1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Julho de 2023:
Queridos amigos,
É o itinerário do costume, cerca de meio século depois um alferes recebe a incumbência de juntar os elementos soltos, os testemunhos de outros participantes daquela guerra, não fica esquecido o jornal "O Boina Negra", um mensário, pasme-se, ficamos com uma ideia clara de como evoluiu a guerra nesta área do Quínara, Jabadá, Enxudé, Tite, Fulacunda, Nova Sintra, ali participou e teve o seu maior desastre um grupo de combate da 15.ª companhia de Comandos, fez-se obra, conta-se a verdade, olhando para aquele mapa e na sequência das operações, a população afeta ao PAIGC produzia alimento e os guerrilheiros não estavam inativos. Motivo maior de satisfação terá sido o regresso voluntário de população dispersa no setor. Coube a Jorge Martins Barbosa dar forma de livro, ele que tivera tanta responsabilidade no jornal, foi cuidadoso dirigindo-se primeiro a leigos e depois mais diretamente aos "Boinas Negras". Iniciativa tão tocante que teve sequência noutra obra que em breve iremos falar.
Um abraço do
Mário
Histórias dos “Boinas Negras”, a CCAV 2482, 1969-70
Mário Beja Santos
Compete a Jorge Martins Barbosa, alferes do 4.º pelotão da CCAV 2482 explicar ao leitor o essencial do percurso dos “Boinas Negras”, entre fevereiro de 1969 e dezembro de 1970, nessa altura ainda o autor não sabia a repercussão que a obra ia ter junto da rapaziada de outras companhias, isto para alertar que temos outras histórias para vos noticiar. Estas são da autoria de Jorge Martins Barbosa, Fronteira do Caos Editores, 2018. Teve a preocupação de explicar a leigos a localização, dimensão e ambiente da Guiné-Bissau onde os “Boinas Negras” combateram, dá-nos conta da mobilização e a preparação da companhia, integrada no BCAV 2867 (lema: Somos Como Somos – Audácia, Coragem, Decisão, Firmeza); dá conta de pormenores dessa mesma mobilização e sua partida para a Guiné em 23 de fevereiro de 1969. O comandante de companhia (hoje coronel reformado) era o Capitão Henrique de Carvalho Morais.
Ficamos a saber que o batalhão tinha um jornal, o “Boina Negra”, e dá-se a seguinte informação: “Quando – a partir de 31 de julho de 1961 – o Exército Português começou a utilizar a boina como parte do seu fardamento, a mesma era de cor preta, por bastantes em stock. Todavia, ao fim de algum tempo a boina negra foi reservada para a Arma de Cavalaria, assim como a verde para Paraquedistas, a vermelha para Comandos, etc. Visando uma maior uniformização, e procurando evitar eventuais rivalidades entre as diferentes Armas, cedo foi obrigatória a utilização exclusiva da boina castanha para todas as unidades do Exército português". Por despacho do General Spínola, de 28 de maio de 1970, os “Boinas Negras” foram autorizados a utilizar a boina negra no teatro de operações da Guiné. A sede do batalhão era Tite e as unidades espalhavam-se por Fulacunda, Nova Sintra e Jabadá. Os “Boinas Negras” embarcam em 4 de março rumo ao porto de Enxudé. Na manhã de 8 ocorre a primeira calamidade. Pedro Graça, padeiro na vida civil, de Abitureiras, Santarém, apresentado como homem são de eterno sorriso, pisa uma mina antipessoal na carreira de tiro de Tite, a perna direita fica reduzida a um coto. O PAIGC irá praxá-los com flagelações. Começa a vida dos operacionais a visitar as tabancas vizinhas do aquartelamento.
A primeira operação a nível do batalhão irá levá-los até Bissássema, passam por tabancas abandonadas, contornam bolanhas e lalas, Spínola aparecerá na manhã seguinte. Aqui e acolá Jorge Martins Barbosa socorre-se de trabalhos de Rogado Quintino para nos apresentar os povos da Guiné. Já estamos em abril, prosseguem os patrulhamentos e emboscadas, há recontos com o PAIGC, nova mina antipessoal estropiou um pé ao 1.º Cabo Agripino Cascalho. Em finais de abril, o Comando-Chefe impõe nova operação, envolve tropas do batalhão, meios navais e aéreos, vão em direção à região de Gampará, dão com campos agrícolas cultivados, há flagelações, dia e noite. Na manhã seguinte está toda a tropa junta, a operação demorara 5 dias, regressam com as fardas sujas e rasgadas, foi descoberto e capturado muito arroz e fardamento.
