Guiné > Região do Ccaheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Grupo Os Jagudis > Ox-al fmil at inf A. Marques Lopes comandava este grupo de combate....Antes, em 1967, tinha passado pela CART 1690, om sede em Geba (Zona leste, região de Bafatá, onde foi gravemente ferido; evacuado para metrópole, voltaria cerca de nove meses depois para acabar a sua comissão de serviço na CCAÇ 3,. em Barro, na fronteira com o Senegal).
Fotos: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados
1. Mais dois excertos do livro de memórias "Cabra-cega" (*), que vai ser lançado no próximo dia 3 de junho, às 15h30, na biblioteca municipal de Matosinhos. (**)
Trata-se de gentileza do nosso camarada e amigo A. Marques Lopes, coronel inf, DFA, na situação de reforma, ex-alf mil da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), um dos primeiros membros membros da nossa Tabanca Grande (entrou em 14 de maio de 2005) [, foto atual à esquerda]:
Tendo abandonado as suas posições de combate, os guerrilheiros avançavam em linha ao longo da clareira lançando rajadas curtas de costureirinha e kalash. Estava a vê-los, numa imagem de ocasião, sem saber ainda se era real ou imaginária. Fortes, atléticos mesmo, em passadas decididas, senhores da vitória. Despertou nele o animal cujas reacções são comandadas pelo instinto de sobrevivência e, ao mesmo tempo, o animal especial que era, domesticado para reagir a determinados sinais e estímulos. Pôs instintivamente em práctica todo o mecanismo de comportamento do animal encurralado por numerosos caçadores. Decidiu rastejar até à orla direita da clareira. Mas antes, lixado com a maçariquice de andar com eles, enterrou os galões camuflados que usava e jurou nunca mais os usar. Achou que não lhe servia ali a Convenção de Genebra, que o seu futuro de prisioneiro seria melhor se não soubessem do seu posto. Uma ideia estúpida avaliar nesses termos a enrascadela em que se encontrava mas era melhor assim, concluiu.
Foi rastejando e, a certa altura, ouviu um silvo agudo no ar, levantou a cabeça e numa fracção de segundos viu uma granada de morteiro em direcção a si. Nem pensou, deu três voltas para o lado a rebolar. Ela enfiou-se na terra mole do sítio onde tinha estado, viu de esguelha o seu rebentamento, sentiu a terra que levantara cair-lhe no camuflado e ouviu o zumbido dos estilhaços. Cabeça entre os braços, ficou agarrado ao chão. Nunca imaginara que isso fosse possível, mesmo quando vira nos filmes não acreditara. Ali ficou alguns instantes nesta ideia.
Mas tinha de reagir e continuou a rastejar até chegar à orla. Aí, encostou-se ao tronco de uma palmeira jovem, ainda baixinha, tapado pelas ramadas que tocavam no solo. E viu, depois, que eles tinham chegado ao sítio onde antes os seus homens e ele tinham estado.
“Manga de ronco!”, gritavam todos, levantando as armas alegremente.
Capa do livro (Lisboa, Chiado Editora, 2015). Já está á venda na 85ª edição da Feira do Livro de Lisboa (que abriu ontem , e vai prolongar-se até 14 de junho, no Parque Eduardo Sétimo).
Ficha técncia:
Título: Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial
Autor: João Gaspar Carrasqueira
Data de publicação: Junho de 2015
Número de páginas: 582
ISBN: 978-989-51-3510-3
Colecção: Bíos
Género: BiografiaPreço: 19 € (edição em papel) [10 € na sessão de lançamento)
(...) O velho, agitado, dizia algumas palavras que não entendia mas que lhe pareceram crioulo. Disse ao Otcha para saber o que andavam a fazer e para onde iam. O rapazito estava cheio de medo. O cego abria os olhos baços e franzia a boca receosa. Apercebera-se do mal invisível.
– “Iam para uma tabanca aqui perto onde têm família. O velho é avô do rapaz e é cego.”
Foi a informação do Otcha depois de falar com eles. A DO estava agora por cima deles. O radiotelegrafista trouxe--lhe o “banana”.
– “O que é que se passa aí em baixo, nosso alferes?”
– “Meu major, é um jipe com dois gendarmes do Senegal, apareceram aqui. Parece-me que é melhor irmos embora, já não dá para o que viemos fazer.”
– “Eh, pá! Mande os gajos embora, e sem uma beliscadura. Não podemos arranjar problemas desses. Depois pode retirar.”
