que ia ter à Tabanca de Ponta da Costa, nós avisamos que íamos enganados, mas ele não aceitou. Só quando viu o erro deu novamente o comando do barco ao militar da Engenharia.

Terceira asneira: Mandou-o acelerar o barco contra a margem para subir a lama e ficar em seco, como faziam os Fuzileiros. No entanto, logo que o hélice ficou em seco, o barco não conseguiu subir a margem e deslizou novamente para a água. Foi tudo para o malagueiro. Dos 15 homens que iam a bordo quem sabia nadar era eu e, salvo erro, mais dois camaradas. Foi tudo ao fundo...

Consegui agarrar o barco evitando que ele fosse levado pela corrente, mas os remos, o depósito de gasolina e outras coisas foram-se por água abaixo. Comecei a mergulhar com outro camarada e tiramos algumas armas que ficaram dentro do barco.

Entretanto, como nós não aparecíamos, o Tenente mandou um rádio para o Batalhão a informar que estávamos desaparecidos. Entretanto já andava o "Pecixe", no rio à nossa procura, tendo encontrado o depósito do barco e os remos. Já eram 20.00 horas quando o Tenente nos descobriu.

No dia 16 de Agosto de 1964 morreu, dentro da caserna, o nosso colega Jesuino Bilro Simões, soldado N.º 342/64. Está sepultado em Bissau na campa N.º 1132 .

Soldado Jesuino Bilro Simões, morto de forma particularmente trágica dentro da caserna no dia 16 de Agosto de 1964.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2010 Guiné 63/74 - P7205: Efemérides (54): O fatídico dia 1 de Novembro de 1965 (António Bastos)

Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8610: Efemérides (52): 27 de Julho de 1970: Amélia teve um menino (José Marcelino Martins)