1. Há muito tempo, por vários motivos, alguns dos quais pessoais, não tinha tanto prazer em publicar um texto. Porquê? Porque é diferente, quase se integrando nesta quadra natalícia em que todos os Homens se deviam sentir mais irmãos, mais próximos.
Pena que durante o ano, aqui no Blogue e na
vida lá fora, não nos comportemos com o nosso semelhante conveniente. Quem nunca pecou que atire a primeira pedra.
E se prometêssemos todos que a partir de 2010 os assuntos do Blogue serão discutidos com mais elegância e sem ataques pessoais?
Mais ainda, peço que ninguém volte a ameaçar com a saída da tertúlia. Para quê? A marca de cada um de nós está nestas páginas. Para bem, nunca para mal. Dentro ou fora, jamais se apagará uma letra que seja de algum camarada que nos honrou com a sua colaboração. Discordância não levará à desistência e muito menos a apagar um passado recente, onde as histórias de cada um são um pecúlio de valor incalculável deste Blogue.
Considerem isto a minha mensagem de Natal e os meus votos para 2010.
Deixo agora este texto do nosso camarada José Brás, que espero corresponda a um regresso definitivo ao
trabalho. Todos fazemos falta e os
Josés Brás ainda mais.
Este vosso camarada que vos estima
Carlos Vinhal
2. Mensagem de José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622
(Aldeia Formosa e
Mejo, 1966/68, autor do romance
Vindimas no Capim, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura), com data de 16 de Dezembro de 2009:
...Carlos
com um abraço e votos de bom natal
José Brás
Palavra de honra!
Palavra de honra que não consigo entender.Palavra de honra que não consigo entender a discussão continuada e, por vezes a ofensa pessoal, sobre um tema que se conhece há dezenas de anos por ter sido larga e internacionalmente teorizado, antes e depois da nossa experiência, e o façamos como se o estivéssemos a viver hoje, emocionados, sem distanciamento nem abordagem amadurecida no estudo, na comparação objectiva, nas opiniões alheias, coisas todas essenciais à formação de um juízo limpo sobre as coisas difíceis e complexas.
Falo da situação dos povos de África, durante séculos ocupados e colonizados por grandes potências europeias, e da independência da grande maioria desses povos e desses territórios, ganhas em negociações mais ou menos prolongadas com o colonizador e quase sempre sob a perversidade da força como ameaça, e outras vezes em luta armada como solução única porque outra hipótese lhes foi negada.
Mais restrito, entretanto, é o objecto desta minha intervenção porque o que quero é falar da Guerra que travámos em Angola, Moçambique e Guiné entre 1961 e 1974, e mais restritamente ainda, da polémica alimentada entre os que acham que a guerra colonial estava perdida e dependente apenas do tempo, e os que continuam a pensar que a ganharíamos no terreno, não fora a cobardia dos políticos do pós 25 de Abril que, traindo o desígnio nacional, aceitaram de mão beijada ou mordida, a entrega.
Evidentemente, tal tema não é hoje uma questão fundamental na atribulada vida do País, perdido na complexidade mais geral e mais funda da continuidade da Pátria no galope da globalização que tudo arrasa, da história, da cultura e da particularidade do sentir quase milenar deste povo, até ao cozido à portuguesa.
Na Tabanca Grande é frequente a sua chamada à fogueira, quase sempre na sequência da palavra Guilege, dita de um lado ou do outro da divisão, seja a propósito do que for.
Ora, a mim me parece que se torna extremamente redutor, nuns e noutros, fecharem-se as inteligências em muros tão apertados.
E ainda mais redutor é, quando alguém, para apodar de cobarde aos que “abandonaram”, invoca a honra do exército, do regimento, do batalhão, da companhia e, provavelmente, as do pelotão e da secção.
O mundo é muito maior que isso, meus amigos, e muito maior também, o direito de cada qual mandar dentro da sua própria casa, que é como quem diz.
Vejamos!
Em menos de uma década (50/60), 36 novos países surgiram em África, tomando independência de seus antigos colonizadores, quase todos num processo de negociação longo e complexo aceite pelas duas partes.
Em Portugal, muitos anos antes, Norton de Matos, Craveiro Lopes, Veiga Simão, Adriano Moreira, Botelho Moniz, Costa Gomes, e até Marcelo Caetano e Kaulza de Arriaga, entre outros, cada um de seu modo, haviam concluído que a solução ultramarina era inevitável, tomasse ela o caminho que tomasse.
No terreno da luta, alguns chefes militares o entenderam também, na Guiné, por exemplo, o próprio comandante chefe, Spínola, que reiteradamente o propôs a Lisboa e pela negação do regime se demitiu, convencido que não ganharíamos a guerra, por mais batalhas que vencêssemos.
Estranho é, assim, não terem entendido os ultras do regime o destino que também nós, descobridores antigos, teríamos de encarar, preparando o País para as consequências inevitáveis e as colónias para uma transição amigável e aproveitadora para as duas partes que, sem dúvida, se necessitavam mutuamente.
Mais estranha ainda, diríamos hoje da atitude dos que sofreram na pele, na carne e na alma as consequências do conflito, se não nos dispusermos a encarar a realidade mais complexa que se formou na alma de cada um, na ressaca da sua participação e independentemente da bondade do seu carácter como ser humano, e que nós, hoje, num espaço como a Tabanca Grande, continuemos a viver entre a raiva da derrota de Alcácer Quibir e a esperança imperial de Afonso de Albuquerque, tratando o caso Guilege como se estivesse aí o centro do mundo.
Na verdade, aceitamos que na sequência da guerra dita religiosa contra muçulmanos e da ajuda que estrangeiros vieram dar à península, Afonso Henriques, ou mais propriamente o bispo de Braga, tivesse decidido o corte no Rio Minho, das ligações, religiosa com Santiago de Compostela e política ao Reino de Leão, iniciando com isso a criação de um novo País e a consciência crescente de um povo dono e senhor das suas terras e do se futuro.
A algum de nós passaria pela cabeça discutir a legitimidade da independência do Brasil, cem anos antes de Salazar, sem guerra e numa negociação em que foi português um dos personagens importantes da mudança?
E será apenas porque o tempo que se diz tudo curar, tratou de sarar as feridas da separação, e porque todos nós (ou quase todos) gostemos da música brasileira, das telenovelas, do futebol, da feijoada e do rodízio, ou porque nos parece realmente lógica e justificada a existência do Brasil como nação, e nem pareça muito ajuizado que coloque aqui para abordagem tal hipótese?
Não aceitamos, acho eu, é a desonra da secção!
Meus amigos. Somos, nos dois lados da polémica, muito mais inteligentes e generosos que a esterilidade de tal discussão.
Quanto a mim, que por largos meses vivi e sofri em Guilege e arredores o que ali se sabe que sofreram todos os que por lá passaram; tendo lido argumentos sobre a situação nos dois lados da divisão, sabendo que como povo, como exército em armas, fomos o que de nós se poderia esperar no caldo cultural nos rodeava, em que nascemos e nos fizemos homens e soldados.
Fomos muitas coisas, porque éramos múltiplos e unos ao mesmo tempo, infantes em terra, nas bolanhas e nas matas, tropas especiais ou de quadrícula, marinheiros naqueles rios cercados de tarrafo e mato, pilotos da escassa aviação de que dispúnhamos, gente crente da obrigação de honrar a história como sempre a ouvimos, gente plena de dúvidas na leitura nova de um mundo em mudança, gente que aguentou e sofreu o que está muito para além daquilo que outros povos aceitariam sofrer, gente que deu a vida sabendo ou não que o fazia mais por seu espírito pessoal do que por consciência aguda de que travava o caminhar natural da história.
E no fundo, que prejuízo nos trará a exibição da existência de diferenças entre nós, afinal, como sabemos, unos como povo e diferentes como cidadãos em tantas coisas que constroem a consciência colectiva.
Que prejuízo trará se soubermos dialogar sem raivas nem ofensas e apenas no objectivo de marcarmos o chão de cada um, inevitável e criador, sem objectivo de convencer o outro e, muito menos, de o esmagar de argumento ou de rajada.
Tenho a certeza que nenhum deixou para trás a companheiro, (e algumas vezes mesmo a inimigo), sem dar tudo o que podia para o carregar com ele, doendo-lhe na alma para sempre quando o seu esforço não foi suficiente para o salvar.
Entretanto, o mundo continua a mudar e não muito de acordo com as nossas esperanças e conceitos, mas muito mais pelas rédeas de grupos que nem conhecemos, que estão fora das nossas fronteiras mas condicionam o que já somos hoje e seremos no futuro, como País e como povo, enganando-nos com as papas e os bolos do shoping center global, fingindo que ainda temos história, bandeira, raia, mas cobrindo tudo isso com cultura alheia e massificada à escala mundial, vendendo omo e tide em qualquer supermercado do mundo, substituindo a chula do Minho e o vira do Algarve por rock’nroll, o vinho tinto por coca cola, a rolha de cortiça por plástico, o leitão da Bairrada por fast food e adormecendo-nos a consciência na lavagem da televisão por satélite.
E às vezes somos nós próprios que julgamos que tudo isto é apenas ficção. Agarramo-nos ao que nos resta e sonhamos com o antigo Império, desaproveitando até, a mão que poderíamos apertar sobre as águas do mar.
Companheiros!
Discutamos, sim, entre nós, as nossas vitórias e as nossas derrotas, com consciência e o espírito criador do abraço
José Brás
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Julho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4689: Blogpoesia (54) : Abraço com aço não rima, nem rima a morte com sorte... (José Brás)Vd. último poste da série de 15 de Dezembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5472: Blogoterapia (136): O Natal dos tertulianos de 2005, embrião da Tabanca Pequena de Matosinhos, criada em 18/11/2008... (Luís Graça)