Martins Barbosa vai apresentando as etnias guineenses e eis que chegou a ordem da companhia partir para Fulacunda, houvera uma curta estadia na região do Gabu, em Canjadude, faz-se uma larga descrição do apoio ali dado. Voltam para Fulacunda, prossegue a vida operacional e dá-nos o relato do pior desaire da 15.ª Companhia de Comandos que sofreu 7 mortos, quando iam a caminho do porto, para reembarcar para Bissau. Haverá depoimento de Luciano Garcia Lopes, que era o Comandante de Companhia, e é hoje Major-General reformado (foi meu instrutor em Mafra, em 1967), é um relato merecedor de leitura para nos apercebermos das vicissitudes a que pode estar sujeita mesmo um contingente militar que tem o apelativo de tropa de elite. Se aquele mês de agosto de 1969 não correra bem, setembro começou mal, António Cardoso pisa uma mina antipessoal. Sucedem-se os patrulhamentos, as operações a nível do batalhão, caso da operação “Sexto Desforço” na região de Gã Formoso. Os “Boinas Negras” recebem o reforço de dois obuses. Em novembro, quando um pelotão “Boina Negra” seguiu para Nova Sintra, uma Mercedes acionou uma mina anticarro provocando mortes e feridos graves. Em janeiro, o jornal “O Boina Negra” publica o seu n.º 6, Spínola agradece o exemplar recebido.
E assim se passam uns meses, em março, quando a companhia já completara um ano sobre a data da sua chegada à Guiné, o ativo operacional merecia distinção. Mas o PAIGC também não dava descanso, flagelações sob o quartel e a tabanca. Nesse mesmo mês, os “Boinas Negras” vão até à região de Cufada (operação “Cabeça Negra”), trarão no regresso população e gado. Haverá obras de beneficiação em Fulacunda, novo fontanário, construção de uma escola, funcionará uma classe de ginástica. Em agosto, as chuvas aumentaram de intensidade, mesmo assim os “Boinas Negras” montaram emboscadas e efetuaram patrulhamentos. O autor observa que o PAIGC aumentou de atividade, flagelando mais vezes o aquartelamento do setor e conseguindo que as populações dessem menos informações às nossas tropas. No mês de setembro sai do 19.º jornal “O Boina Negra”, terá ainda um 20.º com a publicação das fotografias de todos os “Boinas Negras”. Há informações que se encontrava em Injassane, a leste de Fulacunda um grupo de foguetões, mas o mês decorreu sem foguetório. A comissão caminha para o fim, regressam no Uíge em 22 de dezembro de 1970, no Cais da Rocha do Conde de Óbidos aguardam-nos os familiares e o Pedro Graça, vítima de uma mina antipessoal em 8 de março de 1969.
A obra inclui depoimentos, como o do Major-General Luciano Garcia Lopes, o testemunho do Alferes Miliciano Médico Rustom Framrose Bilimória, do Alferes Ilídio Vaz Saleiro Maranhão, dos Furriéis Carlos de Jesus Gouveia Rodrigues, Daniel Resende de Oliveira, Domingos Robalo, do 1.º Cabo Júlio Gago de Almeida, do Soldado Patrício Manuel dos Santos, Fernando Agostinho de Sousa Duarte, Jorge Ferreira Damásio dos Santos, Carlos Alcântara da Conceição Domingues, do 1.º Cabo António dos Santos Craveiro e Susana Duque, filha do Furriel José Alberto Sequeira Duque. Segue-se um álbum de imagens da comissão e a lista completa dos “Boinas Negras”.
A obra permite estudar a evolução da guerra nesta região do Quínara entre 1969 e 1970.
No interior da capela do quartel de Tite, imagem pertencente a Nicolau da Silva Esteves, ex-1º cabo radiotelegrafista do BCAÇ 1860, com a devida vénia
Imagem parcial do quartel de Fulacunda. Foto gentilmente enviada por, Carlos Silva, ex-furriel militar do BCAÇ 2879 / CCAÇ 2548; originária de Paulo Bastos, Pel Caç Ind 953
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Nota do editor
Último poste da série de 10 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24468: Notas de leitura (1596): "O Capitão Nemo e Eu, Crónica das Horas Aparentes", por Álvaro Guerra; Editorial Estampa, 1973 (Mário Beja Santos)