1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a segunda parte da sua história, que vem complementar a primeira publicada em 25 de Dezembro, no poste P5534:
CCAÇ 4540 – 72/74
SOMOS UM CASO SÉRIO
PARTE 2
CADIQUE-CUFAR
Dois dias após o desembarque em Cadique, eu e o Nelson (Rádio Telegrafista) fomos chamados ao Capitão da Companhia para nos informar que um de nós teria de ir para Cufar. Tinha sido criado o COP 4 na referida localidade e seria necessário pessoal de transmissões para formar uma equipa.
O dilema do Capitão era quem iria ser o felizardo que iria sair dali (palavras dele) e, como não queria ficar com problemas de consciência, sacou de uma moeda perguntando-me: “Cara ou coroa?” Por muito mórbido que pareça a moeda foi lançada em cima dum caixão, que viajava connosco desde Bigene como se de mantimentos se tratasse.
Deus e a moeda estiveram comigo e, nesse mesmo dia, vi-me enfiado num Sintex rumando através do rio Cumbijã, para Cufar.
Quando lá cheguei fiquei surpreendido com o que vi, já que os militares e a população viviam misturados e as instalações militares eram dispersas e pequenas. No entanto o que estava reservado para mim, era uma tenda de campanha e um colchão insuflável, que, pouco tempo depois, já não funcionava. Por aqui fiquei cerca de 5 meses.
Foto 11 – Cufar: Junto às tendas do pessoal de transmissões do COP 4
Foto 12 – Cufar: Junto a um bombardeiro T 6
Consultada a minha já fraca memória e não tendo encontrado o meu bloquinho de apontamentos, onde registava essas andanças, ainda consigo recordar-me de alguns elementos da CCaç 4740 (Leões de Cufar), do Pel Rec Fox e do Alf Mil Murta (Pel Obus 14), bem como da pista de aviação (uma das melhores do Sul do TO).
O COP 4 era comandado por oficiais pára-quedistas, sendo o seu Comandante o saudoso Tenente-Coronel Araújo e Sá, de quem eu guardo muito boas recordações, já que, sendo um homem duro e exigente, era também um militar de uma correcção extraordinária, humano e sempre bom Camarada, a que juntava um feitio extremamente rigoroso.
O COP 4 era comandado por oficiais pára-quedistas, sendo o seu Comandante o saudoso Tenente-Coronel Araújo e Sá, de quem eu guardo muito boas recordações, já que, sendo um homem duro e exigente, era também um militar de uma correcção extraordinária, humano e sempre bom Camarada, a que juntava um feitio extremamente rigoroso.
Trabalhei com ele muito de perto, sendo a minha especialidade radiotelegrafista, em Cufar passei a desempenhar as funções de Operador de Mensagens, pois não havia nenhum, e, diariamente, quase 24 horas por dia, lidava com ele, mesmo durante a noite entrando no seu quarto: “Meu Comandante, mensagem Relâmpago, Zulu.”, e a reposta era quase sempre: “Lê ou deixa.”
Nunca suportei muito bem a rotina da vida militar, como quase todos aqueles jovens que se encontravam na Guiné, mas foi precisamente este homem, um militar, que me ensinou alguns modos de comportamento e de decisão pessoais, que hoje imensamente prezo na minha vida.
Não posso formar sobre a sua personalidade, como é óbvio, uma opinião de carácter estritamente militar, mas uma coisa eu sei, é que era normal ouvir os seus homens dizerem, a todo o momento, que ele era detentor de invulgar e extraordinária competência militar.
Além deste vulto militar, tive também o grato prazer de conhecer, naturalmente, outros oficiais e sargentos, que na época constituíam a fina-flor dos pára-quedistas, como por exemplo: o Major Calheiros, Capitão Terras Marques, Pessoa, Valente dos Santos, Cordeiro e o Sargento Barros.
Foto 13 – Cufar: Natal (da esqª para a dirª). Eu, o “Eiras” (um homem da CCaç 4740 - Leões de Cufar) e o “Porto” do COP 4 (Nota-se nesta foto a falta que a ASAE já fazia naquele tempo)
Em termos de flagelações, Cufar também sofreu algumas, com mísseis (ou foguetões, como nós dizíamos), que caíram muito perto da pista de aviação e, um deles inclusive, teve o seu impacto dentro do aquartelamento, embatendo numa árvore e não explodindo.