(**) Último poste da série > , 29 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14678: Notas de leitura (719): "As orações de Mansata", por Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora Limitada (Mário Beja Santos)
Ficha técncia:
Título: Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial
Autor: João Gaspar Carrasqueira
Data de publicação: Junho de 2015
Número de páginas: 582
ISBN: 978-989-51-3510-3
Colecção: Bíos
Género: BiografiaPreço: 19 € (edição em papel) [10 € na sessão de lançamento)
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(...) O velho, agitado, dizia algumas palavras que não entendia mas que lhe pareceram crioulo. Disse ao Otcha para saber o que andavam a fazer e para onde iam. O rapazito estava cheio de medo. O cego abria os olhos baços e franzia a boca receosa. Apercebera-se do mal invisível.
– “Iam para uma tabanca aqui perto onde têm família. O velho é avô do rapaz e é cego.”
Foi a informação do Otcha depois de falar com eles. A DO estava agora por cima deles. O radiotelegrafista trouxe--lhe o “banana”.
– “O que é que se passa aí em baixo, nosso alferes?”
– “Meu major, é um jipe com dois gendarmes do Senegal, apareceram aqui. Parece-me que é melhor irmos embora, já não dá para o que viemos fazer.”
– “Eh, pá! Mande os gajos embora, e sem uma beliscadura. Não podemos arranjar problemas desses. Depois pode retirar.”
Aiveca virou-se, depois, para os gendarmes.
– “Allez-vous en! Levem o cego e o miúdo!”
Ficaram encantados, nem se lhes notou qualquer contrariedade por não irem ter com as “femmes amies”. Elas lá estariam à espera para outra altura, certamente.
– “Agarrem nos dois e metam-nos no jipe”, disse para os que cercavam o avô e o neto.
Quando os gendarmes partiram deu ordem de abandono da posição. Não era bom continuar ali pois tinha a certeza que eles iam avisar o PAIGC. Disse ao Bailo para irem por caminho mais fácil, não queria demorar muito com receio de serem perseguidos. Meteram pela mata em direcção à Guiné e deram com uma tabanca. Estava abandonada, com alguns restos de moranças ainda, muito mato rasteiro, mas havia um grupo de bananeiras ao pé da mata.
– “Está ali uma mulher!”, gritou o Otcha.
Todos viraram a cara para lá. Ela tinha-os ouvido e virou também a cara para eles. Viu-os e desatou a correr. Levava uma criança no bambaran, o pano para segurar as crianças às costas. Logo alguns levantaram a G3.
– “Quietos!”, gritou Aiveca saltando para a frente deles. “Fodo o primeiro que disparar! Clode, Falcão, vão atrás dela!”
A morte de Abess nunca mais lhe saíra da cabeça e não queria outra situação idêntica. Viu que o bambaran se soltara e a criança caíra no chão. A mulher virou-se angustiada a ver a criança a chorar mas olhou com terror para o Clode e o Falcão que corriam para ela e continuou a fugir internando-se na mata.
De repente o silvo de um rocket. Atiraram-se todos para o chão. O rocket rebentou perto das palmeiras.
– “Clode, Falcão, tragam a criança! Todos para a mata!”
O Clode corria com a criança nos braços. Começou o fogachal do lado do Senegal. Já abrigados na orla da clareira, disse para o Bailo:
– “Estamos longe do alferes Salgado?”
– “Não tá, nossalfero. Tá perto à direita.”
Mandou, depois, o furriel Fernandes ir com a secção dez metros para trás, recomendando-lhe que só disparassem morteiradas. O Lindolfo foi dez metros para a direita. Ficou com o Aguinaldo Baldé, que tinha o Benhanté com a bazuca.
– “Allez-vous en! Levem o cego e o miúdo!”
Ficaram encantados, nem se lhes notou qualquer contrariedade por não irem ter com as “femmes amies”. Elas lá estariam à espera para outra altura, certamente.
– “Agarrem nos dois e metam-nos no jipe”, disse para os que cercavam o avô e o neto.
Quando os gendarmes partiram deu ordem de abandono da posição. Não era bom continuar ali pois tinha a certeza que eles iam avisar o PAIGC. Disse ao Bailo para irem por caminho mais fácil, não queria demorar muito com receio de serem perseguidos. Meteram pela mata em direcção à Guiné e deram com uma tabanca. Estava abandonada, com alguns restos de moranças ainda, muito mato rasteiro, mas havia um grupo de bananeiras ao pé da mata.
– “Está ali uma mulher!”, gritou o Otcha.
Todos viraram a cara para lá. Ela tinha-os ouvido e virou também a cara para eles. Viu-os e desatou a correr. Levava uma criança no bambaran, o pano para segurar as crianças às costas. Logo alguns levantaram a G3.
– “Quietos!”, gritou Aiveca saltando para a frente deles. “Fodo o primeiro que disparar! Clode, Falcão, vão atrás dela!”
A morte de Abess nunca mais lhe saíra da cabeça e não queria outra situação idêntica. Viu que o bambaran se soltara e a criança caíra no chão. A mulher virou-se angustiada a ver a criança a chorar mas olhou com terror para o Clode e o Falcão que corriam para ela e continuou a fugir internando-se na mata.
De repente o silvo de um rocket. Atiraram-se todos para o chão. O rocket rebentou perto das palmeiras.
– “Clode, Falcão, tragam a criança! Todos para a mata!”
O Clode corria com a criança nos braços. Começou o fogachal do lado do Senegal. Já abrigados na orla da clareira, disse para o Bailo:
– “Estamos longe do alferes Salgado?”
– “Não tá, nossalfero. Tá perto à direita.”
Mandou, depois, o furriel Fernandes ir com a secção dez metros para trás, recomendando-lhe que só disparassem morteiradas. O Lindolfo foi dez metros para a direita. Ficou com o Aguinaldo Baldé, que tinha o Benhanté com a bazuca.
Disse também a três homens da secção dele para irem dez metros para a esquerda. Era uma precaução porque tinha a ideia que eles podiam cercá-los. Com a bazuca ali podia retê--los até decidir recuar.
– “ Polícias foram avisar os turras”, disse o Aguinaldo por entre as rajadas.
– “Claro.”
– “Devíamos ter matado eles.”
– “E arranjávamos um trinta e um do caraças, era?.”
As bazucadas do Benhanté e os dilagramas do Otcha mantinham-nos em respeito. Disse ao radiotelegrafista para ligar ao alferes Salgado. Quando o fez deu-lhe o “banana”.
– “Ó Salgado, estás a ver o que está a suceder?”
– “Estou, pá, bem as oiço. Estou a ver que tens festa.”
– “Tu daí podes dar-nos uma ajudinha. Nós estamos na tabanca que está à tua esquerda. Tens o mapa, faz os cálculos e manda-lhes umas morteiradas para a mata do lado do Senegal.”
– “É, pá, eu já não estou no mesmo sítio. Vou a caminho do quartel.”
– “O quê!? Foda-se! Tínhamos combinado que ficavas lá à minha espera!”
– “É pá, vi que não estava lá a fazer nada.”
– “Vai pró caralho!”, e desligou.
O Aguinaldo, mesmo no meio do tiroteio, apercebera--se da conversa.
– “O que foi, meu alferes?”
– “O alferes Salgado deixou-nos, foi-se embora.”
– “O alferes Salgado não é bom.”
– “É mas é um grande filho da puta”, estava mais que furioso.
Passados mais uns minutos, disse ao Benhanté para mandar mais uma bazucada e ao Otcha um dilagrama e mandou recuar. Verificou que do lado esquerdo e do direito também o faziam. Enquanto isso o Fernandes continuava com as morteiradas. Quando se juntaram todos ouviu a DO. Foi ele que ligou logo.
– “Estamos aqui com um problema, meu major.”
– “Já sei. Estava na pista do quartel e ouvi. É o tal bigrupo?”
– “Parece-me que não há nenhum bigrupo, meu major. Os que nos atacaram não têm esse poder de fogo, além de que não tiveram capacidade para uma manobra de envolvimento que nos lixasse.”
– “Podem não ter querido mostrar. Mas agora não interessa. Retire-se que eu vou pedir uns T6 para despejarem aí umas bujardas.”
– “É óptimo, para ver se não vêm atrás de nós. Além disso podem dar cabo de umas plantações de arroz que eles têm na bolanha. Mas isso o meu major já sabe.”
Uns segundos para engolir, como era hábito.
– “Toca a andar, homem. Eu vou para o quartel e falamos lá.”
– “ Polícias foram avisar os turras”, disse o Aguinaldo por entre as rajadas.
– “Claro.”
– “Devíamos ter matado eles.”
– “E arranjávamos um trinta e um do caraças, era?.”
As bazucadas do Benhanté e os dilagramas do Otcha mantinham-nos em respeito. Disse ao radiotelegrafista para ligar ao alferes Salgado. Quando o fez deu-lhe o “banana”.
– “Ó Salgado, estás a ver o que está a suceder?”
– “Estou, pá, bem as oiço. Estou a ver que tens festa.”
– “Tu daí podes dar-nos uma ajudinha. Nós estamos na tabanca que está à tua esquerda. Tens o mapa, faz os cálculos e manda-lhes umas morteiradas para a mata do lado do Senegal.”
– “É, pá, eu já não estou no mesmo sítio. Vou a caminho do quartel.”
– “O quê!? Foda-se! Tínhamos combinado que ficavas lá à minha espera!”
– “É pá, vi que não estava lá a fazer nada.”
– “Vai pró caralho!”, e desligou.
O Aguinaldo, mesmo no meio do tiroteio, apercebera--se da conversa.
– “O que foi, meu alferes?”
– “O alferes Salgado deixou-nos, foi-se embora.”
– “O alferes Salgado não é bom.”
– “É mas é um grande filho da puta”, estava mais que furioso.
Passados mais uns minutos, disse ao Benhanté para mandar mais uma bazucada e ao Otcha um dilagrama e mandou recuar. Verificou que do lado esquerdo e do direito também o faziam. Enquanto isso o Fernandes continuava com as morteiradas. Quando se juntaram todos ouviu a DO. Foi ele que ligou logo.
– “Estamos aqui com um problema, meu major.”
– “Já sei. Estava na pista do quartel e ouvi. É o tal bigrupo?”
– “Parece-me que não há nenhum bigrupo, meu major. Os que nos atacaram não têm esse poder de fogo, além de que não tiveram capacidade para uma manobra de envolvimento que nos lixasse.”
– “Podem não ter querido mostrar. Mas agora não interessa. Retire-se que eu vou pedir uns T6 para despejarem aí umas bujardas.”
– “É óptimo, para ver se não vêm atrás de nós. Além disso podem dar cabo de umas plantações de arroz que eles têm na bolanha. Mas isso o meu major já sabe.”
Uns segundos para engolir, como era hábito.
– “Toca a andar, homem. Eu vou para o quartel e falamos lá.”
Não explodia facilmente, era verdade.
Não iam muito longe quando os T6 apareceram. Despejaram umas tantas e foram-se embora. Mas deu para que os do PAIGC não lhes fossem no encalço. Durante o caminho chegou-se à secção do Fernandes, onde o Clode continuava com a criança ao colo.
– “Nome di bó?”, perguntou-lhe.
– “É badjudinha”, disse o Clode.
Ela não disse nada e chorou.
– “Tá bem, é rapariga. Ó Fernandes, que dia é hoje?”
– “É dia 20 de Agosto, meu alferes.”
– “Não. O dia da semana.”
– “É terça-feira.”
– “Então, como a miúda não quer ou não sabe ainda dizer o nome, vamos chamar-lhe Terça.”
O pessoal ouviu, cochicharam entre eles e acharam piada. Era normal para eles, havia muitas Sábado e Segunda, conforme o dia da semana em que tinham nascido. Não era novidade.
Quando chegaram ao quartel o primeiro que viu foi o Salgado. Foi o primeiro porque era quem queria ver. Estava com o Rodolfo. Dirigiu-se a ele de G3 em riste.
– “Se me fazes aquilo outra vez fodo-te o coiro!”
O Rodolfo olhou-o espantado.
– “Tem calma. Que merda é essa, Aiveca?”
– “Pergunta a este cabrão.”
Mas estava tão furioso que foi ele que acabou por contar ao Rodolfo o que se tinha passado e que o Salgado se pirara deixando-o enrascado. Vieram dizer-lhe que o major estava na secretaria à sua espera. Estava com um capitão, devia ser do seu staff do COP, e o piloto da DO.
– “Então, nosso alferes, conte lá como foi aquilo.”
– “Foi o que estava planeado. Quando estávamos na picada do Senegal apareceu um jipe de gendarmes. Tive de os mandar parar.”
– “Mas não os podia ter deixado seguir e continuar emboscado?”
– “Tive receio que eles dessem pela nossa presença. Gerar-se-ia uma confusão e tenho a certeza que os meus homens os matavam. Gorava-se a nossa missão na mesma e denunciávamos a nossa presença.”
– “Assim sucedeu o mesmo”, disse em tom crítico. “Ouvi dizer que apanharam lá um velho e um miúdo mas deixaram--nos ir embora.”
Foram os furriéis que já andaram por aí a contar, pensou Aiveca.
– “E”, continuou o major”, apanharam uma miúda e deixaram fugir a mãe. Fez mal porque podíamos colher deles muitas informações sobre a presença do PAIGC ali.”
Para o major era o vale tudo. Mas para ele não era.
– “Meu major, nunca pensei que a minha missão fosse apanhar cegos, o velho era cego, não sei se sabe, e miúdos. E a mulher fugiu-nos quando eles nos começaram a atacar.”
– “Mas apanharam a criança dela.”
– “Meu major, não podia deixar a criança no meio do tiroteio ou correr o risco de lhe cair uma morteirada em cima.”
Não iam muito longe quando os T6 apareceram. Despejaram umas tantas e foram-se embora. Mas deu para que os do PAIGC não lhes fossem no encalço. Durante o caminho chegou-se à secção do Fernandes, onde o Clode continuava com a criança ao colo.
– “Nome di bó?”, perguntou-lhe.
– “É badjudinha”, disse o Clode.
Ela não disse nada e chorou.
– “Tá bem, é rapariga. Ó Fernandes, que dia é hoje?”
– “É dia 20 de Agosto, meu alferes.”
– “Não. O dia da semana.”
– “É terça-feira.”
– “Então, como a miúda não quer ou não sabe ainda dizer o nome, vamos chamar-lhe Terça.”
O pessoal ouviu, cochicharam entre eles e acharam piada. Era normal para eles, havia muitas Sábado e Segunda, conforme o dia da semana em que tinham nascido. Não era novidade.
Quando chegaram ao quartel o primeiro que viu foi o Salgado. Foi o primeiro porque era quem queria ver. Estava com o Rodolfo. Dirigiu-se a ele de G3 em riste.
– “Se me fazes aquilo outra vez fodo-te o coiro!”
O Rodolfo olhou-o espantado.
– “Tem calma. Que merda é essa, Aiveca?”
– “Pergunta a este cabrão.”
Mas estava tão furioso que foi ele que acabou por contar ao Rodolfo o que se tinha passado e que o Salgado se pirara deixando-o enrascado. Vieram dizer-lhe que o major estava na secretaria à sua espera. Estava com um capitão, devia ser do seu staff do COP, e o piloto da DO.
– “Então, nosso alferes, conte lá como foi aquilo.”
– “Foi o que estava planeado. Quando estávamos na picada do Senegal apareceu um jipe de gendarmes. Tive de os mandar parar.”
– “Mas não os podia ter deixado seguir e continuar emboscado?”
– “Tive receio que eles dessem pela nossa presença. Gerar-se-ia uma confusão e tenho a certeza que os meus homens os matavam. Gorava-se a nossa missão na mesma e denunciávamos a nossa presença.”
– “Assim sucedeu o mesmo”, disse em tom crítico. “Ouvi dizer que apanharam lá um velho e um miúdo mas deixaram--nos ir embora.”
Foram os furriéis que já andaram por aí a contar, pensou Aiveca.
– “E”, continuou o major”, apanharam uma miúda e deixaram fugir a mãe. Fez mal porque podíamos colher deles muitas informações sobre a presença do PAIGC ali.”
Para o major era o vale tudo. Mas para ele não era.
– “Meu major, nunca pensei que a minha missão fosse apanhar cegos, o velho era cego, não sei se sabe, e miúdos. E a mulher fugiu-nos quando eles nos começaram a atacar.”
– “Mas apanharam a criança dela.”
– “Meu major, não podia deixar a criança no meio do tiroteio ou correr o risco de lhe cair uma morteirada em cima.”
O major encarou-o zombeteiramente.
– “Você, alferes Aiveca, está muito mole para esta guerra.”
– “Estou com certeza, meu major, e não sei se alguma vez estarei duro.” (...)
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– “Você, alferes Aiveca, está muito mole para esta guerra.”
– “Estou com certeza, meu major, e não sei se alguma vez estarei duro.” (...)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 28 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14674: Notas de leitura (718): "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (autor: João Gaspar Carrasqueira, pseudónimo literário de A. Marques Lopes): Excertos (Parte I): "Tinha-se interrogado várias vezes sobre as razões que o levaram a entrar no seminário"...
(*) Vd. poste de 28 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14674: Notas de leitura (718): "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial" (autor: João Gaspar Carrasqueira, pseudónimo literário de A. Marques Lopes): Excertos (Parte I): "Tinha-se interrogado várias vezes sobre as razões que o levaram a entrar no seminário"...
(**) Último poste da série > , 29 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14678: Notas de leitura (719): "As orações de Mansata", por Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora Limitada (Mário Beja Santos)