sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16734: Agenda cultural (518): "A Europa a ferro, fogo e gás (1914-1918)", de Graça Fernandes: apresentação do livro pelo cor inf ref Manuel A. Bernardo, 3ª feira, dia 22, às 18h00, no Palácio da Independência, Lisboa






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1. A sugestão (e o convite) chegou-nos, à caixa do correio, em 15 do corrente, pela mão do cor inf ref Manuel A. Bernardo, escritor  e leitor do nosso blogue:

Caro(a) Amigo(a):
No dia em que vou comemorar os 60 anos de entrada na então Escola do Exército (agora Academia Militar) difundo a apresentação deste livro da minha amiga e ex-colega da Univeridade Católica, Graça Fernandes, já com quatro livros publicados. Pode ser considerada como uma investigadora especialista da época da 1.ª Guerra Mundial que assolou a Europa.

O livro da Graça Fernandes, "A EUROPA A FERRO, FOGO E GÁS (1994-1918), é prefaciado pelo General Sousa Pinto, Presidente da Comissão de História Militar e tem posfácio do Professor João Luís Fernandes da Universidade de Coimbra.

Espero por vós no Salão Nobre da Sociedade Histórica para a Independência de Portugal, ao Rossio, Lisboa, na próxima semana (terça-feira).

Ab/Bjs, MB

3. Outras atividades na 4.ª e 5.º semanas de novembro de 2016 na Sociedade Histórica - Convite das Comemorações do 1.º de Dezembro de 2016


(i) INAUGURAÇÃO DE EXPOSIÇÃO DE PINTURA, SEXTA-FEIRA, DIA 18 DE NOVEMBRO DE 2016, ÀS 18H00

Exposição de Pintura de Rouslam Botiev “Aproximações a Cervantes e a Shakespeare”, na Galeria Fernando Pessoa do Palácio da Independência, seguida de palestra do Escultor Francisco Simões, com intervenções da Prof.ª Doutora Annabela Rita e do Prof. Doutor Renato Epifânio (A exposição vai estar patente até ao dia 2 de dezembro)


(ii) CONFERÊNCIAS

Segunda-feira, 21 de novembro, às 18h00 - “Aviação nos Açores: da 2ª Guerra Mundial aos dias de hoje”, pelo cor eng Eduardo Brito Coelho, promovida pelo Instituto Bartolomeu de Gusmão da SHIP;

Terça-feira, 22 de novembro, às 17h00 – “História da Arte dos Jardins”, pela Arq.ª Pais.ª Sónia Talhé Azambuja e “Carácter, Ambiente e Elementos do Jardim Português”, pelo Arq.º Pais.ª Miguel Coelho de Sousa;

Segunda-feira, 28 de Novembro, às 18h00 - “O acidente de Camarate”, pelo Cor Victor PilAv (Ref.) João Lopes de Brito, promovida pelo Instituto Bartolomeu de Gusmão da SHIP.

(iii) APRESENTAÇÕES E LANÇAMENTOS DE LIVROS

Apresentação, no dia 23 de novembro, às 15h00, da obra literária do Prof. Doutor René Pélissier (autor de “Le Naufrage des Caravelles. Études sur la fin de Empire Portugais, 1961-1975”; “História de Moçambique, formação e oposição, 1854-1918” e “História de Angola”) no âmbito das Tertúlias Fim do Império.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P16733: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (23): Ainda a história rocambolesca do David Costa, meu camarada, que terá sido capturado pelo PAIGC em 17 ou 18 de maio de 1967, entre Mansoa e Braia, e que andou desaparecido 3 a 4 meses... (Jorge Lobo, ex-1º cabo at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68)


Guiné > Mapa geral da província > Escala 1/500 mil (1961) > Posição relativa de Mansoa e Braia (NT) e Iracunda e Morés (PAIGC). O David Costa que saiu do quartel de Mansoa por volta das 15h do dia 17 de maio de 1967, terá seguido, sem rumo, na direção de Braia (onde havia um destacamento das NT) e sido intercetado nesta região, mais tarde,  por forças do PAIGC que o levaram até à base do Morés e depois para o Senegal, Ziguinchor, onde terá conhecido o médico, português, desertor, e militante do PAIGC, Mário Pádua.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


1. Comentário do nosso camarada Jorge Lobo ao poste P16721 (*)

Relativamente ao comentário que a nossa Tabanca Grande fez ao poste do  Jorge Araújo, eu gostaria de acrescentar algo ao que eu próprio já tinha cá escrito sobre a deserção do David Costa.(**)

Ora bem, depois da cena da carta com a fotografia que alegadamente teria sido enviada pela namorada de um camarada do David, de nome, Chantre, 1º cabo enfermeiro da Cart 1660, o David acabrunhado com a situação decidiu sair do quartel de Mansoa vagueando pelos arredores
da vila até se perder no terreno.


1º cabo at art, Jorge Lobo, CART 1660 (Mansoa, 1967/68),
subunidade que esteve adida aos BCAÇ 1857 e BCAÇ 1912.
Tem um pequeno blogue, com 9 postes publciados
desde 2011, Guiné 1967/1968. Vive em Corroios,. Setúbal,

Eu estava na caserna no momento em que começou a sua odisseia, isto em 17/05/1967. A sua saída do quartel aconteceu por volta
das 15 horas,   logo após a distribuição do correio....

Entretanto, anoiteceu e deduzo que o David se tenha desorientado seguindo a estrada na direção de Braia [- Infandre-Bissorã].

Pelo que ele conta no seu livro, viu as luzes do quartel de Braia (?) ou então Cutia, mas decidiu não arriscar a entrar dentro do arame farpado.

Sou de opinião que o pessoal das tabancas na saída de Mansoa-Braia colaboraria com os guerrilheiros do PAIGC e,  ao ver aquele militar fardado, só e desarmado,  a sair da vila, provavelmente comunicou isso ao PAIGC. Tê-lo-iam seguido durante a noite, penso que o local da captura não seria muito longe do quartel, talvez entre Mansoa e Braia.

Os guerrilheiros do PAIGC teriam capturado o rapaz [, já no dia 18 de maio de 1967,]  tendo-o levado para a zona de Morés e arredores, nomeadamente para Iracunda,  perto da estrada que liga Bissorã a Mansabá. É uma região que conheço bem devido a várias emboscadas e ataques que lá fui fazer com a Cart 1660.

O rapaz, após a sua captura teria estado em alguns acampamentos do PAIGC incluindo na mata de Iracunda perto da estrada Bissorã-Mansabá e onde a minha companhia posteriormente fez um golpe de mão com vário material de guerra apreendido. Iracunda situava-se junto à tal picada, Bissorã-Mansabá, que na altura estava intransitável devido a imensas árvores que o PAIGC atravessou nessa via e que eu próprio constatei em várias operações  em Morés.

De Iracunda o David deve ter partido em direção ao Senegal (Zinguichor), levado pelo grupo do PAIGC, o mesmo grupo que o tinha antes capturado.
  Recordo que o David esteve desaparecido cerca de 3 a 4 meses, período este em que viveu a sua terrivel odisseia atravessando a Guiné entre Morés, Zinguichor, etc, odisseia que só ele saberá contar em pormenor.