Recordo-me, ainda, de um ataque do PAIGC com armas ligeiras, muito perto da vedação, em que eu estava dentro de uma vala e um militar da companhia açoriana, me pediu para encher carregadores de G3.
Eu estava tão entusiasmado a ver as balas tracejantes a atravessarem o espaço, que não tive tempo para lhe satisfazer tal pedido.
Foto 14 – Cufar: Local onde caiu míssil que não explodiu
Em Cufar apareceu um dia, uma delegação da NATO, para inspeccionar se nós, os militares portugueses, estaríamos a utilizar equipamento da mesma organização. Aqui deixem-me rir um pouco!
Entretanto chegou um pira, Operador de Mensagens, que me libertou muito do trabalho que vinha tendo, e me permitiu, inclusive, ir a Bissau passar uma semana de férias.
Entretanto chegou um pira, Operador de Mensagens, que me libertou muito do trabalho que vinha tendo, e me permitiu, inclusive, ir a Bissau passar uma semana de férias.
Foi o próprio Comandante a falar no assunto: “Você merece.” - disse ele. E lá fui para Bissau.
Era frequente estarem estacionados na pista de Cufar, um helicanhão e alguns helicópteros, que regressavam a Bissau ao final da tarde e foi num desses helis que fiz a viagem.
Fiquei surpreendido com a forma dos helis voarem muito rente às copas das árvores e perguntei à enfermeira, que viajava também no helicóptero, o porquê daquilo? Resposta dela: “Foi abatida, ou caiu, uma DO no Norte, perto de Binta.”.
A partir daí, a viagem pareceu-me durar uma eternidade.
No regresso a Cufar, uma semana depois, era para viajar num NordAtlas, mas olhando para o que se tinha passado com a DO e o modo como voavam os helicópteros, resolvi untar as mãos do responsável e lá me safei de voar outra vez. Acabei por regressar numa LDG, numa viagem com a duração de 24 horas a ração de combate, cansativa, mas mais segura (digo eu).
Foto 15 – Junto ao Canhão S/R com um camarada do COP 4
Foto 16 – Cufar –NordAtlas
Foto 17 – Cufar: Com outros camaradas de transmissões do COP 4
Foto 18 – Cufar: Pose... só para a fotografia claro…
Foto 19 – Cufar
Foto 20 – Cufar: Preparando a filmagem da chegada dos piras (estilo Steven Spielberg)
Foto 21 - Cufar: Heli Alouette III
Foto 22 – Cufar: Dentro da vala
Foto 23 – Cufar: Abrigo
Foto 24 – Cufar: NordAtlas
Foto 25 – Cufar: Canhão sem recuo
Foto 26 – Cufar: Vala com pessoal das transmissões COP 4
Foto 27 – Cufar
Cufar era uma placa giratória de apoio logístico para o Sul e, por esse motivo, originava um movimento muito fora de vulgar, quer em meios aéreos, quer em viaturas e pessoal militar.
Apesar de estar ausente da minha Companhia, eu vivia intensamente os seus problemas e estava ao corrente dos mesmos, porque o meu trabalho no COP 4 me dava acesso a quase todas as informações, e porque o que nos separava era apenas o rio.
Em Maio ou Junho de 1973, apareceu em Cufar um tenente de transmissões, destinado a chefiar o pessoal das transmissões do COP 4.
Mal vi o tal tenente conheci-o logo, era o Tenente V…. Pensei para comigo: “Estou feito!”
Não é que o homem era o mesmo que, no Regimento de Transmissões do Porto, passava a vida a escalar-me para reforços, quando estava de oficial de dia ?! Ou eram as botas, ou a camisa, ou isto e aquilo… nunca saí para a rua quando ele estava de oficial de dia.
De imediato fui ter com o Comandante Araújo e Sá e pedi para regressar a Cadique. Ele bem tentou demover-me dizendo: “Tu não estás bom da cabeça, queres ir para aquele inferno!”
Mas lá acabou por aceitar e, no dia seguinte, regressei a Cadique.
Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCaç 4540
Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em: