quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mapa de 2007, da autoria de Francisco Santos. Imagem copyleft (Fonte: Wikipédia)

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Foto nº 2 > Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1º Cabo n.º 816/42/5 da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do R.I. (23 ?) [ou seria do R.I. 5, Caldas da Raínha ? (LG)]... A foto 2 tem a data de 18 de Outubro de 1943 e na legenda refere ser 'recordação de S. Vicente'.

Cabo Verde > Ilha de São Vicente (?) > Foto nº 24 > 1º Cabo Ângelo Ferreira de Sousa (n. 1921 e, infelizmente, já falecido, em 2001). A foto 24 tem a data de 28 de Setembro de 1944 e acho que se trata de recordação já depois do regresso [à Metrópole].

Caldas da Rainha > 8 de Maio de 1943 > Foto 1 > A foto 1 é das Caldas da Raínha, com data de 8 de Maio de 1943 e tem no verso a indicação de ter sido 'tirada na véspera da minha retirada para Cabo Verde e um dia depois da promoção a 1º Cabo'. [Ao fundo, a fachada do hospital termal, (LG)]...

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Baía do Mindelo > Foto nº 3 > S/d > A foto 3 não tem referências a datas mas é visível tratar-se do [navio] Colonial [, ainda a navegar no final dos anos 40; o meu pai tem uma foto do Mouzinho de Albuquerque, que me parece ser do mesmo tipo ou série(LG)].

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo > Foto nº 4 > S/d > A foto 4 é equivalente à que está no texto sobre o teu pai. Tratam-se de 'barcos hospitais' e não há dados no verso da foto. No entanto é provável serem os mesmos [, italianos,] que se estão referenciados na troca de prisioneiros e doentes em 1942 [antes, portanto, da chegada do meu pai]. Deve tratar-se de 'postal ilustrado'... [Segundo informação do nosso amigo açoriano João Coelho, ex-FAP, tratava-se do Vulcania e do seu irmão Saturnia, dois navios de passageiros italianos, transformados em hospitais durante a II Guerra Mundial; eram, conhecidos dos açorianos de São Miguel; o Vulcania terá navegado até 1974!... Segundo o meu pai, estes navios chegaram a São Vicente e ficaram ao largo da baía do Mindelo em 11 de Abril de 1942 (LG)].

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > As fotos 5 e 6 referem-se a uma parada militar ocorrida em 14 de Agosto de 1942, dia do exército. Nessa data o meu pai ainda não estava lá pelo que essas fotos devem ter sido adquiridas mais tarde e devem ter servido de recordação. [Deve tratar-se de postal ilustrado: Foto Melo. (LG)].

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Foto nº 6 > Comemoração do dia do exército, 14 de Agosto de 1942. Foto: Melo. [Vê-se ao fundo o Ilhéu dos Pássaros, (LG)]


Cabo Verde> Ilha de São Vicente > Mindelo > Foto nº 7 > S/ d > A foto 7 ilustra a passagem dum zeppelin mas não tem datas. [É uma raridade esta foto: ao que parece, dataria de 1937, ano e que o Mindelo foi sobrevoado por um dirigível que pretendia abrir uma carreira entre a Europa e o Novo Mundo, o LZ 129 Hindenburg, de fabrico alemão:

(...) Reza a História, que o dito aparelho, uma das grandes apostas à época para o transporte de passageiros, adoptando os mesmos tipos de luxos dos grandes 'Paquetes Transatlânticos' que estabeleciam as ligações entre os três continentes, Europa, África e Américas, fez só uma viagem ligando os dois continentes. Partiu da Velha Europa para o Novo Mundo - o continente Americano, tendo passado sobre CV.

"Mindelo ficou na sua rota e Tuta registou esse momento, único! O aparelho passou sobre a Ilha de São Vicente, tendo largado três sacos de 'Mala Postal' - a forma complicada como se dizia correio - e teve um fim trágico ao aterrar em Lakehurst nos USA [, em 6 de Maio de 1937].

"Para os arquivos, fica mais esta imagem, só possível em Mindelo, pelo manancial de informação que corria na ilha, por causa dos cruzamentos dos cabos submarinos do Telé grafo Inglês e da Italcable (Italianos) e do seu movimentado Porto, também à época local de passagem obrigatória para os barcos que cruzavam o Atlântico Sul" (...)".


Fonte: sítio Mindel Na Coraçon


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Foto nº 8 > S/d > A foto 8 é também equivalente a uma outra que o Luís mostra com tubarões. Também não tem data. [Nao se sabe quem seja a criancinha que, insolitamente, aparece em primeiro plano, (LG)]

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > S. Pedro > Foto nº 9 > As fotos 9 e 10 têm a data de 16 de Junho de 1943 e referem no verso terem sido 'tiradas nas rochas do mar em S. Pedro, [a sudoeste do Mindelo,] com amigos de 40, 41 e 42'.

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > S. Pedro > Foto nº 10 > 16 de Junho de 1943

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo > Foto nº 11 > As fotos 11, 12 e 13 têm data de 21 de Agosto de 1943 (dois dias depois do 23º aniversário do pai do Luís) e no verso consta terem sido tiradas 'junto à Caserna da 4ª Companhia, estandono dia em que fiz 3 meses de África', donde eu presumir que deve ter chegado lá cerca de 21 de Maio de 43, o que estará certo.

Cabo Verde >Ilha de São Vicente > Foto nº 12 > 21 de Agosto de 1943

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo > Foto nº 14 > A foto 14 não tem data mas tem no verso o seguinte 'Nos dias de S. António e S. João nativos dançando cancan ou cola-cola' [o famoso 'cola Sanjon', ponto alto, hoje, dos festejos tradicionais do São João, em Junho]

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo > Foto nº 15 > A foto 15, datada de 30 de Janeiro de 44, diz que se trata de 'recordação do Quartel de Chã do Alecrim, S. Vicente, Cabo Verde'. [Chã de Alecrim ficava a nordeste do Mindelo, perto da Baía de Laginha, estando hoje integrada na cidade (LG]].

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Chã do Alecrim > Foto nº 16 > A foto 16, também datada de 30 de Janeiro de 44, diz o mesmo que a anterior mas acrescenta: 'Esta é a nossa querida Bandeira'. [As fotos 20, 21 e 22 não têm datas nem referências, embora nesta última se possa identificar a tal Caserna da 4ª Companhia; não têm um mínimo de qualidade, razão por que não se publicam, LG].

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo > > Praia da Matiota > Foto nº 17 > As fotos 17, 18 e 19 não têm elementos para além da data e de que se trata da Matiota, local da praia, presumo.

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo > Foto nº 18 > Praia da Matiota

Cabo Verde > Ilha de S. Vicente > Mindelo > Foto nº 19 > Praia da Matiota

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Foto nº 23 > A foto 23 tem a data de 10 de Setembro de 1944 e diz ser 'recordação da despedida de Cabo Verde, com dois 2ºs Cabos nativos, amigos'. [As fotos 20, 21 e 22 não têm datas nem referências, embora nesta última se possa identificar a tal Caserna da 4ª Companhia; não têm um mínimo de qualidade, razão por que não se publicam (LG)].

Fotos: © Hélder Sousa (2009). Direitos reservados. (Legendas de HS e LG)




Vídeo (2'50''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados (Disponível no You Tube > Nhabijoes)


Luís Henriques, de 89 anos, natural da Lourinhã, ex-1º Cabo Expedicionário na Ilha de São Vicente, Cabo Verde (1941/43), improvisa uma letra, ao som da música da conhecida morna, popular, de autor desconhecido, 'Papá Joaquim Paris', uma das jóias da música de Cabo Verde, imortalizada por nomes como o Bana, a Cesária Évora, o Tito Paris, etc.

Luís Henriques: Nascido em 19 de Agosto de 1920, na Lourinhã, foi mobilizado para Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, como 1º Cabo nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão do Regimento de Infantaria nº 5 (unidade mobilizadora, das Caldas da Rainha). É pai do Luís Graça (*)...

Tal como o pai do Hélder Sousa, o meu esteve na Ilha de São Vicente, na cidade do Mindelo, de 23 de Julho de 1941 a (?) de Setembro de 1943. Ao todo, foram 26 meses "a comer pó". Esteve aquartelado no Lazareto, a oeste da cidade do Mindelo (cidade, na época, mais importante que a Praia, capital político-administrativa do arquipélago, na Ilha de Santiago). Lembra-se de, ao regressar à sua terra, a primeira coisa que quis comer foram uvas...

Mas a peluda só veio, oficialmente, em Janeiro de 1944. O mundo inteiro vivia o pesadelo da II Guerra Mundial... E Portugal tinha milhares e milhares de homens espalhados pelos diversos territórios do seu Império, incluindo as estratégicas ilhas adjacentes, da Madeira e dos Açores. Das colónias africanas, o arquipélago de Cabo Verde era o território que ficava mais perto da Europa e do teatro de operações do Atlântico Norte... Pelo seu posicionamento geoestratégico, aero-naval, esteve na mira tanto dos Aliados como das potências do Eixo...

Do Mindelo, o meu pai lembra-se de pessoas e lugares: por exemplo, o seu impedido, o Joãozinho, com quem repartia o rancho, e que morreu, de doença, quando ele próprio estave internado (no interior da ilha ), durante 4 meses, com "problemas de pulmões... Lembra-se do Monte Cara, do Lazareto, da praia da Matiota, de São João da Ribeira, do Calhau... Sei que nunca foi à Baía das Gatas, por exemplo (hoje conhecida por ser uma estância de turismo e pelo seu famoso festival de música)... nem nunca explorou muito bem o lado meridional da ilha... (Bastavam-lhe os longos e penosos exercícios físicos e marchas que faziam no interior da ilha, para se manterem em forma, matar o tédio, esquecer a fome, a sede e a saudade)...

Lembra-se, além disso, dos nomes (e até dos números ) de alguns camaradas... Lembra-se dos nomes e de alguns histórias dos seus oficiais (alguns, bem prussianos, militaristas, germanófilos, de acordo o o figurino da época) ... Lembra-se até dos resultados dos renhidos torneios de futebol e de voleibol que se realizavam no Mindelo, entre tropas de diferentes subunidades... Escreveu centenas e centenas, senão mesmo alguns milhares, de cartas, em nome daqueles que na época (e eram muitos...) não sabiam ler e escrever... Muitas vezes eram os próprios putos cabo-verdianos, engraxadores de rua, escolarizados, que liam as cartas recebidas pelos expedicionários, metropolitanos, analfabetos... Que triste ironia!...

Mas, fantástico, os ex-expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O meu velhote costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Raínha... até que as pernas começarem a falhar e a maior parte deles, dos seus camaradas, desapareceu de chez les vivants... (LG)


1. Mensagem de 1 de Setembro, do nosso camarada Hélder Sousa


Caro Luís e restantes Editores

Faz algum tempo, quando saiu o P4059, em 20 de Março passado (*), que algumas das situações lá referidas e algumas fotografias me fizeram sentir que me eram familiares. Acho que te dei conta disso em comentário.

Esse artigo ou texto ficou inserido numa série intitulada "Meu pai, meu velho, meu camarada" e nele referias a estadia do teu Pai inserido no Corpo Expedicionário Português em Cabo Verde, ao tempo da 2º Grande Guerra Mundial.

Acontece que o meu Pai, entretanto falecido faz alguns anos, também foi Expedicionário em Cabo Verde. Também esteve em S. Vicente. Curiosamente, também, no verso de algumas fotografias, tem escritos a tinta verde, como tu indicas nos escritos do teu Pai. Talvez seja só coincidência. Talvez fosse moda na época. Talvez fosse o tipo de material de escrita que havia ou era distribuída aos militares, disso, agora, por mim, não consigo aclarar, por razões óbvias.

Só agora consegui que a minha Mãe, adoentada, me facultasse as fotos que estavam guardadas "algures".

Recuperei algumas que envio em anexo. Pode ser que o teu pai identifique alguém ou consiga lembrar-se das situações.

Existem fotos repetidas, ou quase, relativamente às que fizeste acompanhar o texto referido, como as dos "barcos hospitais" e as dos "tubarões", bem como as das "festas nativas".

Segundo os dados que consegui obter dos versos das fotos, o meu Pai, nascido a 28 de Abril de 1921, fez a recruta nas Caldas da Raínha, onde passou a 1º Cabo, em 7 de Maio de 1943, e donde terá partido em 9 de Maio (?) para a sua "retirada" (como ele escreve) para Cabo Verde onde, supostamente, pelas tais notas nas fotos, terá chegado em 21 de Maio de 1943. Calculo que, tudo isto a bater certo, se terá cruzado com o teu Pai ainda lá, pois existe uma foto dele no dia de anos em 19 de Agosto de 43 em S. Vicente.

De acordo com notas que encontrei no verso de algumas fotos, o meu Pai, chamado Ângelo Ferreira de Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, seria o 1º Cabo n.º 816/42/5 da 4ª Companhia do 1º B.I. do R.I.(23 ?) [ou seria do R.I. 5, Caldas da Raínha ?] (

Eu e o meu Pai não falámos muito destas nossa experiências africanas, ou quase. Aliás, acho que nem sequer falámos disso. Por acaso referes no teu texto o livro Hora di Bai, de Manuel da Fonseca, que também li e que na altura me deu para entender (pelo menos nos meus conceitos) os tempos por lá vivido.

É claro, também, que "não estive lá" e se calhar, por isso, não poderia entender, como agora parece ser apanágio de alguns amigos que acham que só quem "esteve" é que pode falar ou entender. Entender, todos podem. Falar, no sentido de "saber", é certo que quem viveu pode corrigir e falar talvez mais acertadamente, esclarecer melhor um ou outro pormenor, uma data, uma hora, um número de Companhia, mas não pode impedir que se fale do assunto. Por esse ponto de vista estreito não se podia falar da tomada de Lisboa aos mouros, "não se esteve lá", nem da batalha do Salado, "não se esteve lá", nem da viagem de Vasco da Gama à Índia, "não se esteve lá", e por aí fora com aberrações semelhantes.

Tive dois professores caboverdeanos. Um deles, Francelino Gomes, autor dum dos melhores livros de matemática que conheci e que muito me ajudaram na minha vida escolar, o livro e o professor. Outro foi o Terêncio Anahory, que chegou a viver no meu prédio, em Vila Franca de Xira, e que também estava referenciado como um dos autores contemporâneos de poesia caboverdiana. Como vês, os contactos com Cabo Verde são estreitos.

As fotos que te envio, com legendas, podem talvez ajudar a criar referências e a possibilidade de o teu Pai identificar algumas coisas e ou pessoas.

Um abraço

Hélder Sousa

2. Nova mensagem, de 2 de Setembro , do Hélder:


O texto que antes enviei com as fotos em anexo, tinha o objectivo inicial de apenas seguir para o Luís para ele mostrar as fotos ao Pai e a partir daí ver se haveria alguma identificação.

Por isso, em algumas partes da escrita a mesma é dirigida ao Luís. Depois, com o correr do tempo e a passagem das fotos, acabei por enviá-la para o Blogue.

Acho que se entenderem que terá matéria para publicação será necessário, talvez, algum enquadramento, pois poderão não faltar "vozes" a dizer que Cabo Verde não tem nada a ver com a nossa estadia na Guiné e o blogue é "camaradas da Guiné" e não com "velhadas em Cabo Verde".

Poderá ser qualquer coisa, como introdução, que relacione um pouco as questões do envolvimento das diferentes gerações nas épocas de guerra (o meu avô na 1ª Grande Guerrra, o meu pai contemporâneo da 2ª Guerra Mundial, eu e a minha/nossa geração nas frentes africanas).

Espera-se que os nossos netos (para os que os têm) tenham a mesma sorte que os seus pais, nossos filhos, os quais não tiveram que entrar em nenhuma situação semelhante.

Ainda bem!
Um abraço
Hélder Sousa

3. Comentário de L.G:

Hélder:

Quero publicamente agradecer-te estas autênticas preciosidades!... (Já o fiz em privado). Como te tinha prometido, aqui vão as fotos do teu pai, com as tuas legendas e o teu texto introdutório, inseridos na série Meu pai, meu velho, meu camarada.

É uma justa, justíssima, embora pequena, homenagem que fazes, não só ao teu vellho, aos nossos velhos (o meu felizmente ainda vivo, com 89 anos feitos em 19 de Agosto passado, no memso dia do Mário Fitas), mas também aos nossos amigos e irmãos de Cabo Verde... Seria uma pena que essas velhas fotos (e as memórias que elas cristalizam) se perdessem... É uma património (documental) também a preservar, e que pertence a todos... Quanto ao resto, deixa lá para trás eventuais críticas ...

Vou, de resto, fazer o mesmo com as fotos dos expedicionários que estiveram em Goa, Damão e Díu, até à data da invasão indiana, em Dezembro de 1961... Temos tendência, quando escrevemos ou falamos sobre a guerra colonial, para esquecer o caso da Índia Portuguesa, a jóia da coroa do nosso Império Colonial. Tenho um primo, o Luís Maçarico, de Ribamar, que esteve lá preso, nessa época ... A maior parte da malta ficou sem nada, incluindo os álbuns fotográficos... Ele consegiu salvar e trazer o seu...

Nunca estive em Cabo Verde (apenas duas horas no Sal, em 1970, na minha ida de férias à Metrópole, no voo Lisboa-Bissau, numa paragem técnica), mas é como que se lá tivesse vivido, nesta ou noutra incarnação... Como já aqui o disse, o álbum fotográfico do meu pai foi para mim, desde pequenino, uma fonte de maravilhamento por essa África tão próxima e tão distante, tão quente e tão estranha...

No fim de semana vou estar com o meu velhote, no casamento de um neto dele... Vou testar, mais uma vez, a sua memória... Tenho um entretanto um improviso, comovente, dele, acompanhando a música (a parte instrumental) dessa fabulosa morna que se chama Papá Joaquim Paris, imortalizada pela Cesária Évora, entre outros grandes intérpretes de Cabo Verde... Já pus no You Tube > Nhabijoes... (Escuta, entretanto, a diva aqui: http://www.youtube.com/watch?v=OhpTTXUmN64o ).

Um abraço. Luis

4. Esclarecimento posterior do H.S:

Caros amigos: Em relação à data do falecimento do meu pai foi em 21 de Novembro de 2001. Problemas da próstata, por isso cuidem-se, meus amigos...Não a coloquei logo porque tinha a dúvida se teria sido em 2002 ou 2003 (pensamos sempre que o tempo não passa...) mas para tirar a dúvida a minha irmã esclareceu a data correcta.

Relativamente ao que o Luís refere sobre o facto de ter crescido com a visão das fotos, é curioso ele dizer isso, porque comigo sucedeu parecido, já que quando estava doente com anginas (antes da operação às amígdalas) era costume ficar com algumas coisas para me entreter entra as quais a caixa com as fotos do meu pai. Aí via esses exotismo e imaginava-me lá. Quem diria!

Um abraço. Hélder

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes da série:


20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4060: Meu pai, meu velho, meu camarada (2): Militar de carreira, herói da 1ª Grande Guerra, saiu do RAP 2 como eu (David Guimarães)

21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4062: Meu pai, meu velho, meu camarada (3): No Dia Mundial da Poesia (António Graça de Abreu)

24 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)

26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4420: Meu pai, meu velho, meu camarada (5): A minha família e o RAP2 (Vila Nova de Gaia) (David Guimarães)

16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)

17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4700: Meu pai, meu velho, meu camarada (7): Cap Pára João Costa Cordeiro: Um homem de carácter (António Santos / Carlos Matos Gomes)

17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4703: Meu pai, meu velho, meu camarada (8): Sobre o Capitão-Pára João Costa Cordeiro (Manuel Peredo)

18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4705: Meu pai, meu velho, meu camarada (9): Testemunho do Coronel Pára Sílvio Araújo sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (João Seabra)

18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4706: Meu pai, meu velho, meu camarada (10): Depoimento e fotos sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (Miguel Pessoa)

24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4731: Meu pai, meu velho, meu camarada (11): Mensagem do filho do Cap-Pára João Costa Cordeiro (Pedro Miguel Pereira Cordeiro)

(**) Outro Regimento que teve tropas destacadas, a nível de batalhão (800 homens), durante a II Guerra Mundial, em Cabo Verde, nas Ilhas de São Vicente e Santo Antão, foi o RI 15 (Tomar):

Vd. Islas de Cabo Verde > Adriano Moreira Lima > Tomar, 25 de Fevereiro de 2006 > TROPAS EXPEDICIONÁRIAS A CABO VERDE DURANTE O PERÍODO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL - MEMÓRIA QUE PERDURA

(...) Como é sabido, Portugal não teve qualquer envolvimento na Segunda Guerra Mundial, tendo optado por uma posição de neutralidade que se manteve ao longo de todo o conflito. No entanto, sabedor da importância estratégica das suas ilhas atlânticas, nomeadamente os arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde, alvos apetecidos por qualquer dos contendores, Portugal entendeu que seria curial guarnecer aqueles territórios com forças militares suficientes para dissuadir qualquer veleidade por parte dos beligerantes.

O conflito assumira uma dimensão considerável no Atlântico e aqueles arquipélagos eram, com efeito, detentores de elevado potencial estratégico, sobretudo do ponto de vista aero-naval. Uma fraca presença militar de forças nacionais poderia indiciar um sintoma de desleixo, susceptível de encorajar uma ocupação estrangeira à revelia do direito internacional, em manifesto atropelo da soberania portuguesa.

O Regimento de Infantaria nº 15, de Tomar, foi das unidades do exército que enviaram forças expedicionárias a Cabo Verde. Conheço muito bem o historial deste Regimento por nele ter servido durante longos anos. E é assim que me capacito a divulgar a curiosa memória afectiva que os expedicionários deste Regimento de Infantaria desde sempre vêm cultivando e perpetuando.

A par de outros Regimentos do Exército, competiu ao Regimento de Infantaria nº 15 organizar e mobilizar para Cabo Verde um Batalhão de Infantaria (cerca de 800 homens). As quatro companhias do Batalhão ficaram instaladas em S. Vicente e S. Antão, tendo partido de Portugal agrupadas em três contingentes. O primeiro embarcou em Portugal em 19 de Outubro de 1941, o segundo em 17 de Novembro do mesmo ano, e o terceiro em 8 de Janeiro de 1942.

(...) O facto é que desde a sua desactivação, os ex-militares que serviram no citado Batalhão vêm promovendo reuniões anuais em alomoços-convívio para recordar a sua passagem por Cabo Verde, nomeadamente pelas ilhas de S. Vicente e de S. Antão, por onde se distribuíram as suas companhias.

Estive presente num desses convívios pela primeira vez em 1986, pela circunstância de o mesmo ter sido realizado nas instalações do Regimento de Infantaria nº 15, por convite do seu Comandante. Competiu-me, na altura com o posto de major, ser o oficial a apoiar a organização desse evento, que se inseria nesse ano nas comemorações do aniversário do Regimento, condição que me permitiu assistir do princípio ao fim a confraternização dos ex-militares.

O leitor nem imagine a satisfação daqueles homens quando lhes disse que eu era cabo-verdiano de origem. E isto porquê? Porque quando se juntam a intenção é celebrar a memória de uma experiência militar vivida na intensidade anímica dos seus 20 anos, mas também recordar e celebrar a terra cabo-verdiana com eflúvios de uma saudade que eu não imaginava possível. (...)

Guiné 63/74 - P4925: Memória dos lugares (40): Fotos do “Resort” de Bissum - Naga, 1968 (José Nunes, ex-1º Cabo, BENG 447, Brá, 1968/70)

1. O nosso Camarada José Nunes (José Silvério Correia Nunes), ex-1º Cabo no BENG 447 (Brá, 15JAN68 a 15JAN70), enviou-nos mais uma reportagem fotográfica, em 06SET2009, sobre o Bu... rako de Bissum - Naga, no ano de 1968:

O “Resort” de Bissum - Naga

Camaradas,

Aqui estão mais algumas fotos memoriais de um lugar bastante isolado.

Bem-Vindos a Bissum

Só de avião ou lancha, pelo Rio Armada, se lá chegava.A nossa equipa de “faíscas”, o Furriel Subtil Soares, Baiona de Andrade e Zé Nunes, estivemos em Bissum entre Setembro 1968 e finais de Outubro do mesmo ano.

Ali sofremos um ataque do IN em que estivemos mais de 6 horas debaixo de fogo, felizmente sem consequências físicas pessoais.

Só que, no dia seguinte,ao fazer o reconhecimento, tivemos um Camarada que accionou com mina anti-pessoal e ficou sem um pé.O problema maior foi a sua evacuação.

Fui no avião com o Honório e voltei de lancha, pois era habitual alternarmos os transportes.

Descer o rio armada era um caso sério, pois 2 lanchas haviam sido afundadas, embora fossem posteriomente recuperadas pelo pessoal da Armada.

Navegamos durante a noite rio Cacheu abaixo, até Cacheu onde pernoitamos, neste "Resort".

Estivemos um mês a almoçar sopa de cebola e atum com bianda e ao jantar, para variar, comíamos cebola na sopa e bianda com atum.

Só nos safavamos porque haviam muitas rolas e tínhamos bons caçadores, que arranjavam assim matéria para umas rotineiras petiscadas.

O Honório era sempre presenteado com uns passarinhos fritos.

Era o que se podia desenrascar.


Saindo da minha "suite do Hotel"

O "restaurante" de Bissum

Saíndo da sala de refeições do "Hotel"

As "minhas" Bajudas

Os djubis fazendo o trablho deles (brincar)

Esta sim é que era a minha verdadeira guerra

O Furriel Subtil é que me entrega a lâmpada

Os "faíscas" armados em guerrilheiros

Aspecto do espaldão/abrigo do morteiro 81 cm

O obús de 10,5 cm

Uma granada do obús de 10,5 cm

O Furriel Subtil em cima e eu em baixo junto ao obús de 105 mm

O avião do Honório

Gamei o avião ao Honório

Um Abraço,
José Nunes
1º Cabo Mec Elect do BENG 447

Fotos: © José Nunes (2009). Direitos reservados.
__________

Guiné 63/74 - P4924: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (3): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação em Mansoa

1. Do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426 (1965/67), Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, publicamos neste poste a terceira parte das suas memórias. A primeira está no poste P4877 e a segunda no P4890.

Operação a Mansoa (no final do mês de Setembro)

O primeiro contacto com o mato só nos deixou tristes recordações.

Distribuíram-nos rações de combate e munições suplementares, e partimos para Mansoa.

Em Mansoa, ficamos instalados nuns barracões, devido à chuva nesse dia, e comemos uma ração de combate, para irmos mais leves.

Mais tarde chegaram as viaturas que nos transportaram até uma ponte destruída e daí para a frente, caminhamos apeados, estrada fora até que entramos no mato cerrado, todos em contacto uns com os outros, com as mãos enfiadas no cinturão do Camarada da frente, porque qualquer descuido seria a perda de contacto.

A minha secção ia na retaguarda e por isso, como é óbvio, era fundamental não perder o contacto com o restante pessoal.

O 1º Cabo Alfredo que ia à minha frente ficou com o cinturão quase desfeito de eu me agarrar a ele.

Passamos por várias abatizes com a chuva a cair torrencialmente e depois de várias horas a andar de baixo daquela água toda, parou o temporal e o dia clareou.

Voltamos à posição de progressão normal, deixando em paz os cinturões dos homens da frente, quando o inesperado aconteceu. Pararam todos os que seguiam à minha frente e não se mexiam. Pus-me em pé e, quando passei a minha secção, ouvi uma voz dizer-me:

- Deita-te, deita-te… perdemo-nos do Capitão e do 1º pelotão.
- Onde estão os Alferes? – Perguntei eu.
- Ali – respondeu-me.
Fui ter com eles. Relataram-me o que se passava.
- Então e agora? – Perguntei eu.

A secção da frente não queria andar.
- Quem é o Furriel responsável? – Perguntei.
- É o Vargas! – Responderam-me.

Voltei-me para o Alferes mais antigo e disse-lhe:
- Tem que dar ordem de avançar. – Disse-lhe eu - Vargas, temos que seguir.

Começamos então a andar mas muito devagar. A uns trezentos metros à nossa frente ouvi um tiro. Mais uma vez todos mergulhamos para o chão.
Estava tudo parado outra vez e ninguém se mexia, quando descobrimos que o tiro fora para uma vaca que estava no interior do mato.

Como ninguém andava, pedi autorização ao Alferes, para ir para a frente com a minha secção avisando que as pernas eram para andar. Seguiu-se uma autêntica cavalgada, pois ao longe já se ouviam tiros esporádicos. Fomos sempre com atenção aos rastos e lá acabamos por encontrar o Capitão e o resto do pessoal, que já regressavam do objectivo.

Não sei o que se passou, nem sei se o objectivo foi alcançado e se ouve contacto com o IN, porque ninguém mais comentou sobre esta estranha operação, a não que ficaram para trás dois pelotões. Também não sei se depois entre os Alferes e o Capitão se justificaram do evidente desaire, que poderia ter tido consequências mais funestas.

Aos Furriéis nada era dito, nem antes nem depois de as coisas acontecerem, pelo menos aos do meu pelotão. Ficava tudo no segredo dos deuses e depois aconteciam destas coisas.

Andamos mais uns dois ou três quilómetros até à estrada, onde nos esperavam as viaturas que nos transportaram até Bissau, com passagem por Mansoa.

Um forte abraço do,

Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCaç 1426

Fotos "O Pôr do Sol em Mansoa": © César Dias (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

29 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4877: Estórias do Fernando Chapouto (FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO) (1): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – O embarque no Niassa

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4923: Os nossos médicos (6): Homenagem ao Alf Mil Med Barata (Binta) e ao HM 241 (Bissau) (JERO, ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 675, 1964/66)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 29 de Agosto de 2009 > "Fim de semana de incêndios... O heli Kamov Ka 32 (a nova coqueluche da Autoridade Nacional de Protecção Civil) andava, à nossa frente, num rodopio constante, abstecendo-se de água na barragem do Carrapatelo, ali à linha direita... É uma bisarma de 6 toneladas e meia que chega às 11, com o seu depósito suspenso de tipo «balde» com capacidade para até 5000 litros de água (!).

O fogo ameaçou casas de habitação, ali perto de nós, no Juncal, freguesia de Passinhos... Tal como ao JERO, o barulho de um heli, ao longe e ao perto, ainda hoje mexe comigo, quarenta anos depois da minha chegada à Guiné... Julgo que ainda mexe com todos nós"... (LG).

Vídeo (1' 06''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados

Um cartoon, bem elucidativo, da situação de monopólio que o Alf Mil Méd Martins Barata detinha em Binta, como médico da CCAÇ

Gravura: © Arq José Pedro Roque Gameiro Martins Barata (2009). Direitos reservados. (Imagem gentilmente cedida pelo JERO).


O Dr. Martins Barata, acompanhado da esposa, na sua festa de aniversário: fez 70 anos em 12 de Abril de 2008.

Foto: © José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso amigo e camarada JERO, que vive em Alcobaça e, de vez em quando, vem até a Oeiras, para ver filhos e netos...

Oeiras, 5 de Setembro de 2009

Caro Luís

Assunto - Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo 1971/73), por Luís Graça e António Graça de Abreu (*)


Li, reli e imprimi a tua postagem para ter ainda melhor leitura. O assunto diz-me muito pois estive no meio (Serviço de Saúde) cerca de 4 anos.

Como sabes, fui Furriel Mililiciano Enfermeiro mas não sabes que tive o privilégio de conhecer o meio em diversas qualidades: na Metrópole como estudante, doente e enfermeiro no HMP; e na Guiné como enfermeiro numa Companhia operacional(CCaç 675); e, finalmente, já quase com o navio no Cais de Bissau, como doente do HM 241.

Apresentadas as minhas credenciais, vamos aos médicos da Guiné.

1) Porque não escrevem - ou escreveram - os médicos?

Só eles o poderão explicar. Pessoalmente estou convencido que talvez o dever de sigilo e vidas profissionais muito preenchidas obviaram a que o fizessem. Mas passaram 40 anos e estarão hoje muitos deles já reformados!?

Verdade, verdadíssima, e são pessoas cultas que sabem escrever. E bem. Já transmiti para o nosso blogue – postagem 4859, de 25 de Agosto de 2009 - um excelente texto do Dr. Alfredo Roque Gameiro Martins Barata (TIROS NO CACHEU) que prova isso mesmo. Hoje mesmo tentei agendar com o meu ex-Alferes Mil Médico Martins Barata um entrevista que deverá acontecer até ao final de Setembro. Depois darei notícias.

2) Fotos de médicos no CTIG

Obviamente que existem e temos que os sensibilizar para as mandarem para o nosso blogue. Já tive oportunidade enviar algumas – ver postagem 4878, de 29 de Agosto de 2009 – onde numa delas aparece o meu Alferes Médico de camuflado e capacete, antes de partir para uma operação para o OIO.

Para quem afirma que os médicos não iam para o mato, eu posso afirmar que, na minha Companhia, isso não acontecia. O Dr.Barata ia, por sua livre iniciativa, quando a operação o justificava e a equipa do Serviço de Saúde estava estoirada ou com baixas médicas. Porque a malta do Serviço de Saúde também adoecia de vez em quando.

3) Distribuição de médicos pelo CTIG

Em relação ao meu tempo na Guiné (Maio de 1964 a Maio de 1966), sem ter certezas absolutas julgo que cada Companhia independente tinha um médico, o que também acontecia nas CCS dos Batalhões. No trajecto de Lisboa para Bissau fiz Sargento-Dia com diversos médicos durante os 5 dias da viagem.

Depois de 1966, pelo que já li no nosso blogue, isso já não acontecia. Porque aconteceu ?

A minha teoria é que poderia ter havido dificuldades no recrutamento de médicos ou que, pelo tamanho da Guiné (superfície idêntica à do Alentejo), não se justificaria um médico por Companhia, desde que o Hospital Central (HM 241) respondesse. E desde que as evacuações se fizessem com rapidez os médicos e pessoal de enfermagem do HM 241 respondiam mesmo

4) Experiência profissional ou a falta dela

Mais uma vez em relação ao meu tempo os médicos que conheci tinham, obviamente, mais teoria que prática. E quem sou eu para dizer isso? Sem ser pretensioso tinha a experiência de cerca de 2 anos do Hospital Militar da Estrela onde fui Chefe da Enfermaria de Dermato-Sifligrafia. Esse contacto com médicos dessa especialidade e de outras – a enfermaria de que tive a chefia tinha 70 camas e doentes de diversas especialidades – deu-me algum capital de experiência.

Ora muitos médicos devem então ter sido mobilizados com uma breve e curta experiência de estágio hospitalar.

Falando por mim, tinha experiência de organização hospitalar mas prática de primeiros socorros – com sangue ao vivo e pernas partidas - era muito pouca. E não era nula porque, antes de embarcar para a Guiné, estive a estagiar por minha iniciativa no banco de urgências do Hospital de Alcobaça. O Enfermeiro Torres – que felizmente ainda está vivo para o confirmar - ensinou-me mais em 10 dias do que eu tinha aprendido no tempo todo do CSM. Estou-me a referir a primeiros socorros.

Que, repito, é o que pode fazer no mato quando os tiros abrandavam…


5) O que pode fazer o médico a um ferido debaixo de fogo?

Arrisco-me a dizer, muito pouco. E digo mais: não fará muito melhor que um enfermeiro experiente em primeiros socorros! Debaixo de fogo, o médico, ou o enfermeiro, tentava abrigar-se para quando a tempestade abrandasse pudesse tratar e estabilizar o ferido para ser evacuado para o HM 241, se o seu estado o justificasse. De heli ou DO.


6) Recordação e homenagem aos nossos médicos militares

O Luís Graça refere-o na sua (magnífica) postagem e gostei muito de ler as recordações de Cachungo. A evocação das doenças e mortes de crianças nativas são particularmente tocantes. Nesse aspecto o meu médico Martins Barata e eu próprio tivemos uma terrível experiência em Binta (Farim), no norte da Guiné. Uma epidemia e sarampo vitimou em poucas semanas 60 crianças e um adulto (uma mulher de vinte e poucos anos). Ainda hoje lembro os funerais das crianças e os rituais fúnebres!


7) HM-241, Bissau

Dizia-se no meu tempo que quem chegasse com um sopro de vida ao Hospital safava-se. Nem sempre terá acontecido mas nós, pessoal do Serviço de Saúde, quando metíamos um ferido ainda com vida num helicóptero, respirávamos de … esperança.

Falei recentemente com médico-radiologista de Alcobaça - António Nunes Franco do Nascimento e Sousa – que foi capitão-médico no HM 241 de 1968 a 1970. Também ele me confirmou essa extraordinária fama do HM 241.


Para essa elevada hipótese de agarrar vidas, contribuía a rapidez da evacuação – um heli podia ir até à fronteira com o Senegal e voltar a Bissau em cerca de uma hora – e o extraordinário naipe de médicos cirurgiões e também o pessoal de enfermagem das salas de operações.

Este meu conterrâneo tem hoje 79 anos o que quer dizer que foi mobilizado já com 30 e muitos anos. Tem 50 anos de radiologia e fala de si próprio como tendo tanta radioactividade como Chernobil. Desafiei-o para escrever alguma coisa sobre a experiência na Guiné.

8) Experiências pessoais

Como referi no início fui estudante, doente e enfermeiro no HMP.

Como doente, estive 70 dias em Medicina 3 no HMP, com uma hepatite.

Passei um mau bocado porque o Hospital tinha uns sanitários maus. Muito maus. Na fase inicial da hepatite, com elevadas temperaturas, tive o auxílio durante a noite de outros doentes da Enfermaria, que me davam água e me punham toalhas molhadas com água fria na testa. Nunca esqueci esse momentos de solidariedade.

Está claro que perdi o 2º ciclo do CSM e fui para casa 6 meses. Melhorei à custa dos cuidados dos meus pais e voltei para a tropa! Fui bem medicado e tratado mas ainda hoje não esqueço o médico que me confirmou o diagnóstico da hepatite sem para mim olhar. Escreveu na papeleta a prescrição do “cama 31” e passou à frente. Acertou como médico mas falhou em termos humanos…

Na Guiné, como enfermeiro numa Companhia operacional(CCaç 675), tive tantas experiências que daria para escrever um livro. O que já fiz. Finalmente, já quase com o navio no Cais de Bissau, estive como doente do HM 241. Ancilostomíase. O tratamento era habitualmente uma semana, mas não me correu bem e tive que repetir a medicação.

Foram 2 semanas de fome e altamente stressantes. A chegada ao hospital de helicópteros com feridos ou mortos deitou-me abaixo psicologicamente. O barulho das pás do heli ainda hoje me doem. A ansiedade era saber quem chegava. Se era um amigo, um conhecido ou, mais importante, se tinha condições de escapar com vida. Estas cenas repetiam-se diversas vezes por dia e eram assustadoras. Apesar de 4 anos de Serviço Saúde nunca me habituei ao sofrimento e à morte.

Termino por hoje reafirmando a minha vontade e disposição para contribuir para a homenagem que falta fazer aos nossos médicos militares.

Até breve, assim o espero. JERO

[Revisão / fixação de texto / bold, a cor: L.G.]

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4891: Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo, 1971/73) (Luís Graça / António Graça de Abreu)

Último poste desta série > 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4920: Os nossos médicos (5): Um grande homem, militar, clínico e matosinhense que me marcou, o Dr. Azevedo Franco (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P4922: Blogoterapia (125): No dia dos meus anos, brindei à amizade e à camaradagem forjadas em tempo de guerra (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada tertuliano e colaborador do nosso Blogue, José Marcelino Martins, ex-Fur Mil, Trms, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70, com data de 8 de Setembro de 2009:

Caros Editores e restantes Membros

É com muita alegria que me dirijo à Tabanca Grande, no sentido de agradecer a amabilidade e a prova de amizade, ao publicarem o texto no dia do meu aniversário, assim como as várias mensagens recebidas, incluídas no blog ou enviadas para o meu mail pessoal e/ou particular.


Tenho que confessar que imprimi o texto para, de uma forma bem explícita, os meus filhos, netos e noras pudessem avaliar o que é a amizade e camaradagem forjada em tempo de guerra e continuada em tempo de paz. Isto já foi sentido pela Maria Manuela nos encontros, ainda que breves, que têm sido proporcionados ao longo dos últimos anos.


E, quando no final do dia, nos reunimos ao jantar, houve o brinde tradicional à família e, de seguida, todos me acompanharam


num novo brinde, desta vez à amizade e à camaradagem.

Por isto tudo só me resta enviar um grande abraço a todos e a cada um de vós.
José Marcelino Martins
__________

(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4896: Parabéns a você (24): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Os Editores)

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4909: Blogoterapia (124): Na Guiné também houve sacanas! (António G. Matos)

Guiné 63/74 - P4921: Em busca de... (88): Procuro António Lourenço, do Pel Trms, Quartel-General, Bissau (1968/70) (José de Melo)


1. O nosso Camarada José de Melo, que prestou serviço no Pelotão de Transmissões - Quartel-General em Bissau, como Furriel Miliciano, entre 1968 e 1970, enviou-nos em 30 de Agosto de 2009, uma mensagem com o seguinte apelo:

APELO

Camaradas,

Ao tomar conhecimento deste trabalho do Luís Graça, nasceu-me uma esperança (pouca, confesso) do seguinte:

Estive na Guiné entre 1968 e 1970 e estive colocado no Pelotão de Transmissões, sito dentro das instalações do Quartel-General, em Bissau.

Tinha então lá um amigo também furriel miliciano, que, tanto eu como ele, pela nossa semelhança fisionómica, nos tratávamos reciprocamente por irmãos.

Adorava reencontrá-lo mas, dele, lembro-me muito pouco.

Sei que o seu apelido… é Lourenço. O primeiro nome suponho que é… António.

O José de Melo na actualidade

Sei o apelido… Lourenço. O primeiro nome suponho que é… António

O José de Melo na actualidade

Mais sei que era do norte de Portugal.

Tenho uma fotografia em que estou junto dele, daquele tempo, e é tudo.

Agradeço a quem ler este meu apelo, que qualquer informação que me possa prestar o faça para o meu e-mail pessoal: casadopinho@gmail.com

Cordiais Saudações,
José de Melo
____________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P4920: Os nossos médicos (5): Um grande homem, militar, clínico e matosinhense que me marcou, o Dr. Azevedo Franco (José Teixeira)

Guiné > Região de Quínara > "Buba, 1969. Vê-se a bifurcação do Rio de cujas margens exteriores fomos atacados no dia do meu baptismo de fogo. Era um dos locais preferidos pelo IN para nos atacar" (JT).

Guiné > Região de Quínara > "Buba, 1969 – vendo-se um dos braços do Rio e uma pequena reentrância pela terra dentro, onde alguns de nós montávamos 'emboscadas' aos peixes quando estava a maré a vazar com uma rede improvisada, permitido uma fuga à fome, ou ao repetitivo arroz com chispe, na falta de outra coisa melhor" (JT)

Fotos gentilmente cedidas pelo ex-Alf Mil Med Azevedo Franco. Legendas: JT.

1. Mensagem de José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada (1968/70) (*)


OS MÉDICOS COM QUEM PARTILHEI A MINHA AVENTURA DE ENFERMEIRO (**)

O primeiro contacto que tive com um jovem médico na Guiné, tinha eu dois meses de comissão. Era um jovem de 26/27 anos, chegadinho de fresco.

Devo recordar que um Curso de Medicina leva seis anos a tirar, mais um ano de Internato hospitalar, no mínimo, pois que, na Especialização, vão mais três a cinco anos. Um médico de Clínica Geral só está apto a exercer medicina com cerca de 25 anos ou mais, logo este jovem médico tinha já uns anitos mais que qualquer alferes.

Apresentei-lhe um camarada doente com sintomas de paludismo. Como sabem os sintomas de paludismo variavam por vezes um pouco. No caso vertente, o desgraçado exauria-se em suores externos e internos, a par de terríveis dores musculares. Era uma autêntica bica aberta.

Como já tinha vivido algumas cenas idênticas, eu tinha aparentemente soluções para a cura, mas o médico entrou em parafuso e queria remeter o desgraçado para Bissau [, para o HM 241,] com urgência.

Disse-lhe então que se tencionava pedir uma evacuação urgente, o melhor seria fretar uma avioneta diariamente, para resolver todas as situações que iria viver futuramente.

Após conversarmos um pouco, o médico optou por lhe receitar a medicação apropriada que tínhamos no Posto, e três/quatro dias depois o jovem estava curado.

De todos os médicos com quem trabalhei, recordo dois pelas marcas positivas que me deixaram: O Dr. Alcides e o Dr. Azevedo Franco.

O primeiro, já com uma certa idade, pela sua simplicidade e pela forma carinhosa e cativante como acolhia o doente. Um homem pouco falador, que deixava adivinhar quanto se sentia deslocado naquela guerra, mas sempre disponível.

O Dr. João Carlos de Azevedo Franco, meu querido amigo, matosinhense de gema, marcou-me muito e com ele aprendi muita coisa, quer na Guiné, quer pela vida fora.

Especializou-se em Ortopedia e ainda trabalha no Hospital da Prelado no Porto. Aprendi com ele a ver no soldado, primeiro o homem em si, com toda a sua dignidade, e depois a doença que ele tem, da qual precisa de ser curado.

O Homem, longe da família, do seu meio natural, num ambiente climático desfavorável, debaixo de uma tensão psíquica elevadíssima, desgastado fisicamente pelo esforço diário de caminhadas debaixo de sol abrasador, com o perigo de morte sempre à espreita. A comida péssima e muitas vezes com refeições fora de horas ou rações de combate intragáveis. Água potável só por milagre se encontrava, etc.

Depois o doente que se queixava de tudo e às vezes não tinha nada, aparentemente, a não ser um cansaço físico e psíquico que lhe minava as forças e destruía o Homem a pouco e pouco.

Pródigo a conceder baixas, chegou ao ponte de reduzir a minha Companhia a trinta e sete homens (praças), operacionais. A CCaç 2382 pouco melhor estaria e a CCaç 2317, de Gandembel, pior ainda.

Um dia no Gabinete médico vimos pela janela, eu e ele, um camarada aproximar-se para a consulta. Diz o Dr. Azevedo Franco:
- Vem ali fulano - (conhecia-nos a todos ou quase todos pelo nome). - Vem com certeza pedir mais uma baixa e pelo aspecto bem precisa. Vai preenchendo o documento que eu assino...

A resposta de Bissau a tão grande hemorragia de pessoal no activo não demorou. Repentinamente surge uma avioneta com dois médicos lá dentro. Umas junta médica para avaliar os doentes com baixa.
- E agora, Doutor!?
- Não te preocupes. Assim como vieram, também se vão.

Durante dois dias foi um corridinho para o posto médico. No fim ficou tudo igual ou quase.

Logo de seguida aparece o General Spínola, de camuflado e pingalim, acompanhado do Capitão Almeida Bruno, o tal dos óculos escuros. Foram visitar o bando, estacionado em Buba.

Formatura geral. Discurso inflamado de patriotismo. Desafio a fecharmos os olhos e imaginarmo-nos na Confeitaria Trindade a manjar perú recheado ou meia desfeita com grão e bacalhau, quando estivéssemos a comer massa com amostras de ossos de chispe, o prato mais cozinhado à época, por falta de outra coisa melhor.

Depois uma ordem para o médico, que eu presenciei, por estar ali mesmo junto a eles:
- Estes homens o que precisam é de umas picas (injecções) valentes. Vou dar ordens para reforçarem o seu stock. Aponta Bruno!

Resposta sábia e ponderada do Dr. Azevedo Franco:
- O que eles precisam é de carne, peixe, fruta e descanso, Senhor Governador.
- Mas... umas picas... umas picas... - e lá se foi embora para o hélio.

Dias depois, chegou a LDM com alguns víveres e dois grandes caixotes de medicamentos à base de revigorantes.

Nem sequer foram abertos. Eu mesmo, por ordem do médico, fiz a guia de retorno para Bissau, com a informação de que não tinham sido pedidos.

O centro nevrálgico da construção da estrada passou entretanto temporariamente para Samba Sábali, um acampamento no meio da selva e logo depois para Mampatá Forreá, sendo a sua segurança assegurada por uma Companhia de Periquitos. A minha Companhia ficou repartida por Mampatá (um Grupo de Combate), Buba e Empada.

O Dr. Azevedo Franco ficou em Buba por mais algum tempo. Tive oportunidade de o reencontrar em Empada, onde nos ia fazer uma visita em serviço, e posteriormente em Bissau, no fim da minha Comissão, quando ele já estava a prestar serviço no Hospital Militar.

Recordo que tinha a seu cargo o acompanhamento médico dos combatentes do PAIGC, feridos ou doentes, feitos prisioneiros (***). Tive oportunidade de o acompanhar em algumas das visitas diárias que fazia a esses doentes e feridos. Só posso dizer uma coisa: Sempre o mesmo!

A sua forma de ser e estar na vida ficou gravada no meu coração e pela vida fora tem sido um esteio em que me apoio quando preciso.

Zé Teixeira

______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 18 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2058: Estórias do Zé Teixeira (20): Fermero ká tem patacão pra pagá, toma minha mudjer.


(*) Vd. postes antreriores desta série:

8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4918: Os nossos médicos (4): Um grande amigo, o Dr. Fernando Enriques de Lemos (Mário Fitas, ex-Fur Mil, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4910: Os Nossos Médicos (3): Os especialistas eram poucos, e não gostavam de ir para... o mato (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)

2 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4891: Os nossos médicos (2): Tierno Bagulho e Pio de Abreu (Canchungo, 1971/73) (Luís Graça / António Graça de Abreu)

15 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3899: Os nossos médicos (1): Alf Mil Médico José Alberto Machado (Nova Lamego)


(***) Vd. poste de 4 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2080: Estórias do Zé Teixeira (22): Tuga na tem sorte


(...) Encontro imediato com o IN

Um ano depois, já em Bissau a aguardar a embarque de regresso, fui ao Hospital Militar visitar o querido amigo Dr. Azevedo Franco e acompanhei-o na visita clínica aos seus doentes de ortopedia, entre os quais os IN aí internados em enfermaria própria. Um doente especial chamou-me a atenção pela sua história. Tinha sido ferido pelas nossas forças com uma rajada na perna que lhe atingiu também a barriga, ficando de intestino a céu aberto. Aguentou três dias enterrado no tarrafo de uma bolanha, até ser feito prisioneiro e enviado para o HM 241 em estado crítico. Estava safo, apesar de manco para toda a vida. Era apresentado como referência, pela sua capacidade de resistência.

Tentei entabular conversa e obtive como resposta:
- A mim ká sibe portugué, a mim ká miste papeia cum tuga.

Ao que eu ripostei:
- Ká na tem probleminha. - E, fui dar duas de conversa com o vizinho.

No dia seguinte ao entrar na enfermaria, notei-lhe um sorriso e fui cumprimentá-lo. Fiquei por ali cerca de meia hora, a falar em crioulo, das “nossas guerras”. Por onde andámos, onde nos cruzámos sem nos ver e nos cumprimentámos, nas linguagem da guerra maldita que nos separou até aquele momento. Talvez, não o afirmo, tivéssemos falado das razões que nos assistiam e fizeram de nós inimigos sem nos conhecermos tão pouco. A sua história de guerrilheiro começava com o início da guerra. Tinha corrido já a Guiné toda, mas nos últimos três anos estacionara no Sul, onde foi ferido e feito prisioneiro, precisamente o chão por eu andei também.

Ao saber que eu tinha estado em Buba, perguntou:
- Estavas lá naquele ataque que fizemos antes do sol chegar?

Ao responder-lhe afirmativamente, continuou:
- Logo que nosso ataque terminou, a tropa ia sair pelo portão da pista e recuou. Que pena! Eu estava logo ali à frente, emboscado, na curva da estrada, (para Sinchã Cherno), junto à berma da pista, à vossa espera. Tínhamos muito material a proteger e vocês tinham a mania de vir logo a correr atrás de nós... ia ser “manga de ronco”.

Pois... e eu estava lá, nesse grupo !
- Tuga na tem manga di sorte!

Um sorriso e um abraço talvez tenham selado este feliz momento... A conversa continuou, enquanto o médico fazia a sua visita clínica.

Houve ainda outro dia em que pude voltar a falar com ele. Como gostava de ter gravado as nossas conversas, já que estes momentos jamais sairão da memória. Já com muito pó, a memória recusa-se a deitar cá para fora, tantos momentos, dias, horas, minutos marcantes, bons ou menos bons daquela vida de “guerrilheiro à força” (...).

Vd. também poste de 2 de Setembro de 2007> Guiné 63/74 - P2078: Estórias do Zé Teixeira (21): Saiu-lhe a sorte grande.