1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), com data de 19 de Março de 2010:
Caros camaradas Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães
Venho com estima relatar um pouco da actividade operacional da CCAÇ 5, no condado de Canjadude, Guiné.
Deixo ao vosso critério a publicação, ou não, da mesma, assim como a inclusão das fotos.
Um Abraço
José Corceiro
José Corceiro na CCAÇ 5 (7)
CANJADUDE DEBAIXO DE AMEAÇA
Não sei quais as fontes, mas há apreensão e é voz corrente que o IN vai flagelar de novo a CCAÇ 5 brevemente. Tem havido por aqui muita actividade operacional, desde que Canjadude foi flagelado pela primeira vez, em 11 de Julho 1969. Comenta-se que o IN estará a estruturar e preparar uma base operacional no Bormeleu, perto do Cheche, junto ao rio Corubal para nos atacar.
No dia 19 de Julho, a CCAÇ 5, juntamente com outras forças, realizaram uma operação no mato durante três dias, para os lados do Bormeleu, que dista de Canjadude cerca de 20 a 25km, eu fui integrado como responsável pelas comunicações do AN/PRC-10, junto do Comando.
O AN/PRC-10 é um emissor/receptor móvel, de frequência modelada, praticamente impune às interferências de ruídos parasitas nas suas comunicações, destaca-se a qualidade sonora comparativamente com aparelhos de amplitude modelada. Foi concebido essencialmente para comunicações de terra para meios aéreos e vice-versa, tem uma boa qualidade sonora e as ondas de difusão neste meio, terra/ar, não têm praticamente obstáculos físicos, aos quais as ondas de frequência modelada são sensíveis. Para comunicar em terra neste teatro operacional, plano e com arvoredo, o seu alcance é limitado, não só pela potência do equipamento emissor que é fraco em watts (0,9W), mas também devido às características das suas ondas, frequência modelada, cuja propagação é prejudicada por obstáculos físicos; para obstar a esta característica negativa, nos Aquartelamentos, há necessidade de montar um suporte físico, mastro, com altura razoável, com uma antena vertical instalada no topo do mastro, que optimiza a recepção e emissão do AN/PRC-10. Tem ainda um outro inconveniente nas comunicações, o chamado efeito de captura, isto é, perante dois equipamentos a emitir na mesma frequência para um terceiro equipamento receptor, (central) este selecciona o sinal de maior potência ignorando o mais fraco.
Foto 1 > AN/PRC-10 deitado > Vista do painel de comandos e respectiva legendagem.
Foto 2 > Canjadude > Corceiro no mastro onde estava instalada a antena do PRC-10
Os equipamentos mais utilizados nas comunicações terrestres são: (desprezando o AVP-1 de fraco alcance) AN-GRC-9 e RACAL-TR-28, este último já transistorizado, (menos consumo de energia e outras performances tais como, a maleabilidade e maneiro) e tem comutador de canais com posições de frequências definidas, associado a cada posição um cristal específico com frequência pré-estabelecida, facilita a sintonia e torna-o mais versátil e preciso, tem ainda a vantagem de ter terminal de antena dipolo, que se pode montar entre duas árvores, beneficiando consideravelmente as comunicações com esta antena instalada na horizontal, tão alto quanto possível. No AN/PRC-10 para tirar o máximo de partido das suas emissões/recepções com outra antena que não a segmentada, a antena tem que ser montada na vertical e acima dos obstáculos, o que no mato por vezes se torna improvável ou até impossível. Não podemos desprezar as interferências atmosféricas, para a propagação das ondas hertzianas de emissão e recepção, visto haver influência com adversidades e vantagens.
Como comecei por explanar, o dia 19 de Julho saí para uma operação no mato, em que a progressão foi muito difícil, pois tivemos que andar quase todo o dia dentro de água, algumas vezes até à cintura, as bolhanhas estão todas alagadas e a chuva durante o percurso caiu a potes. Acampamos para passar a noite, todos encharcados e exaustos, e para nos atiçar as amarguras e sacrificar ainda mais as nossas mazelas, durante a noite choveu torrencialmente. Ao despontar da aurora levantamo-nos do chão que estava ensopado e enlameado, todos emporcalhados a contorcermo-nos com dores lombares e actividade muscular entorpecida, além de estarmos arreganhados pois de noite com a chuva refrescou. Não sei como os nossos corpos suportam tamanhas adversidades? Progredimos operacionalmente, neste segundo dia, em trilhos menos alagadiços, o tempo com abertas e alguns aguaceiros, passamos bem melhor que ontem.
Entretanto, as forças operacionais separaram-se em dois grupos, seguindo trajectos distintos. Durante estes dois dias não detectamos vestígios alguns, que denunciassem a presença de humanos por aqui. O grupo no qual eu estava integrado avançou em direcção a um morro, que escalamos com muito esforço, tinha acessos dificultados, não só pela vegetação que nos enleava, mas também devido às vertentes do terreno muito declivosas, com um trilho muito íngreme e escorregadio e com frequência o pessoal estatelava-se no chão e rebolava. Foi com imensa labuta, que trepamos até ao topo do morro tão escarpado era o trajecto, que mais parecia ser escalada de alpinista. Instalámo-nos no topo do monte para comer a ração de combate. Ainda não tínhamos acabado de comer, desencadeou-se tamanha berraria provocada pela agitação e algazarra dos macacos-cão, no sopé do morro, que segundo os entendidos que bem conheciam estes sinais de alarme, era revelador que algo de muito estranho por ali acontecia. Todos, apressadamente, nos preparámos para abandonar o local e começar a descer. Foi neste momento que avistámos um pouco para lá da base do morro, pessoal IN a fugir em debandada. Eu pessoalmente vi uma ou duas pessoas, houve quem dissesse que viu mais de meia dúzia de elementos com armamento. Descemos apressadamente, por trilho muito acidentado, ladeiroso e inclinado, onde os tombos do pessoal eram constantes e alguns caiam e deslizavam no chão 2 e 3 metros, pela acção das forças da inércia e gravidade, tal era a inclinação da encosta. Afigurava-se que a todo o momento, houvesse algum acidentado o que felizmente não aconteceu (atenda-se que estávamos para os lados do Bormeleu e Cheche, onde havia algumas montanhas que tinham continuidade atravessando o rio Corubal em direcção a Madina de Boé). Havia necessidade de descer rapidamente, por se recear que estivesse em curso a montagem de uma emboscada às NT, e não nos podíamos expor a essa fragilidade de dar vantagem e oportunidade ao IN.
Foto 3 > Pequena amostra de obstáculos a vencer para subir o morro
Foto 4 > Corceiro no topo do morro a comer a ração de combate
Chegados à base do morro já o IN se tinha escapulido, pois não se descobriu nem proveniência nem refúgio do grupo, que se evaporou nos meandros emaranhados da floresta, sem que ninguém mais o visse. Ao que parece o IN vinha em fuga do outro grupo das NT, que não se apercebeu absolutamente de nada.
É surpreendente o comportamento do IN em virtude da localização da CCAÇ 5, estarmos tão próximo de redutos inimigos e não sermos atacados com outra assiduidade, pois somos o último Aquartelamento e o mais periférico aqui da zona, para além de Canjadude está o Cheche já abandonado, na margem direita do rio Corubal, atravessando o rio é zona de Madina de Boé. Está provado que há por aqui actividade IN. No espaço de oito dias o inimigo é visto duas vezes nestas bandas e Canjadude sofreu uma flagelação cujo itinerário utilizado pelo IN foi nesta direcção!
Será que nos poupam por sermos uma Companhia com nativos, ou será que estão a preparar alguma orquestração com maestria, ou terão receio de se envolver com a CCAÇ 5?!
Fisicamente todo o pessoal está muito stressado, pelo esforço despendido no dia de ontem a caminhar grande parte da progressão dentro de água que foi deveras extenuante, a noite foi chuvosa muito desconfortável e tão sofredora, hoje a subida e descida do morro tão desgastante, esta tarde de Domingo tem sido bem mais tranquila, e acampamos já os dois grupos juntos, para passar a noite, sem que tenha havido acontecimentos dignos de registo, e mais, sem necessidade de evacuações.
A noite passada não choveu. Hoje progredimos no terreno sem termos encontrado o mínimo vestígio de presença IN. Ao meio da tarde fomos ao encontro das viaturas, onde chegamos já com alguns homens a arrastarem-se, no limite das suas forças, tudo exaurido. Chegamos ao Aquartelamento exaustos fisicamente e alguns a precisarem de tratamento clínico, com bolhas nos pés e “impinges” a nível das virilhas, devido ao demasiado tempo que se caminhou dentro de água, que é propício ao desenvolvimento de dermatofitose (micose cutânea provocada por fungos).
O dia 22 de Julho, deram-nos a informação que neste dia Canjadude ia ser flagelado, o pessoal ficou todo de prevenção, praticamente ninguém dormiu à espera do ataque, com tudo às escuras, pois desligou-se o gerador da energia eléctrica do destacamento. Não houve ataque.
Tem continuado a actividade operacional intensa, saídas para o mato quase diárias, mas nada de vulto há a registar, a não ser a dificuldade na progressão do pessoal, devido ao alagamento das bolanhas que tornam muito difícil caminhar dentro de água, muitas das vezes até à cintura e mais.
Dia 27 houve mais uma operação para o mato, mas a meio da tarde tivemos que ir buscar o pessoal com as viaturas, pois cinco ou seis militares ficaram incapacitados de progredir devido a doença.
Dia 1 de Agosto, fui com um grupo para garantir segurança e assegurar comunicações a um Furriel e um Cabo, “Radiolocalizadores”, na picada do Cheche, próximo do começo da pista aérea de Canjadude, para referenciar coordenadas de emissão de rádio, que já tinham sido registadas em mais dois lados.
Dia 8 sai para o mato às 06.00h em operação de dois dias com dois pelotões. Saimos em direcção ao Cheche e depois flectimos para a esquerda e entrámos em zonas alagadas onde caminhamos grande parte do dia dentro de água, por vezes até à cintura. Fomos pernoitar a Canducuré tendo chovido praticamente toda a noite. Logo ao alvorecer levantamo-nos todos a tiritar e começamos a caminhar dentro de água rumo a Canjadude onde chegámos ao fim da manhã.
A actividade operacional tem continuado muito movimentada, praticamente todos os dias há saída para o mato e há informações consecutivas a dizer que Canjadude vai ser flagelado.
Dia 11 de Agosto, houve evacuação de militar devido a fractura do pé.
Dia 14, operação de dois dias.
Dia 17, tudo no Aquartelamento numa labuta constante a fazer limpeza de higienização e pôr tudo em ordem, pois chegou mensagem a informar que amanhã, dia 18, o Delegado do Governador da Província vem a Canjadude.
Dia 18, tudo devidamente fardado e aprumado, mas o Delegado não apareceu.
Dia 23, os Pára-quedistas, vindos duma operação, aqui na nossa área, chegaram a Canjadude carregados de material de guerra capturado ao IN num assalto a uma base deste. Não houve feridos dignos de registo e segundo disseram muito outro material seguiu de Heli.
Dia 24, mais uma operação de três dias, em que fui eu e o Silva de Transmissões. As bolanhas continuam alagadíssimas e a necessidade impõe que a todo o momento tenhamos que caminhar dentro de água. As noites no mato são agitadas e inquietantes, ora mosquitos, ora chuva, ora dores lombares, não dá para minimamente tonificar e descansar. Fisicamente há muito pessoal a ficar exausto. Regressamos dia 26, com o pessoal a dar sinais de fadiga preocupante, e sem que haja o mínimo de estímulo palpável, que justifique todo este esforço, ainda que o não sermos atacados é por si óptimo. Tenho a percepção que o pessoal da CCAÇ 5, está ansioso e precisa de cintilar, (fazer ronco) como brilharam os Pára-quedistas, que apanharam tanto material de guerra aqui na nossa área de intervenção!
Foto 5 > Dia 24 de Agosto > Caminhar dentro de água na bolanha de que não recordo o nome
Foto 6 > Dia 24 de Agosto > Momento de pausa. Da esquerda para a direita: Silva das Transmissões, um camarada de quem não recordo o nome, Fur Mil Cabrita e outro camarada de quem não me ocorre o nome
Foto 7 > Algum do armamento apanhado pelos Pára-quedistas ao IN na zona de Canjadude. Foto que me foi enviada por um Pára
Para baixar mais o moral e desalento no pessoal, já uns tempos que o comer tem sido de péssima qualidade no Aquartelamento, até já aconteceu virem caganitas de ratos no arroz já cozinhado. Um destes dias o comer era dobrada, intragável, pois tinha uma fetidez arrepiante, que ninguém conseguia inalar, quanto mais tragar. Como as desgraças andam sempre aos pares, está a tornar-se habitual passarem mais de oito dias sem recebermos correio, quando era norma haver distribuição duas e três vezes por semana e isto perturba o equilíbrio emocional e desanima os metropolitanos.
Para todos o desejo de muita saúde, um abraço.
José Corceiro
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5996: José Corceiro na CCAÇ 5 (6): Pânico no abrigo norte, crocodilo à vista
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 22 de março de 2010
domingo, 21 de março de 2010
Guiné 63/74 - P6035: Notas de leitura (81): O Pé na Paisagem, de Filipe Leandro Martins (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2010:
Queridos amigos,
Não será possível, um dia que se escreva detalhadamente o que foram os nossos preparativos para a guerra, iludir a existência de um relato tão vigoroso, aliás a alavanca de um escritor confirmado. Muitos de nós, lendo-o, regressamos às Caldas da Rainha ou a Mafra, a uma vivência perturbante que desencadeou tantas mudanças na nossa vida.
Peço aos mais virtuosos que não se enfureçam por ele não ter ido para África.
O Filipe Leandro Martins é leitura indispensável na justa medida em que possui um olhar sobre o nosso tempo, na recolha das ideias, de valores e atitudes dos rapazes que fomos. O seu olhar anti-colonialista e anti-militarista. Que também existiu.
Um abraço do
Mário
Os preparativos para a guerra: a caserna, o aparato, o espelho da Nação
Beja Santos
Nunca me fora dado ler um relato tão vincado, minucioso, expressivo da sequência da chegada para a recruta, as suas andanças, a nova vida de relação, a passagem para a especialidade, as dúvidas, as pesadas decisões. Em “O Pé na Paisagem”, (Editorial Caminho, 1981), Filipe Leandro Martins procura dar-nos corajosamente todo esse itinerário, o pulsar da caserna, os encontros e desencontros com a cadeia do comando, a atmosfera da vida promíscua, a preparação física, o discurso ideológico reinante. De algum modo, estamos todos lá enquanto geração das casernas, movendo-nos entre o quartel e o fim-de-semana, todo o roteiro que levou a generalidade até ao embarque e outros à deserção. É um relato a vários títulos poderoso, combina o realismo com o expressionismo, deixa as entranhas da engrenagem militar, obriga-nos a rever corredores, instrução, novas amizades, a carreira de tiro, a expectativa de partir para uma frente da guerra, lá longe, no completo desconhecido.
O arranque do romance é quase cinematográfico: “O comboio deixou-nos na cidade com mais ou menos vinte anos. Saímos aos trambolhões, entre malas e saquinhos, berrando uns pelos outros com a solidariedade de bairro, de vila ou de escola. Eu vinha só com a mala pesadíssima que trazia de casa para a caserna que nos esperava, velhaca. Arrastávamo-nos com pressa, desancados pela viagem, pelas bagagens, pelo sol provinciano à uma da tarde no largo amarelo da estação e ouvi alguém gritar o meu nome uma porrada de vezes antes de me voltar”. Segue-se o cerimonial da entrega dos materiais e a chegada à caserna, tudo em tropel, o pessoal deslumbrado pela novidade, intimidados: “Sombras chinesas falavam aos berros, contraditórias e desmoralizantes – já não davam mais lençóis ou só havia botas das pequenas, ou não distribuíam mais fardas nessa noite e amanhã estás lixado que tens de aparecer fardado, despacha-te que o quarteleiro está a dar a roupa da cama... Deram-me duas mantas castanhas e esburacadas, um par de lençóis duros e molhados. Quando voltei ao boliche já a minha cama estava feita e ocupada por uma feroz sombra a ressonar. A caserna ia abrigar cerca de duzentos instruendos, uma companhia de instrução dividida por muros até meia altura e um corredor lateral percorria todo o casarão até aos lavabos e às cagadeiras. Em cada compartimento duas filas de camas em beliches de ferro, assentes no ladrilho encardido, o ferro pintado a descascar-se nas camas e nos cacifos, os colchões de palha endurecidos por gerações de guerreiros que ali tinham cultivado o sono.
São rostos cansados, insones, gente que grita, há quem ande à procura de receber ordens, há gente com fome, há gente que conta histórias, algumas delas horripilantes sobre o que se passa em África. Tocam clarim e alguém grita: “Esta é que é a puta da segunda companhia?” Da desorganização aparece a ordem de um quartel inteiro: “Depois começou a chamada, milhões de nomes a acertar com números, e a fome a roer. Depois firme. Sentido. Os braços esticados, dedos juntos, olhar em frente. Não mexe. O furriel deu um passo em direcção a nós, perna estendida, patada no chão. Deu meia volta, muito teso. Fez a continência a um homem franzino, enquanto a malta bichanava que era um alferes. O alferes fez um gesto mole em resposta, virámo-nos para a direita e lá fomos a caminho do refeitório, a toque de caixa”.
Surgem as novas relações, aprende-se a importância de engraxar as botas, revelam-se as manigâncias de quem quer uma cunha para fugir a África.
Começam as aulas teóricas e práticas, aprende-se a limpar a arma, a correr e a saltar, os ensinamentos da táctica são muito importantes. A permanente obsessão das botas engraxadas. Vai ser assim até ao juramento de bandeira. De quando em vez, o autor pontua a vivacidade da descrição introduzindo monólogos: Norberto, o fura-vidas, sempre a procurar desenrascar-se, o seu sonho é ser amanuense; o tenente Estêvão que meteu o chico porque gostava da tropa, era ali que estava a juventude do país e que se maravilha com as qualidades da raça. Na especialidade, a qualidade da comida é degradante. Os instruendos combinam, encenam um protesto colectivo: “Sentámo-nos no refeitório, veio a sopa, uns três ou quatro cabos milicianos mandavam aos soldados fazer a distribuição, a malta comia calada. Começaram depois a distribuição da segunda terrina, o pivete anunciava a desgraça. Era mesmo a papa de peixe. O meu pescoço passou de gelado a arder. O Marcelino levantou-se e berrou:
“Não pode ser! Não como isto, catano!”
Outro gajo, quatro meses adiante deu também um berro: “Isto está mas é podre. Olha-me pra este cheiro!”
Na minha mesa um tipo com ar sabido puxou a terrina e estendeu o prato, agarrou na concha. Ia começar a servir-se. O Marcelino agarrou-lhe um pulso: “Ninguém come. O primeiro a comer desfaço-o, meu cabrão!”
Havia de repente seis mesas a recusarem-se... A porta abriu-se. O tenente Estêvão entrou. A malta calou-se.
“Que é isto? Um levantamento de rancho? Ora vamos lá a ver. É um levantamento de rancho?”
O tenente Estêvão avançou para nós, para as mesas do pelotão que ele comandava, para a malta dele. O Lourenço pisou a bota do Marcelino e falou, apontando a terrina: “O meu tenente, cheire lá isto aqui. É de mais. Já não é a primeira vez que nos fazem uma destas. Isto está podre, meu tenente.”
O tenente acercou-se. Virou-se rapidamente: “Tudo sentado. Se a comida estiver boa estão lixados comigo!” Pegou numa colher, revolveu a papa, cheirou. Provou.
“Vá chamar o cozinheiro”, disse para um cabo miliciano. A malta ficou a esperar em silêncio, alguns desfaziam o pão com as mãos desocupadas. O cozinheiro chegou a escorregar nas botas oleosas.
“Você quer que eu lhe meta a cabeça aí dentro? Anda cá, anda cá, queres que te obrigue a comer esta merda? Vai chamar o sargento!”
“O nosso sargento vai abrir umas latas de atum, vai cozer umas batatas. Quero isso rápido”, disse o tenente ao sargento que vinha vermelho da corrida... [O tenente] virou-se para a gente, levantou a voz:
“Vocês, cuidadinho! Não quero ouvir falar em levantamentos de rancho. Se eu sonho que queriam fazer um levantamento, já sabem: apanham uma porrada que nunca mais têm vontade de reguilar. Não quero cá reguila nem gandulos. Mas se houver algum problema venham ter comigo. A minha tropa não come merda. Ninguém sai daqui até acabar o almoço!”
Tinha-nos lixado tudo. Em vez de um levantamento de rancho apenas conseguíramos que a malta ficasse devotada ao tenente Estêvão.
Filipe Leandro Martins é escritor e jornalista. Nasceu em Lisboa em 1945, fez o curso de sargentos nas Caldas da Rainha e foi destinado à especialidade de atirador. Mobilizado para a Guiné, escolheram-no para o curso especial de minas e armadilhas. De Santa Margarida, aproveitando as férias que antecedem o embarque, desertou em Outubro de 1968, exilou-se na Bélgica. É jornalista profissional desde 1976 (chefe de redacção do jornal Avante!).
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6017: Notas de leitura (80): Abalada do Pidjiguiti, de Manuel Viana (Beja Santos)
Queridos amigos,
Não será possível, um dia que se escreva detalhadamente o que foram os nossos preparativos para a guerra, iludir a existência de um relato tão vigoroso, aliás a alavanca de um escritor confirmado. Muitos de nós, lendo-o, regressamos às Caldas da Rainha ou a Mafra, a uma vivência perturbante que desencadeou tantas mudanças na nossa vida.
Peço aos mais virtuosos que não se enfureçam por ele não ter ido para África.
O Filipe Leandro Martins é leitura indispensável na justa medida em que possui um olhar sobre o nosso tempo, na recolha das ideias, de valores e atitudes dos rapazes que fomos. O seu olhar anti-colonialista e anti-militarista. Que também existiu.
Um abraço do
Mário
Os preparativos para a guerra: a caserna, o aparato, o espelho da Nação
Beja Santos
Nunca me fora dado ler um relato tão vincado, minucioso, expressivo da sequência da chegada para a recruta, as suas andanças, a nova vida de relação, a passagem para a especialidade, as dúvidas, as pesadas decisões. Em “O Pé na Paisagem”, (Editorial Caminho, 1981), Filipe Leandro Martins procura dar-nos corajosamente todo esse itinerário, o pulsar da caserna, os encontros e desencontros com a cadeia do comando, a atmosfera da vida promíscua, a preparação física, o discurso ideológico reinante. De algum modo, estamos todos lá enquanto geração das casernas, movendo-nos entre o quartel e o fim-de-semana, todo o roteiro que levou a generalidade até ao embarque e outros à deserção. É um relato a vários títulos poderoso, combina o realismo com o expressionismo, deixa as entranhas da engrenagem militar, obriga-nos a rever corredores, instrução, novas amizades, a carreira de tiro, a expectativa de partir para uma frente da guerra, lá longe, no completo desconhecido.
O arranque do romance é quase cinematográfico: “O comboio deixou-nos na cidade com mais ou menos vinte anos. Saímos aos trambolhões, entre malas e saquinhos, berrando uns pelos outros com a solidariedade de bairro, de vila ou de escola. Eu vinha só com a mala pesadíssima que trazia de casa para a caserna que nos esperava, velhaca. Arrastávamo-nos com pressa, desancados pela viagem, pelas bagagens, pelo sol provinciano à uma da tarde no largo amarelo da estação e ouvi alguém gritar o meu nome uma porrada de vezes antes de me voltar”. Segue-se o cerimonial da entrega dos materiais e a chegada à caserna, tudo em tropel, o pessoal deslumbrado pela novidade, intimidados: “Sombras chinesas falavam aos berros, contraditórias e desmoralizantes – já não davam mais lençóis ou só havia botas das pequenas, ou não distribuíam mais fardas nessa noite e amanhã estás lixado que tens de aparecer fardado, despacha-te que o quarteleiro está a dar a roupa da cama... Deram-me duas mantas castanhas e esburacadas, um par de lençóis duros e molhados. Quando voltei ao boliche já a minha cama estava feita e ocupada por uma feroz sombra a ressonar. A caserna ia abrigar cerca de duzentos instruendos, uma companhia de instrução dividida por muros até meia altura e um corredor lateral percorria todo o casarão até aos lavabos e às cagadeiras. Em cada compartimento duas filas de camas em beliches de ferro, assentes no ladrilho encardido, o ferro pintado a descascar-se nas camas e nos cacifos, os colchões de palha endurecidos por gerações de guerreiros que ali tinham cultivado o sono.
São rostos cansados, insones, gente que grita, há quem ande à procura de receber ordens, há gente com fome, há gente que conta histórias, algumas delas horripilantes sobre o que se passa em África. Tocam clarim e alguém grita: “Esta é que é a puta da segunda companhia?” Da desorganização aparece a ordem de um quartel inteiro: “Depois começou a chamada, milhões de nomes a acertar com números, e a fome a roer. Depois firme. Sentido. Os braços esticados, dedos juntos, olhar em frente. Não mexe. O furriel deu um passo em direcção a nós, perna estendida, patada no chão. Deu meia volta, muito teso. Fez a continência a um homem franzino, enquanto a malta bichanava que era um alferes. O alferes fez um gesto mole em resposta, virámo-nos para a direita e lá fomos a caminho do refeitório, a toque de caixa”.
Surgem as novas relações, aprende-se a importância de engraxar as botas, revelam-se as manigâncias de quem quer uma cunha para fugir a África.
Começam as aulas teóricas e práticas, aprende-se a limpar a arma, a correr e a saltar, os ensinamentos da táctica são muito importantes. A permanente obsessão das botas engraxadas. Vai ser assim até ao juramento de bandeira. De quando em vez, o autor pontua a vivacidade da descrição introduzindo monólogos: Norberto, o fura-vidas, sempre a procurar desenrascar-se, o seu sonho é ser amanuense; o tenente Estêvão que meteu o chico porque gostava da tropa, era ali que estava a juventude do país e que se maravilha com as qualidades da raça. Na especialidade, a qualidade da comida é degradante. Os instruendos combinam, encenam um protesto colectivo: “Sentámo-nos no refeitório, veio a sopa, uns três ou quatro cabos milicianos mandavam aos soldados fazer a distribuição, a malta comia calada. Começaram depois a distribuição da segunda terrina, o pivete anunciava a desgraça. Era mesmo a papa de peixe. O meu pescoço passou de gelado a arder. O Marcelino levantou-se e berrou:
“Não pode ser! Não como isto, catano!”
Outro gajo, quatro meses adiante deu também um berro: “Isto está mas é podre. Olha-me pra este cheiro!”
Na minha mesa um tipo com ar sabido puxou a terrina e estendeu o prato, agarrou na concha. Ia começar a servir-se. O Marcelino agarrou-lhe um pulso: “Ninguém come. O primeiro a comer desfaço-o, meu cabrão!”
Havia de repente seis mesas a recusarem-se... A porta abriu-se. O tenente Estêvão entrou. A malta calou-se.
“Que é isto? Um levantamento de rancho? Ora vamos lá a ver. É um levantamento de rancho?”
O tenente Estêvão avançou para nós, para as mesas do pelotão que ele comandava, para a malta dele. O Lourenço pisou a bota do Marcelino e falou, apontando a terrina: “O meu tenente, cheire lá isto aqui. É de mais. Já não é a primeira vez que nos fazem uma destas. Isto está podre, meu tenente.”
O tenente acercou-se. Virou-se rapidamente: “Tudo sentado. Se a comida estiver boa estão lixados comigo!” Pegou numa colher, revolveu a papa, cheirou. Provou.
“Vá chamar o cozinheiro”, disse para um cabo miliciano. A malta ficou a esperar em silêncio, alguns desfaziam o pão com as mãos desocupadas. O cozinheiro chegou a escorregar nas botas oleosas.
“Você quer que eu lhe meta a cabeça aí dentro? Anda cá, anda cá, queres que te obrigue a comer esta merda? Vai chamar o sargento!”
“O nosso sargento vai abrir umas latas de atum, vai cozer umas batatas. Quero isso rápido”, disse o tenente ao sargento que vinha vermelho da corrida... [O tenente] virou-se para a gente, levantou a voz:
“Vocês, cuidadinho! Não quero ouvir falar em levantamentos de rancho. Se eu sonho que queriam fazer um levantamento, já sabem: apanham uma porrada que nunca mais têm vontade de reguilar. Não quero cá reguila nem gandulos. Mas se houver algum problema venham ter comigo. A minha tropa não come merda. Ninguém sai daqui até acabar o almoço!”
Tinha-nos lixado tudo. Em vez de um levantamento de rancho apenas conseguíramos que a malta ficasse devotada ao tenente Estêvão.
Filipe Leandro Martins é escritor e jornalista. Nasceu em Lisboa em 1945, fez o curso de sargentos nas Caldas da Rainha e foi destinado à especialidade de atirador. Mobilizado para a Guiné, escolheram-no para o curso especial de minas e armadilhas. De Santa Margarida, aproveitando as férias que antecedem o embarque, desertou em Outubro de 1968, exilou-se na Bélgica. É jornalista profissional desde 1976 (chefe de redacção do jornal Avante!).
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6017: Notas de leitura (80): Abalada do Pidjiguiti, de Manuel Viana (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P6034: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (13): Perigo, mina na estrada Bissorã-Olossato
1. Outra nota solta do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 16 de Março de 2010.
NOTAS SOLTAS DA CART 643 (13)
Atenção, mina na estrada Bissorã-Olossato
Estávamos nos primeiros meses de 1965, o quotidiano da Cart 643 era sempre igual para os não operacionais, mas no final de um destes dias, o comandante de companhia, Cap Ricardo Silveira mobilizou extraordináriamente o condutor Benjamim Salgado, Substiken de alcunha, e o seu Unimog, viatura que servia habitualmente a cozinha no transporte de géneros, à ordem do Furriel Vaguemestre Massano (falecido).
Pelo fim da noite sairam para o Olossato dois pelotões, como reforço da guarnição local por alguns dias, e no meio da coluna ia o citado Unimog carregado com géneros alimentícios para esse período.
Eram cerca de 21,00 horas, passados uns 3 quilómetros, deflagrou uma mina anticarro, precisamente na terceira viatura conduzida pelo Benjamim Salgado, onde o Fur Massano ocupava o lugar ao lado do condutor.
Por sua vez a mina fez explodir os dois depósitos de gasolina, o Fur Massano é cuspido com a explosão e sofre queimaduras ligeiras nas mãos e rosto, mas o condutor sai da viatura bastante queimado, em virtude de ter de sair pelo lado contrário. O Unimog por não ser operacional usava as portas de origem e a do lado dele não abriu, pelo que ele saiu a arder pela do lado contrário numa verdadeira tocha humana.
Com uma cena desta natureza, a coluna não seguiu o trajecto inicialmente previsto, voltando para Bissorã para socorro dos feridos.
O Substiken apresentava queimaduras extensas no peito e pescoço, braços e mãos, com certa gravidade. Foi socorrido pelo médico da companhia Dr Lourenço, Furriel Enfermeiro Peixoto (falecido), Cabos Enfermeiros e alguns voluntários, entre os quais eu mesmo.
Durou até de manhã o nosso acompanhamento, até que chegou o heli para o transportar para o HM241, donde por sua vez, devido à gravidade do seu estado, foi transferido para o HMP de Lisboa.
Unimog destruido pela mina. A viatura incendiou do que resultaram 2 feridos, o condutor (natural de Barcelos), que tinha a alcunha de Substikem, (grave), e o Fur Mil Vaguemestre Massano, (ligeiro). Este último já faleceu.
Nunca mais soubemos dele, até que há dois anos apareceu no 28.º Encontro Anual da Associação de Amizade do Bart 645 - Aguias Negras, isto passados 43 anos, sendo uma grande alegria para todos nós, uma vez ele era um moço extraordinário no convívio diário e muito bem formado.
Mas voltando à saida frustrada, como é que o IN soube da nossa saída e quem colocou a mina, se a ordem foi-nos comunicada muito pouco tempo antes?
A incógnita e o pensamento não nos largava, tínhamos de "vingar" o nosso amigo. Até que um dia num interrogatório a um comerciante dono de uma "tasca", o célebre Papa, suspeito de ser informador do PAIGC, o que se veio a confirmar, contou como foi.
O posto de socorros militar era composto por uma sala que fazia parte do edifício que era também enfermaria civil. Essa sala tinha uma pequena janela interior, chamada janela de bandeira, ou basculante, que estava sempre aberta, assim quem estava do lado civil ouvia todas as nossas conversas, uma falta nossa. Nesse dia o enfermeiro civil, natural da Guiné, escutou a ordem com pormenores, dada a um cabo enfermeiro para se preparar.
Saiu, foi a casa, pegou na bicicleta e num saco de pano com a mina, indo colocá-la na estrada pouco tempo antes da nossa saída.
Claro que levou meses a ser descoberto o enigma, mas se o Sargento Miliciano Hipólito ainda fosse vivo, iria contar para nós o que aconteceu depois.
Todos os elementos da Cart 643 respiraram de alívio, o nosso amigo Substiken estava vingado.
RC
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5995: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (12): Galinhas bem temperadas
NOTAS SOLTAS DA CART 643 (13)
Atenção, mina na estrada Bissorã-Olossato
Estávamos nos primeiros meses de 1965, o quotidiano da Cart 643 era sempre igual para os não operacionais, mas no final de um destes dias, o comandante de companhia, Cap Ricardo Silveira mobilizou extraordináriamente o condutor Benjamim Salgado, Substiken de alcunha, e o seu Unimog, viatura que servia habitualmente a cozinha no transporte de géneros, à ordem do Furriel Vaguemestre Massano (falecido).
Pelo fim da noite sairam para o Olossato dois pelotões, como reforço da guarnição local por alguns dias, e no meio da coluna ia o citado Unimog carregado com géneros alimentícios para esse período.
Eram cerca de 21,00 horas, passados uns 3 quilómetros, deflagrou uma mina anticarro, precisamente na terceira viatura conduzida pelo Benjamim Salgado, onde o Fur Massano ocupava o lugar ao lado do condutor.
Por sua vez a mina fez explodir os dois depósitos de gasolina, o Fur Massano é cuspido com a explosão e sofre queimaduras ligeiras nas mãos e rosto, mas o condutor sai da viatura bastante queimado, em virtude de ter de sair pelo lado contrário. O Unimog por não ser operacional usava as portas de origem e a do lado dele não abriu, pelo que ele saiu a arder pela do lado contrário numa verdadeira tocha humana.
Com uma cena desta natureza, a coluna não seguiu o trajecto inicialmente previsto, voltando para Bissorã para socorro dos feridos.
O Substiken apresentava queimaduras extensas no peito e pescoço, braços e mãos, com certa gravidade. Foi socorrido pelo médico da companhia Dr Lourenço, Furriel Enfermeiro Peixoto (falecido), Cabos Enfermeiros e alguns voluntários, entre os quais eu mesmo.
Durou até de manhã o nosso acompanhamento, até que chegou o heli para o transportar para o HM241, donde por sua vez, devido à gravidade do seu estado, foi transferido para o HMP de Lisboa.
Unimog destruido pela mina. A viatura incendiou do que resultaram 2 feridos, o condutor (natural de Barcelos), que tinha a alcunha de Substikem, (grave), e o Fur Mil Vaguemestre Massano, (ligeiro). Este último já faleceu.
Nunca mais soubemos dele, até que há dois anos apareceu no 28.º Encontro Anual da Associação de Amizade do Bart 645 - Aguias Negras, isto passados 43 anos, sendo uma grande alegria para todos nós, uma vez ele era um moço extraordinário no convívio diário e muito bem formado.
Mas voltando à saida frustrada, como é que o IN soube da nossa saída e quem colocou a mina, se a ordem foi-nos comunicada muito pouco tempo antes?
A incógnita e o pensamento não nos largava, tínhamos de "vingar" o nosso amigo. Até que um dia num interrogatório a um comerciante dono de uma "tasca", o célebre Papa, suspeito de ser informador do PAIGC, o que se veio a confirmar, contou como foi.
O posto de socorros militar era composto por uma sala que fazia parte do edifício que era também enfermaria civil. Essa sala tinha uma pequena janela interior, chamada janela de bandeira, ou basculante, que estava sempre aberta, assim quem estava do lado civil ouvia todas as nossas conversas, uma falta nossa. Nesse dia o enfermeiro civil, natural da Guiné, escutou a ordem com pormenores, dada a um cabo enfermeiro para se preparar.
Saiu, foi a casa, pegou na bicicleta e num saco de pano com a mina, indo colocá-la na estrada pouco tempo antes da nossa saída.
Claro que levou meses a ser descoberto o enigma, mas se o Sargento Miliciano Hipólito ainda fosse vivo, iria contar para nós o que aconteceu depois.
Todos os elementos da Cart 643 respiraram de alívio, o nosso amigo Substiken estava vingado.
RC
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5995: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (12): Galinhas bem temperadas
Guiné 63/74 – P6033: O meu álbum de fotos (2) (Alfredo Dinis)
1. O nosso Camarada Alfredo Dinis, que foi 1.º Cabo Enf da CCS da CART 6523 - Nova Lamego -, 1973/74, dando continuidade à publicação das suas fotos (poste P5369), enviou-nos em 21 de Março de 2010, mais as seguintes fotografias:
Camaradas,
Hoje envio mais algumas fotos, todas elas das minhas "férias" passadas em Nova Lamego.
Brevemente enviarei algumas fotos de rara oportunidade, obtidas após uma mortífera emboscada que nos preparou o PAIGC, onde sofremos 7 mortos e 2 feridos com gravidade.
O navio Niassa que nos transportou para a Guiné em 6 de Julho de 1973
Nova Lamego: Eu à entrada de uma moradia
Nova Lamego: Passeando entre a população local
Nova Lamego: Uma das inúmeras progressões no Rio Corubal
Nova Lamego: As lavadeiras na famosa Fonte do Alecrim
Nova Lamego: Um Fiat G86 pronto para arrancar carregado de "ameixas"
Nova Lamego: Um DC3 (vulgo Dakota) em operação de rotina
Nova Lamego: Uma DO 27 que levava e trazia pessoal e o indispensável correio
Nova Lamego: Um Alouette III cruzando os céus
Nova Lamego: Um Alouette III cruzando os céus
Nova Lamego: Eu junto da célebre ambulância capturada pelo grupo do lendário operacional Marcelino da Mata ao PAIGC
Um abraço para todos,
Alfredo Dinis
1º Cabo Enf CCS do BART 6523
Fotos: Alfredo Dinis (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5994: Estórias avulsas (77): A minha viagem à Guiné-Bissau (José Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350)
Alfredo Dinis
1º Cabo Enf CCS do BART 6523
Fotos: Alfredo Dinis (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
15 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5994: Estórias avulsas (77): A minha viagem à Guiné-Bissau (José Casimiro Carvalho, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAV 8350)
Guiné 63/74 - P6032: Os nossos seres, saberes e lazeres (18): Conversa com o meu neto (Jaime Machado)
1. Do nosso camarada, Jaime Machado*, ex-Alf Mil Cav, Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70, que pintou nas telas motivos da Guiné, que agora virou poeta, graças à força do amor por uma coisinha delicada, frágil, motivo de canseira e desvêlo de toda a família, o seu neto, recebemos este poema:
Conversa com o meu neto
Quando tudo já parecia uma rotina
Com a noite igual ao dia
Disseram que no ventre havia uma semente
Que grande alegria!
E depois, esperando sempre,
Dia após dia
O ventre crescia
Crescia a alegria!
Já chegava de mortes e desnortes!
E agora que vens a caminho
Chorando baixinho, sem grande pranto,
Já te amo tanto.
Dou-te todo o meu carinho de noite e de dia,
Que grande alegria!
E um dia disseram que vais ser rapaz
E se não fosses? Que importaria?
De qualquer forma e em qualquer momento
Haveria alegria e contentamento.
E um dia vou ver-te a correr pelo pátio
De bicicleta ou de trotineta
De um lado para o outro,
Espero estar cá!
E no outro dia
Vou ver-te cavalgar
No meu dorso vergado, em deslumbramento,
Sem qualquer lamento
Espero estar cá!
E agora que vais descansar
Vou acabar
Esta espécie de versejar.
Até amanhã
Pela manhã
É já outro dia
Que grande alegria!
Agudela, 22 de março de 2009
Avô Mito
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6008: O 6º aniversário do nosso blogue (10): 40 anos depois do meu regresso, a 9 de Abril de 1968, volto à Guiné, a Bambadinca... E tudo isto, por culpa do nosso blogue (Jaime Machado)
Vd. último poste da série de 21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6031: Os nossos seres, saberes e lazeres (17): Cruzes, Canhoto: O novo CD da caixa de música do Bilocas e dos seus amigos... (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P6031: Os nossos seres, saberes e lazeres (17): Cruzes, Canhoto: O novo CD da caixa de música do Bilocas e dos seus amigos... (Luís Graça)
Toque de Caixa. Ao Vivo. Lisboa, FNAC, Colombo, 12 de Março de 2010. Apresentação do novo CD do grupo, Cruzes Canhoto. Edição: Ocarina. Porta-voz (e co-fundador) do grupo: Abílio Machado (que esteve connosco em Bambadinca, entre Maio de 1970 e Março de 1971; ex-Alf Mil, CCS / BART 2917, Bambadinca, 1970/72; fizemos lá uma bela amizade: ele, um periquito, um alferes de secretaria da CCS, e nós, operacionais, pretos de 1ª classe, da CCAÇ 12, uma companhia de intervenção africana, ao serviço dos senhores da guerra de Bambadinca e de Bafatá; nós, eu, o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Zé da Ilha, o GG - Gabriel Gonçalves e outros, noctívagos, que gostávamos de cantar, beber, conviver, de preferência, pelas altas horas da noite...
Vídeo: 2' 20''. © Luís Graça (2010). Alojado no You Tube > Nhabijoes. Reprodução com a devida autorização do grupo.
Toque de Caixa. Novo CD: Cruzes, Canhoto. Tema 4: Em Tarde Ser (Miguel Teixeira / Albertina Canastra)... Um dos temas mais bonitos do novo CD. Primeiro estranha-se, e depois entranha-se...
Vídeo: 5' 25''. © Luís Graça (2010). Alojado no You Tube > Nhabijoes. Reprodução com a devida autorização do grupo.
Elementos do grupo: Miguel Teixeira: Cordas; Horácio Marques: Cordas; Albertina Canastra: Acordeão, Concertina; Fernando Figueiredo: Baixo; Emanuel Sousa: Violino, Bandolim; Teresa Paiva: Gaita de Foles, Flautas; Tiago Soares : Percussões; Pedro Cunha: Piano; Abilio Machado : Voz e Percussões.
No sítio oficial da banda pode ler-se o seguinte sobre a sua história:
(i) O Toque de Caixa nasceu, na cidade da Maia, com os cantares de janeiras, no natal de 1985.
(ii) O gosto comum pela música tradicional fez com que os seus músicos, um grupo de amigos, prosseguissem a recriação de novos ambientes sonoros.
(iii) O moderno e o antigo são elementos de fusão para uma "nova música tradicional".
(iv) Entre Julho e Setembro de 1993 grava com a editora Numérica o disco histórias do som (**) que faz a sua edição em Novembro em colaboração com a Cooperativa Cultural Etnia.
(v) Este disco foi considerado, nesse ano, o melhor trabalho de música popular portuguesa, pela principal crítica especializada nacional.
(vi) Ao longo anos da sua existência, o grupo participou em vários festivais e encontros musicais de grande renome e importância a nível europeu. Actuou em França, Espanha, Alemanha e Grã-Bretanha.
(vii) Neste último país fez duas digressões participando entre outros, em prestigiados festivais como os de Lincoln, Llangollen, Pontardawe, Garden Festival e European Arts Festival, Eurofolkus Festival, juntamente com Maddy Prior, Dave Swarbrick, Kathryn Tikell, etc…
(viii) Está, também a nível discográfico, representado internacionalmente na editora Elipsis Arts, de Nova Iorque, em duas colectâneas com distribuição mundial.
(ix) Acabou de editar o novo disco Cruzes Canhoto, fim do ano de 2009.
(x) Em Lisboa, o disco foi apresentado na FNAC Colombo, no dia 12 do corrente.
Com a simplicidade que o caracteriza e a magia que ele tem para descobrir talentos e juntar pessoas à volta de projectos ou simples afinidades (neste caso, o gosto da e pela música), o Abílio disse tudo isto por outras palavras (**):
"O Toque de Caixa surge em 85/86, quando, tendo mudado a minha morada para a Maia, encontrei um grupo de jovens com potencialidades que me pareceu de aproveitar. Criou-se um grupo base, no início ainda demasiado numeroso, que se foi depurando ao longo dos meses de elementos com menos qualidades. Os inevitáveis contactos com outros grupos da zona do Porto permitiram que, por alturas de 90, se desse uma espécie de fusão com outro grupo em desagregação.
"Um outro processo de decantação ao longo do tempo permitiu que rapidamente o Toque de Caixa adquirisse uma qualidade que manifestamente não tinha nos seus primeiros tempos. Era a altura do director musical (era eu) ceder o lugar a quem mais sabia da marinhagem em tais ondas. Em boa hora o fiz, pois corríamos o risco de afogamento por cansaço ou inanição" (...).
Alguns dos nossos amigos e camaradas da Guiné, e sobretudo alguns leitores mais distraídos, poderão perguntar: Mas o que é estes gajos têm a ver connosco ? Não andará para aqui publicidade encapotada para ajudar os amiguinhos, à boa (ou má) maneira portuguesa ?... Rejeito redendondamente essa malévola insinuação...
Esta série chama-se Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres, e pretende divulgar os diversos talentos dos membros da Tabanca Grande, os nossos saberes, incluindo o saber-ser e saber-estar... Sem esquecer os nossos lazeres... Por aqui já passaram referências a diversas actividades artísticas ou criativas, ou simplesmente culturais (incluindo as gastronómicas).
É uma série que serve para a gente se dar a conhecer melhor uns aos outros, divulgar as coisas boas e lindas do nosso Portugal (ou da nossa Guiné...).
Pois é, se me permitem uma sugestão: comprem o CD na loja de música mais próxima (na FNAC foi lançado a menos de 14 €), e ponham-no a tocar no vosso carro... Aqui só nos posso dar um cheirinho... Na página do grupo, poderão encontrar mais alguns registos áudio: 3. Fado da Gaita; 14. Janson; 15. Senhora dos Remédios... Um dos meus temas de eleição é o 11. Fiadouro (Tradicional Miranda do Douro)...
E como hoje Dia Internacional da Poesia, aqui fica a letra (popular) do tema Fiadouro:
Qu' estrigas tenho na roca,
que maçaroca eu farei,
que amores tão lindos tenho,
sem os buscar, os achei.
Minha mãe não quer q'eu baia
onde gostam de me ber,
quantas boltinhas eu dou
sem minha mãe o saber.
Prendi o sol c'uma fita,
as estrelas com um cordão,
a lua c'um cadeado
e a ti no meu coração.
(Recolha do Toque de Caixa)
Seguramente que os dias, as manhãs e as tardes, que vocês passam nas filas de trânsito das nossas engarrafadas cidades, custarão menos a passar. A caixa de música do Bilocas (sem ofensa para o resto do grupo...), isto é, o Toque de Caixa que ele ajudou a criar e a crescer como se fosse um filho, é mesmo uma fonte de alegria contagiante, uma lição de talento, um produto de sucesso em cuja composição vamos encontrar inspiração, sem dúvida (10/20%) e sobretudo, muita, muita transpiração (80/90%)... E acima, acima de tudo, 1000%, de puro prazer, paixão, amizade, solidariedade, team-building, liderança, persistência, trabalho sério...
O Toque de Caixa é uma festa! Antes de mais, uma festa de amigos para amigos!... O problema é que eles já se tornaram imprescindíveis... Venha, pois, o 3º CD, mesmo que não seja já para o ano, que o Toque de Caixa é como o vinho do Porto: precisa de tempo para libertar os sons, os seres, os saberes, os sabores... E sem isso não há fruição, não há lazer(es)... LG
PS - Ontem, dia 20, começou a Primavera. Exactamente às 11h44... E a 28 vamos mudar a hora... O Toque de Caixa vem anunciar-nos a Primavera... Que falta nos estava a fazer, a Primavera, e a caixinnha de música do nosso Bilocas e dos seus amigos...
______________
Notas de L.G.:
Com a simplicidade que o caracteriza e a magia que ele tem para descobrir talentos e juntar pessoas à volta de projectos ou simples afinidades (neste caso, o gosto da e pela música), o Abílio disse tudo isto por outras palavras (**):
"O Toque de Caixa surge em 85/86, quando, tendo mudado a minha morada para a Maia, encontrei um grupo de jovens com potencialidades que me pareceu de aproveitar. Criou-se um grupo base, no início ainda demasiado numeroso, que se foi depurando ao longo dos meses de elementos com menos qualidades. Os inevitáveis contactos com outros grupos da zona do Porto permitiram que, por alturas de 90, se desse uma espécie de fusão com outro grupo em desagregação.
"Um outro processo de decantação ao longo do tempo permitiu que rapidamente o Toque de Caixa adquirisse uma qualidade que manifestamente não tinha nos seus primeiros tempos. Era a altura do director musical (era eu) ceder o lugar a quem mais sabia da marinhagem em tais ondas. Em boa hora o fiz, pois corríamos o risco de afogamento por cansaço ou inanição" (...).
Alguns dos nossos amigos e camaradas da Guiné, e sobretudo alguns leitores mais distraídos, poderão perguntar: Mas o que é estes gajos têm a ver connosco ? Não andará para aqui publicidade encapotada para ajudar os amiguinhos, à boa (ou má) maneira portuguesa ?... Rejeito redendondamente essa malévola insinuação...
Esta série chama-se Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres, e pretende divulgar os diversos talentos dos membros da Tabanca Grande, os nossos saberes, incluindo o saber-ser e saber-estar... Sem esquecer os nossos lazeres... Por aqui já passaram referências a diversas actividades artísticas ou criativas, ou simplesmente culturais (incluindo as gastronómicas).
É uma série que serve para a gente se dar a conhecer melhor uns aos outros, divulgar as coisas boas e lindas do nosso Portugal (ou da nossa Guiné...).
Pois é, se me permitem uma sugestão: comprem o CD na loja de música mais próxima (na FNAC foi lançado a menos de 14 €), e ponham-no a tocar no vosso carro... Aqui só nos posso dar um cheirinho... Na página do grupo, poderão encontrar mais alguns registos áudio: 3. Fado da Gaita; 14. Janson; 15. Senhora dos Remédios... Um dos meus temas de eleição é o 11. Fiadouro (Tradicional Miranda do Douro)...
E como hoje Dia Internacional da Poesia, aqui fica a letra (popular) do tema Fiadouro:
Qu' estrigas tenho na roca,
que maçaroca eu farei,
que amores tão lindos tenho,
sem os buscar, os achei.
Minha mãe não quer q'eu baia
onde gostam de me ber,
quantas boltinhas eu dou
sem minha mãe o saber.
Prendi o sol c'uma fita,
as estrelas com um cordão,
a lua c'um cadeado
e a ti no meu coração.
(Recolha do Toque de Caixa)
Seguramente que os dias, as manhãs e as tardes, que vocês passam nas filas de trânsito das nossas engarrafadas cidades, custarão menos a passar. A caixa de música do Bilocas (sem ofensa para o resto do grupo...), isto é, o Toque de Caixa que ele ajudou a criar e a crescer como se fosse um filho, é mesmo uma fonte de alegria contagiante, uma lição de talento, um produto de sucesso em cuja composição vamos encontrar inspiração, sem dúvida (10/20%) e sobretudo, muita, muita transpiração (80/90%)... E acima, acima de tudo, 1000%, de puro prazer, paixão, amizade, solidariedade, team-building, liderança, persistência, trabalho sério...
O Toque de Caixa é uma festa! Antes de mais, uma festa de amigos para amigos!... O problema é que eles já se tornaram imprescindíveis... Venha, pois, o 3º CD, mesmo que não seja já para o ano, que o Toque de Caixa é como o vinho do Porto: precisa de tempo para libertar os sons, os seres, os saberes, os sabores... E sem isso não há fruição, não há lazer(es)... LG
PS - Ontem, dia 20, começou a Primavera. Exactamente às 11h44... E a 28 vamos mudar a hora... O Toque de Caixa vem anunciar-nos a Primavera... Que falta nos estava a fazer, a Primavera, e a caixinnha de música do nosso Bilocas e dos seus amigos...
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Notas de L.G.:
(*) 13 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5985: Os nossos seres, saberes e lazeres (16): Foi bonita a festa, Bilocas! ...Ainda e sempre pões a malta a Toque de Caixa! (Luís Graça)
(**) 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3579: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (7): A Toque de Caixa, com o Abílio Machado, ex-baladeiro de Bambadinca (Luís Graça)
(**) 7 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3579: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (7): A Toque de Caixa, com o Abílio Machado, ex-baladeiro de Bambadinca (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P6030: O Cap Patrocínio, eu e a CCAÇ 15, Mansoa, 1973 (Joaquim Mexia Alves)
1. Comentário do Joaquim Mexia Alves, com data de 11 do corrente, ao poste P5972 (*):
E eu respondi assim a este mail do José Cortes:
Caro camarigo José Cortes
Claro que tens toda a razão! Foi em 1973 e não 72 como por erro referi! Disso lembro-me bem!
Significa que o Patrocínio esteve pouco mais de um ano no Fajonquito e que também não se fez velho na CCaç 15, pois eu devo ter chegado em Julho de 1973 e ele já estava fora da 15.
Não percebi o sentido desta tua frase «CCAÇ 15, as tropas africanas da companhia.» mas julgo que queres apenas dizer que a 15 eram tropas africanas. Era uma Companhia de Balantas.
O Patrocínio tinha mesmo a especialidade de Comando, isso já me foi confimado.
Lembro-me também, o que também já me foi confirmado pelo Matos Gomes, que nessa conversa que tive com o Patrocínio, não me lembro onde ele me ter referido que saía da CCaç 15 por causa de uma punição, da qual desconheço a razão.
Mas este tempo da 15 continua a dar-me a volta à cabeça e não sou capaz de me situar nos meses. Sei que quando cheguei, comandei a 15, quase de certeza, na ausência de um Capitão, que este chegou e foi embora, e que depois veio outro que seria, digo eu, Miliciano.
Sei também, sem aminima dúvida claro, que me vim embora para Portugal em Dezembro de 1973.
Mas aos poucos talvez recomponha a memória.
Abraço camarigo e agradecido para todos
Joaquim Mexia Alves (**)
______________
Notas de L.G.:
E eu respondi assim a este mail do José Cortes:
Caro camarigo José Cortes
Claro que tens toda a razão! Foi em 1973 e não 72 como por erro referi! Disso lembro-me bem!
Significa que o Patrocínio esteve pouco mais de um ano no Fajonquito e que também não se fez velho na CCaç 15, pois eu devo ter chegado em Julho de 1973 e ele já estava fora da 15.
Não percebi o sentido desta tua frase «CCAÇ 15, as tropas africanas da companhia.» mas julgo que queres apenas dizer que a 15 eram tropas africanas. Era uma Companhia de Balantas.
O Patrocínio tinha mesmo a especialidade de Comando, isso já me foi confimado.
Lembro-me também, o que também já me foi confirmado pelo Matos Gomes, que nessa conversa que tive com o Patrocínio, não me lembro onde ele me ter referido que saía da CCaç 15 por causa de uma punição, da qual desconheço a razão.
Mas este tempo da 15 continua a dar-me a volta à cabeça e não sou capaz de me situar nos meses. Sei que quando cheguei, comandei a 15, quase de certeza, na ausência de um Capitão, que este chegou e foi embora, e que depois veio outro que seria, digo eu, Miliciano.
Sei também, sem aminima dúvida claro, que me vim embora para Portugal em Dezembro de 1973.
Mas aos poucos talvez recomponha a memória.
Abraço camarigo e agradecido para todos
Joaquim Mexia Alves (**)
______________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 11 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5972: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (3): O Cap Patrocínio, a CCAÇ 15, dois casos de insubordinação e ainda o Cherno Baldé
(**) Para a além do Joaquim, só temos mais um camarada - se não me engano - que passou pela CCAÇ 15 (como alferes):
Vd. poste de 9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4662: Tabanca Grande (159): António João Sampaio, ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e Cap Mil da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74)
(...) Como súmula de todo o tempo, este amigo foi para a Guiné em Outubro 1973, fazer o CCC. Saiu-lhe na rifa a CCAÇ 15. Passou Abril e os primeiros dias de Maio no continente e seguiu novamente para o CTIG, até ao fim da nossa presença. (..ram uns valentes que conseguiram resistir à Guiné, ao IN e também às outras adversidades, que provavelmente não foram as menos importantes e de quem guardo grandes e boas recordações.
(...) [A CCAÇ 4942/72,] era um grupo heterogéneo, soldados Madeirenses com um número significativo de refractários e alguns desertores (O Mosca era um deles salvo erro), com graduados e também alguns especialistas do continente. Guardo deles uma imensa saudade e para isso nada melhor que recordar.
O nosso encontro foi completamente casual. Tinha acabado de chegar a Bissau, onde como é sabido, por norma se passavam alguns dias a gozar a messe e a piscina). (....)
(...) [A CCAÇ 4942/72,] era um grupo heterogéneo, soldados Madeirenses com um número significativo de refractários e alguns desertores (O Mosca era um deles salvo erro), com graduados e também alguns especialistas do continente. Guardo deles uma imensa saudade e para isso nada melhor que recordar.
O nosso encontro foi completamente casual. Tinha acabado de chegar a Bissau, onde como é sabido, por norma se passavam alguns dias a gozar a messe e a piscina). (....)
sábado, 20 de março de 2010
Guiné 63/74 - P6029: Memória dos lugares (76): Prestei o meu serviço na Guiné (Albino Silva)
Sou o Albino Silva, Soldado Maqueiro N.º 011004/67, CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com a Caderneta limpa
PRESTEI MEU SERVIÇO NA GUINÉ
Prestei meu Serviço na Guiné, desde Maio de 1968 a Abril de 1970, e pertenci ao BCaç 2845, sediado em Teixeira Pinto. Pertenci à CCS, Armados para a Paz.
As restantes Companhias Operacionais eram: CCaç 2366, Periquito Atrevido; CCaç 2367 Vampiros, e CCaç 2368 Feras.
Considero bastante positivo o meu desempenho como Soldado Maqueiro, exercendo o meu serviço na Enfermaria em Teixeira Pinto, juntamente com mais elementos do Serviço de Saúde, então comandados pelo Dr. Maymon Martins, que era Alferes Miliciano.
Raramente tínhamos descanso já que havia muita tropa, pois além da CCS, havia ainda um Pelotão da CCaç 2313, um Pelotão de Panhards, Caop, Páras, Fuzas e Comandos, e outros que por lá passavam quando iam e vinham de Bissau ou outros destinos.
Por isso mesmo havia consultas diárias para o Médico, de segunda a sexta-feira que começavam sempre às 9 horas da manhã e terminavam só quando toda a tropa estivesse atendida. Consultava-se ainda os civis do Canchungo pelo que acabávamos o nosso trabalho entre as 12 e as 13 horas.
Depois do almoço, a partir das 14 horas, faziam-se os tratamentos, servíamos as receitas médicas que não tivessem sido despachadadas na parte da manhã, e havia ainda o controlo dos doentes internados na Enfermaria. Levava-se assim o dia inteiro com intenso trabalho, basta que em média eram aplicadas 300 injecções por dia.
O Médico, militar aplicado, era incansável não só pelo atendimento aos militares, mas também à população civil, já que da parte da tarde e diariamente, consultava no Hospital Civil, onde executava pequenas cirurgias. Estava sempre disponível e operacional quando havia feridos e outros doentes na nossa tropa, porque de imediato se juntava a nós, e foram algumas as vezes que se socorreram militares feridos que lá davam entrada. Alguns chegavam mortos como aconteceu infelizmente algumas vezes.
Teixeira Pinto> Enfermaria e Maternidade
Mas o 011004/67 continuava sendo útil, porque sempre que algum trabalho baseado em pinturas surgisse, lá vinha o Capitão Queiroz ter comigo, ora para pintar a Cantina da CCS, a Messe de Sargentos e Comando, o que diga-se em abono da verdade, era difícil, pelas altas temperaturas que se faziam sentir, mas eu lá estava obedecendo ao Capitão Queiroz, e até caprichava no trabalho que ia fazendo, pintando os símbolos das Companhias do Batalhão, mapas, e ainda de outras companhias. Assim também ia bebendo umas bazucas por conta da Cantina e do Capitão.
Juntamente comigo arrastei o carpinteiro da Companhia, para com os barris fazer mesas e cadeiras, e ainda tabuleiros de damas e jogos de dominós. Tudo ia resolvendo extra Especialidade, mas com grande sacrifício.
Fui um bom militar para o meu Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Aristides Pinheiro, bem como para o Capitão Queiroz, Dr. Maymon Martins, porque também na casa onde ele morava e pertencente ao Serviço de Saúde, eu executei trabalhos.
Continuava sendo um militar exemplar, embora os louvores fossem para quem nada fazia, porque para além destes serviços ainda fazia, a pedido do Furriel Enfermeiro, requisições de medicamentos a Bissau, que depois tinha de conferir.
Ainda me recordo do truque que usava, ao querer ter um determinado medicamento, tinha de pedir 10 iguais.
O tempo ia passando e o 011004/67 tinha que fazer ainda guardas e reforços ao Quartel, que confesso me fazia sentir algum receio, especialmente quando estava de reforço ao Fortim situado na rotunda de Teixeira Pinto, que era muito perigoso. Nessa rotunda havia a estrada para o Pelundo, Jolmete, Ponte Alferes Nunes, Bachile, e ainda para Có ou Cacheu, e por isso durante a noite se ouviam movimentos, até porque sabia que ali tão perto das tabancas havia inimigos que se preparavam para uns assaltos a casas comerciais, como chegou a acontecer, mas também para roubarem gado e haveres da própria população.
Teixeira Pinto> Fortim no Centro da Vila
O mesmo receio tive nas inúmeras vezes que fiz guardas à Central Eléctrica, esta bem junto à Igreja de Teixeira Pinto, já que nas traseiras era a tabanca, com bastante movimento até altas horas da noite, havendo ainda para piorar a situação pouca iluminação, sendo mesmo escuro a uma distância de 50 metros.
Valia a concentração e ser jovem para aguentar toda a noite sem descansar e com dores no pescoço de tanto olhar para todas as direcções, sempre de G3 nas mãos, porque com o barulho dos motores, que eram dois de marca Lister, não se ouvia mais nenhum ruído.
Esses serviços eram duros de se fazer mas tive de os suportar, por mais que uma vez, felizmente sem haver estragos.
Passados treze meses de Guiné comecei a alinhar com os Sapadores da Companhia, na guarda à Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e o Bachile, sobre o Rio Costa.
Havia no lado esquerdo da Ponte um Fortim com 6 metros de altura, com cobertura com chapas zincadas onduladas, como se aquilo protegesse alguma coisa em caso de ataque.
A Ponte, de madeira, tinha sido reconstruída porque a primeira, também em madeira, tinha sido destruída.
Nesse serviço nunca tive qualquer receio porque também estávamos bem armados e nunca tinha havido nada de anormal.
Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e Bachile
Sei que após o Batalhão deixar a Guiné, algum tempo depois, a Ponte foi reconstruída novamente, desta feita em ferro, como aliás já a vi em fotos de outros camaradas.
Entre a Ponte Alferes Nunes e o Bachile participei em picagens de estrada com um Pelotão da CCaç 2313, quando se faziam escoltas de reabastecimento ao Bachile, onde estava um Pelotão da Companhia 2368 do meu Batalhão.
Na mesma estrada, com a CCaç 2313 do Capitão Penim, andei na capinagem, quando o General Spínola assim o exigiu, pois era uma estrada onde havia muitas emboscadas, a partir do Bachile e até ao Cacheu. Nalgumas delas estive envolvido, durante os reabastecimentos ao Cacheu, quando se chegavam a fazer duas escoltas por dia.
Lembro que cheguei à Guiné no dia 6 de Maio de 1968 e o General Spínola no dia 12 do mesmo mês. Mais que uma vez estive junto a ele em Teixeira Pinto, e numa delas com os malogrados Majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, que também eram meus amigos. Cheguei a beber algumas bazucas pagas por eles, quando à Enfermaria se dirigiam em busca de mésinho para levarem à tabanca para os (amigos) que mais tarde os viriam a assassinar, em 20 de Abril de 1970, à saída do Pelundo em direcção a Jolmete, estava já eu a chegar a casa de regresso.
Continuava eu sendo um bom militar pois com um Pelotão da CCaç 2368 e da 2313 saía em missões e a ração de combate, levando comigo o repelente já que em três dias tínhamos que suportar tantos mosquitos vindo das águas podres das bolanhas, as quais muitas vezes as atravessei debaixo de intenso calor e com o cantil vazio.
Era doloroso para quem não estava habituado, mas nunca senti receio, porque sabia que andava com camaradas que estavam habituados a andar no mato e enfrentarem situações difíceis como chegaram a ter.
Com eles sentia-me bem e todos me ajudavam, porque indo eu armado como eles, ainda levava a Bolsa de Enfermeiro carregada com medicamentos mais algumas garrafas de soro penduradas em mim mesmo, pois tudo poderia acontecer e tudo seria útil.
Pernoitei algumas vezes entre as matas perto de tabancas, ouvindo os nativos na conversa até altas horas da madrugada. Cheguei a ver em picadas, em direcção às tabancas, inimigos com armas nas mãos, passando a escassos metros de nós. Nem sinal dávamos de nossa presença pelo facto de ser tarde e nunca sabermos quantos elementos eram e o armamento que usavam. Assim se juntavam com a restante população.
Fui útil e cumpri meu dever, até na acção psicológica, protegido pelos camaradas daquelas Companhias, prestava assistência à população que vivia nas tabancas, não só aqueles que vinham ao meu encontro, (ali era Doutor) mas também ia eu às tabancas consultar mulher grande, homem grande, incapacitados de andar com a velhice e bajudas.
Era mais um dos trabalhos que desempenhava sempre com a mesma aplicação e esforço, mas sentia-me compensado por aquela gente, que me oferecia uns frangos e, quando mais não tinham, laranjas, que põe vezes eram boas para matar a sede, quando mais nada havia.
Eu sabia que nem todos os nativos eram contra nós, pois mesmo no Quartel em Teixeira Pinto, não havia vez nenhuma que aquelas mulheres e bajudas quando fossem para a bolanha ao peixe, ostras, camarão, etc, não passassem pela Enfermaria e lá deixassem alguma coisa para mim, tudo pela forma como eu os tratava.
Lembro que em toda a minha comissão, nunca da minha G3 saiu um tiro, porque felizmente para mim nunca necessitei. Recordo-me de uma vez que fui ajudar os básicos da cozinha a recolher lenha em viaturas lá para os lados de Calequisse e Caió, perto de uma tabanca, de vir alguém ao meu encontro porque me conhecia, não só para me cumprimentar, mas também para pedir mésinho.
Cumpri meu dever e terminei a comissão com o orgulho de ter servido minha Pátria.
Durante aquela guerra ganhei muitos amigos que ainda hoje conservo, e recordamos ano após ano as peripécias vividas. Fico sempre triste quando sei que de um ano para o outro houve uma alguma baixa.
Desde sempre e ainda hoje procuro camaradas quer do Batalhão quer de outras Companhias, em especial da CCaç 2313.
Sinto o orgulho do meu dever cumprido.
Para a nossa Tabanca Grande,
Albino Silva
CCS/BCaç 2845
Teixeira Pinto
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5918: Blogpoesia (66): Querida Pátria (Albino Silva)
Vd. último poste da série de 19 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P6021: Memória dos lugares (71): Recordações de Bambadinca (Armandino Alves, 1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga, Madina do Boé, 1966/68)
PRESTEI MEU SERVIÇO NA GUINÉ
Prestei meu Serviço na Guiné, desde Maio de 1968 a Abril de 1970, e pertenci ao BCaç 2845, sediado em Teixeira Pinto. Pertenci à CCS, Armados para a Paz.
As restantes Companhias Operacionais eram: CCaç 2366, Periquito Atrevido; CCaç 2367 Vampiros, e CCaç 2368 Feras.
Considero bastante positivo o meu desempenho como Soldado Maqueiro, exercendo o meu serviço na Enfermaria em Teixeira Pinto, juntamente com mais elementos do Serviço de Saúde, então comandados pelo Dr. Maymon Martins, que era Alferes Miliciano.
Raramente tínhamos descanso já que havia muita tropa, pois além da CCS, havia ainda um Pelotão da CCaç 2313, um Pelotão de Panhards, Caop, Páras, Fuzas e Comandos, e outros que por lá passavam quando iam e vinham de Bissau ou outros destinos.
Por isso mesmo havia consultas diárias para o Médico, de segunda a sexta-feira que começavam sempre às 9 horas da manhã e terminavam só quando toda a tropa estivesse atendida. Consultava-se ainda os civis do Canchungo pelo que acabávamos o nosso trabalho entre as 12 e as 13 horas.
Depois do almoço, a partir das 14 horas, faziam-se os tratamentos, servíamos as receitas médicas que não tivessem sido despachadadas na parte da manhã, e havia ainda o controlo dos doentes internados na Enfermaria. Levava-se assim o dia inteiro com intenso trabalho, basta que em média eram aplicadas 300 injecções por dia.
O Médico, militar aplicado, era incansável não só pelo atendimento aos militares, mas também à população civil, já que da parte da tarde e diariamente, consultava no Hospital Civil, onde executava pequenas cirurgias. Estava sempre disponível e operacional quando havia feridos e outros doentes na nossa tropa, porque de imediato se juntava a nós, e foram algumas as vezes que se socorreram militares feridos que lá davam entrada. Alguns chegavam mortos como aconteceu infelizmente algumas vezes.
Teixeira Pinto> Enfermaria e Maternidade
Mas o 011004/67 continuava sendo útil, porque sempre que algum trabalho baseado em pinturas surgisse, lá vinha o Capitão Queiroz ter comigo, ora para pintar a Cantina da CCS, a Messe de Sargentos e Comando, o que diga-se em abono da verdade, era difícil, pelas altas temperaturas que se faziam sentir, mas eu lá estava obedecendo ao Capitão Queiroz, e até caprichava no trabalho que ia fazendo, pintando os símbolos das Companhias do Batalhão, mapas, e ainda de outras companhias. Assim também ia bebendo umas bazucas por conta da Cantina e do Capitão.
Juntamente comigo arrastei o carpinteiro da Companhia, para com os barris fazer mesas e cadeiras, e ainda tabuleiros de damas e jogos de dominós. Tudo ia resolvendo extra Especialidade, mas com grande sacrifício.
Fui um bom militar para o meu Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Aristides Pinheiro, bem como para o Capitão Queiroz, Dr. Maymon Martins, porque também na casa onde ele morava e pertencente ao Serviço de Saúde, eu executei trabalhos.
Continuava sendo um militar exemplar, embora os louvores fossem para quem nada fazia, porque para além destes serviços ainda fazia, a pedido do Furriel Enfermeiro, requisições de medicamentos a Bissau, que depois tinha de conferir.
Ainda me recordo do truque que usava, ao querer ter um determinado medicamento, tinha de pedir 10 iguais.
O tempo ia passando e o 011004/67 tinha que fazer ainda guardas e reforços ao Quartel, que confesso me fazia sentir algum receio, especialmente quando estava de reforço ao Fortim situado na rotunda de Teixeira Pinto, que era muito perigoso. Nessa rotunda havia a estrada para o Pelundo, Jolmete, Ponte Alferes Nunes, Bachile, e ainda para Có ou Cacheu, e por isso durante a noite se ouviam movimentos, até porque sabia que ali tão perto das tabancas havia inimigos que se preparavam para uns assaltos a casas comerciais, como chegou a acontecer, mas também para roubarem gado e haveres da própria população.
Teixeira Pinto> Fortim no Centro da Vila
O mesmo receio tive nas inúmeras vezes que fiz guardas à Central Eléctrica, esta bem junto à Igreja de Teixeira Pinto, já que nas traseiras era a tabanca, com bastante movimento até altas horas da noite, havendo ainda para piorar a situação pouca iluminação, sendo mesmo escuro a uma distância de 50 metros.
Valia a concentração e ser jovem para aguentar toda a noite sem descansar e com dores no pescoço de tanto olhar para todas as direcções, sempre de G3 nas mãos, porque com o barulho dos motores, que eram dois de marca Lister, não se ouvia mais nenhum ruído.
Esses serviços eram duros de se fazer mas tive de os suportar, por mais que uma vez, felizmente sem haver estragos.
Passados treze meses de Guiné comecei a alinhar com os Sapadores da Companhia, na guarda à Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e o Bachile, sobre o Rio Costa.
Havia no lado esquerdo da Ponte um Fortim com 6 metros de altura, com cobertura com chapas zincadas onduladas, como se aquilo protegesse alguma coisa em caso de ataque.
A Ponte, de madeira, tinha sido reconstruída porque a primeira, também em madeira, tinha sido destruída.
Nesse serviço nunca tive qualquer receio porque também estávamos bem armados e nunca tinha havido nada de anormal.
Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e Bachile
Sei que após o Batalhão deixar a Guiné, algum tempo depois, a Ponte foi reconstruída novamente, desta feita em ferro, como aliás já a vi em fotos de outros camaradas.
Entre a Ponte Alferes Nunes e o Bachile participei em picagens de estrada com um Pelotão da CCaç 2313, quando se faziam escoltas de reabastecimento ao Bachile, onde estava um Pelotão da Companhia 2368 do meu Batalhão.
Na mesma estrada, com a CCaç 2313 do Capitão Penim, andei na capinagem, quando o General Spínola assim o exigiu, pois era uma estrada onde havia muitas emboscadas, a partir do Bachile e até ao Cacheu. Nalgumas delas estive envolvido, durante os reabastecimentos ao Cacheu, quando se chegavam a fazer duas escoltas por dia.
Lembro que cheguei à Guiné no dia 6 de Maio de 1968 e o General Spínola no dia 12 do mesmo mês. Mais que uma vez estive junto a ele em Teixeira Pinto, e numa delas com os malogrados Majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, que também eram meus amigos. Cheguei a beber algumas bazucas pagas por eles, quando à Enfermaria se dirigiam em busca de mésinho para levarem à tabanca para os (amigos) que mais tarde os viriam a assassinar, em 20 de Abril de 1970, à saída do Pelundo em direcção a Jolmete, estava já eu a chegar a casa de regresso.
Continuava eu sendo um bom militar pois com um Pelotão da CCaç 2368 e da 2313 saía em missões e a ração de combate, levando comigo o repelente já que em três dias tínhamos que suportar tantos mosquitos vindo das águas podres das bolanhas, as quais muitas vezes as atravessei debaixo de intenso calor e com o cantil vazio.
Era doloroso para quem não estava habituado, mas nunca senti receio, porque sabia que andava com camaradas que estavam habituados a andar no mato e enfrentarem situações difíceis como chegaram a ter.
Com eles sentia-me bem e todos me ajudavam, porque indo eu armado como eles, ainda levava a Bolsa de Enfermeiro carregada com medicamentos mais algumas garrafas de soro penduradas em mim mesmo, pois tudo poderia acontecer e tudo seria útil.
Pernoitei algumas vezes entre as matas perto de tabancas, ouvindo os nativos na conversa até altas horas da madrugada. Cheguei a ver em picadas, em direcção às tabancas, inimigos com armas nas mãos, passando a escassos metros de nós. Nem sinal dávamos de nossa presença pelo facto de ser tarde e nunca sabermos quantos elementos eram e o armamento que usavam. Assim se juntavam com a restante população.
Fui útil e cumpri meu dever, até na acção psicológica, protegido pelos camaradas daquelas Companhias, prestava assistência à população que vivia nas tabancas, não só aqueles que vinham ao meu encontro, (ali era Doutor) mas também ia eu às tabancas consultar mulher grande, homem grande, incapacitados de andar com a velhice e bajudas.
Era mais um dos trabalhos que desempenhava sempre com a mesma aplicação e esforço, mas sentia-me compensado por aquela gente, que me oferecia uns frangos e, quando mais não tinham, laranjas, que põe vezes eram boas para matar a sede, quando mais nada havia.
Eu sabia que nem todos os nativos eram contra nós, pois mesmo no Quartel em Teixeira Pinto, não havia vez nenhuma que aquelas mulheres e bajudas quando fossem para a bolanha ao peixe, ostras, camarão, etc, não passassem pela Enfermaria e lá deixassem alguma coisa para mim, tudo pela forma como eu os tratava.
Lembro que em toda a minha comissão, nunca da minha G3 saiu um tiro, porque felizmente para mim nunca necessitei. Recordo-me de uma vez que fui ajudar os básicos da cozinha a recolher lenha em viaturas lá para os lados de Calequisse e Caió, perto de uma tabanca, de vir alguém ao meu encontro porque me conhecia, não só para me cumprimentar, mas também para pedir mésinho.
Cumpri meu dever e terminei a comissão com o orgulho de ter servido minha Pátria.
Durante aquela guerra ganhei muitos amigos que ainda hoje conservo, e recordamos ano após ano as peripécias vividas. Fico sempre triste quando sei que de um ano para o outro houve uma alguma baixa.
Desde sempre e ainda hoje procuro camaradas quer do Batalhão quer de outras Companhias, em especial da CCaç 2313.
Sinto o orgulho do meu dever cumprido.
Para a nossa Tabanca Grande,
Albino Silva
CCS/BCaç 2845
Teixeira Pinto
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5918: Blogpoesia (66): Querida Pátria (Albino Silva)
Vd. último poste da série de 19 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P6021: Memória dos lugares (71): Recordações de Bambadinca (Armandino Alves, 1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga, Madina do Boé, 1966/68)
Guiné 63/74 - P6028: A propósito do Dia do Pai... e da história do Esq Rec Fox 3431 (Bafatá, 1971/73)
1. Encontrei, num blogue (*), uma referência a um convívio, em 2005, do pessoal do Esquadrão de Reconhecimento Fox 3431. Interessou-me por duas razões: (i) não temos ninguém do Esq Rec Fox 3431, que foi comandado pelo Cap Cav Botelho, o mesmo que terá alegadamente entrado pelo Senegal dentro com as suas Chaimites, algures em 1972 (**); (ii) ontem foi dia do pai, e achei bonito ler estas palavras do filho de um camarada nosso, condutor de chaimite: "(...) adorei ter estado presente naquele almoço, este seria apenas o primeiro, pois farei sempre questão de acompanhar o meu pai, que é o meu ídolo, o meu exemplo a seguir!"...
Com a devida vénia (ao Luígi a quem peço também "emprestadas" as duas imagens aqui reproduzidas, e eventualmente que nos leve até ao seu pai, nosso camarada, para saber mais sobre a história desta unidade de cavalaria), passo a transcrever :
Recuando um pouco no tempo até ao dia 07 de Maio de 2005, tive a oportunidade de estar presente num almoço convívio entre Ex-combatentes que fizeram parte do Esquadrão de Reconhecimento Fox 3431 que partiu de Lisboa a 25 de Agosto de 1971 com destino à Guiné, mais precisamente a Bafatá. Este constituía a reserva móvel do agrupamento Leste. Está organizado em Comando e três Pelotões de reconhecimento, o meu pai fizera parte do 1º Pelotão denominado “Os Barbudos” onde era condutor.
A Missão consistia em acções de reconhecimento e vigilância, patrulhamento frequentes, escoltas a colunas-auto.
No dia 4 de Outubro de 1973, após 25 meses de Comissão na então Província Portuguesa da Guiné, regressa finalmente à Metrópole o Esquadrão de Reconhecimento Fox 3431.
32 anos depois da chegada a Portugal e após já se realizarem vários almoços convívio, finalmente o Sérgio Marques conseguiu entrar em contacto com o meu pai, informando-o da existência do almoço convívio, estes realizam-se sempre no primeiro sábado do mês de Maio.
Eu, juntamente com a minha mãe e o meu irmão, fiz questão de estar presente com o meu pai no almoço.
Foi extraordinário ver que, após 32 anos sem se verem ainda se conheciam…Fez-me lembrar um pouco o que se passa com as pessoas que cresceram comigo no futebol, embora no caso deles a relação ainda seja mais marcante, afinal de contas eles eram uma equipa que lutava pela sobrevivência e não em ganhar jogos…
Posso dizer que adorei ter estado presente naquele almoço, este seria apenas o primeiro, pois farei sempre questão de acompanhar o meu pai, que é o meu ídolo, o meu exemplo a seguir! (*)
___________
Notas de L.G.:
(*) Fonte: Blogue > Love is the higher Law: This is my lifestory revisited by myself > 5 de Agosto de 2008 > Esquadrão de Reconhecimento Fox 3431
Perfil completo do autor, Luigi, 32, Lisboa
(**) Vd. poste de 19 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6022: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (4): Ainda o caso do Cap Patrício que foi, por castigo, para a CCAÇ 15, Mansoa, e do comandante do Esq Rec Fox de Bafatá que invadiu o Senegal com as chaimites
Comentário do Jorge Picado:
(...) Das Fichas das Unidades na Guiné, consta o Esq Rec 2640 (NOV69/SET71) colocado em Bafatá e cujo Cmdt era o Cap Cav Fernando Monteiro Vouga e este ERec 2640 foi substituido em Bafatá pelo ERec 3431 (SET71/JUN73) que teve como 1.º Cmdt o Cap Cav Manuel Eduardo Alves Botelho e depois o Cap Cav José Rafael Lopes Saraiva.
Por sua vez o ERec 8840/72 foi colocado em Bafatá em ABR73 e rendeu o ERec 3431 em JUN73. Tinha como Cmdt o Cap Cav Francisco X. Silveira Montenegro Carvalhais e não tem HU, enquanto os outros 2 têm. (...)
Com a devida vénia (ao Luígi a quem peço também "emprestadas" as duas imagens aqui reproduzidas, e eventualmente que nos leve até ao seu pai, nosso camarada, para saber mais sobre a história desta unidade de cavalaria), passo a transcrever :
Recuando um pouco no tempo até ao dia 07 de Maio de 2005, tive a oportunidade de estar presente num almoço convívio entre Ex-combatentes que fizeram parte do Esquadrão de Reconhecimento Fox 3431 que partiu de Lisboa a 25 de Agosto de 1971 com destino à Guiné, mais precisamente a Bafatá. Este constituía a reserva móvel do agrupamento Leste. Está organizado em Comando e três Pelotões de reconhecimento, o meu pai fizera parte do 1º Pelotão denominado “Os Barbudos” onde era condutor.
A Missão consistia em acções de reconhecimento e vigilância, patrulhamento frequentes, escoltas a colunas-auto.
No dia 4 de Outubro de 1973, após 25 meses de Comissão na então Província Portuguesa da Guiné, regressa finalmente à Metrópole o Esquadrão de Reconhecimento Fox 3431.
32 anos depois da chegada a Portugal e após já se realizarem vários almoços convívio, finalmente o Sérgio Marques conseguiu entrar em contacto com o meu pai, informando-o da existência do almoço convívio, estes realizam-se sempre no primeiro sábado do mês de Maio.
Eu, juntamente com a minha mãe e o meu irmão, fiz questão de estar presente com o meu pai no almoço.
Foi extraordinário ver que, após 32 anos sem se verem ainda se conheciam…Fez-me lembrar um pouco o que se passa com as pessoas que cresceram comigo no futebol, embora no caso deles a relação ainda seja mais marcante, afinal de contas eles eram uma equipa que lutava pela sobrevivência e não em ganhar jogos…
Posso dizer que adorei ter estado presente naquele almoço, este seria apenas o primeiro, pois farei sempre questão de acompanhar o meu pai, que é o meu ídolo, o meu exemplo a seguir! (*)
___________
Notas de L.G.:
(*) Fonte: Blogue > Love is the higher Law: This is my lifestory revisited by myself > 5 de Agosto de 2008 > Esquadrão de Reconhecimento Fox 3431
Perfil completo do autor, Luigi, 32, Lisboa
(**) Vd. poste de 19 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6022: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (4): Ainda o caso do Cap Patrício que foi, por castigo, para a CCAÇ 15, Mansoa, e do comandante do Esq Rec Fox de Bafatá que invadiu o Senegal com as chaimites
Comentário do Jorge Picado:
(...) Das Fichas das Unidades na Guiné, consta o Esq Rec 2640 (NOV69/SET71) colocado em Bafatá e cujo Cmdt era o Cap Cav Fernando Monteiro Vouga e este ERec 2640 foi substituido em Bafatá pelo ERec 3431 (SET71/JUN73) que teve como 1.º Cmdt o Cap Cav Manuel Eduardo Alves Botelho e depois o Cap Cav José Rafael Lopes Saraiva.
Por sua vez o ERec 8840/72 foi colocado em Bafatá em ABR73 e rendeu o ERec 3431 em JUN73. Tinha como Cmdt o Cap Cav Francisco X. Silveira Montenegro Carvalhais e não tem HU, enquanto os outros 2 têm. (...)
Guiné 63/74 - P6027: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (3): Os dias da batalha de Guidaje - Antecedentes à nossa chegada
1. Terceira parte do relato da Batalha de Guidaje, de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), enviado ao nosso Blogue em 6 de Março de 2010:
Antecedentes à nossa chegada
Realmente, o cenário não é dado a optimismos. Sabemos que a 8 de Maio o PAICG começou o cerco. Logo nesse dia Guidaje esteve cinco vezes debaixo de fogo (num total de duas horas de fogacho). Uma coluna escoltada por uma companhia do exército (BCaç 4512) e por Fuzileiros, que também partira de Farim, accionou um mina anticarro. Pelo menos um “fuzo” da DFE-7, que estava a socorrer um camarada, perdeu uma perna. Sofreram uma dúzia de feridos na emboscada que os encurralou e obrigou a recuar. Dizem-nos que o PAIGC dispõe de um forte e bem treinado efectivo a muito poucos quilómetros dali, dentro do Senegal, estimado em seis a sete centenas de guerrilheiros com grande formação e treino militares. Conhecendo a estratégia do IN para isolar/envolver a região, o tenente-coronel António Valadares Correia de Campos, transfere-se neste dia, conjuntamente com todo o comando do COP3, de Bigene para Guidaje.
Reforçados com duas esquadras do DFE-4, vindas de Ganturé, os mesmos homens voltaram no dia seguinte (9 de Maio) e foram sobressaltados com nova emboscada, ainda de maior envergadura! Os camaradas milicianos que em Farim me alojaram no seu quarto (e, creio, que também aos furriéis Machado e Ângelo Silva), contaram durante a noite que o pessoal só tinha aguentado as quatro a cinco horas que esteve debaixo de fogo por ser portador de um abastecimento extraordinário de granadas para morteiretes. Assim, enquanto os pequenos prato-base não se enterraram no solo e os canos dos morteiros não se derreteram nem lhes derreteram as mãos, foram-se aguentando e respondendo ao fogo. Mas não conseguiram evitar pesadas baixas, entre as quais, quatro mortes, uma vintena de feridos, oito deles com gravidade, deixando também pelo caminho quatro viaturas destruídas e não conseguindo, mais uma vez, chegar ao destino. De notar que, no mesmo dia e quase em simultâneo, Guidaje “lerpou” mais quatro vezes, o que demonstra a grande concentração de guerrilheiros que o IN tem na região…
Mais três flagelações se abateram sobre o casario de Guidaje a 10 de Maio. No mesmo dia tenta-se romper o cerco. Uma avultada força, dirigida pelo tenente-coronel António Vaz Antunes (comandante do batalhão de Farim) inicia nova operação que envolve distintas unidades: dois grupos da CCaç 14, dois grupos de combate da 38.ª de Comandos, uma secção do pelotão de Morteiros 4247, um grupo da companhia eventual de Cuntima, três grupos do BCaç 4512, dois deles de Nema e o terceiro de Jumbembém. Mas a coluna também consente um morto (o soldado Manuel Geraldes, precisamente de Jumbembém, cujo corpo foi dilacerado por efeito do rebentamento da mina em que caiu), e dois feridos, que seguiam atrás dele. Impedidos por dezenas de abatises, (árvores de bom porte serradas, de troncos tombados, atravessando a picada, escassos quilómetros depois de Binta), mais uma vez não chegaram ao objectivo.
(Muitos anos depois, em conversa com o primeiro-cabo guineense Fati, atirador do lança-granadas foguete Instalaza de 8,9cm, (mais conhecido por bazuca), e que ficou ferido neste combate, tive a oportunidade de aquilatar o volume do fogo inimigo e a incapacidade de reacção ofensiva do pessoal da sua unidade para sair por cima neste combate).
Ao mesmo tempo, vindos no sentido inverso com a intenção de proteger o itinerário a norte, um efectivo da CCaç 19 saiu de Guidaje e a curta distância do mesmo local experimentou cinco contactos com o IN, de que resultaram mais oito mortos e nove feridos para as NT. A situação aqui foi mais grave porque, rareando as munições para ripostar ao fogo, tiveram de bater em retirada e deixar no mato os corpos de três mortos, não os conseguindo recuperar.
Guidaje > Maio de 1973 > Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha.
Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados
No relatório desta acção, o seu comandante descreve assim a violência do contacto de fogo: "...em relação às NT, o IN estava de frente, dos dois lados da picada, e foi impossível fazer uma reacção conveniente pelo fogo. A primeira sessão pelo fogo causou-nos imediatamente três mortos (...) o IN voltou à carga com maior ímpeto, mas as NT já estavam preparadas para o receber e aqui teve as primeiras baixas. Estando um cabo gravemente ferido com um estilhaço no pescoço, o soldado auxiliar de enfermeiro correu para junto dele a fim de o socorrer. Estando ajoelhado a seu lado foi atingido por uma rajada que lhe provocou a morte. Começavam a escassear as munições e foi dada ordem para fazer fogo de precisão, tanto quanto possível. Quando o fogo parou por escassos segundos um dos furriéis tentou chegar junto dos mortos para recuperar os corpos. Quando se levantava para realizar esta acção, pela terceira vez o IN atacou as nossas posições. Notando a impossibilidade de recuperar os corpos dos mortos e porque a falta de munições era quase total, o comandante viu-se coagido a ordenar a retirada... " (in sítio do BCaç 4512).
A 11 de Maio, os 2.º e 4.º grupos da 38.ª companhia de comandos, que no dia 9 se tinha deslocado de Mansoa para Farim integrando uma coluna de abastecimento, avança com a mesma coluna e um pelotão da guarnição de Binta em direcção a Guidaje, levando na frente sapadores que vão analisar as crateras abertas pelas minas rebentadas anteriormente e orientar a picagem a efectuar durante o percurso. A marcha é, por isso, extremamente lenta (cada dois quilómetros demoram cerca de uma hora a percorrer), esperando-se que as minas que vão sendo detectadas na frente da coluna sejam feitas explodir. Deparam-se com um grupo de viaturas desventradas e há também diversos cadáveres pelo chão, muitos já “bicados” por djugudés (abutres, também “jagudis”). Há novas abatises espalhadas a dificultar a progressão. A CCaç 19 sai de Guidaje e vem ao encontro destes homens, mas ao passar por uma ponte é atacada. Não tem grandes condições de reagir e pede apoio aéreo. Passados quarenta minutos chegam dois Fiat G-91 que, no entanto, e apesar dos apelos constantes via rádio, se recusam a abrir fogo porque as forças em presença estarão demasiado próximas. Contam-se muitas baixas neste confronto. Também entre os comandos as coisas não correm bem: ao ouvirem os rebentamentos e o tiroteio da emboscada os homens saltam das viaturas. Um deles, – o primeiro-cabo Filipe, – acciona uma mina A/P e perde um pé. Mais adiante apanham do chão o cadáver dum soldado que também caíra numa mina e ficou irreconhecível, embrulham-no num poncho e levam-no sobre o estrado de um Unimog. No local da emboscada da CCaç 19 o cenário é dantesco, com inúmeros cadáveres espalhados pela picada fora e nas imediações. Ao cabo de mais de 10 horas de marcha, esgotados, atingem Guidaje já no lusco-fusco, refugiam-se nas valas, agachados, e pouco depois o quartel é flagelado, o que aconteceu mais algumas vezes durante essa noite. Já nos primeiros raios solares de 12 de Maio, durante uma flagelação de foguetes 122 e morteiros 82, o soldado comando José Luís Inácio Raimundo é atingido nas valas e morre nesse instante. Finalmente, uma coluna de reabastecimento constituída pelos Destacamentos de Fuzileiros Especiais n.º 3 e n.º 4 logrou chegar a Guidaje.
Comandados pelo capitão Alves Jesus, os fuzileiros do DFE-4 tentam caminhar para Farim, e daí regressar a Ganturé no dia 13. Levam consigo viaturas carregadas de populares. Morre o soldado condutor Ludgero Rodrigues da Silva, da CCS do BCaç 4512. Sofrem uma emboscada, permanecem uma hora debaixo de fogo e são obrigados a regressar. No sentido contrário também uma coluna de reabastecimento tinha saído de Farim, mas não logrou avançar além do Cufeu. Passa mais uma noite e, a 14 de Maio, um forte rebentamento atinge com um estilhaço fatal um grumete do DFE-7. Esta manhã poisa no canto mais recuado da parada um “héli”. Transporta um caixão para levar o corpo do infeliz fuzileiro.
Cópia do título de caixa alta do jornal Público, "O inferno de Guidje", 5 de Novembro de 1995
Estiveram na Guiné, nos anos da guerra, vinte e seis destacamentos de fuzileiros especiais (dois dos quais, africanos) e onze companhias de fuzileiros navais. No total, estas unidades sofreram oitenta e seis mortos, cinquenta e cinco deles, em combate.
A alvorada seguinte, de terça-feira, começa a clarear. Em abono da verdade, neste tempo, pouco ou nada nos importa saber em que dia da semana estamos! Para quê, se os dias correm todos enjoativa e implacavelmente iguais?
Talvez só os domingos de futebol se safassem, caso pudéssemos ouvir os relatos que a Emissora Oficial da Guiné transmitia em directo: “atenção amigo ouvinte, constituição da equipa do Benfica: José Henrique; Artur, Humberto, Messias e Adolfo; Jaime Graça e Toni; e na linha avançada temos Nené, Jordão, Eusébio e Simões”. E quando o locutor se esganiçava e gritava «golo!» as casernas também explodiam, mas de alegria! De certa vez o escritor António Lobo Antunes (autor que começou a sua carreira literária publicando grandes livros sobre a guerra colonial) contou mais ou menos isto: um golo do Benfica fazia parar a guerra, interrompia os combates, pois de um lado e de outro das trincheiras, à mesma hora, estava toda a gente a vibrar.
Com efeito, muitas pessoas que admirávamos eram oposicionistas do regime e mesmo, encapotada ou clandestinamente, simpatizantes e militantes dos movimentos de libertação nacional. Já se falava de Hilário, um dos melhores defesas de sempre do futebol do Sporting como provável simpatizante da FRELIMO, e, como ele, os benfiquistas Coluna, e até de Eusébio, (figura, no entanto, cujo prestígio foi aproveitado pela propaganda do salazarismo e do marcelismo) e havia outros, por exemplo, no atletismo do SLB, como Barceló de Carvalho (que é o cantor angolano Bonga) velocista e recordista nacional durante vários anos, ou o também recordista nacional e cantor angolano Rui Mingas, cujas cantigas (dois LP’s e vários “singles” gravados desde 1969) não enganavam ninguém nem escondiam a óbvia simpatia pelo MPLA e pelas suas causas. Antes da incorporação no serviço militar obrigatório assisti, com o meu amigo de infância Cipriano Simões, ao lançamento de um dos seus discos, no estúdio da Rádio Renascença, em directo. Suponho que era o “long-play” que incluía o extraordinário tema Monangamba, da autoria do poeta e intelectual António Jacinto, um branco angolano que não regateava as origens do musseque luandense, e que por se meter em “aventuras” apanhou muito mais do que uma dúzia de anos de Tarrafal. Nessa noite (programa “Tempo ZIP”?) eu estava muito longe de imaginar que um par de anos mais tarde teria o privilégio de contar com o António Jacinto como um grande amigo e cuja morte viria a deixar-me profundamente triste e a empobrecer as literaturas de expressão portuguesa. Quanto a Mingas, é nos anos 60/70 uma espécie de cantor oficial da Casa de Estudantes do Império, – ao Arco Cego, em Lisboa, – conhecido “coio” de africanos do chamado reviralho, pejado de amigos dos “terroristas”, mas onde, malgrado a contínua perseguição da PIDE, se divulgam e publicam peças literárias do melhor que existe em língua portuguesa, sobretudo na poesia. O desporto e a cultura criam laços que unem muitos combatentes de ambos os lados da guerra. O comandante N’Dalu (António dos Santos França, que já como ministro e Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Populares de Angola vim também a conhecer pessoalmente), estudou em Coimbra e, antes de fugir do país para ir ter formação militar, suponho que na Argélia e mais tarde em países do leste europeu), granjeou amigos e adeptos a jogar na Académica, onde era conhecido por “França”.
Alguém pensou que viria a tornar-se um elemento determinante, mesmo decisivo para a independência de Angola, por comandar e vencer a célebre batalha de Kinfangondo, contra o exército zairense de Mobutu Sese Seko que acompanhava a FNLA e um batalhão de mercenários, quarenta quilómetros a norte de Luanda, nas vésperas do 11 de Novembro de 1975? Por estas e por outras Amílcar Cabral, que considerava ser a luta armada também um acto de cultura, não se cansava de afirmar que a luta de libertação do povo da Guiné e Cabo Verde (e dos povos das outras colónias) não era uma luta contra o povo português, mas contra o regime que oprimia ambos os povos (referindo-se ao fascismo em Lisboa e ao colonialismo em África). E, também por estas e por outras, ao vermos amigos em barricadas opostas, muitos de nós começamos em plena campanha a meditar por que raio andaremos aqui aos tiros uns aos outros?
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado
Os Marados de Gadamael
e os dias da
Batalha de Guidaje
Parte III
Daniel de Matos
Os Dias da Batalha
e os dias da
Batalha de Guidaje
Parte III
Daniel de Matos
Os Dias da Batalha
Antecedentes à nossa chegada
Realmente, o cenário não é dado a optimismos. Sabemos que a 8 de Maio o PAICG começou o cerco. Logo nesse dia Guidaje esteve cinco vezes debaixo de fogo (num total de duas horas de fogacho). Uma coluna escoltada por uma companhia do exército (BCaç 4512) e por Fuzileiros, que também partira de Farim, accionou um mina anticarro. Pelo menos um “fuzo” da DFE-7, que estava a socorrer um camarada, perdeu uma perna. Sofreram uma dúzia de feridos na emboscada que os encurralou e obrigou a recuar. Dizem-nos que o PAIGC dispõe de um forte e bem treinado efectivo a muito poucos quilómetros dali, dentro do Senegal, estimado em seis a sete centenas de guerrilheiros com grande formação e treino militares. Conhecendo a estratégia do IN para isolar/envolver a região, o tenente-coronel António Valadares Correia de Campos, transfere-se neste dia, conjuntamente com todo o comando do COP3, de Bigene para Guidaje.
Reforçados com duas esquadras do DFE-4, vindas de Ganturé, os mesmos homens voltaram no dia seguinte (9 de Maio) e foram sobressaltados com nova emboscada, ainda de maior envergadura! Os camaradas milicianos que em Farim me alojaram no seu quarto (e, creio, que também aos furriéis Machado e Ângelo Silva), contaram durante a noite que o pessoal só tinha aguentado as quatro a cinco horas que esteve debaixo de fogo por ser portador de um abastecimento extraordinário de granadas para morteiretes. Assim, enquanto os pequenos prato-base não se enterraram no solo e os canos dos morteiros não se derreteram nem lhes derreteram as mãos, foram-se aguentando e respondendo ao fogo. Mas não conseguiram evitar pesadas baixas, entre as quais, quatro mortes, uma vintena de feridos, oito deles com gravidade, deixando também pelo caminho quatro viaturas destruídas e não conseguindo, mais uma vez, chegar ao destino. De notar que, no mesmo dia e quase em simultâneo, Guidaje “lerpou” mais quatro vezes, o que demonstra a grande concentração de guerrilheiros que o IN tem na região…
Mais três flagelações se abateram sobre o casario de Guidaje a 10 de Maio. No mesmo dia tenta-se romper o cerco. Uma avultada força, dirigida pelo tenente-coronel António Vaz Antunes (comandante do batalhão de Farim) inicia nova operação que envolve distintas unidades: dois grupos da CCaç 14, dois grupos de combate da 38.ª de Comandos, uma secção do pelotão de Morteiros 4247, um grupo da companhia eventual de Cuntima, três grupos do BCaç 4512, dois deles de Nema e o terceiro de Jumbembém. Mas a coluna também consente um morto (o soldado Manuel Geraldes, precisamente de Jumbembém, cujo corpo foi dilacerado por efeito do rebentamento da mina em que caiu), e dois feridos, que seguiam atrás dele. Impedidos por dezenas de abatises, (árvores de bom porte serradas, de troncos tombados, atravessando a picada, escassos quilómetros depois de Binta), mais uma vez não chegaram ao objectivo.
(Muitos anos depois, em conversa com o primeiro-cabo guineense Fati, atirador do lança-granadas foguete Instalaza de 8,9cm, (mais conhecido por bazuca), e que ficou ferido neste combate, tive a oportunidade de aquilatar o volume do fogo inimigo e a incapacidade de reacção ofensiva do pessoal da sua unidade para sair por cima neste combate).
Ao mesmo tempo, vindos no sentido inverso com a intenção de proteger o itinerário a norte, um efectivo da CCaç 19 saiu de Guidaje e a curta distância do mesmo local experimentou cinco contactos com o IN, de que resultaram mais oito mortos e nove feridos para as NT. A situação aqui foi mais grave porque, rareando as munições para ripostar ao fogo, tiveram de bater em retirada e deixar no mato os corpos de três mortos, não os conseguindo recuperar.
Guidaje > Maio de 1973 > Cadáveres de soldados africanos da CCAÇ 19, abandonados no campo de batalha.
Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados
No relatório desta acção, o seu comandante descreve assim a violência do contacto de fogo: "...em relação às NT, o IN estava de frente, dos dois lados da picada, e foi impossível fazer uma reacção conveniente pelo fogo. A primeira sessão pelo fogo causou-nos imediatamente três mortos (...) o IN voltou à carga com maior ímpeto, mas as NT já estavam preparadas para o receber e aqui teve as primeiras baixas. Estando um cabo gravemente ferido com um estilhaço no pescoço, o soldado auxiliar de enfermeiro correu para junto dele a fim de o socorrer. Estando ajoelhado a seu lado foi atingido por uma rajada que lhe provocou a morte. Começavam a escassear as munições e foi dada ordem para fazer fogo de precisão, tanto quanto possível. Quando o fogo parou por escassos segundos um dos furriéis tentou chegar junto dos mortos para recuperar os corpos. Quando se levantava para realizar esta acção, pela terceira vez o IN atacou as nossas posições. Notando a impossibilidade de recuperar os corpos dos mortos e porque a falta de munições era quase total, o comandante viu-se coagido a ordenar a retirada... " (in sítio do BCaç 4512).
A 11 de Maio, os 2.º e 4.º grupos da 38.ª companhia de comandos, que no dia 9 se tinha deslocado de Mansoa para Farim integrando uma coluna de abastecimento, avança com a mesma coluna e um pelotão da guarnição de Binta em direcção a Guidaje, levando na frente sapadores que vão analisar as crateras abertas pelas minas rebentadas anteriormente e orientar a picagem a efectuar durante o percurso. A marcha é, por isso, extremamente lenta (cada dois quilómetros demoram cerca de uma hora a percorrer), esperando-se que as minas que vão sendo detectadas na frente da coluna sejam feitas explodir. Deparam-se com um grupo de viaturas desventradas e há também diversos cadáveres pelo chão, muitos já “bicados” por djugudés (abutres, também “jagudis”). Há novas abatises espalhadas a dificultar a progressão. A CCaç 19 sai de Guidaje e vem ao encontro destes homens, mas ao passar por uma ponte é atacada. Não tem grandes condições de reagir e pede apoio aéreo. Passados quarenta minutos chegam dois Fiat G-91 que, no entanto, e apesar dos apelos constantes via rádio, se recusam a abrir fogo porque as forças em presença estarão demasiado próximas. Contam-se muitas baixas neste confronto. Também entre os comandos as coisas não correm bem: ao ouvirem os rebentamentos e o tiroteio da emboscada os homens saltam das viaturas. Um deles, – o primeiro-cabo Filipe, – acciona uma mina A/P e perde um pé. Mais adiante apanham do chão o cadáver dum soldado que também caíra numa mina e ficou irreconhecível, embrulham-no num poncho e levam-no sobre o estrado de um Unimog. No local da emboscada da CCaç 19 o cenário é dantesco, com inúmeros cadáveres espalhados pela picada fora e nas imediações. Ao cabo de mais de 10 horas de marcha, esgotados, atingem Guidaje já no lusco-fusco, refugiam-se nas valas, agachados, e pouco depois o quartel é flagelado, o que aconteceu mais algumas vezes durante essa noite. Já nos primeiros raios solares de 12 de Maio, durante uma flagelação de foguetes 122 e morteiros 82, o soldado comando José Luís Inácio Raimundo é atingido nas valas e morre nesse instante. Finalmente, uma coluna de reabastecimento constituída pelos Destacamentos de Fuzileiros Especiais n.º 3 e n.º 4 logrou chegar a Guidaje.
Comandados pelo capitão Alves Jesus, os fuzileiros do DFE-4 tentam caminhar para Farim, e daí regressar a Ganturé no dia 13. Levam consigo viaturas carregadas de populares. Morre o soldado condutor Ludgero Rodrigues da Silva, da CCS do BCaç 4512. Sofrem uma emboscada, permanecem uma hora debaixo de fogo e são obrigados a regressar. No sentido contrário também uma coluna de reabastecimento tinha saído de Farim, mas não logrou avançar além do Cufeu. Passa mais uma noite e, a 14 de Maio, um forte rebentamento atinge com um estilhaço fatal um grumete do DFE-7. Esta manhã poisa no canto mais recuado da parada um “héli”. Transporta um caixão para levar o corpo do infeliz fuzileiro.
Cópia do título de caixa alta do jornal Público, "O inferno de Guidje", 5 de Novembro de 1995
Estiveram na Guiné, nos anos da guerra, vinte e seis destacamentos de fuzileiros especiais (dois dos quais, africanos) e onze companhias de fuzileiros navais. No total, estas unidades sofreram oitenta e seis mortos, cinquenta e cinco deles, em combate.
A alvorada seguinte, de terça-feira, começa a clarear. Em abono da verdade, neste tempo, pouco ou nada nos importa saber em que dia da semana estamos! Para quê, se os dias correm todos enjoativa e implacavelmente iguais?
Talvez só os domingos de futebol se safassem, caso pudéssemos ouvir os relatos que a Emissora Oficial da Guiné transmitia em directo: “atenção amigo ouvinte, constituição da equipa do Benfica: José Henrique; Artur, Humberto, Messias e Adolfo; Jaime Graça e Toni; e na linha avançada temos Nené, Jordão, Eusébio e Simões”. E quando o locutor se esganiçava e gritava «golo!» as casernas também explodiam, mas de alegria! De certa vez o escritor António Lobo Antunes (autor que começou a sua carreira literária publicando grandes livros sobre a guerra colonial) contou mais ou menos isto: um golo do Benfica fazia parar a guerra, interrompia os combates, pois de um lado e de outro das trincheiras, à mesma hora, estava toda a gente a vibrar.
Com efeito, muitas pessoas que admirávamos eram oposicionistas do regime e mesmo, encapotada ou clandestinamente, simpatizantes e militantes dos movimentos de libertação nacional. Já se falava de Hilário, um dos melhores defesas de sempre do futebol do Sporting como provável simpatizante da FRELIMO, e, como ele, os benfiquistas Coluna, e até de Eusébio, (figura, no entanto, cujo prestígio foi aproveitado pela propaganda do salazarismo e do marcelismo) e havia outros, por exemplo, no atletismo do SLB, como Barceló de Carvalho (que é o cantor angolano Bonga) velocista e recordista nacional durante vários anos, ou o também recordista nacional e cantor angolano Rui Mingas, cujas cantigas (dois LP’s e vários “singles” gravados desde 1969) não enganavam ninguém nem escondiam a óbvia simpatia pelo MPLA e pelas suas causas. Antes da incorporação no serviço militar obrigatório assisti, com o meu amigo de infância Cipriano Simões, ao lançamento de um dos seus discos, no estúdio da Rádio Renascença, em directo. Suponho que era o “long-play” que incluía o extraordinário tema Monangamba, da autoria do poeta e intelectual António Jacinto, um branco angolano que não regateava as origens do musseque luandense, e que por se meter em “aventuras” apanhou muito mais do que uma dúzia de anos de Tarrafal. Nessa noite (programa “Tempo ZIP”?) eu estava muito longe de imaginar que um par de anos mais tarde teria o privilégio de contar com o António Jacinto como um grande amigo e cuja morte viria a deixar-me profundamente triste e a empobrecer as literaturas de expressão portuguesa. Quanto a Mingas, é nos anos 60/70 uma espécie de cantor oficial da Casa de Estudantes do Império, – ao Arco Cego, em Lisboa, – conhecido “coio” de africanos do chamado reviralho, pejado de amigos dos “terroristas”, mas onde, malgrado a contínua perseguição da PIDE, se divulgam e publicam peças literárias do melhor que existe em língua portuguesa, sobretudo na poesia. O desporto e a cultura criam laços que unem muitos combatentes de ambos os lados da guerra. O comandante N’Dalu (António dos Santos França, que já como ministro e Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Populares de Angola vim também a conhecer pessoalmente), estudou em Coimbra e, antes de fugir do país para ir ter formação militar, suponho que na Argélia e mais tarde em países do leste europeu), granjeou amigos e adeptos a jogar na Académica, onde era conhecido por “França”.
Alguém pensou que viria a tornar-se um elemento determinante, mesmo decisivo para a independência de Angola, por comandar e vencer a célebre batalha de Kinfangondo, contra o exército zairense de Mobutu Sese Seko que acompanhava a FNLA e um batalhão de mercenários, quarenta quilómetros a norte de Luanda, nas vésperas do 11 de Novembro de 1975? Por estas e por outras Amílcar Cabral, que considerava ser a luta armada também um acto de cultura, não se cansava de afirmar que a luta de libertação do povo da Guiné e Cabo Verde (e dos povos das outras colónias) não era uma luta contra o povo português, mas contra o regime que oprimia ambos os povos (referindo-se ao fascismo em Lisboa e ao colonialismo em África). E, também por estas e por outras, ao vermos amigos em barricadas opostas, muitos de nós começamos em plena campanha a meditar por que raio andaremos aqui aos tiros uns aos outros?
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado
Guiné 63/74 - P6026: Convívios (207): Próximo convívio da Tabanca da Linha, dia 8 de Abril de 2010, no Talho do Diamantino - Quinta do Cortador (José Manuel M. Dinis)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mampatá > 4 de Março de 2010 > Os nossos amigos da AD, e membros da nossa Tabanca Grande, Pepito e Domingos Fonseca, ladeados por camaradas nossos que integraram a caravana da associação Memórias e Gentes: à esquerda, o José Eduardo Alves (Leça) mais a esposa; à direita, o Delfim Santos co-fundador da Tabanca de Mosinhos... De calções, na ponta direita, está o nosso José Manuel Matos Dinis
1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 18 de março de 2010:
Carlos, bom amigo,
Acabei de chegar da Guiné*, zonzo de cansaço, e com uma fominha que me levou a diligências rápidas com quem pode e decide. Falei com o Cmdt Rosales a esse propósito, que, também ele homem de apetites saudáveis, se mostrou decidido na preparação do próximo repasto da Magnífica Tabanca da Linha. Combatente experiente, raciocínio matemático, e convocou-me para uma prospecção correlativa.
Fomos desaguar no famoso Talho do Diamantino, homem da Guiné, conhecedor profundo de carnes e manjares, também ele lidador de futebóis variados e contemporâneo do Rosales no E.P.
Necessariamente o diálogo foi fácil e a combinação celebrada com um vinho da casa, enquato mordiscámos umas tapas de presunto. Nada que enganar, o mais fácil é estabelecer pontes entre os homens de boa vontade.
Assim, torna-se público que no próximo dia 8 de Abril, uma quinta-feira, no Talho do Diamatino - Quinta do Cortador, junto à saída da auto-estrada, na direcção de Cascais, entrando pelo acesso da bomba da Galp e do supermercado adjacente. Cem metros adiante situa-se o lugar da mastigação.
Ficam desde já convocados, sem direito a escusas, os primogénitos desta Magnifica Tabanca da Linha. Façam o favor de se apresentar bem ataviados, barbas aparadas e gravatas de seda de preferência, para receberem condignamente os vários aderentes ao evento, que desde já se convidam dentro do espectro da Tabanca Grande. Para estes, todavia, haverá uma limitação: têm que dar indicação de participação até ao fim do mês, que em Março calha no dia 31. Depois dessa data vai ser dificil ter direito de acesso.
As marcações poderão ser feitas para Mário Fitas, Jorge Rosales ou para mim, por mail ou telefone. O meu telemóvel para o efeito é 913 673 067.
O menú não deve comprometer, e vai obrigar cada um a esportular vinte aéreos. Constará de entradas de presunto, queijo e gambas, a que se segue uma grelhada de carnes. Depois haverá sobremesa, para todos, mas especialmente para os que ainda denotarem alguma capacidade estomacal. Haverá águas, para os mais puristas, cerveja, vinhos e coisas mais etílicas para o fim de festa.
Dada a proximidade do encontro, solicito a divulgação do evento através do blogue, por forma a que ninguém tenha a desculpa de não saber atempadamente, tendo em vista que houve diversíssimas manifestações de camaradas das redondezas, como de outros com residência mais distante, mas dispostos a conviver connosco.
A Mónica Cintra, entretanto, já informou que não poderá abrilhantar a festa, por motivos que não vêm ao caso. Teremos que ser nós, os que se apresentarem, a fazê-la.
Carlos, para ti, e para a Tabanca, vai um grande abraço deste amanuense que escreve sob o controle atento do Cmdt Rosales.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5944: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (11): Encontro em Mampatá, com o Leça, o Delfim Santos e o José Manuel Dinis (Pepito)
Vd. último poste da série de 20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6024: Convívios (119): Convívio Anual da CCAÇ 2382 & CCAÇ 2381, no próximo dia 1 de Maio de 2010, em Fátima (José Teixeira)
1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 18 de março de 2010:
Carlos, bom amigo,
Acabei de chegar da Guiné*, zonzo de cansaço, e com uma fominha que me levou a diligências rápidas com quem pode e decide. Falei com o Cmdt Rosales a esse propósito, que, também ele homem de apetites saudáveis, se mostrou decidido na preparação do próximo repasto da Magnífica Tabanca da Linha. Combatente experiente, raciocínio matemático, e convocou-me para uma prospecção correlativa.
Fomos desaguar no famoso Talho do Diamantino, homem da Guiné, conhecedor profundo de carnes e manjares, também ele lidador de futebóis variados e contemporâneo do Rosales no E.P.
Necessariamente o diálogo foi fácil e a combinação celebrada com um vinho da casa, enquato mordiscámos umas tapas de presunto. Nada que enganar, o mais fácil é estabelecer pontes entre os homens de boa vontade.
Assim, torna-se público que no próximo dia 8 de Abril, uma quinta-feira, no Talho do Diamatino - Quinta do Cortador, junto à saída da auto-estrada, na direcção de Cascais, entrando pelo acesso da bomba da Galp e do supermercado adjacente. Cem metros adiante situa-se o lugar da mastigação.
Ficam desde já convocados, sem direito a escusas, os primogénitos desta Magnifica Tabanca da Linha. Façam o favor de se apresentar bem ataviados, barbas aparadas e gravatas de seda de preferência, para receberem condignamente os vários aderentes ao evento, que desde já se convidam dentro do espectro da Tabanca Grande. Para estes, todavia, haverá uma limitação: têm que dar indicação de participação até ao fim do mês, que em Março calha no dia 31. Depois dessa data vai ser dificil ter direito de acesso.
As marcações poderão ser feitas para Mário Fitas, Jorge Rosales ou para mim, por mail ou telefone. O meu telemóvel para o efeito é 913 673 067.
O menú não deve comprometer, e vai obrigar cada um a esportular vinte aéreos. Constará de entradas de presunto, queijo e gambas, a que se segue uma grelhada de carnes. Depois haverá sobremesa, para todos, mas especialmente para os que ainda denotarem alguma capacidade estomacal. Haverá águas, para os mais puristas, cerveja, vinhos e coisas mais etílicas para o fim de festa.
Dada a proximidade do encontro, solicito a divulgação do evento através do blogue, por forma a que ninguém tenha a desculpa de não saber atempadamente, tendo em vista que houve diversíssimas manifestações de camaradas das redondezas, como de outros com residência mais distante, mas dispostos a conviver connosco.
A Mónica Cintra, entretanto, já informou que não poderá abrilhantar a festa, por motivos que não vêm ao caso. Teremos que ser nós, os que se apresentarem, a fazê-la.
Carlos, para ti, e para a Tabanca, vai um grande abraço deste amanuense que escreve sob o controle atento do Cmdt Rosales.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de7 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5944: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (11): Encontro em Mampatá, com o Leça, o Delfim Santos e o José Manuel Dinis (Pepito)
Vd. último poste da série de 20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6024: Convívios (119): Convívio Anual da CCAÇ 2382 & CCAÇ 2381, no próximo dia 1 de Maio de 2010, em Fátima (José Teixeira)
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