domingo, 30 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6499: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (3): Quando Mandinga já não quer dizer turra, mas quando ainda não se esquecem os desmandos feitos pelas NT no início da guerra (J Armando F. Almeida / Luís Graça)



Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917 - De 15 de Novembro de 1969 a 15 de Março de 1972. (Versão em texto processado por Benjamim Durães)



[Continuação da publicação de excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, segundo versão policopiada gentilmente ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande] (*)

3. População > e. Aspecto político (...)

2 – OS ”MANDINGAS”

- Construtores de grandes impérios dos quais o maior foi o do Mali que durou do Século XI até ao Século XVII,  as suas relações com os Portugueses foram de tal modo intensas que o Rei D. João II, frente ao conflito ”Mandinga – Fula”,  enviou emissários ao Imperador do Mali e ao Chefe Fula Coli Tenguela, procurando servir como medianeiro nas disputas entre ambos.

Com o desmembramento do Império Mali,  inicia-se o enfraquecimento do poder Mandinga na Província em benefício do aumento de influência Fula, tendo a sua hegemonia política sido fortemente abalada a partir do Século XIX; a Batalha de Bere Colom (no ano 1850) em que os Mandingas são vencidos pelos Fulas,  atesta o seu declínio que se prolonga até 1866,  data da Batalha de Camsala Turubã,  em que os Mandingas foram totalmente desbaratados. 

Apesar de vencido,  a cultura deste povo impõe-se a quase todos os povos da Guiné e, difundindo o seu islamismo (do tipo africano,  revelando resíduos do antigo animismo),  criou, pelo contacto directo e contínuo com outras etnias, o fenómeno da aculturação destas, conhecido por “Mandinguização”.

Antes do terrorismo,  a etnia Mandinga mostrava-se em franca expansão por toda a Província invadindo áreas de outras etnias e competindo economicamente com elas sendo bem aceite por todos os povos da Guiné. 






"Era conhecida a separação entre fulas e mandingas. Estes pouco simpatizavam com as nossas tropas, eu tive essa ideia, os fulas, na generalidade, estavam do nosso lado. Esta rivalidade, e o não querer estar com os fulas, têm razões históricas: os mandingas tiveram um grande império no sudeste africano e foram senhores do reino do Gabú. Mas dum e doutro foram usupados pelos fulas...

"Nesta brochura, editada pela Editorial Cosmos (sem data) na sua colecção "Cadernos Coloniais" (é o N.º 13), António Carreira faz uma resenha histórica da islamização daquela zona de África e da lutas entre fulas e mandingas pelo seu domínio. São dados importantes para a história dos povos da Guiné e para a nossa commpreensão deles". [
António Barbosa Carreira nasceu em 1904, em São Filipe, Ilha do Figo, Cabo Verde. Morreu em 1988, em Lisboa].

Imagem e legenda: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados


Nos últimos anos que antecederam o terrorismo,  o poder económico de alguns dos seus membros e o domínio cultural que exerciam tornaram-no um dos mais progressivos da Guiné, surto do progresso que a subversão veio quebrar levando grande parte a aderir ao PAIGC ou a refugiar-se nos Países limítrofes, nomeadamente no Senegal e Gâmbia.

A sua atitude perante o terrorismo deve ser interpretada com todo o bom senso, eles viram no PAIGC a oportunidade de reaver a sua independência política, em face aos Fulas, e vingar um Século de prepotências a que estiveram sujeitos pelos Fulas; depois, nos primeiros anos de terrorismo, Mandingas era sinónimo de terrorista e temos de ter a coragem para admitir os erros de procedimento que as NT e Autoridades tiveram perante os indivíduos que eram rotulados de “terroristas”.

Hoje os Mandingas estão convictos de que não é mais possível, no Sector, ser-se acusado pelas Autoridades de “terrorista” apenas porque se pertence a esta etnia ou, se denunciam erros de indivíduos ligados às Autoridades, Militares ou Civis, Europeus ou Africanos (embora ainda existem no Sector alguns residentes Europeus a assimilados que, por convicção ou interesse, propalam, especialmente a quem chega de novo, que todos os Mandingas são “terroristas”).

Tal convicção,  associada ao seu desencantamento em relação ao PAIGC,  onde “calcinhas e oportunistas” ocupam lugares de mando que os Mandingas julgam deveriam ser concedidos aos seus Chefes, criou uma brecha que, a curto prazo, pode levar, se bem explorada pelas NT,  ao divórcio total desta etnia com o PAIGC.

- No SECTOR L-1 a actividade dos Mandingas vivendo sobre o nosso controlo difere de Regulado para Regulado.

ENXALÉ

- Sobre a designação de Mandingas estão agrupados na povoação do Enxalé, Beafadas e Mandingas sob o Comando efectivo do Beafada, Alferes de 2ª Linha Quemó Nanqui; fortemente hipotecados na defesa da sua povoação, colaboram activamente com as NT na procura e destruição do IN. 

Até à preparação do Congresso do Povo da Guiné de 1971, toda a população daquela povoação obedecia a Quemó Nanqui, e não se notavam quaisquer diferenças na forte determinação com todos, independentemente de raças a que pertenciam, colaboravam na defesa da povoação e perseguiram o IN. Deu-se então a separação dos Balantas, que passaram a ser dirigidos por Biaia Nadum,  dos restantes cujo Chefe se manteve Quemó Nanqui.Tal divisão consciencializou os “Mandingas puros” que passaram também por ali, embora colaborando com as NT, a dar indícios de um crescente neutralismo em relação ao conflito. 

A criação do GEMIL 309 e 310 (Grupo Especial de Milícias) e a sua consequente actuação acarretará decerto uma maior acção do IN sobre o Enxalé e,  com ela, acreditamos a destruição de tal neutralismo.

CUOR

- Encontram-se reordenadas nas Auto Defesas de Finete e Missirá, onde são protegidos por Pelotões de Milícia na sua quase totalidade formados por Fulas do Regulado Badora. Estão profundamente hipotecados na defesa das suas povoações e seguem a forte determinação do seu Régulo, Malan Soncó, de não abandonar o que resta do Cuor seja qual for a pressão do IN. Mas ao procurar-se fazer o recompletamento dos seus Pelotões de Milícias com elementos Mandingas, encontram-se grandes dificuldades no seu recrutamento. Também ao procuraram-se guias para as diversas operações no Cuor,  se encontra fortes reservas por parte dos Mandingas em colaborar com as NT.

BADORA

- Concentraram-se neste Regulado a maioria dos Mandingas do Sector. Muitos são daqui naturais mas há um importante núcleo constituído por “refugiados” de outros Regulados, especialmente do Regulado do Cuor e Oio.

- Os naturais do Regulado de Badora têm queixas das prepotências antigas fulas com conveniência ou nãos das Autoridades Administrativas, não esqueceram ainda os desmandos feitos pelas NT no início do terrorismo em que Mandingas e terroristas era considerado sinónimo, confiam bastante no Régulo de Badoera – Tenente de 2ª Linha Mamadú Bonco Sanhá, que dizem ser Beafada, porque nos seus ascendentes há uma mulher desta etnia, ser justo, ser valente e ter espírito Mandinga. Pelas razões apontadas, porque muitos deles têm família no mato, e talvez e especialmente por ser essa a orientação dos seus Chefes Religiosos, assumem uma atitude de neutralismo em relação ao actual conflito.

- Os refugiados neste Regulado pensam em cada momento nas suas árvores de fruto, nas suas terras, e muitos deles desejariam ocupar povoações de onde a guerra os expulsou.
- Desde que lhes seja garantida uma certa segurança,  estão disposto a ocupar as suas antigas povoações e cooperarem na sua defesa, desde que recuperadas.

- Na sua actual situação de refugiados procuram empenhar-se o menos possível tendendo para um neutralismo total.








Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917 - De 15 de Novembro de 1969 a 15 de Março de 1972. pp 53/74 (Versão em texto processado por Benjamim Durães)

[Fixação / revisão de texto / bold / título: L.G.]

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6437: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (2): O Fula, a sua lealdade,o seu preço (José Armando F. de Almeida / Luís Graça

Guiné 63/74 - P6498: In memoriam (42): Condutor de Daimler, vítima mortal do rebentamento de uma mina anticarro a caminho de Cufar (Alcides Silva)

1. Mensagem de Alcides Silva (ex-1.º Cabo Estofador, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69), com data de 28 de Maio de 2010:

Amigos,
Ao ler o comentário do Jorge Portojo fez-me recuar no tempo, quanto ao recordar nomes é um pouco difícil, mas existem momentos que nunca esquecem.

A situação que o Jorge refere do Condutor das Daimlers ter falecido num reabastecimento para Cufar, é uma das lembranças amargas, pois era um dos bons amigos e educado.

As coisas nesse dia correram mal para ele e para o 1.º Cabo Atirador que seguia sentado em cima da Daimler, com o alçapão aberto, o que foi a sua sorte, porque foi projectado, tendo apenas partido uma perna. Mesmo assim foi de rastos até à viatura para abrir a porta de emergência para retirar o camarada, mas já era tarde.

Com o rebentamento da mina, o Condutor bateu com a cabeça em cima, de forma que a morte foi imediata. Deste 1.º Cabo Atirador já não recordo o nome, mas recordo que também era um bom colega.

Envio uma fotografia do Condutor e de uma das Daimlers que ele conduzia.

Que esteja em paz.

Um abraço.
Alcides


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6394: Tabanca Grande (219): Alcides Silva, ex-1º Cabo Estofador (e não ex-Sold Cond Auto...), CCS / BART 1913, Catió, 1967/69

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6215: In memoriam (41): O Sem Sentido das Guerras - Relembrando António Ferreira (Mário Migueis)

Guiné 63/74 - P6497: Controvérsias (80): Resposta ao poste P6461, A língua portuguesa na Guiné está em perigo? (Carlos Silva)

1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos a seguinte mensagem, em 24 de Maio de 2010, em resposta às preocupações demonstradas no Poste P6461 da autoria do Eduardo Campos:
LÍNGUA PORTUGUESA NA GUINÉ: EM PERIGO?

Amigo e Camarada Eduardo Campos.

Com todo o devido respeito, que é muito, por ti e por opiniões contrárias, permite-me discordar em toda a linha da tua análise.

A língua Portuguesa na Guiné poderá estar em perigo, mas não é com certeza devido a ataques vindos do exterior, embora possa haver algumas investidas e vontade nesse sentido.

Contudo, para mim, a língua portuguesa na Guiné não está em perigo, porquanto, é língua oficial e é ensinada por toda a Guiné, mas nas escolas do interior profundo, nas matas cerradas, por onde tenho passado e por onde outrora os “tugas” não passavam, vi escolas sem conta, claro umas melhores do que outras em termos de construção, pois algumas são autênticas “casas de mato”, mas em todas ensina-se o português e vi com os meus próprios olhos nessas escolas que escrevem muito bem o português e que têm uma caligrafia muito melhor do que a minha.

Mas a questão essencial que se coloca, é genética, na medida em que, a língua oficial é o português, ensinam o português nas escolas, mas no exterior, os guineenses falam a sua língua mãe, da sua própria etnia e a intermediária para se compreenderem utilizam o “crioulo” em vez do português.

Há milhares de alunos do 5º ao 12º ano que escrevem bem o português, mas têm dificuldade em falar e a causa é a que invoco, mesmo os políticos guineenses que deveriam dar o exemplo, exprimem-se nas línguas mães ou em crioulo, quando se dirigem às populações.

Aqui em Portugal, acontece ipsis verbis a mesma coisa. Eles não falam o português e têm dificuldade em exprimirem-se, enquanto tu vês ucranianos e outros indivíduos de outras nacionalidades a falarem português como qualquer um de nós.

Portanto, a língua portuguesa se algum dia estiver em perigo na Guiné, não é por facto imputável só ao Governo Português, deve-se a eles próprios, e não é por causa da língua francesa que a nossa poderá a vir estar em perigo.

Não te esqueças que a Guiné, é um país soberano e a língua não se impõe por decreto.

Terá de haver uma alteração de mentalidades da parte deles guineenses a começar pelos responsáveis que dirigem o País, embora não descurando a língua materna de cada etnia.

Portugal não pode sobrepor-se à vontade deles e não é um Centro Cultural qualquer, que faz mudar o emprego de qualquer língua.

Aqui também se aprende muitas línguas, nas escolas e fora delas e não é por isso que a nossa língua fica em perigo.

Portugal, que é o maior Pais doador da Guiné, quer a nível governamental, quer através da sociedade civil, designadamente associações, tem cooperado com aquele País a todos os níveis incluindo o da educação e o do ensino do português, enviado não só professores, como livros e o mais diverso material.

A título de exemplo, a nossa Associação Ajuda Amiga, ano passado ofereceu mais de 10.000 livros e este ano mais de 20.000 livros e basta veres o nosso Site da Ajuda Amiga, o meu Site, com entrega directa por mim e outros camaradas antes duas semanas da tua estadia, bem como, podes ver muitos outros Sites de ONGs guineenses, como é o caso da AD.

Estou de acordo contigo quando dizes que existe entre nós uma preocupação em ajudar os povos da Guiné e, felizmente, temos muita gente trabalhando intensamente nessa causa, na tentativa de atenuar a miséria que lastra naquele país, isso é um facto, mas trata-se de outra situação.

A sensação que sentiste em Bissau de te parecer que estavas numa rua de uma qualquer cidade de França, já que só ouviste falar a língua daquele país, não significa que os guineenses viraram a falar francês.

Eu também tenho lá estado todos os anos, como sabes, e nunca tive essa sensação, apesar de ouvir falar mais o crioulo e as respectivas línguas nativas, sinto e observo que se fala mais português do que francês, pois os naturais da Guiné-Conakri, senegaleses, mauritanos, que até falam mais árabe do que francês, não ultrapassam em número os guineenses, nem sequer se aproximam.

Foi mera coincidência ouvires uns quantos estrangeiros “excursionistas” a falarem francês, podes crer… ou então estavas encostado ao Centro Cultural Francês próximo da Baiana, mas há também o Centro Cultural Português, Brasileiro etc.

Apesar de a Guiné-Bissau estar entalada entre o Senegal e a Guiné-Conakri, os guineenses não se deixam ir em ondas e deram prova disso na crise político-militar de 1998/99.

Não vejo como a presença francesa seja muito forte em Bissau, nem dei por isso, não sei se até me cruzei com algum francês.

Podes crer que estás enganado na tua análise e que foi apenas “um incidente linguístico” e que um grupo de jovens quiseram brincar com um “Tuga”.

Em que aspecto a França investiu muito mais na área da cultura do que Portugal? Foi com a construção dum Centro Cultural? O Brasil, Espanha e creio que a Suécia também construíram.

Sejamos realistas e não venham para aqui dizer que Portugal não faz nada

Não quero com isto dizer que Portugal, não possa fazer algo mais, com certeza que poderá, mas não te esqueças que estamos a atravessar uma crise Mundial de apertar o cinto, embora os comilões continuem a safar-se.

Respondendo ao comentário do Hélder Valério, tenho a dizer que ao longo das minhas viagens à Guiné quase anuais, tive 3 audiências com o Presidente Nino e que nesta última, na altura do Simpósio de Guileje, ele ter solicitado ou apelado aos participantes ali presentes para junto do nosso Governo solicitar o envio para a Guiné-Bissau de professores de ensino de português, [mas não estava lá o nosso Embaixador e nenhum representante diplomático português, mas sim e apenas o Sr. Embaixador de Cuba, que sempre acompanhou a delegação cubana] Vide n fotos no Blogue e no meu Site.

Quanto a investir no turismo ou noutra área qualquer, de facto seria bom, e é um dos factores que também pode contribuir para o desenvolvimento da língua portuguesa.

Mas onde estão os investidores? Que nem sequer investem em Portugal e deslocam o seu capital para o estrangeiro?

Isto por um lado e por outro, não podemos esquecer do factor de alto risco traduzido na instabilidade político-militar daquele país que tanto gostamos.
O Hélder está disposto a investir na Guiné?

Força amigo, tens todo o meu apoio. Isso de facto é que traduz uma boa ajuda contributiva para o desenvolvimento da Guiné.

Não são uns contentores de ajuda humanitária que temos levado que traduz uma ajuda ao desenvolvimento daquele País. Isso são trocos.

Já agora, que falam tanto em franceses e espanhóis digam-me lá, quantos investidores desses países estão instalados na Guiné e em que áreas, contribuindo para o seu desenvolvimento e a quantos “bicos” dão de comer?
Que eu tenha conhecimento, podemos contá-los pelos dedos e se calhar nem isso.

Haveria muito mais para dizer, mas esta síntese resposta já vai longa.

Com um abraço amigo,
Carlos Silva
Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:
30 de Maio de 2010 >
Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

1, Comentário de Manuel Joaquim (*) ao Poste P6488:

 Caro Mário

A minha instrução militar (básica) começou em Janeiro de 1964, em Tavira (5 meses) e acabou em Setembro de 1964 em Mafra (especialidade, 2meses),sempre acompanhada do tal Manual que referes.

Os oficiais instrutores eram do QP mas sem qualquer experiência de contra-guerrilha.Quando chego a Leiria e integro uma companhia  de instrução de recrutas,o comandante recém- chegado da Guiné reuniu-se com os aspirantes e cabos milicianos para testar a nossa formação e como foi ela feita.

Não me recordo das palavras exactas mas foi coisa do género:
- Esqueçam essas balelas, têm a sorte de me terem aqui vindo há pouco da Guiné e não acreditem só no que eu digo porque guerras destas só se aguentam se estiverem preparados para as surpresas que terão no dia a dia. Um conselho: estudem bem o inimigo e nunca facilitem; quando partirem para o ultramar olhem para o contingente que integram e pensem que,  de certeza, ou quase de certeza, não regressarão todos. E, se puderem e quiserem, procurem informação sobre guerra de guerrilha. Ajuda-vos a inventar defesas contra as surpresas

E foi o que eu fiz. Fidel Castro, Mao Zedong e outros tiveram "visitas ".  Resultado?  Pelo menos um: saber onde estava, perceber o IN, quais os objectivos dos contendores de um lado e doutro, ser cidadão português na "clandestinidade"  já que, com o poder político de então,  era difícil sentir-me cidadão do país que também era o meu (coisas do coraçao!).

Aquele mundo de guerra, ideologicamente,  não era o meu. Aquele pedaço de terra, sim, "fez-me" seu cidadão e fez-me sentir cidadão do mundo pela primeira vez. Aliás, é esta a "cidadania" que me agrada como ser humano.

Nesta guerra da Guiné não pode haver comparações quando as situações não são comparáveis, como sejam as dos últimos anos de guerra e as dos anos anteriores, a guerra com cobertura aérea ou sem ela, a guerra dos primeiros anos com o IN fracamente armado,quase limitado a granadas de mão, minas e e pistolas metralhadoras e os anos posteriores com fogo directo de armas pesadas,foguetes,mísseis terra-ar,etc. E, por último e não menos importante, o enorme progresso na qualidade de combate do IN "versus" a impotência das NT para o enfrentar por falta de apoio logístico,quer de alimentação,quer de material de guerra e falta de mobilidade,quer terrestre quer aérea,principalmente esta.

Pelo que tenho lido neste blogue uma coisa não faltou: A coragem, a entrega, a determinação, o inacreditável espírito de sacrifício da grande maioria dos militares portugueses, actores forçados duma tragédia(a grande, grande maioria) que os "ventos" malsãos da história portuguesa encenaram.

Um grande abraço

Manuel Joaquim

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6495: Convívios (245): 7.º Encontro da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, dia 5 de Junho de 2010 em Fátima (Manuel Maia)

1. A pedido do nosso camarada Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), estamos a dar conhecimento do 7.º Convívio da sua Companhia  no próximo dia 5 de Junho de 2010 em Fátima.



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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6242: O 6º aniversário do nosso blogue (28): O meu bem haja com o vozeirão maior que se possa conceber (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6492: Convívios (159): 11º Encontro da CCAÇ 763 (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P6494: Notas de leitura (115): A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2010:

Queridos amigos,
Faltava ainda a recensão deste livro dos anos 70.
O José Brás prometeu que vai procurar o livro do Álvaro Guerra “O Capitão Nemo e Eu”, cuja recensão é indispensável.
Como pedir não custa, volto a suplicar, a demandar, sempre sujeito aos vossos actos misericordiosos, que me emprestem as relíquias da vossas estantes, tudo o que tenha a ver com a literatura da guerra da Guiné e de que ainda não se fez recensão no blogue.
Gostava de só por encerrada esta empreitada quando tivermos o inventário acabado.

Um abraço do
Mário


A flor e a guerra

por Beja Santos

Manuel Barão da Cunha escreveu o livro “A Flor e a Guerra” entre 1970 e 1972 e publicou-o em 1974. Dedicou-o ao Movimento das Forças Armadas. Quando se começa a ler, pensa-se que o autor elaborou ( ou pretende simular) um guião de cinema, só lá faltam as imagens, aliás ao nosso alcance:

“Eles avançam em silêncio. Silêncio apenas quebrado pelo calcar das folhas, pelo tropeçar no mato. Pausas escassas que o cuidado é muito e o mato molhado.

Eles avançam em silêncio. Silêncio também na mata que rodeia o trilho onde se revolvem as nossas entranhas. Medo, angústia e desejo deste desconhecido que não quer revelar-se. Desta morte que tarda em chegar.

Flora e fauna emudeceram. O silêncio, a expectativa contemplam estes homens, estes pigmeus e a sua loucura. Estrondo. Folhas, ramos, terra, sangue, receios já vão pelo ar.

Eles avançam em silêncio, no meio da mata indiferente. Mas o silêncio e a indiferença foram quebrados.

Ramos, folhas, capim, jazem a par dos homens que avançavam. Já não é o estraçalhar do mato que corta a angústia. Há pólvora e gemidos no ar. Cheiro de sangue de árvores, se seiva humana.”

O leitor cedo se apercebe que são textos fragmentados, encadeados entre um antes e um durante a guerra, e talvez uma pausa para alguém que se restabelece dos efeitos da guerra numa atmosfera de paz, com a memória dorida e num sobressalto de afectos. Algo aconteceu para além do estrondo e da convalescença. Há frases pesporrentes, de caserna, há diálogos sincopados, entre um combatente e uma mulher que parece disposta a amar. Na cabeça do convalescente reorganiza-se uma operação de contra-guerrilha, percorrem-se trilhos, caminha-se para um objectivo, desfilam figurantes, a tensão é elevadíssima, o convalescente afinal parece estar em Londres, lança um olhar sobre uma sociedade de abundância, com arte pop e gente satisfeita, convivente, o confronto com aquela guerra de onde vem fá-lo pensar. Porém, aquela operação espeta-se-lhe no cérebro, é o ferro em brasa que atravessa toda a narrativa, enigmática. Sem dar tréguas, o autor cadencia a marcha da narrativa, interpolando os vários lugares e tempos, mas percebe-se que a espinha dorsal assenta na tal operação, o alfa e o ómega das relações que se construíram e desconstruíram na convalescença do combatente:

“À frente o guia-turra. Uma corda liga-o ao primeiro soldado. O 129 oferecera-se para aquele arriscado lugar. Aquela atitude contrastava com o seu aspecto ainda pouco viril. Necessidade de demonstrar aos outros? Ou a si próprio? Ou talvez nada disso, que nisto de coragem nos homens é como o comportamento feminino.

Logo atrás, o Manique com a arma pronta a disparar. Depois, todos os outros, perscrutando a mata que orlava o trilho. Sós, sós no meio verde. O verde das costas do camuflado da frente. O verde da mata que os rodeava. Sós com os seus próprios problemas”.

A coluna será detectada, haverá tiroteio, a força atacante procura dissimular-se ao anoitecer. Os do PAIGC estão-lhes no encalço. A lua desapareceu, estão imersos na escuridão total. Só que a floresta, de tempos a tempos, é sacudida por tiros e rajadas. É nisto que a força atacante, até aí silenciosa, descarrega a tensão acumulada. Terá sido um erro, o inimigo reagrupa-se, aperta o cerco. E surgem os feridos, um piloto de helicóptero aceita o risco, levanta ao amanhecer. Cá em baixo, um ataque de abelhas agrava a balbúrdia, quem está a ser cercado passa ao contra-ataque. O helicóptero acidenta-se, qual ave ferida estatela-se numa clareira, com vidros quebrados e ferros torcidos. O que exactamente se passou, o leitor nunca saberá, os textos fragmentados sucedem-se, há consultas no hospital, radiografias, cruzam-se as conversas, apercebemo-nos que há densos afectos que não poderão ser contextualizados. Deliberadamente, a narrativa paralisa-se, perde continuidade, o que é facto é que na mata os homens prosseguem com as entranhas revolvidas, tal o medo e a angústia com um inimigo escondido algures, emboscado, pronto a dizimar.

Como estamos longe do livro “Aquelas Longas Horas” em que Manuel Barão da Cunha exaltava o heroísmo dos soldados anónimos. “A Flor e a Guerra” é um livro carregado de desalento, inacabado como história de guerra e paz. Um eloquente testemunho dos novos tempos que se avizinham, o 25 de Abril está a caminho.

Manuel Barão da Cunha (primeiro à esquerda) na Guiné
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Nota de CV:

Vd último poste da série de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6491: Notas de leitura (114): Antologia do Conto Ultramarino, de Amândio César (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6493: Ser solidário (73): Domingos Manfande, ex-Soldado da CCaç 13 (Carlos Fortunato/Carlos Silva)

1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos a seguinte mensagem, em 26 de Maio de 2010:

Lisboa, 20-05-2010 - Chegada do Domingos Manfande ao Aeroporto – Camarada da CCaç 13

Amigos

O Domingos Manfande [ex-Soldado CCaç 13] foi operado ontem, [20-05-2010] e tudo correu bem dentro do possível, tratava-se de um caso de grandes cataratas, ao qual se soma uma miopia muito avançada (19 dioptrias), não é engano são mesmo 19, isto em ambos os olhos, sem a ajuda prestada estava condenado à cegueira.

Vai com certeza melhorar com a operação, mas será uma visão sempre bastante deficiente.

Como já vos tinha referido está em casa do nosso amigo José Gomes [ex-Fur Mil Enfº CCaç 13], o qual apesar da sua intensa actividade profissional que lhe deixa pouco tempo, à qual se acrescem problemas familiares [a sua mãe também está doente e também tem que tratar dela], assumiu com a sua habitual grande generosidade mais esta tarefa de tomar conta do Domingos o tempo que for preciso até ele estar em condições para poder regressar à Guiné-Bissau.

Um médico bastante conhecido em amigo do José Gomes não quis envolver o seu nome, e a verdade é que sem o seu envolvimento esta acção não seria possível.

Compreendemos que existe aqui sempre alguma delicadeza nestas questões, porque ele trabalha no Hospital de Cantanhede e sem o apoio do Hospital de Cantanhede nada seria possível, na verdade, isto é, uma cadeia em que basta faltar um dos elos para nada funcionar, todos são importantes, quer os mais fracos quer os mais fortes, de qualquer modo vamos agradecer formalmente ao mencionado médico e à sua esposa [foi ela quem operou o Domingos], e também ao Hospital de Cantanhede todo o empenho e apoio dado, apenas aguardamos que o Gomes indique a melhor forma de o fazer.

Tudo isto para o Domingos são grandes novidades, é um mundo totalmente diferente, primeira vinda a Portugal, primeira viagem de avião, primeira vez a andar num elevador, primeira vez a andar numa escada rolante, primeira vez a passar por túneis, primeira vez a passar por estradas que se cruzam e passam umas por cima das outras, etc., etc., claro que o Domingos vê estas coisas e ri-se de admiração.

Num parque de estacionamento perguntou-me [Carlos Fortunato] se era um lugar de venda de carros, admirando-se com existiram tantos carros, e com toda a gente ter carro.

Fomos até um bairro social, e expliquei-lhe que era o sítio onde viviam os "coitados".

A expressão pobre não é bem entendida, nós e eles quando vemos alguém muito mal exclama-mos "Coitado!", e na Guiné os coitados são os mais pobres.

Como estava a dizer fomos a um bairro social e expliquei-lhe que ali moravam os "coitados", mas quando passamos junto a um caixote de lixo estavam vários móveis e cadeiras, e 2 sacos de roupa em boas condições, e ele parou admirado por deitarem aquilo para o lixo, perguntei-lhe se aquilo era bom para lá, e ele disse-me logo que sim, continuei mas ele ainda insistiu perguntando: "Então não vamos levar?", disse-lhe que não, e ele comentou "Aqui até os "coitados" são ricos".

Quando esteve em minha casa coloquei o filme "Os deuses devem estar loucos", porque como era passado em África, pensei que seria interessante para ele, mas a reacção de um africano quando vê um filme é diferente, porque ele vive o filme, e nós apenas o vemos.

Fui-lhe explicando o filme à medida que se desenrolava, ele consegue ver as imagens mas sem os detalhes, por exemplo não vê os olhos ou os detalhes das caras, e então perguntava-me e comentava: "Oh Fortunato eles não têm água?", "Oh Fortunato eles não têm roupa?", "Eles estão magros devem passar muita fome", "Não podemos levar ajuda para eles?", "É muito longe onde eles vivem. Mostra-me no mapa. Pois é não dá para irmos lá."

Mas não desistiu "Então a e a Cooperação Internacional não pode lá ir abrir um poço?"

Mostrei-lhe o segundo filme com o mesmo nome, existe uma parte em que aparece um furo de água a deitar água, e ele fez uma cara de satisfação "Olha Fortunato, já fizeram um furo!", "Eles ainda nus não andam? Ainda não levaram a roupa!", disse-lhe que tinha sido a Cooperação Internacional que tinha feito o furo, e que o contentor com roupa ia a seguir, e ele ficou com um sorriso de satisfação.

Realmente eu nunca tinha olhado assim para aqueles filmes, mas isto mostra o que é o Domingos Manfande, e é por isso e por outras coisas que o Domingos Manfande tem tantos amigos.

Um abraço,
Carlos Fortunato
Fur Mil At Inf da CCaç 13

Amadora, 17-05-2010 – o Domingos Mafande entre os amigos no Centro Logístico da Ajuda Amiga


2. A esta história do nosso camarada Carlos Fortunato sobre o Domingos Mafande, acresce dizer, que o nosso camarada veio para Portugal para submeter-se à mencionada operação à vista com a colaboração da nossa Associação Ajuda Amiga, mas de facto deve-se essencialmente ao esforço e persistência do Fortunato, pois o processo arrastou-se por quase 2 anos, repito quase 2 anos, para ele chegar até aqui.

De facto é de lamentar, e isso tenho defendido em muitos fóruns, junto de várias entidades portuguesas, ex-1º Ministro Guterres, MNE, Embaixadas; MAI; SEF, MDN, em acções junto dos Tribunais, etc etc, etc, a fim de ultrapassar as dificuldades dos nossos camaradas africanos relativamente à possibilidade de virem a Portugal tratarem de assuntos que lhes dizem respeito, relacionados com direitos derivados com sua a prestação do serviço militar no exército português e sobre estes temas já escrevi centenas, milhares de páginas sobre esta temática, incluindo aqui no Blogue ao chamar à atenção das suas dificuldades, como foi o caso do Bodo Jau Postes 4497; 4506; 4526 etc, etc, alertei para as dificuldades dos nossos camaradas e que não bastava Blás, blás, como se tem visto muito nosso Blogue e que era necessário passar para o plano das acções efectivas, concretas.

Isto para dizer, que o nosso camarada Domingos teve de enfrentar um processo moroso, para obter o Visto de entrada em Portugal, pois teve de ser através da invocação e aplicação de um acordo sobre saúde, pois não conseguia, não conseguem, obter os vistos junto dos nossos Serviços Consulares.

O restante envolvimento de solidariedade à volta do Domingos Mafande já é conhecido, aliás, foi lançado um pedido de apoio aos nossos camaradas pelo Fortunato no Blogue, Poste 3860, o que se traduziu em zero. De facto a palavra solidariedade ou ser solidário, é muito bonita, mas só vejo blás, blás da maioria dos bloguistas.

Os nossos camaradas Gualter Pinto e Vasco Gama bem se esforçam, este último, parece-me que até hoje nada conseguiu.

Acresce dizer que para além do esforço do Fortunato para trazer o seu Camarada da sua Secção, a vinda dele deve-se também à generosidade, do nosso associado e camarada José Gomes da CCaç 13 e principalmente do generoso médico de Coimbra e ao Hospital de Cantanhede, aos quais ficamos muito gratos.

Mas casos como o Domingos e com outras patologias, há centenas deles votados ao abandono e ao ostracismo.

Um dia destes voltarei ao assunto com exemplos arrepiantes, pois relativamente a um deles eu próprio chorei ao ver o corpo do nosso camarada que anda a arrastar-se lá para os lados de Urque, uma tabanca situada entre Farim e Binta.

Daqui volto a lançar mais uma apelo para a solidariedade que podemos prestar.

Massamá, 24-05-2010

Com um abraço amigo,
Carlos Silva
Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6459: Ser solidário (72): Viajar (e sentir) pela Guiné (José Eduardo Alves, ex-Condutor da CART 6250)

sábado, 29 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6492: Convívios (244): 11º Encontro da CCAÇ 763 (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 25 de Maio de 2010:

11º Encontro da CCAÇ 763

A Helena (esposa do Mário Fitas), Carlos Filipe, Álvaro Veríssimo e esposa

Caro Luís e Camaradas.

Mais um encontro da C.CAÇ. 763, construtora do que viria a ser o Aquartelamento de Cufar, um dos pontos cruciais da Guerra, dado o seu posicionamento de apoio na luta travada com o PAIGC no Sul da Guiné.

Continuamos a juntar, rememorando os tempos difíceis que foram aqueles vinte e dois meses em luta, e construindo todas as estruturas de um Aquartelamento.

Percorremos não só todos os caminhos de Catió a Ganjola, de Cufar a Cobumba, como as míticas matas de Camaiupa, Afiá, Cachaque e Cabolol. Mas também nos mandaram para o lado de lá do Cumbijã, para o Cantanhez. Darsalame, Cadique, Caboxanque, Flaque Injã, Bedanda até ao cruzamento de Salancaur Mejo.

Apenas com 48 homens operacionais, só não nos refinaram os ossos para o açúcar, de resto ficou lá tudo.

Para aqueles que por doença ou diversos motivos não puderam estar presentes, sabemos que em espírito lá estavam também. Todos foram lembrados.

Desta louca vivência tivemos a gratificante companhia e amizade de um punhado de homens, aos quais queremos deixar hoje aqui a nossa homenagem e agradecimento que foram os Homens da C.CAV. 1484, de quem nos foi sempre cedido um grupo de combate, para as últimas seis operações de envergadura que efectuámos naquela terra.

Deram-nos alguns desses extraordinários homens, da C.CAV. 1484, com suas esposas e família, a doce alegria de nos acompanharem neste nosso convívio, recordando momentos difíceis de antanho.

Para todos eles e em especial ao mobilizador desta fraterna companhia, Benito Neves, da C. CAÇ. 763 vai o nosso agradecimento e o fraterno abraço do tamanho do nosso Cumbijã.

A Organização do 11º Encontro da C. CAÇ. 763
2. Envio também, pelo seu interesse, o discurso proferido neste convívio, pelo Alf Mil Jorge Paulos, da CCAÇ 763, em Boleiros - Fátima.

ENCONTRO DE CONFRATERNIZAÇÃO DA CCAÇ 763 – MAIO 2010

Ter a possibilidade de dirigir aqui algumas palavras a todos os presentes, mais do que um privilégio, é uma honra porque, antes do mais, me faz relembrar a figura ímpar e insubstituível do nosso Capitão Costa Campos

Não estamos neste encontro por um acaso, juntámo-nos, mais uma vez, porque muitos dos presentes tiveram uma aventura em comum, que, naturalmente, não só não a esquecem, como fazem questão de a relembrar.

Há 45 anos, recordam-se, éramos uns putos. Éramos, de facto, muito novos, mas, meus amigos, podemos hoje, que já somos menos novos, olhar para trás e sentir orgulho por, nessa altura, termos sido capazes de enfrentar, com sucesso, os perigos e as adversidades com que nos confrontámos.

Nunca me canso de lembrar que ter coragem não significa não ter medo, ter coragem é ser capaz de dominar esse medo e seguir em frente.
E foi isso, exactamente, o que fizemos e que não pode deixar de ser um exemplo que deixamos aos nossos filhos, aos nossos netos e a todos os jovens e menos jovens deste país.

A vida é difícil, mas não podemos deixar-nos vencer. A cada momento é preciso levantar a cabeça e seguir em frente.

Amigos, quero pois saudar todos os militares da CC 763, tornando extensiva esta saudação aos nossos companheiros da CCav. 1484, que várias vezes, conjuntamente connosco, lutaram na Guiné e que nos deram hoje o prazer da sua presença e para os quais peço uma salva de palmas.

Gosto sempre de relembrar, neste momento, uma das muitas operações em que entrámos e este ano evoco a operação Pirilampo.

Eram cerca das 00.00 horas do dia 10 de Setembro de 1966, quando a Companhia de Caçadores 763, conjuntamente com a Companhia de Cavalaria 1484, sairam do aquartelamento de Cufar na direcção da mata de Afiá, onde chegámos às 05.30 horas, para daí seguirmos para a mata de Cabolol, onde, segundo informações obtidas, o inimigo teria um aquartelamento.

Iniciámos, então, uma batida até cerca das 15.30 horas, altura em que detectámos o acampamento inimigo que, num rápido envolvimento, com a colaboração da Companhia de Milícias 13, destruimos.

Seguimos, de imedito, na direcção da Tabanca de Cabolol Balanta onde o inimigo, que para aí se tinha dirigido, reagiu com fogo intenso de metrelhadora pesada, lança-granadas e armas automáticas.
A nossa reacção foi pronta e fortíssima, fazendo calar, em poucos instantes, o tiroteio inimigo.

Destruída a tabanca, regressámos ao aquartelamento, cerca das 22.30 horas, desta vez, felizmente, sem mortos nem feridos.

Amigos, era bem melhor que não tivesse havido guerra, pois muitos dos nossos companheiros sofreram e ainda sofrem os seus resultados negativos. Mas, já que lá estivemos, não devemos ter receio de dizer bem alto que soubemos ser dignos de nós próprios, que honrámos o país e que tem sido escasso o reconhecimento da nossa entrega que, em muitos casos, chegou ao sacrifício da própria vida.

Companheiros foi bom estar aqui convosco, mas tal só foi possível, mercê da disponibilidade e trabalho do Mário Ralheta, que foi o obreiro deste encontro e para quem vai o nosso obrigado com uma singela, mas sentida, salva de palmas.

Termino, amigos, com uma palavra final para as nossas famílias que, é preciso dizê-lo, foram muitas vezes um pilar importante no equilíbrio da nossa vida.
Para todos os votos de muitas felicidades.

Jorge Paulos
Maio de 2010
Por Fátima passaram muitos veteranos da C.CAÇ. 763. Da esquerda para a direita: Pernas, Pereira, Marques e Carlos Filipe

Alf Mil da 763 Jorge Paulos, Artur Teles e respectivas esposas
Bernardino Pinto e esposa

A juventude também marcou presença, acompanhando o avô Veterano de Guerra
Um abraço,
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

23 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6457: Convívios (158): XX Encontro do pessoal do BCAÇ 2884, no dia 15 de Maio de 2010 na Guarda (José Firmino)

Guiné 63/74 - P6491: Notas de leitura (114): Antologia do Conto Ultramarino, de Amândio César (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio:

Queridos amigos,
Aqui está a oportunidade, por um euro, de ler escritores que tiveram a sua importância na literatura colonial, tais como Baltazar Lopes, Fausto Duarte, Fernando Reis, Mário António, Vimala Devi e Fernando Sylvan.

Creio que está esgotada a temática ultramarina, no que toca à Guiné e que o Leopoldo Amado tão lapidarmente estudou.

Um abraço do
Mário


Dois escritores cabo-verdianos que escreveram sobre a Guiné

Beja Santos

A “Antologia do Conto Ultramarino” (1972), de Amândio César, ainda se pode encontrar nos alfarrabistas por um euro. O autor tinha publicado em 1969 dois volumes “Contistas Portugueses do Ultramar”, abrangendo o espaço de Cabo Verde a Angola. Com esta edição destinada aos livros da RTP, Amândio César pretendeu abarcar algumas expressões representativas das literaturas de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Macau e Timor. Curiosamente, em 1969, no que tocava à Guiné, incluíra um escritor combatente, Álvaro Guerra, com um conto admirável “O Tempo em Uane” (Em “Os Anos da Guerra” João de Melo irá recuperar esta jóia literária).

Amândio César faz representar a literatura guineense através de dois cabo-verdianos, Fausto Duarte e João Augusto Silva, já referidos em recensões literárias anteriores. Fausto Duarte nasceu na cidade da Praia em 1903 e foi agrimensor na Guiné em 1932. Obteve um importante prémio no concurso de literatura colonial com o romance “Auá”, inequivocamente uma obra com méritos. João Augusto Silva nasceu na Brava em 1910 e de 1928 a 1936 viveu na Guiné onde colheu elementos para o seu livro “África – da vida e do amor na selva” que igualmente foi premiado pela Agência-Geral das Colónias. João Augusto Silva foi tio do Pepito, que já aqui contou algumas das suas histórias.

Não vale a pena acrescentar mais elementos àquilo que o nosso confrade Leopoldo Amado já observou sobre a literatura colonial guineense. Estamos perante dois homens viajados que não resistiram à sedução africana, renderam-se ao exotismo, abordando temáticas onde vemos privilegiados amores entre nativos, histórias de caçadores, lutas correspondentes ao período da pacificação (até 1936), descrições primorosas sobre a paisagem africana, a sua fauna e a sua flora, entre outros motivos.

O conto de Fausto Duarte escolhido para esta antologia chama-se “Regresso”. Trata a história de um coronel que fora governador no tempo das lutas correspondentes ao período de pacificação e que vai ao cemitério de Bissau onde está o túmulo do seu filho que ele, por rigidez e insensibilidade, enviara praticamente para a morte, a força pacificadora tinha sido massacrada pelos revoltosos. Provavelmente Fausto Duarte baseou-se nas guerras de Bissau com as contínuas escaramuças dos Papéis. O conto “Foi em Cuntabanim” de João Augusto Silva passa-se no chão do régulo Mutari, andavam caçadores brancos na pista de uma pequena manada de elefantes, um pisteiro de nome Hamadi relata histórias fabulosas à volta da lareira, aguarda-se o amanhecer para que os brancos retomem a caçada. Hamadi começa por falar numa caçada aos búfalos, a novidade eram aquelas espingardas, obra de feitiço, espingardas pareciam coisas de brincar, os buracos de entrada das balas eram uma coisinha pequenina que mal se via, mas, ao sair abriam um buraco grande que parecia uma flor de poilão-forro. Hamadi tem mais histórias para contar: hipopótamos feridos que levantaram no ar canoas, em rios cheios de crocodilos, contou peripécias sobre a caça de leopardos e gazelas. A história termina assim: “Hamadi conta mais uma história, uma fábula, onde o bicho é metido a ridículo. Por entre pasmos e risadas sucedem-se contos maravilhosos. Mas o branco está cansado e tem sono. De dentro da barraca de campanha manda-os calar e recomenda que se deitem, pois no dia seguinte, ao terceiro cantar do galo, deverão estar todos a pé, prontos para a caçada”.

Enfim, uma África típica do período colonial, um mundo captado pelos olhares “civilizados” para entreter, do outro lado do Atlântico, outra gente civilizada.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6483: Notas de leitura (113): As ausências de deus, de António Loja (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6490: A minha CCAÇ 12 (3): A única história da unidade, no Arquivo Histórico-Militar, é a que cobre o período de Maio de 1969 (ainda como CCAÇ 2590) até Março de 1971... e foi escrita por mim, dactilografada e policopiada a stencil (Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Cambança de uma bolanha, na região do Xime, no decurso (?) da Op Boga Destemida, em Fevereiro de 1970, em que participarama 3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Desta A) e forças da CART 2520 (Xime), reforçadas pelo Pel Caç Nat 63 (comandado pelo Alf Mil Art Jorge Cabral) (Dest B). Essa operação saldou-se por 2 mortos e meia dúzia de feridos (entre graves e ligeiros, entre eles o meu amigo 1º Cabo Galvão, que foi ferido na coaxa com um tiro, quando em maca, lesionado, transportado por quatro camaradas, à altura do capim (*)...

Vendo melhor a foto, parece-me improvável que tenha sido no decurso da Op Boga Destemida... Em primeiro palno, vê-se o 1º Cabo Valente, ferido por estilhaços de morteiro em Janeiro de 1970 (Op Borbeleta Destemida)...Depois estamos já na época seca... É possível que a foto (aliás, um diapositivo) tenha sido tirado ainda em 1969, no final da época das chuva, que também de intensa actividade operacional... Infelizmente não tenho as legendas das magníficas imagens que o Arlindo Roda teve a gentileza de me mandar, através do Benjamim Durães (CCS / BART 2917, 1970/72).

Ainda em 2º plano, vê-se o Fur Mil At Inf Roda, o Alf Mil Op Esp Francisco Moreia (comandante do 1º Gr Comb). Atrás deles, descortinam-se ainda as cabeças dos Fur Mil Humberto Reis e António Branquinho.

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Direitos reservados




 1. Realizou-se hoje, em Vila do Conde, o 39º Convívio Anual da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72). Quero dizer aos camaradas que nos substituíram, aos primeiros quadros e especialistas metropolitanos (que integraram a CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12), que há uma história da nossa unidade (HU), escrita por mim, respeitante ao período de Junho de 1969 / Março de 1971... É o único período em que há uma HU da "nossa" CCAÇ, segundo o Arquivo Histórico-Militar.

A história da CCAÇ 12 também tem uma história que merece ser contada:

(i) Escrita por mim, contou com a cumplicidade e a colaboração de vários camaradas, milicianos, incluindo um sargento do quadro: já não está no activo, vive em Évora, e faço questão de mencionar seu nome, o Sargento Piça, o Grande Piça, para os amigos!...

(ii) Oficialmente, o documento não tem (nem podia ter) autor, mas é unanimemente reconhecido que foi escrita por mim;

(iii) Mais, foi-me pedida expressamente pelo comandante da companhia, o afável Capitão Inf Carlos Brito (que hoje vive em Braga, e é coronel na reforma, devendo estar na casa dos 77/78 anos; não tem aparecido aos últimos encontros da companhia; não o vejo desde 1994, data do nosso 1º primeiro encontro, em Fão, Esposende;

(iv) O então Cap Brito (em vésperas de ser promovido a major, se não mesmo já major) não autorizou a sua divulgação, nem muito menos o comando do batalhão de quem estávamos hierarquicamente dependentes, o BART 2917, a partir de Junho de 1970 até Fevereiro de 1971); alegava ter informação "classificada" (o que era inteiramente verdade);

(v) Um versão, escrita e impressa à luz do dia, a stencil, na secretaria da companhia, foi discretamente distribuída aos alferes e furriéis milicianos (mesmo assim, não sei se a todos...), numa tiragem necessariamente reduzida, na véspera da partida; como era sabido, os quadros metropolitanos e os especialistas da CCAÇ 12, num total de 50, eram de rendição individual;

(vi) Em 1994, quando reencontrei o meu antigo Capitão, agora Cor Ref, dei-lhe conta desta deslealdade que cometi em Março de 1971 (julgo que foi a única, em relação a ele).



O único louvor que tive na tropa e onde se referência à elaboração da história da unidade... Foi coisa que nunca mostrei a ninguém. Pensando bem, deveria ter razões para sentir-me honrado pela distinção...  Reprodução da página 12 da minha caderneta militar...

Foto: © Luis Graça (2010). Direitos reservados


Na I Série do nosso blogue, fiz questão de dizer que gostaria que aquele documento tivesse podido chegar às mãos de todos os meus camaradas, incluindo os nossos soldados e cabos metropolitanos. E até às mãos dos africanos, embora muito poucos (dois ou três) soubessem ler e escrever. Infelizmente, não chegou. Verifico agora que, no período de 1971/72, em que estiveram à frente da Comopanhia o Cap Inf Celestino Ferreira das Costa e depois o Cap QEO Humberto Bordalo Xavier já havia mais 1ºs cabos, para além do José Carlos Suleimane Baldé, a quem eu ajudei a fazer a 4ª classe, eu e outros camaradas como o Marques.

Sobre a divulgação, aqui, no nosso blogue, de partes desse documento, eu quero de novo declarar que a nossa actuação na Guiné não teve nada de heróico. Como muitas outras subunidades, cumprimos a nossa missão, pese embora o facto de eu julgar que fomos duramente explorados pelos batalhões que estiveram sediados em Bambadinca.

E a releitura da história da CCAÇ 12, sob o comando do Cap Inf Carlos Brito (foto à esquerda)  vem confirmar, à distância de quase 40 anos, essa primeira impressão de quem, como eu, tendo sido actor, não pode ser advogado em causa própria. Procurei, mesmo assim, ser o mais possível objectivo, ou pelo menos factual, e distanciar-me dos acontecimentos que, muitos dos quais, eu próprio vivi como combatente sui generis (não levava granadas à cintura, andava com a G3 em posição de segurança...).

Cumprimos a nossa missão, com sangue, suor e lágrimas (um dos slogans preferidos dos nossos camaradas que faziam tatuagens no corpo). Recordo-me de algumas tatuagens: Guiné 69/71: Amor de mãe ou Guiné 69/71: Sangue, suor e lágrimas (Seria interessante estar esta forma de comunicação...).

Partimos tal como chegámos: discretamente. Na Guiné fomos amigos e solidários uns dos outros. Honrámos a Pátria, mesmo discordando (alguns, como eu) daquela guerra. Batemo-nos com dignidade e até coragem. Um terço dos operacionais foi ferido em combate. Fomos uma das primeiras unidades da nova força africana, criada por Spínola. Deixámos lá a nossa juventude...

Em contrapartida, nunca mais soube nada dos meus, dos nossos, soldados africanos. Soube há dias do José Carlos Suleimane Baldé. Soube há anos que o Umaru Baldé tinha morrido, em Portugal, de doença. (Era o puto da nossa Companhia, o nosso benjamim, não teria mais de 16 anos, quando nos foi entregue em Contuboel). Soube, com tristeza, que o Abibo Jau (entretanto tranferido para a CCAÇ 21, comandada pelo Cap Comando Graduado Jamanca e e onde terminou a sua carreira militar o Aferes Comando Graduado Amadu Djaló, membro da nossa Tabanca Grande) tinha sido fuzilado, com o Jamanca, em Madina Colhido... Portugal abandonou-os à sua sorte depois da nossa saída em Setembro/Outubro de 1974. Nós abandonámo-los à sua sorte. E isso dói-me, isso ainda nos dói...


A partir de 18 de Julho de 1969, finda a instrução de especialidade, a CCAÇ 12 foi dada como operacional, sendo colocada em Bambadinca (Sector L1), como subunidade de intervenção e reserva do CAOP2 (Bafatá), ficando pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Durante a sua primeira comissão (1969/71), actou sobretudo no Sector L1 (Bambadinca, correspondente ao triângulo Bambadinca-Xime-Xitole, mas incluindo também, a norte do Rio Geba, o regulado Cuor onde começava o famoso corredor do Morès...).

 Em Março de 1973,  rendeu a CART 3494 / BART 3873 (1972/74),  passando a subunidade de quadrícula, aquartelada no Xime, e por lá terá ficado até ao fim da guerra (às ordens do BCAÇ 4616/73). Tal significou que os nossos soldados africanos, ou uma boa parte deles (exceptuando os mortos, os feridos graves, os inoperacionais...), fizeram três anos e nove meses como força de intervanção (andaram no mato com a canhota...) e mais um ano e tal, aquartelados no Xime (de Abnril de 1973 até à extinção, em Agosto de 1974). No mínimo, cinco anos de tropa, ao serviço dos tugas. A esse tempo deveria acrescentar-se os meses e os anos em que, muitos deles, foram milícias nas suas pobres tabancas dos regulados do Cossé, Xime, Badora e Corubal, organizadas em autodefesa...

Em Julho de 1969 (e até Junho de 1970), o dispositivo das NT no Sector L1 era o seguinte:

(i) Comando e Companhia de Comando e Serviços do BCAÇ 2852 (Bamdabinca, 1968/70);
(ii) Forças de intervenção (Bambadinca): CCAÇ 12 (1969/71); Pelotão de Caçadores Nativos 53;
(iii) Subunidades em quadrícula do BCAÇ 2852: CCAÇ 2520 (Xime), 2339 (Mansambo) e 2413 (Xitole)

Havia ainda a considerar o Pelotão de Cavalaria Daimler (Bambadinca), o Pel Caç Nat 52 (Missirá) e 63 (Fá Mandinga), além das forças militarizadas (pelotões de milícias aquarteladas em Taibatá, Dembataco e Finete).

Se excluirmos a população fula armada (nas tabancas em autodefesa), no Sector L1 (mais ou menos equivalente à Região do Xitole ou Sector2, para o PAIGC), as NT poderiam ser estimadas em cerca de 1250 homens, o que nos dava uma vantagem , em relação ao IN, de talvez cinco ou seis para um. De resto, estimava-se que, no final da guerra, o PAIGG em todas as frentes não tivesse mais do que 7 mil homens em armas, cinco vezes menos do que as NT.  Em termos de populações controladas, teríamos cerca de 15 indivíduos no Sector L1, enquanto a população, balanta, beafada e mandinga, sob controlo do PAIGC, era estimada em 5 mil, concentrada sobretudo na margem direita do Rio Corubal e na região de Madina/Belel,  a norte do Rio Geba.
________________

Notas de L.G.


(**) Vd. poste anterior desta série >  25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6466: A minha CCAÇ 12 (2): De Santa Margarida a Contuboel, 5 mil quilómetros mais a sul (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6489: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (15): A minha homenagem à enfermeira pára-quedista Ivone Reis que ficou em Contabane a cuidar dos feridos graves (Carlos Nery)

Mensagem do ex-Cap Mil  Carlos Nery, Comandante da CCAÇ 2382, Buba,  1968/70, a propósito do seu comentário no Poste P5971:

A minha homenagem à enfermeira pára-quedista Ivone Reis que ficou em Contabane a cuidar dos feridos graves e pelas fotos que tirou antes de o helicóptero descer

É talvez difícil de explicar o importante que era para nós, combatentes, a chegada de uma mulher ao local de combate onde sofrêramos baixas e estávamos ainda sob o efeito dessa traumatizante experiência. Senti-o intensamente em Contabane (*), na tabanca destruída por um dos ataques mais violentos da Guerra da Guiné.

A enfermeira pára-quedista Ivone quando se me dirigiu, tenho de o confessar, era a Pausa, o Lenitivo, a Mãe distante, a Noiva, a Mulher... Que sei eu? A sua decisão em ficar connosco, contrariando o estabelecido, enquanto os helicópteros levavam a Aldeia Formosa os feridos ligeiros, prestando os primeiros cuidados aos feridos graves que, em seguida, seriam levados para Bissau, foi de uma importância enorme para afastar a nossa angústia, para pôr uma pausa no nosso desespero!

Trocámos umas palavras, disse-lhe que aquela tinha sido a "minha noite mais longa"... Ouvi-lhe palavras apaziguadoras, que ainda guardo no meu íntimo.

Passadas semanas, já em Buba, recebo uma cartinha sua referindo essa "noite longa" acompanhada por duas fotos da tabanca destruída, tiradas por ela do helicóptero. Não serão muito bem tiradas mas são o objecto mais precioso das minhas recordações da Guiné.

Meu Deus, não sei se retribuí como devia essa carinhosa atenção!

**********

Olhando para as duas fotos oferecidas pela Enfermeira Ivone, tenho dificuldade em perceber de que ângulo foram feitas. É perfeitamente visível, nas duas, a Mesquita. Era a única construção feita com alguma solidez em Contabane. Dentro dela se refugiaram, durante o ataque, muitos cívis e alguns militares


Nesta foto, vêem-se algumas casas poupadas ao incêndio. Para cá da Mesquita está um abrigo em princípio de construção. O solo foi cavado e, junto, estão já colocados alguns troncos de palmeira. Creio que este ponto de vista é o do lado oposto ao da instalação inimiga e, portanto, menos atingido. Julgo que o lado Norte/Nordeste da tabanca. O caminho bem marcado que se vê à direita, junto da cabeça do piloto, será o que vai em direcção ao Saltinho. Mais abaixo, do lado esquerdo da foto, para cá do abrigo em início de construção, vê-se perfeitamente uma das fiadas de arame farpado; havia duas. Esta creio que foi a lançada pela minha companhia. A outra, lançada pela 5ª. Companhia de Comandos, parece estar logo atrás, embora não tão fácil de ver, por estar mais escurecida


Esta segunda foto foi tirada de mais perto e de um ângulo um pouco diferente. É perfeitamente visível o que restou de diversas casas consumidas pelo fogo. Dispersos pela tabanca vêem-se militares e cívis examinando as consequências do ataque.

Nas duas fotos parece perpassar um ambiente de perplexidade e de angústia. Aquela Contabane plena de vida e de simpatia tinha sido ferida de morte. Porém, a Companhia de "periquitos" tinha batido o pé a Nino e aos seus morteiros e canhões sem recuo. Haveria tempo para outros recontros com o Comandante lendário.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6479: Histórias de Carlos Nery, ex-Cap Mil da CCAÇ 2382 (2): Noite longa em Contabane

Vd. comentário de Carlos Nery no poste de 11 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5971: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (12): Ivone Reis, a primeira Enfermeira Pára-quedista que conheci (Rosa Serra)

Vd. último poste da série de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)

Guiné 63/74 - P6488: Controvérsias (78): Como foi e como é que se comporta uma anti-guerrilha perante uma guerrilha (Mário Gualter Rodrigues Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem, em 25 de Maio de 2010:

Camaradas,

Resolvi intervir, também, face ao repto lançado pelo nosso amigo e camarada Mário Fitas, no comentário que fez no poste P6470 da autoria do camarada José Manuel Diniz.

COMO FOI E COMO É QUE SE COMPORTA UMA ANTI-GUERRILHA PERANTE UMA GUERRILHA
Quase todos, para não dizer a totalidade de nós, fomos mal preparados e instruídos, para enfrentar os cenários de guerra onde, por sorte ou azar, fomos parar.

Nos centros de instrução, que todos nós frequentamos, em Escolas Práticas do Exército, especialmente nas especialidades operacionais, foram-nos administradas aulas teóricas e práticas de Guerrilha, Anti-guerrilha e Contra -guerrilha.

Também todos nós temos em mente os instrutores que se esforçavam para que as matérias ministradas, fossem compreendidas e absorvidas, tanto na teoria como na prática e, para isso, não hesitavam em dar-nos cabo do “coirão” em acções e reacções simuladas às realidades do conflito, segundo planos e programas de instrução delineadas, quer pelos próprios, quer pelos Comandantes das respectivas Unidades.

Alguns desses instrutores eram oficiais do QP, já com várias passagens por uma, ou mais, das zonas do conflito em Angola, Moçambique ou Guiné. Todos eles nos transmitiam, o melhor que sabiam e podiam, as suas experiências de combate do(s) TO(s) por onde tinham passado.

Foram-nos administrados vários tipos de instrução táctica, física e psíquica, sobre os diversos tipos de armamento e equipamento. Aprumaram-nos e corrigiram-nos à sua maneira. Estudamos os manuais e os apontamentos que nos deram.

E, o que é certo, é que na realidade acabamos por constatar ao longo do tempo no TO, que tínhamos que nos adaptar, reaprender, desenrascar à boa moda portuguesa e, sobretudo, sobreviver!

Se lerem o poste P2717, de 03AGO2008, vamos encontrar algumas considerações bem oportunas do nosso camarada A. Marques Lopes (Coronel DFA na reforma), sobre o “Manual do Oficial Miliciano” e as instruções que o mesmo continha para a guerra de guerrilha.

Passo a citar um pequeno extracto: “Não deixa de ser irónico; Este Manual foi um presente envenenado, para muitos jovens Portugueses que passaram pelo TO, com responsabilidade no comando de homens mal preparados.”

Formaram-se batalhões, companhias, pelotões e secções para uma guerra de anti-guerrilha, cujo objectivo era combater acções de guerrilha, enfrentando um adversário que tinha vasto conhecimento das nossas posições, que como todos sabemos eram fixas no terreno e nós tínhamos que “esgravatar” muito tarrafo, picadas e bolanhas para localizar o IN e, quando o localizávamos, o mesmo tinha excelente segurança na fuga, nomeadamente para zonas territoriais fora do nosso alcance, como eram os casos além fronteiras dos países que nos rodeavam e onde estávamos proibidos de entrar.

A maioria dos Sectores Operacionais não tiveram quadros logísticos de oficiais à altura dos acontecimentos e das suas responsabilidades. Desconheciam quase tudo sobre o IN, as suas estratégias de acção, os seus números de efectivos, a sua localização no terreno e outros dados fundamentais. Não é segredo para ninguém que a sua maioria se refugiava dentro dos aquartelamentos deixando as hostilidades no exterior, a cargo dos alferes e furriéis milicianos.

Os mapas de Sector e ZA estavam na sua maioria desactualizados, pois neles constavam tabancas já desaparecidas, linhas de água inexistentes e estradas e trilhos que o mato tinha absorvido através do tempo e do abandono.

Nos croquis que nos eram distribuídos para os diversos tipos de missões, constatamos que diversas cotas e distâncias estavam erradas, o que nos levou, várias vezes, a entrarmos dentro de ZE do COMCHEF (as chamadas ZV).

Tivemos de rever o armamento por nossa iniciativa, por exemplo, concluímos que era inútil levar uma bazuca para o mato, pois só nos atrapalhava e não era prática.

Aumentamos, isso sim, o número de portadores de dilagramas a fim de acrescer o poder de fogo e em vez de levarmos uma HK, passamos a sair com duas (uma á frente das colunas e outra na retaguarda). Deixamos crescer as barbas e tornamo-nos “bichos do mato”, desenvolvendo sobretudo técnicas e manhas preciosas nas deslocações pelo meio da mata.

Mais tarde quando já conhecíamos toda a nossa ZA e sem precisarmos dos mapas e croquis, para executarmos as nossas missões e com a experiência que fomos acumulando sobre os comportamentos habituais do IN, fizemo-nos “esquecidos” de ordens obsoletas e teóricas e começamos a obter maior êxito nos resultados finais.

No entanto não posso deixar de narrar consequências negativas, que por vezes éramos obrigados a fazer em nome da segurança.

A minha Companhia tinha a ser cargo e como missão principal interceptar e dificultar ao máximo os movimentos e as colunas de abastecimento do IN, no corredor de Missirã, que derivando de Salancur se dirigiam ao Sector de Xitole.
Como é previsível atingir, era um local de forte risco de contacto e todo o cuidado de aproximação e instalação do pessoal, era feito de uma forma cuidada e discreta.

Os momentos aí passados quando nos encontrávamos emboscados eram tensos e cheios de angústia, dada a eminente passagem do IN, pelo que, o silêncio, a concentração e a observação de qualquer movimento suspeito eram fulcrais neste tipo de espera.

Só que, para nosso espanto pessoal, muitas vezes os Senhores do Comando Operacional resolviam dar uma voltinha de DO, pelas nossas posições denunciando-nos, involuntariamente como é óbvio, ao IN. O que nos tinha custado tanto suor e dor alcançar desmoronava-se assim, em instantes, pela satisfação dos primeiros em dar a sua voltinha numa DO.

Nessas ocasiões as emboscadas eram logo abortadas por nós, pois já sabíamos que tínhamos sido referenciados e não estávamos ali a fazer nada, regressando a posições mais confortáveis e menos perigosas, passando o resto do tempo em alerta até ao termo das respectivas missões.

Mário Fitas, o meu tempo não teve nada a ver com o teu, teve a ver com circunstâncias do meu Sector e com quem nos comandou e dirigiu.

Os comportamentos de Anti-guerrilha perante a Guerrilha, foram aqueles que os nossos comandantes delinearam, mas não comandaram.

Poucos deram o corpo ao manifesto e foram os milicianos que tiveram a responsabilidade e a iniciativa, muitas vezes espontânea e circunstancial.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)

Tenente Enfermeira Pára-quedista Maria Arminda em farda N.º 1 (Maio de 1967, aos 29 anos)


As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares - II

Enfermeira Pára-quedista Maria Arminda

Uma Maria, que apesar de ter trabalhado directamente com ela tão pouco tempo foi o suficiente para perceber as suas características como enfermeira, como companheira e como pessoa.

É uma das seis Marias que não esconde o orgulho em ter pertencido ao grupo das primeiras mulheres pára-quedistas portuguesas, inseridas nas Forças Armadas e ainda hoje se agita quando vê uma boina verde à distância na cabeça de um militar.

Fala com vaidade no pai, que foi combatente da 1.ª Guerra Mundial e com memória de elefante que lhe é peculiar, relata a história que ouvia dele quando pequena com tanto orgulho, que quem a ouve não deixa de se pôr a fantasiar, imaginando e comparando a guerra dessa época com a guerra que muitos anos mais tarde, ela tal como todas nós, viveu em África.

Da mesma forma lúcida, lembra-se como ninguém, da história e dos episódios passados desde o começo das enfermeiras pára-quedistas.

Desembaraçada na prestação de cuidados de enfermagem, sempre disponível para ajudar as famílias, para levar ou trazer encomendas, filhos pequenos que estavam cá e iam ter com os pais ou vice-versa, de sorriso fácil sem nunca denunciar má vontade. Quando fazia a continência a comandantes ou ao mais humilde soldado, a postura correcta e respeitosa era a mesma, na maior das perfeições.

Andou por todos os lados, ainda sem estarem estruturadas e organizadas as acções que as enfermeiras vindouras vieram a encontrar. Há muita marca da Maria Arminda na orgânica e na actuação das enfermeiras pára-quedistas em situação de guerra tal como nas evacuações transatlânticas.

É contagiante o seu entusiasmo. Se fosse no tempo de hoje seria com certeza uma mulher militar nos altos comandos. Decidida, disciplinada, com atitudes sensatas e sérias, com orgulho em manter as botas a brilhar e a boina bem colocada na cabeça. Se fardada de saias ou bata tudo estava em ordem, sempre pronta com tudo organizado para qualquer saída de emergência mesmo que as probabilidades de ser ela a executa-la estivesse em último lugar.

Estava sempre atenta; captando o sofrimento facilmente e os seus gestos eram orientados nas causas humanas para a dor no seu sentido mais amplo. Ainda hoje para a contactar, damos graças a Deus por estarmos na era dos telemóveis, porque a Maria Arminda ou está acompanhar a vizinha a uma consulta, ou no hospital com algum familiar, ou a sogra de um amigo que precisa de qualquer coisa, não pode falar porque está num velório, enfim, está sempre junto daqueles que precisam de algo, ou que no mínimo lhe passe pela cabeça que alguém fica mais feliz se ela se disponibilizar para resolver qualquer coisa ou estar presente.

Apesar daquele ar militar bem alinhado (à pára-quedista da época) era a que mais se preocupava quando se vestia à civil para irmos a um jantar ou festa. Estou a recordar-me de quando estive com ela nos Açores e tivemos um convite para uma festa no clube de oficiais americanos.

A festa foi logo no dia seguinte à minha chegada e qual o meu espanto quando ao bater na porta do seu quarto para lhe perguntar qualquer coisa, a vejo deitada na cama, já de banho tomado, vestida de roupão e de rodelas, de batatas, em cima dos olhos em perfeita postura de relaxamento. Admirada, porque eu desconhecia esses truques caseiros usados para a beleza feminina, pergunto o que lhe tinha acontecido e ela sorrindo pela minha ignorância explicou que era para diminuir as olheiras.

Depois quando se apresentou pronta, reparei que foi a que mais se mirou ao espelho, perguntando-nos se ia bem, se os sapatos condiziam bem com a carteira, se o vestido assentava na perfeição, se o brilho do batom não era exagerado, etc, etc, etc.

Fiquei de boca aberta. Aquela enfermeira que fardada de militar não realçava o seu lado feminino, de repente transforma-se na jovem mais preocupada em mostrar que também tem cuidado com a sua imagem de mulher.

É assim a Maria Arminda. Uma mulher de "M" muito grande.

Rosa Serra
Ex-Enfermeira Pára-quedista


Maria Arminda com o pastor Alemão da Companhia de Cufar (Guiné Portuguesa, Junho de 1965).

Evacuação de feridos a bordo de um DC6 de Lourenço Marques para Luanda (Setembro de 1969)

Base de Bissalanca a bordo de um Dornier 27 (Guiné Portuguesa 1966)

Mesmo nas horas de lazer e brincadeiras, a Maria Arminda embora bem fardada, não deixou de levar às cavalitas a Sargento Lurdinhas.
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de autoria da nossa camarada ex-Alf Enf.ª Pára-quedista Rosa Serra (BCP 12, Guiné, 1969), com data de 27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6478: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (13): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (1): As 11 candidatas (Rosa Serra)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6486: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (4): Sem Caminho





1. Mais um bonito texto de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73 para a sua série:





DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (4)

SEM CAMINHO

Tenho os olhos abertos
mas não vejo,
o meu futuro.
Tenho os braços estendidos,
as mãos abertas,
mas não agarro
o meu presente.
Os meus pés movem-se para a frente,
mas não me afastam,
do passado.
Olho em frente,
e vejo caminho,
mas quando o começo a percorrer,
ele foge de mim,
e dá-me um horizonte
sem fim.
Olho para trás,
e fujo,
mas o passado agarra-me,
ultrapassa-me até!
Que coisa estranha,
esta é,
o querer daqui abalar,
sem antes
aqui chegar!
E lá vem o poeta,
na sua frase imortal,
«tudo vale a pena,
se a alma não é pequena»,
e aqui é que está o mal!
É que a minha é tão pequena,
que nem a consigo encontrar!
Esconde-se de mim,
troca-me as voltas,
faz de conta que eu não existo,
ou melhor,
ou pior,
sei lá eu,
faz de contas que não existe.
Vagueio assim pela vida,
olhos fechados ao caminho,
e oiço-os,
os outros,
bem atrás de mim,
dizendo baixinho,
olha, lá vai o “sem alma”!
Mas o que é que isso lhes interessa,
o que têm a ver comigo,
se eu próprio não me interesso,
se só a indiferença me acalma,
para que me querem,
como amigo!
Olho para dentro de mim,
vejo tudo,
e nada vejo.
Fecho os olhos,
adormeço,
deixo que o sonho,
seja esperança,
confiança e vida em mim.
Deixo-me ir,
assim,
devagarinho,
já não há muito caminho,
porque o princípio…
é no fim…


91.12.12


Um abraço do
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6471: Vídeo: Fado da Guiné (letra original e voz de Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I

Guiné 63/74 - P6485: (Ex)citações (77): Breves notas em Lá menor (Torcato Mendonça)

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) em mensagem datada de 26 de Maio de 2010:

Caros Editores
Vai para o Carlos Vinhal pois, pelo que leio é ele que fará uma chamada de atenção para o assunto.
Podia escrever sem ser em email. Prefiro assim. Têm sido dias de adrenalina, de múltiplos afazeres e de menores lazeres. Dias de vida e de vidas. Vida ou vidas vividas e, para mim, melhor que vidas paradas. Mas:

- Hoje há "A Guerra". Parece ir tratar de assunto com interesse. Trata?! Aflora como de costume. Lança no ar para memória futura. Era bom que se falasse daquela barragem. Pode não ser assunto para este blogue. Tudo bem. Que outros o façam. Merece ser conhecida toda aquela obra, tudo o que pode ser dito do antes, da construção e do depois. Outros o farão e será bom que o façam. São bocados do nosso passado colectivo.

- A seguir, ainda no canal estatal 1, "As Bandeiras dos nossos Pais". Para quem gostar vale a pena. Para quem não gostar pode ver. Ainda e para ver pelos que detestam guerras. Não por masoquismo. Não, nada disso.

- Comentei um Poste do LG e cometi um erro. Fui corrigido e bem por um camarada. Não fiquei aborrecido. Até pela forma, subjectivo claro, de fina ou subtil ironia. Só que não conhecia e fiz uma pergunta terrível. Quem és tu? Simples?! Pois e a resposta? Mas o comentário levava-me a querer saber quem era. Veio a resposta do Luís Graça e dele. Só que há dias em que as dez são madrugadas... espero que não tenha melindrado ninguém. Detesto. Sou capaz de ser "carroceiro" mas só em circunstâncias muito diferentes. Creio estar tudo esclarecido. Mas:

- Nada mais disse, além de enviar parabéns a dois jovens.
Mesmo o fado do Mexia Alves... ah fadista e youtubista ca ganda camarigo... e a pipa de massa que ele gastou para se rejuvenescer assim? É obra. E canta camarada camarigo e encontra-te e que te sintas feliz...
Nem disse que um furriel comandava um pelotão ou grupo de combate como um alferes. Conheci um que era melhor que o "chefe". No meu grupo, teve quatro furriéis, qualquer um deles comandava se necessário fosse. Fomos "educados" da mesma maneira, pelo Comandante de instrução Cap. Comando (General hoje) Victor Oliveira. Claro que um foi para os Comandos e foi substituído por um que não tinha tirado a especialidade connosco. Outro, foi ferido e ficou em Bissau, sete ou oito meses a tirar estilhaços. Foi substituído por um 1.º Cabo até ao fim da comissão. Diacho!

- O Nelson Herbert diz:- Haja mais Estado, mais governo... lá num País. Cá, neste País, dizem: Menos Estado... fora com o Governo. Há cada uma?

Finalmente:

- DN, hoje 26 de Maio, a páginas Centrais - 28/29. O Presidente de Cabo Verde Pedro Pires dá uma entrevista. Pequena mas com alguma contundência. A ler com atenção. Gostei. Este homem é determinado, esteve empenhadamente e sabendo o que queria, nas negociações para a independência, pós 25 de Abril.

Hoje Cabo Verde é o que é. Só que eu não gostei da referência ao Marechal Spínola - foi completamente derrotado na Guiné. Não. Nem ele nem os portugueses o foram, apesar de tudo o que se passou. Não posso falar abertamente, mesmo em email e, para meias tintas nada digo.

Como me calo com a lusofonia. É o que é. Contudo na base está o meu Povo. Povo generoso, de dádiva e entrega, de erro e de colonialismo suave. Porque é Cabo Verde assim? A primeira vez que por lá passei estranhei o "verde", não estranhava a música, a poesia... e na base o que está se não o meu Povo? Povo que até cria a mulata de Cabo Verde ou do mundo. Bem ia por aqui fora, falando do mundo que até é redondo e um português... ou o bom na Ásia ou de tanto lado... Povo de Fado, fado triste, das vielas, de amores e desamores... povo do mundo...

Leiam a entrevista que vale a pena. É grande estadista, merece o meu respeito e consideração. Fazem falta homens com ele noutros lugares por onde o meu, o nosso, Povo andou, labutou, pelejou e um dia abalou... acreditemos no futuro.

Camarada(s) se vieste por aí abaixo lendo... olha... estou outra vez de saída próxima e não quero ou vos quero aborrecer.

Gostava de falar de alguns pontos anteriores, estendê-los, debatê-los. O tempo passa e fica para um dia ou escrito fica no arquivo morto.

Um abraço do Torcato
Torcato Mendonça
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6423: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (21): Zumbidos em noite de Verão

Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6481: (Ex)citações (60): Urnas com pedras e areia (Eduardo Ferreira Campos & Manuel José Ribeiro Agostinho)