Sei que depois do seu regresso a Mansoa, ele foi interrogado no quartel Foi até bastante mal tratatado chefe de operações do BCAÇ 1912 ao qual a Cart 1660 estava agregada, tendo inclusive saído com uma das companhias desse batalhão na tentativa de se conseguir que ele os levasse aos locais que antes ele tinha visitado, o que não foi conseguido porque o David compreensivelmente não conseguiu descobrir o seu anterior trajeto até à sua captura.

Segundo o rapaz contou na altura, o regresso dele foi feito através de Dacar, mas também já li por cá outras histórias diferentes em relação ao local onde a avioneta militar o foi buscar no Senegal.

Está correta a data da sua saída do quartel, 17/05/1967.
O caso da fuga do Daniel Alves deve ter acontecido já depois do julgamento do David, ao qual eu assisti, ao vivo.

O meu camarada foi condenado a 2 anos,  um mês e um dia de prisão nos primeiros dias de novembro de 1968, cerca de uma semana antes da CART 1660 ter regressado à metrópole. (***)

Jorge Lobo, 1º cabo Lobo, atirador da CART 1660 (Mansoa, 1967/68).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 15 de novembro de 2016~>  Guiné 63/74 - P16721: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XII: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [III]: o encontro, em Boké,com o médico português Mário Pádua (Jorge Araújo)

(**) Último poste da série > 15 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16722: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (22): Quem terá sido o Daniel Alves, "duplamente desertor" ? Primeiro, fugiu das nossas fileiras, possivelmente em 1967, e depois das fileiras do PAIGC... Amilcar Cabral, traído e preocupado, escreveu: "O Daniel Alves conseguiu enganar a malta (sic) e fugiu em Dacar. É um facto banal numa luta (deserção ou traição), mas pode complicar-nos muito a vida em relação aos amigos"....

(***) Sobre o caso do David Costa, vd. ainda os postes de;

5 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16686: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (18): Mais um caso "atípico", o de David [Ferreira de Jesus] Costa, ex-sold at art, CART 1660, Mansoa, 1967/68 (Virgínio Briote)

27 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7351: Controvérsias (112): David Costa, da CART 1660 (Mansoa, 1966/68): Déserteur malgré-lui ? / Desertor à força ? (Jorge Lobo, ex-1º Cabo, CART 1660)

23 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6776: Notas de leitura (133): Desertor ou Patriota, de David Costa (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16732: Notas de leitura (903): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, fotografias de Francisco Nogueira, 2016 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
O livro é irresistível, pelo rigor do conteúdo e pela preciosidade das imagens. Os Bijagós sempre provocaram um grande fascínio tanto pelos dons naturais, pela cultura, pela identidade do povo que durante séculos viveu em contenda com o continente, nomeadamente com os Beafadas, os vizinhos mais próximos.
Não se pode ficar indiferente com estes cadastro do legado colonial, impressiona o que se construiu e o que ainda está a tempo de ser conservado. Felizmente que alguma cooperação garante restauros e trava o aniquilamento de edifícios emblemáticos do que fora concebido com capital com contornos imperais. Quem perdura o seu amor pela Guiné não pode deixar de olhar esta obra primorosa sem orgulho e indignação.

Um abraço do
Mário


Bijagós e o seu património arquitetónico: que beleza de livro!

Beja Santos

O património arquitetónico dos Bijagós é uma edição da Tinta-da-China, tem por autores Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade e fotografias de altíssima qualidade de Francisco Nogueira. Tem história, enquadramento urbanístico, análise do espaço tradicional Bijagó e do espaço colonial e desvela os mais significativos edifícios coloniais. Na base do empreendimento está o projeto “Bijagós, Bemba di Vida! Ação cívica para o resgate e valorização de um património da humanidade”, uma parceria do Instituto Marquês de Valle Flôr e da organização não-governamental Tiniguena. Trata-se de um estudo que se insere no projeto de conservação dos recursos naturais e de desenvolvimento socioeconómico numa das zonas centrais da Reserva da Biosfera do Arquipélago de Bolama-Bijagós: as ilhas Urok.

Os autores prepararam-se bem e o resultado está à vista, nesta edição cuidada, edição para guardar pelo cuidado posto no grafismo e na riqueza das imagens, fala-se dos Bijagós e de um património colonial que ameaça ruína, as imagens são tão impressivas que ninguém pode deixar de indignar-se com o descalabro que por ali vai.

A herança arquitetónica bijagó compreende o passado, através da compreensão dos textos, dos enquadramentos e das suas influências em comparação com outros patrimónios guineenses e coloniais; está o registo fotográfico do património existente e indaga-se o futuro, alguém tem que responder pela salvaguarda de um património comum de uma região com 88 ilhas e ilhéus, num total de 10 mil quilómetros quadrados. Há menção dos Bijagós em documentos dos descobridores a partir de 1457, são da maior importância as narrativas do navegador veneziano Luís de Cadamosto e do navegador genovês Uso de Mare. Os primeiros registos cartográficos surgiram em 1468 quando o navegador alemão Valentim Fernandes terá chegado às imediações de Canhabaque.

O processo de crescimento de Bolama está relacionado com a história e a cultural mercantil na região de Quínara e no Rio Grande de Buba. O povo Bijagó vivia em permanente tensão com os Beafadas que se espraiavam entre Tombali e Fulacunda. A presença portuguesa era episódica e a hostilidade Bijagó indisfarçável aos colonos. Bolama foi fundada em 1752, muito depois de outras vilas e cidades da Guiné, quando o governo português ordenou ao Coronel Francisco Roque de Sotto Mayor, Governador de Bissau, que tomasse posse da ilha, erguendo um padrão esculpido com as armas dos reis de Portugal. Recorde-se que a ilha de Bolama só pertenceu oficialmente a Portugal em 1870, após a arbitragem pelo presidente norte-americano Ulysses Grant do conflito luso-britânico.

A estrutura urbana baseia-se em modelos europeus: grelha ortogonal, reticulada, implantada a nordeste da ilha, e em contacto direto com o mar. Impuseram-se inicialmente os edifícios da Alfândega, o Palácio do Governador e Casa Comercial Gouveia. Surgiram depois outros edifícios-chave: o Banco Nacional Ultramarino, a escola, o arsenal e o hospital, a câmara municipal e os Paços de Concelho. A escala da cidade de Bolama, observam os autores, é definida por um grande número de edificações térreas, pontualmente marcada por construções com dois ou mais pisos. Nos anos 20 do século XX, surgem planos da autoria do engenheiro Guedes Quinhones inspirados nos modelos humanos ingleses do final do século XIX, da Garden City, de Sir Ebenezer Howard e dos ideais norte-americanos da City Beatiful Movement.

Quando Bolama deixou de ser capital, em 1941, tentou-se torná-la um destino turístico muito apetecível, daí as piscinas municipais, o cineteatro e o complexo balnear da praia de Ofir. Hoje, os seus largos e praças perderam grande parte do caráter, em virtude do abandono dos serviços públicos. Era tal a beleza e a graciosidade da cidade que muitos a tratavam por Nova Mindelo e nos meios intelectuais dizia-se que aqui se tinha radicado o berço do crioulo.

Folheia-se o álbum fotográfico e sentimos o coração pequenino com as ruínas do antigo palácio do governador, as ruínas de Bubaque, estão entregues às ervas a casa de férias de Luís Cabral e as casas inacabadas para generais. De premeio, os autores mostram-nos a organização das tabancas Bijagós, construídas em clareiras, têm um ar delicado na envolvente paisagística.

Uma imagem muito bela pode potenciar no leitor um cruel sofrimento, ele tem que perguntar porquê a decomposição daquele edifício da central elétrica, como ainda guarda majestade a câmara municipal em ruínas, como é grotesco o belo exótico das ruínas do Hospital Militar e Civil, e como ainda resiste o palácio do governador e o quartel militar. Há uma Bolama que nasce e renasce. Por exemplo, o edifício da Alfândega foi totalmente recuperado pela cooperação espanhola, AICCID. O cineteatro de Bolama resiste, é um assombro de Arte Deco já tardio. A Escola Superior de Educação é um dos equipamentos de maior interesse da Bolama atual. Ficamos sem fôlego a ver a notável Imprensa Nacional, os autores advertem para o seu enorme potencial turístico e museológico.

A análise patrimonial não se circunscreve à ilha de Bolama, já se falou de Bubaque, Canhambaque tem património em decadência, aqui se mantém de pé o monumento comemorativo das operações de pacificação de 1935-1936.

Os autores concluem que é muito grande a qualidade patrimonial deste arquipélago e que é iniludível a importância do legado patrimonial do colonialismo português, ainda há muita recuperação, conservação e restauro que podiam tornar esta região muitíssimo apetecível pelos dons que a natureza que lhe ofereceu.

Enquanto lia com sentimentos contraditórios este álbum de indiscutível interesse, procurando conhecer as linhas da presença colonial, tanto na fase de consolidação de Bolama como capital da província da Guiné e o período posterior, até ao momento da independência, sempre de coração contrito com o património em ruínas, lembrava da visita que aqui fiz em 1991, a embarcação a chegar ao cais de onde se avista aquele espantoso monumento em pedra que Mussolini ofereceu à cidade de Bolama em homenagem aos aviadores italianos mortos, procurava as placas esmaltadas com os nomes insignes dos políticos da I República que aqui ficaram consagrados, passeara-me neste mar de ruínas perplexo como era possível dois povos espezinharem esta esplendorosa memória de uma vida em comum.

Pescadores bijagós, imagem retirada do blogue LusONDA, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16718: Notas de leitura (902): “Memórias boas da minha guerra”, de José Ferreira, Volume I, Chiado Editora, 2016 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16731: Agenda cultural (517): "Depois da Guerra" - 1 peça de teatro e 2 filmes, a apresentar dia 18 de Novembro de 2016, pelas 21 horas, no Cine-Teatro Curvo Semedo, em Montemor-o-Novo (José Brás)


1. Mensagem do nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68) com data de 14 de Novembro de 2016:

Amigo
Para teu conhecimento, junto convite que me foi enviado hoje mesmo.

Grande abraço
José Brás

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C O N V I T E

Caros amigos,
A Praça Filmes e a Câmara Municipal de Montemor-o-Novo têm o prazer de o convidar a vir passar o serão do dia 18 de Novembro no Teatro Curvo Semedo em Montemor-o-Novo, pelas 21 horas.

"Nunca entenderemos o alcance da guerra colonial, se não derrubarmos o muro de silêncio que as famílias ergueram para sararem as suas feridas. Para isso, temos que voltar “lá”, de falar sobre onde nos levou, fugirmos para dentro de nós, é urgente reflectirmos sobre o que continuou depois de os militares regressarem a casa e os desalojados deixarem tudo para trás.

"DEPOIS DA GUERRA"
É uma experiência transdisciplinar feita de um espectáculo de teatro e dois filmes de animação. Reúne três gerações de criadores: Alfredo Brito, autor-actor de “Pensão de Sangue”; José Miguel Ribeiro, realizador do filme “Estilhaços”; Bárbara Oliveira e João Rodrigues, realizadores do filme “Lugar em parte nenhuma”.
Os quatro seguem o rasto da guerra nas gerações seguintes... e abrem frestas no muro de silêncio."

Texto: Virgílio Almeida

Contamos convosco!
P´la Praça Filmes
Ana Carina
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16724: Agenda cultural (510): Sessão de apresentação do livro do Paulo Salgado, 5ª feira, dia 17, às 18h30, na Fundação Portugal - África, Rua de Serralves, nº 191, Porto

Guiné 63/74 - P16730: Inquérito 'on line': Num total de 110 respondentes, apenas 16% disse que provou (e gostou de) carne de macaco-cão... Pelo lado dos "tugas", o "sancu" está safo... Agora é preciso que os nossos amigos guineenses façam o seu trabalho de casa...







Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 1972 > Babuíno, "macaco-cão"  (em cativeiro), Herlander Simões (hominídeo, da espécie "Homo Sapiens Sapiens" e cão (doméstico). (*)

Fotos do nosso camarada Herlander Simões, fur mil, que passou pelo CTIG entre maio de 72 e janeiro de 74. Destinado à CCAÇ 16 (onde nunca chegou a ser colocado) foi primeiro para os "Duros" de Nova Sintra (CART 2771, onde esteve seis meses) e posteriormente para os "Gringos" de Guileje (CCAÇ 3477, 1971/73), entretanto já sediados em Nhacra.

Fotos : © Herlânder Simões (2008). Todos os direitos reservados [dição: Blogue Lu+ís Graça & Camaradas da Guiné]

I. INQUÉRITO 'ON LINE': 

"NUNCA COMI MACACO-CÃO (BABUÍNO) NA GUINÉ"





Total de respostas > 110 (100,0%)



1. Nunca comi > 71 (64,5%)

2. Comi e não gostei > 10 (9, 1%)

3. Comi e gostei 18 (16,4%)

4. Não tenho a certeza se comi > 11 (10,0%)




O inquérito terminou em 17/11/2016, às 7h32. (**)



II. Comentários:

(i) Tabanca Grande

Os mais cínicos ou os mais realistas dirão: "Quando a fome aperta, vai tudo!"... Os europeus, que conheceram a tragédia da II Guerra Mundial, e tiveram os seus países ocupados, e raparam fome da mais negra (por ex, os russos na Estalinegrado cercada pelo exército nazi...) comeram tudo o que era comestível e tudo o que era intragável, desde animais domésticos, a ratos e a cadáveres humanos...

Quem somos nós, descendente de ainda recentes recoletores-caçadores (... ainda não há muito, c. 10 mil anos!), para dizer: "Macaco, nunca!"... Por isso,o meu juízo sobre os comedores de macaco é muito relativo...Os meus amigos do Norte são incapazes de comer caracóis e caracoletas...


(ii) Augusto Silva Santos


Tanto quanto me recordo, julgo que comi uma vez macaco por engano... Por engano, porque me garantiram estar a comer cabra de mato, e só no fim me disseram tratar-se realmente de macaco. O que é certo é que me soube muito bem, e até parecia cabrito. Recordo ainda de comer outras "iguarias",  tais como  pombos verdes, rolas, periquitos, hipopótamo, cabra de mato, porco-espinho, etc. bem como outra "bicharada" com que o Dandi (comandante da milícia) nos brindava depois das suas caçadas nocturnas. Como se costuma dizer, "tudo o que vinha à rede era peixe", ou seja, tudo o que pudesse evitar as conservas das rações de combate, e até o arroz com marmelada (que cheguei a comer) ou com "estilhaços" de carne ou peixe, era bom.

(iii) Jorge Picado

Julgo que numa das minhas recordações publicadas nesta nossa Tabanca Grande, referi o que me aconteceu num certo final de dia, lá no magnifico "resort" de Cutia, bem ao lado do Morés. Quando já preparado para o lauto banquete de fim da tarde, no magnifico restaurante ao ar livre, sob as frondosas copas daquelas esbeltas e grandes árvores que ladeavam a estrada, aguardava calmamente a hora do repasto...,sou surpreendido por um "alegre rancho" de nativas, esposas dos camaradas guineenses do Pel Caç Nat 61, "chefiadas" pelo respectivo cmdt do mesmo, que me vinham presentear com uns nacos de "saborosa carne fresca" - segundo diziam - e por elas preparados. 

Apanharam-me "descalço",  como por vezes se diz, pois eu bem sabia que se tratava de "peças de caça" obtidas no decorrer da coluna de manhã para Mansabá e que tanto me marcara pela negativa (***).

Mas, "capitan, tem de provar"; "é uma oferta di nós". E o malandro do Simeão Ferreira (***) a ajudar... é preciso ter atenção com a Psico, meu capitão... e retribuir com algum vinho que elas querem...

E foi assim que eu passei a ser também "um dos que não merecem confiança". Engoli dois pedaços de carne e enfiei logo uma boa golada de "um qualquer Barca Velha" que por lá abundava, retribuindo generosamente, possivelmente com um garrafão de tintol baptizado.

Não sei qual a espécie em causa, mas para a questão em causa tanto faz. 


(iv) João Silva

Comi, sim, em Bambadinca e na [CCAÇ] 12. Já não recordo o nome do nosso cozinheiro africano que nos presenteou com uma caldeirada de macaco-cão. Estava bom mas a carne era pouca em relação aos ossos que eram muitos. A messe de oficiais e sargentos era separada do batalhão e tinha ementa diferente, consequência do estatuto da companhia de caçadores 12. Este menu não se voltou a repetir, deduzo que pela falta de sucesso perante o pessoal ou por determinação do capitão Simão. No fim deste verão estive com ele na casa de um amigo comum que é companheiro dele em Évora,  onde ambos são ortopedistas,  e não me recordei deste banquete.


Sim,  nós,  Marados,  uma vez em Gadamael  cozinhámos um., com esparguete. É uma carne doce. Não gostei.

(vi) Candido Cunha 

Tal como nós , é um dos 163 primatas conhecidos. Uma grande vergonha, que eu desconhecia que tinha acontecido.

(vii) Antº Rosinha

O Com, não o "avec", mas o macaco, macaco-kom, foi a "ração de combate",  por excelência e por necessidade, dos Combatentes da Liberdade da Pátria, pois que havendo já alguma tradição no consumo desse "petisco", tornou-se como que prato nacional.

Nos primeiros anos de independência, era vulgar ver alguém, caminhando ao longo dos caminhos com um animal amarrado a um pau ao ombro e uma Kalash na mão.

O povo compreendia este consumo com a maior naturalidade.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  16 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3750: Fauna & flora (10): Um par de Macacos à solta em Nova Sintra. (Herlander Simões)


(**) Últimos postes da série: 



Vd. também poste de 14 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16717: Manuscrito(s) (Luís Graça) (101): Comer macacos... só os do nariz!... Ajudemos os guineenses a proteger o "sancu" (macaco) e o "dari" (chimpanzé)...Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem... e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!... Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, todos nós, os últimos dos hominídeos.

(...) Não posso precisar o dia, mas foi um daqueles em que saímos de Cutia para Mansabá afim de receber a coluna que íamos escoltar até Mansoa. Eram ainda só as viaturas militares, as duas primeiras com soldados africanos (que julgo seriam do Pel Caç Nat 61) e eu, invariavelmente na terceira com pessoal da CCaç 2589, seguindo-se as restantes, quando por alturas da zona (não "aldeia") de Mamboncó rebenta um tiroteio de G-3 à minha frente. Mas que valente susto me pregaram aqueles guineenses... e tudo para ver quem conseguia matar mais macacos.

Um grande bando, adultos, jovens e muito jovens (alguns pela mão talvez de fêmeas), atravessaram a estrada que, naquele local,  era ladeada por revestimento arbóreo relativamente denso, mesmo à frente do início da coluna e os soldados africanos não estiveram com meias medidas. Atiraram a matar, de rajada e tudo, incitando os condutores a passarem por cima deles, ao mesmo tempo que saltavam dos Unimogs e atiravam com os mortos e feridos para cima das viaturas.

O choro dos feridos, grandes ou pequenos, era nitidamente humano. Posso garantir que os mais pequeninos gemiam nitidamente como os nossos bébés. E eu que tinha os meus filhos ainda bem pequenos, lembrava-me bem desses gemidos e choro...Fiquei bastante traumatizado e nem quis olhar para "os troféus" que os soldados exibiam. Sei que lhes passei uma descompostura, mas eles nem ligaram. (...) 

(***) Alf Mil Simeão Ferreira, hoje médico nas Termas de Monte Real... Foi cmdt do Pel Caç Nat 61 (Cutia, 1970/72 )

Guiné 63/74 - P16729: (In)citações (104): Um texto elucidativo... Onde se fala do Restaurante Bar Pelicano, de Momo Turé, do Tarrafal, da PIDE/DGS, do PAIGC... (Mário Serra de Oliveira)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), com data 12 de Novembro de 2016:

Prezado Carlos:

No decorrer dos anos, toda a gente tem altos na vida... mas, seja em que momento for, quando se recebe uma mensagem como que abaixo vou publicar - deixando aos teus princípios e do blogue, repassar - não há dinheiro no mundo que nos dê tanta saúde e alegria, como ler o dito texto, escrito por alguém que conheci e foi meu companheiro de trabalho n' "O Pelicano".

Mas, deixa-me explicar melhor:

Na sequência de um dialogo sobre os "problemas da Guiné",  eu, por conhecer pessoalmente, alguns dos intervenientes do diálogo, decido opinar dentro dos meus princípios e conhecimentos de causa. Incluso, mencionei Momo Turé - meu braço direito no dito Pelicano. Agora, repara só que... depois de mais de 50 anos (físicos) e cerca de 2 séculos de saudades, me sai esta mensagem, dirigida a 2 dos dialogantes - eu e outro respeitável guineense, vivendo em Paris.

Passo a transcrever...

Um texto elucidativo

"Aos dois interlocutores os meus respeitosos cumprimentos.

Ao Mário, pessoa com quem convivi durante três meses no Bar-Restaurante Pelicano da propriedade do senhor Marques, dono de Grande Hotel em Bissau.

Trabalhei como copeiro à noite (lavador de pratos e copos) e depois garçom no Bar, durante a tarde, ganhando 300$00 escudos guineenses por mês.

Tive o prazer de conviver também, no mesmo espaço, com o Momo Ture, aliás meu primo e vizinho de casas no Pilum de Baixo. Momo Ture foi companheiro da primeira hora de Rafael Barbosa e Amílcar Cabral.

Momo Ture participou da fundação do PAI. Diversas reuniões foram feitas na casa de Momo. Eu era um puto de 8 anos de idade, mas tinha consciência das coisas. Momo costuma nos reunir, pessoas da família,  para explicar as atividades sobre a gestação da política pela independência. Ele nos dizia é para amanhã não ficarem a lés das coisas. Ele perdeu a sua juventude toda na política que veio lhe rendendo prisões e morte. Passou de 7 a 8 anos nas masmorras da minha PIDE em Tarrafal,  Cabo Verde. Após 2 anos de libertado foi se juntar ao PAIGC. Quando foram libertados ele e o Aristides Barbosa, de origem caboverdiano-guineense,  foram os únicos que não assinaram o termo de arrependimento e de integração à bandeira portuguesa do ultramar. Isso está escrito e publicado. Por favor há farta documentação do PAIGC na Fundação Mário Soares, entre cartas, relatórios, atas de reuniões falando sobre a gestação da luta levada a cabo por este Partido, de 1959 até a independência.

Sobre o que problema de MOMO Ture no PAIGC,  só será esclarecido quando o PAIGC é o sucessor da PIDE em Portugal tornarem os arquivos e gravações públicos. Enquanto isso qualquer tentativa de esclarecimento e de discussão sobre a questão serão meras especulações. 

A você,  João Galvão. o meu irmão mais velho,  um forte abraço da Guiné, continuamos apesar de tudo o éramos antes da Luta e continuaremos sê-lo. 

Um abraço guineense também a você, Mário, um brilhante profissional na arte de gastronomia que ouso dizer não conheci um igual. Hoje a minha mulher me "gaba" de ser um bom cozinheiro e respondo a ela… graças a uma pessoa que conheci como o melhor inventor de pratos, o senhor".

Só por isto, vale a pena viver, para relembrar e ser feliz.

Creio que esta mensagem até daria alguma "luz" ao nosso camarada Mário Beja Santos" nas suas pesquisas, nas minhas... já cheguei a uma conclusão que farei constar em "Bissaulónia". Quando sai?... Eh pá, meti-me a fazer uma casa nova de raiz e isso atrasou o projeto do livro.

Deixo a tua consideração o texto acima.
Abraço fraternal
Mário de Oliveira
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16532: (In)citações (102): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte IV): "Viva Médicas e Médicos Portugueses. Viva Portugal com os Negros Unidos" (sic) (carta de 15 de novembro de 2000)

Guiné 63/74 - P16728: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-al mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (3): Em Bissau, em julho de 1973, de passagem para o CIM de Bolama


Foto nº 1 A >  Bissau > Julho de 1973  > Monumento do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, avenida marginal e área portuária


Foto nº 1 > Bissau > Julho de 1973  > Avenida marginal e área portuária

Foto nº 2 > Bissau > Julho de 1973  > Porto do Pidjiguiti


Foto nº 3 > Bissau > Julho de 1973  > Forte da Amura, Quartel General, Comando-Chefe


Foto nº 4 > Bissau > Julho de 1973  > Catedral


Foto nº 5 > Bissau > Julho de 1973  > Estátua do Honório Barreto


Foto nº 6 > Santa Luzia, QG > Julho de 1973  > Piscina


Foto nº 7 > Bissau >   Santa Luzia, QG > Julho de 1973  > António Neto em gozo de licença



Foto nº 8 > Bissau > Santa Luzia, QG >  Julho de 1973 > Luís Mourato Oliveira,  de passagem para o CIM de Bolama


Foto nº 9 > Bissau > Santa Luzia, QG >  Julho de 1973 > Messe de oficiais



Foto nº 9 > Bissau > Santa Luzia, QG >  Julho de 1973 > Piscina


Guiné > Bissau > Julho de  1973 >


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luis Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74).

De rendição individual, o Luís Oliveira veio de Cufar, para o CIM de Bolama, por volta de julho de 1973, antes de ir comandanr o Pel Caç Nat 52, no setor L1, zona leste (Bambadinca). É aí que ele irá terminar a sua comissão e extinguir o pelotão.

Esteve duas semanas no Centro de Instrução Militar de Bolama, tendo passado antes uma semana em Bissau. Recebeu  formação sobre "usos e costumes dos povos da Guiné" bem como sobre ação psicossocial, além de ter dado ainda intrução militar a "mancebos" do recrutamento local.

Da passagem por Bissau,  publicamos algumas fotos que ele nos enviou. (*)

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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16727: Os nossos seres, saberes e lazeres (185): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Junho de 2016:

Queridos amigos,
Haja luz e não haja inundações, Veneza oferece sempre esplendor, suscita todo o espanto porque oferece sem reservas a sua magnificência, a singularidade de uma cidade implantada em lagoas, uma arte que nasceu da tradição bizantina e que deu à humanidade pintores excecionais como Bellini, Mantegna, Carpaccio, Lorenzo Lotto, Ticiano, Tintoretto, Tiepolo, Francesco Guardi e Canaleto. São as pontes, o constante sobe e desce, as sonoridades dos barcos a vapor e os táxis aquáticos, as cantilenas dos gondoleiros, os turistas a ir ou a regressar do centro nervoso da cidade, S. Marcos.
Era uma estadia de pouco mais de dois dias, preparei-me para o programa mais solto do mundo, nada de compromissos e tudo quanto viesse à rede era peixe.

Um abraço do
Mário


Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (9)

Beja Santos

São dois dias inteiros na Sereníssima, não dá para encher a cova de um dente, há que ser parcimonioso no que se pretende ver, visitar, calcorrear; acresce que chegou o calor e dá para perceber logo na estação de Santa Lucia que Veneza entrou na enchente, dá mesmo para pensar como é que esta cidade é transitável no Verão. A escolha do aboletamento, os preços moderados, leva o viandante a fixar-se num lugar que se chama Fondamente Nuove, em frente à ilha-cemitério de S. Miguel, felizmente com estação à porta para no final da jornada partir diretamente para o aeroporto de Marco Polo. Portanto, nada de tentações de visitar repetidas vezes a Basílica Bizantina de S. Marcos ou o Palácio dos Doges, nada de andar com guia na mão para entrar naquelas portentosas igrejas barrocas onde se admiram Veronesos, Tiepolos, Tintorettos e Tizianos; igrejas que dão por nomes muitos belos: Santa Maria Gloriosa dei Frari, com obras de Bellini e Tiziano; Madonna della Salute, com a cúpula a dominar o grande canal; San Giorgio Maggiore, fronteira à Piazzetta. O viandante conhece Murano e Burano mas não conhece Torcello, na Laguna, está cheio de entusiasmo por rememorar alguns palácios do grande canal como Cà Grande, Cà Foscari, Cà d’Oro, Cà Pesaro… e assombrar-se com a fachada da Fenice, a magnífica casa de ópera. Fiquemos por aqui. Mal desembarcado, logo o enamoramento com a paisagem sempre desigual, sempre a antítese da monotonia. Sim, esta a Veneza que guardo no coração.



Arrumados os trastes nas frugalíssimas instalações da casa dos Jesuítas, sem agenda organizada para saborear a arte veneziana, toca o viandante de encostar-se ao muro para ver o trânsito de gôndolas ou táxis aquáticos, com escassas horas de luz do dia pela frente, urge avançar pela Rainha do Adriático a caminho de S. Marcos, haja condições e um assento, e ali se fica especado a ver o movimento a partir da Piazzetta até à Praça de S. Marcos, que tem umas proporções tão delicadas. Há praças únicas, desde o Terreiro do Paço à Praça Vermelha mas dito com sinceridade a harmonia da Praça de S. Marcos é um dado perene para quem a contempla. Napoleão Bonaparte tinha carradas de razão.


O viandante volta-se agora para a basílica, já contemplou mil vezes o Campanile, quer tomar nota de alguns elementos da fachada. Leva um guia de Veneza na mão e não tem pejo em reproduzir o que ali se escreve sobre a basílica: em forma de cruz grega e encimada por cinco abóbadas enormes. Uma basílica que tem vindo a conhecer ao longo dos muitos séculos modificações. Olhou para os cavalos, hoje réplicas dos originais de bronze dourado que estão no interior da basílica; passeou-se demoradamente a ver mosaicos da fachada, não são todos tão antigos quanto se pensa, há ali um mosaico do século XVII onde se vê o corpo de S. Marcos a ser levado de Alexandria, escondido num carregamento de carne de porco.



Mais uma deambulação, desta vez o viandante especa-se frente a um conjunto de valor inesgotável, os Tetrarcas, grupo escultórico de pórfiro (Egito, século IV) representa Diocleciano, Maximiano, Valeriano e Constâncio: tetrarcas nomeados por Diocleciano para colaborarem no governo do Império Romano.



Por hoje chega, já foi uma dose cavalar à volta de S. Marcos, amanhã de manhã aqui se virá para ver o interior com algum preceito, a fazer horas para um jantar suculento, começa o desfastio de andar rua a rua. É nisto que uma tabuleta chama à atenção, aqui mesmo viveu e seguramente aprontou algumas das obras-primas que de vez em quando o viandante vai apreciar ao Museu Calouste Gulbenkian, o celebérrimo Francesco Guardi, que aqui também morreu. O viandante tem por ele uma enorme devoção. Artistas venezianos consagrados são Bellini, Mantegna, Lorenzo Lotto, Tintoretto, Veronese, seguem-se Francesco Guardi, Tiepolo e Canaletto, sem desprimor para este último, para o viandante é inimaginável Veneza sem a pintura de Guardi.



Anoitece, paulatinamente Veneza despovoa-se, os turistas concentram-se, seguir-se-á o jantar, e depois ouvir-se-ão os barcos a motor, mais ou menos trepidantes, os barcos-ambulâncias têm aquela sirene angustiante que nos afeta as entranhas. O viandante está consolado com estas horas de reencontro, veio sem pressa e bem gostaria de ir visitar o belo Museu da Accademia ou o Museu de Peggy Guggenheim. Bem se tentou fotografar a ponte do Rialto, a mais célebre das pontes venezianas, estava com tapumes. Na casa dos Jesuítas, espera ao viandante uma cena canalha, às vezes o barato sai caro, são dois quartos servidos com uma só casa de banho, uma senhora russa esteve lá mais de uma hora no duche e outras serventias. Procurou-se um protocolo de funcionamento, impossível, a senhora, por sinais, deu a entender que só falava a língua de Tolstoi. Pelas 4 da manhã, nova barulheira na casa de banho, mais uma hora e tal de esfregação e barulho de secador de cabelo. O viandante perdeu a cabeça, gritou ou imprecou bem alto. Não resultou, repetir-se-á a farsa na noite seguinte.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16704: Os nossos seres, saberes e lazeres (184): Uma viagem em diagonal pelos países dos eslavos do Sul (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16726: (De)Caras (52): Um bravo do meu pelotão, o 1.º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos: evocando aqui uma delicada escolta a uma coluna que, em 16 de maio de 1973, foi do Pelundo a Jolmete resgatar 6 cadáveres (Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73)



Lisboa > Cais da Rocha Conde dfe Óbidos > 11 de outubro de 1973 > Regresso no T/T Niassa > Alguns dos  bravos do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73) > Da esquerda para a direita, (i) José Eduardo Alves, (ii) Gonçalo Garcia Pedroso (condutor da viatura Daimler, aqui referida nesta crónica), (ii)  David da Silva Miranda (1º cabo mecânico, de óculos escuros), (iv) Lino Pereira Barradas, (v) Manuel Lucas dos Santos (1º cabo, assinalado com um retângulo a verde, o protagonista da história que se conta a seguir, natural de Açor, Góis), e (vi) José Gabriel Caloira.


Lisboa > Cais da Rocha Conde dfe Óbidos > 11 de outubro de 1973 > Regresso no T/T Niassa > O resto dos bravos do pelotão, que acompanharam o seu comandante no regresso a casa: da esquerda para a direita, Manuel Teque da Silva, Ademar Peres Marques, Luís Soares da Silva e Fernando Cândido Silva.


Guiné  > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Janeiro de 1972 >  A “oficina” do Pelotão Rec Daimler 3089.  É visível o 1º cabo mecânico David Miranda que fazia o "milagre" de manter as viaturas sempre operacionais. O pelotão chegou  a ter duas ou três Daimlers, vindas da sucata de Bissau, para "canibalizar". Ao trabalho do Miranda muito ficou a dever o sucesso do Pelotão. O pelotão conseguia ter as cinco viaturas operacionais, do princípio ao fim da comissão, foi um ponto de honra para o seu comandante. Estavam equipadas com a metralhadora MG 42, e circulavam sem a torre giratória. O problema das Daimlers não era o motor mas o sistema de transmissão... A boa conservação das viaturas e das MG 42 era fundamental para a sua operacionalidade e fiabilidade...


Guiné  > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > Fevereiro de 1973 > O 1º cabo apontador Manuel Lucas dos Santos, no regresso de uma viagm a Caió


Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73)

Fotos (e legendas): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta crónica chegou-nos à caixa do correio em 6 de junho passado. Faz sentido publicá-la agora,  depois da edição do último poste relativo ao álbum fotográfico do autor, Francisco Gamelas, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73). 

É um texto inédito, escrito a pensar no nosso blogue, a partir da reconstituição de memórias do ex-1º cabo cav, Manuel Lucas dos Santos. Datado de junho de 2016, não faz parte dos textos (poemas e crónicas) do  livro recente do Francisco Gamelas:  "Outro olhar - Guiné 1971-1973" (Aveiro, 2016, ed. de autor, 127 pp.+ ilust; preço de capa 12,50 €). (*).

Entenda-se também este texto como uma homenagem a todos os camaradas da arma de cavalaria (Pel Rec, EREC...) que alinhavam com os infantes em  colunas  como esta, a seguir descrita, delicada, não isenta de riscos e com momentos de grande tensão (**).

Nesta crónica há uma referência ao condutor Pedroso, o Gonçalo Garcia Pedroso (vd. foto acima), outro dos bravos do Pel Rec Daimler 3089. Iam duas Daimlers na coluna, uma à frente e outra atrás.

Segundo esclarecimento adicional do autor da crónica, e depois de voltar a falar com o Manuel Lucas dos Santos, ele confirmou a data e acrescentou o seguinte:
(i) estas seis mortes (civis ou na maior parte civis), foram contados um a um por ele;
(ii) resultaram de um ataque do PAIGC ao aquartelamento no momento em que população e militares assistiam a uma sessão de cinema ao ar livre;
(iii)  o capitão da companhia de Jolmete foi depois transferido para a companhia africana (, a  CCAÇ 16, ) que estava em Bachile...

O Manuel Lucas dos Santos, há uns largos anos, encontrou-se com o antigo capitão de Jolmete, num casamento, e tiveram ocasião de recordar estes tristes acontecimentos. Acresce ainda dizer que o troço Pelundo-Jolmete era "picada", não era alcatroado, e estava-se já no início da época das chuvas...

Nessa altura estava no Pelundo o BART 6521/72:
(i) mobilizado pelo RAL 5 (Penafiel);
(ii) partiu em 22/9/1972 para o TO da Guiné;
(iii) regressou em 27/8/1974;
(iv) esteve sediado  no Pelundo;
(v) cmdt: ten-cor art Luís Filipe de Albuquerque Campos Ferreira.

Em Jolmete esteve a 3ª C /BART 6521/72 (de 27/9/19721 a 27/8/1974). Teve 2 cmdts: cap mil art Luís Carlos Queiroz da Silva Fonseca; e  cap mil inf  Edmundo Graça de Freitas Gonçalves. Na Tabanca Grande, temos poucos camaradas deste batalhão.

Desconhece-se, por outro lado, as razões que terá levado comandante de batalhão a integrar a coluna a Jolmete e pedir o apoio do Pel Rec Daimler 3089, que estava adido a outro batalhão, o BCAÇ 3863 (Teixeira Pinto, 1971/73). (LG)


2. Sob o signo do medo

por Francisco Gamelas (com Manuel Lucas dos Santos)

Cedo, por volta das oito da manhã, acabados de regressar do pequeno almoço, depois de já termos feito a escolta da coluna que seguia para Bissau até ao Pelundo, entrou na caserna um mensageiro com uma convocação: o nosso Comandante [, do BCAÇ 3863,] requer a presença do 1º Cabo que substitui o Alferes Gamelas. 

Corria o dia 16 de maio de 1973. O nosso Alferes estava em Bissau à procura de peças para as Daimlers, no cemitério de viaturas semidestruídas que ali havia. Depois da saída do mensageiro, olhei os meus camaradas e comentei: quem é que andou a fazer merda ontem à noite? Ninguém se acusou. 

Respirei fundo, agarrei coragem e lá fui para o covil, como rês a caminho do matadouro. Boa coisa não seria. À porta semiaberta do gabinete, enquanto fazia a continência, pronunciei a fórmula da praxe: dá-me licença meu Comandante? O Tenente Coronel já se encontrava sentado à secretária, de semblante pensativo e preocupado. Não parecia zangado, apenas apreensivo, respondendo em voz baixa, como era seu timbre, mas de forma suave: entre nosso Cabo. Fique à vontade. 

Por detrás das lentes dos óculos os seus olhos miúdos começaram por me sondar durante alguns segundos. Deveria ser visível a minha inquietação e o Comandante ponderava as suas palavras. Ontem, no Jolmete, sede duma companhia do Batalhão do Pelundo, deu-se uma flagelação muito forte do inimigo. Houve vários mortos cujos corpos é preciso resgatar para seguirem para Bissau. 

Com uma breve pausa avaliou o efeito das suas palavras. Não sei o que viu no meu semblante, mas, depois da surpresa, uma inquietação, filha do medo, ia tomando conta do meu espírito. O Comandante continuou. O Senhor Comandante do Pelundo solicitou-me ajuda para ir ao Jolmete resgatar os cadáveres. Perguntou se haveria possibilidade das Daimlers poderem fazer parte da escolta. Pareceu-me bastante preocupado, nosso Cabo

A preocupação dele era visível. Fez outra pausa para me olhar bem nos olhos espreitando uma reacção. Desde quando estes gajos gastavam tanto latim para darem as suas ordens? Nosso Cabo, tenha prontas duas Daimlers para integrarem a escolta ao Jolmete dentro de vinte minutos, seria tudo quanto era necessário para que a ordem se cumprisse sem mais delongas. 

Estas falinhas mansas eram como facas afiadas a penetrarem de mansinho pelo ventre da minha inquietação. Permaneci calado. O nosso Cabo não acha que os devemos ajudar? Perguntou, sem parar de me fitar. Desta vez, o tom já foi mais incisivo, ainda que permanecesse dentro do cordial, mesmo com uma certa dose de intimidade, o que me desconcertava. O Comandante estava a fazer de mim alguém suficientemente importante para ter voto na matéria, o que me inquietava porque nunca tal tinha acontecido, nem seria normal acontecer. Não era este o ADN do relacionamento comando versus subordinados. 

O cerco apertava-se e não tinha como fugir a dar uma resposta. Quem sou eu, meu Comandante, para fazer avaliações. O Pelotão Daimler fará o que o meu Comandante determinar. Um muito leve sorriso acompanhou uma pequena, mas visível descompressão do seu semblante. Estava satisfeito com o evoluir da situação, o mesmo será dizer, que estava satisfeito com os resultados da sua estratégia de abordagem. O Senhor Comandante do Pelundo [, BART 6521/72,]  pode então contar com a ajuda das Daimlers na deslocação ao Jolmete? 

Foi uma pergunta a meio caminho duma afirmação. Limitei-me a articular o óbvio: o meu Comandante sabe que o Pelotão Daimler só está ao serviço deste Batalhão. Contudo, se o meu Comandante entender prestar uma ajuda solidária ao nosso Comandante do Pelundo, o Pelotão Daimler está pronto para cumprir a sua parte.

Desta vez o sorriso foi franco e a descompressão evidente. Óptimo, nosso Cabo. Vou então dizer ao Senhor Comandante do Pelundo que pode contar com duas esquadras dentro de uma hora no Pelundo - e levantou-se para dar por terminada a conversa. 

Ainda arranjei coragem para articular: o meu Comandante desculpe, mas gostaria de fazer um pedido... E ele: Diga lá nosso Cabo. O tom permanecia cordial.  Pretendia que o Senhor Comandante do Pelundo nos garantisse um rebenta-minas a abrir a coluna. Ser uma Daimler a fazer esse papel não seria justo e era um desperdício de uma metralhadora, em caso de problemas. O Comandante, já de pé, olhou-me como que admirado e retorquiu: Compreendo. Tem toda a razão. O nosso Cabo pode contar com a viatura rebenta-minas. 

Fiz a continência, e, de novo, articulei a fórmula aplicável: o meu Comandante dá-me licença que me retire? Resposta:  Dentro de uma hora esteja pronto para partir para o Pelundo, nosso Cabo. Por instruções do nosso Capitão das Informações, que teve a “gentileza” de me informar que era provável haver contacto com o inimigo, a Daimler da frente – a minha - foi reforçada com uma segunda metralhadora e respectivas fitas de munições, para além de mais umas quantas granadas. Que não fosse por falta de fruta que perdêssemos a contra-dança. 

Chegámos ao Pelundo cerca das dez e trinta, onde já nos esperava, no meio da parada, o Tenente Coronel Comandante do Batalhão, que imediatamente se acercou de nós. Obrigado por terem vindo nosso Cabo. E a estupefacção continuava. Este comportamento não era nada normal. Já almoçaram? Perguntou o Comandante. Às dez e meia da manhã ainda ninguém almoçou, pelo que, meio a sorrir respondi: não meu Comandante, viemos com ração de combate. Retorquiu: Vou já mandar preparar um bom almoço para vocês,

E assim foi. Dentro de umas dezenas de minutos, estávamos todos a almoçar, como raramente tivemos oportunidade de o fazer ao longo de toda a comissão. Contudo, a inquietação era mais que muita. Todos os sinais indicavam que a deslocação iria ser bastante perigosa. Se tivermos que morrer, morreremos de bandulho cheio, comentei sarcástico. 

Cerca do meio dia, começámos a organizar a coluna. Ao deparar com o Comandante, perguntei-lhe pela viatura rebenta-minas, que, essa sim, era a minha grande preocupação. O Comandante, apontando com o braço, disse sorridente: olhe ali nosso Cabo. Lá estava uma Berliet atulhada de sacos de areia até acima. Até aqui tudo bem. Siga a marinha e alma até Almeida. Percebi que o Comandante também iria integrar a coluna, o que, por não ser comum, somava alguns pontos a seu favor. 

Pusemo-nos em marcha pelas doze e trinta. Connosco, seguiam na coluna mais seis unimogs com soldados armados. Entre eles seguia o Comandante do Pelundo. A ligação ao Jolmete fazia-se por uma sequência de picadas, em alguns percursos apenas visíveis nos trilhos das rodas das viaturas, onde o vermelho da terra se deixava ver. Nesses trilhos elas seguiam sozinhas, sem necessitar do volante. O resto era vegetação, com capim da altura de um homem a roçar nas laterais. Digamos que poderíamos ser “pescados à mão”. Pedroso, deixa a Berliet afastar-se um bocado, disse para o camarada condutor quando iniciámos a marcha - a nossa Daimler seguia em segundo lugar na coluna. Se houver merda, teremos, assim, mais algumas hipóteses de reagir. 

O trajecto era de cerca de vinte e cinco quilómetros, que foi percorrido debaixo de uma enorme tensão, a baixa velocidade. O que nos corria nas veias era pura adrenalina. Sem qualquer peripécia no percurso, lá chegámos ao nosso destino em pouco mais de uma hora.

O cenário que encontrámos era desolador: destruição e caos, com semblantes fantasmáticos a espreitar pelos cantos. Os seis corpos já estavam alinhados nas macas à nossa espera. Vim a concluir que a Berliet, afinal, não carregava só sacos de areia, também trazia as "salgadeiras" para os cadáveres. Mau sinal. Não iríamos ter rebenta-minas no regresso, quase de certeza. Não seria lógico que a viatura com os corpos voltasse a fazer de rebenta-minas. Foi o que aconteceu. 

Depois dos caixões fechados e do Comandante ter terminado a observação do local e falado com os seus oficiais, regressámos ao Pelundo. Desta feita já não vai haver viatura rebenta-minas, nosso Cabo, teve a “gentileza” de me informar o Comandante. Pedroso, sempre a abrir. Quem quiser que nos siga. Apesar do repto, demorámos a chegar quase o mesmo tempo que tínhamos gasto na ida. A Berliet não poderia acompanhar um ritmo mais enérgico. 

Por volta das cinco e meia estávamos em Teixeira Pinto, sãos e salvos, já depois do grosso da coluna ter ficado no Pelundo. Agora, era só esperar que os níveis de adrenalina descessem, que a serenidade possível recuperasse os seus níveis normais. Entretanto, no que respeita ao horrendo observado no Jolmete, não houve borracha eficaz que o apagasse. Até hoje.

Quanto aos “estranhos” comportamentos dos Comandantes, continuam a fazer-me cócegas nos neurónios. Digamos que, com o medo à mistura, comum a todos nós, a alma humana tem destes comportamentos desalinhados.

Aveiro, junho de 2016
Francisco Gamelas
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Comentário do autor

Este episódio foi-me contado pelo então 1º Cabo do meu Pelotão Daimler Manuel Lucas dos Santos – o narrador da crónica - que, na minha ausência, assumia o seu comando (o meu 1º Sargento estava destacado no Cacheu com duas esquadras do pelotão). 

Durante estes últimos anos, em que, quase sempre, nos nossos almoços anuais este episódio vinha à baila, comecei a dar-lhe alguma importância, mas, sem verdadeiramente compreender as motivações do comando para os seus tão incomuns comportamentos. Até que parei para reflectir.

Será que as Daimlers seriam solicitadas se o Tenente Coronel do Pelundo  [BART 6521/72] não integrasse a coluna?  Obviamente que não: nunca o foram, assim como a enormidade de seis unimogs com tropa armada. Nas minhas colunas para o Cacheu e para Bissau, iam dois.

 E a atitude do Tenente Coronel de Teixeira Pinto [BCAÇ 3863], como se explica? No caso de existirem sarilhos graves com as Daimlers e os seus ocupantes, eles teriam que constar no relatório da acção e alguém em Bissau [leia-se: o gen Spínola] iria perguntar o que é que as Daimlers estavam lá a fazer. Não acredito que fosse a decisão favorável de um 1º Cabo em participar na escolta que ilibasse o Comandante de sérias responsabilidades.

Visto deste prisma, o episódio passa a ter algum interesse, pelo que aqui to deixo à tua apreciação para eventual publicação no teu blogue. (**)
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Notas do editor: