Luís Gonçalves Vaz, Bissau, 1974
História no Ultramar com Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro 530)
Na Guiné o 25 de Abril “só chegou” no dia seguinte, pois na manhã do dia 26 é que se iniciaram as ações dos oficiais do MFA, nomeadamente os onze oficiais que se dirigiram ao Gabinete do General Comandante-Chefe (General Bettencourt Rodrigues) e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa.
O meu falecido pai, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, teve conhecimento durante a noite de 25 para 26 de Abril, pois na madrugada recebeu, pelo seu telefone “civil” (não o militar!), a notícia de que na Metrópole decorria um “Golpe de Estado” para derrubar o sistema político de então (sei que foi um oficial da sua confiança que lhe ligou aqui da Metrópole).
Logo de manhã o meu pai dirigiu-se para a reunião do costume, com o General Comandante-Chefe no Palácio do Governador. Quando lá chega vê o edifício cercado por tropas especiais e deparou-se com a “destituição” de Bettencourt Rodrigues. É claro que o coronel Henrique Vaz não pertencia ao MFA, mas isso não o impediu de se insurgir contra alguns “modos um pouco rudes” (em sua opinião, é claro) com que estariam a conduzir o processo de destituição (ou prisão?) do Comandante-Chefe, e ofereceu-se para o acompanhar ao avião que o conduziria de regresso a Lisboa, via Cabo-Verde.
O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné. É claro que a situação não era para brincadeiras e tudo podia acontecer nas próximas horas, e como o Coronel Henrique Gonçalves Vaz era um militar íntegro, patriota e com espírito de missão (não afeto ao anterior regime), foi imediatamente convidado para continuar como CEM do CTIG, tendo aceitado e só regressou definitivamente a Portugal no último voo de militares portugueses, pelas 23 horas do dia 14 de Outubro de 1974, acompanhando o Brigadeiro Carlos Fabião, na altura já indigitado para CEMGFA.
Esses mesmos oficiais do MFA solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. As primeiras medidas tomadas pelo MFA na Guiné, foram a “detenção dos agentes da PIDE” e a “libertação dos prisioneiros políticos”. Como tal, no dia seguinte, 27 de Abril, surgiram pela cidade de Bissau várias manifestações lideradas por esses presos, uma delas cercou e tentou invadir o meu Liceu, o Liceu Honório Barreto.
Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal. Nas salas do andar inferior, que davam para o jardim, tivemos de fechar as persianas, pois havia muitos manifestantes que nos diziam aos berros, com paus e catanas “Tuga na ba p`Bó Terra”…
É claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade. Fugi do Liceu com esse grupo de colegas mais velhos (eu tinha apenas 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do Liceu), em direção à base militar de Santa Luzia, onde vivia com a minha família (a casa do Chefe do Estado-Maior do CTIG era aquela mesmo em frente do Clube Militar, na outra ponta da avenida).
Fotos: © Luís Gonçalves Vaz (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Pelo caminho assisti ao episódio do "cerco da PIDE”, onde me lembro muito bem de ver a ação, de grande eficiência, de dois pelotões de Paraquedistas... Lembro-me muito bem... Estive bem ao lado daqueles Paraquedistas que estabeleceram logo de imediato um "Perímetro de Segurança". E, se bem me lembro, deveria ser o único "branco" a assistir à manifestação. Houve tiros e tudo. Depois fui pelas Tabancas até Stª Luzia, sempre acompanhado pelos meus colegas guineenses, que me protegeram e não permitiram que me acontecesse mal algum, só me deixaram após me entregarem aos elementos da PM, que faziam a segurança à entrada da Base Militar de Stª Luzia (a entrada estava barrada com rolos de arame farpado).
Quando cheguei a casa, soube que o meu pai tinha ido com uma pequena coluna militar buscar, ao Liceu Honório Barreto, os meus dois irmãos, tendo aproveitado para trazer, em segurança, algumas professoras e outros alunos, quase todos familiares de militares. Não me ralhou por eu ter vindo pelo meio de Bissau, entre as manifestações, com colegas africanos.
Segundo um interveniente nessa missão, o 1.º Cabo Paraquedista n.º 551/73, Carlos Alberto dos Santos de Matos, relata como esta operação militar se teria passado, no site http://associacao-pq-alentejo.webnode.com.pt/noticias/
(…) “O objectivo era conter uma manifestação popular em frente ao quartel da PIDE/DGS e retirar os elementos da PIDE em segurança e transportá-los para local seguro, para posteriormente regressarem a Portugal com a finalidade de serem julgados por um Tribunal. Fiz parte integrante de um pelotão de Pára-quedistas que esteve a manter segurança no exterior do edifício, juntamente com outros elementos do Exército e Marinha. O outro pelotão de Pára-quedistas entrou no edifício da PIDE, os quais não ofereceram resistência à detenção. Os manifestantes bastante exaltados, no exterior, aos milhares, gritavam ‘morte à PIDE e aos colonialistas’.
“A cada instante que passava, a multidão apertava mais o cerco em volta do edifício e nós recuávamos mais um pouco. A operação que a princípio se afigurava simples estava a piorar a cada momento e já se notava algum nervosismo nos nossos militares. Entretanto recebemos ordem para efectuar disparos para intimidar os manifestantes. O tiroteio de algumas dezenas de militares, durou apenas alguns segundos, durante os quais os manifestantes se puseram em fuga. Os que caíram, durante a confusão eram pisados pelos companheiros. Houve um silêncio constrangedor durante algum tempo. Na poeira do chão ficaram alguns feridos, não pelas nossas armas, mas por terem sido atropelados pelos colegas manifestantes.(...)”
Guiné-Bissau, pós-25 de Abril de 1974 - Manifestações populares de regozijo mas também de contestação: na primeira foto, um manifestante empunha um cartaz onde se lê: "Abaixo a D.G.S." ; na segunda foto, um dos manifestantes exibe um improvisado autocolante nas costas, onde se lê: "Viva o General António Spínola! Viva o Povo da Guiné!".
Fotos: © José Casimiro Carvalho (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Em suma, afinal eu estive no Teatro de Operações da Guiné, no meio de uma operação militar, com tiros e tudo, mas felizmente sem mortos ou feridos. É um facto que esta é uma das muitas “experiências de vida”, que me marcaram muito, entre outras que vivi na Guiné. (**)
Braga, 13 de Janeiro de 2012
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
____________
Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9398: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)
Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (13): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)
(**) Comentário do LGV, deixado no blogue da CART 3494, do nosso camarigo Sousa de Castro, em 18 do corrente:
(...) Caros amigos: Parece que a minha memória me traiu, o cerco à Pide terá sido no dia 29 de Abril e não em 27, segundo o Sr. general Mateus da Silva, in Estudos Gerais da Arrábida, A Descolonização Portuguesa, Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995), a saber:
"...A população da Guiné começou logo a virar e as manifestações prosseguiram a 27, 28 e 29 de Abril, num crescendo. No dia 29, cercaram a delegação da PIDE/DGS de lá, partiram montras, destruíram alguns carros em frente do palácio, atiraram pedras e partiram alguns vidros. E foi um bocado em consequência disso – eu estava no Palácio e os pára-quedistas controlavam mais ou menos a situação ..."
Eu acho que foi antes, mas o sr. general deve ter apontamentos... como tal fica aqui a observação.
Luís Gonçalves Vaz
18 de Janeiro de 2012 23:07
Quando cheguei a casa, soube que o meu pai tinha ido com uma pequena coluna militar buscar, ao Liceu Honório Barreto, os meus dois irmãos, tendo aproveitado para trazer, em segurança, algumas professoras e outros alunos, quase todos familiares de militares. Não me ralhou por eu ter vindo pelo meio de Bissau, entre as manifestações, com colegas africanos.
Segundo um interveniente nessa missão, o 1.º Cabo Paraquedista n.º 551/73, Carlos Alberto dos Santos de Matos, relata como esta operação militar se teria passado, no site http://associacao-pq-alentejo.webnode.com.pt/noticias/
(…) “O objectivo era conter uma manifestação popular em frente ao quartel da PIDE/DGS e retirar os elementos da PIDE em segurança e transportá-los para local seguro, para posteriormente regressarem a Portugal com a finalidade de serem julgados por um Tribunal. Fiz parte integrante de um pelotão de Pára-quedistas que esteve a manter segurança no exterior do edifício, juntamente com outros elementos do Exército e Marinha. O outro pelotão de Pára-quedistas entrou no edifício da PIDE, os quais não ofereceram resistência à detenção. Os manifestantes bastante exaltados, no exterior, aos milhares, gritavam ‘morte à PIDE e aos colonialistas’.
“A cada instante que passava, a multidão apertava mais o cerco em volta do edifício e nós recuávamos mais um pouco. A operação que a princípio se afigurava simples estava a piorar a cada momento e já se notava algum nervosismo nos nossos militares. Entretanto recebemos ordem para efectuar disparos para intimidar os manifestantes. O tiroteio de algumas dezenas de militares, durou apenas alguns segundos, durante os quais os manifestantes se puseram em fuga. Os que caíram, durante a confusão eram pisados pelos companheiros. Houve um silêncio constrangedor durante algum tempo. Na poeira do chão ficaram alguns feridos, não pelas nossas armas, mas por terem sido atropelados pelos colegas manifestantes.(...)”
Fotos: © José Casimiro Carvalho (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Em suma, afinal eu estive no Teatro de Operações da Guiné, no meio de uma operação militar, com tiros e tudo, mas felizmente sem mortos ou feridos. É um facto que esta é uma das muitas “experiências de vida”, que me marcaram muito, entre outras que vivi na Guiné. (**)
Braga, 13 de Janeiro de 2012
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
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Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9398: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)
Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (13): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)
(**) Comentário do LGV, deixado no blogue da CART 3494, do nosso camarigo Sousa de Castro, em 18 do corrente:
(...) Caros amigos: Parece que a minha memória me traiu, o cerco à Pide terá sido no dia 29 de Abril e não em 27, segundo o Sr. general Mateus da Silva, in Estudos Gerais da Arrábida, A Descolonização Portuguesa, Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995), a saber:
"...A população da Guiné começou logo a virar e as manifestações prosseguiram a 27, 28 e 29 de Abril, num crescendo. No dia 29, cercaram a delegação da PIDE/DGS de lá, partiram montras, destruíram alguns carros em frente do palácio, atiraram pedras e partiram alguns vidros. E foi um bocado em consequência disso – eu estava no Palácio e os pára-quedistas controlavam mais ou menos a situação ..."
Eu acho que foi antes, mas o sr. general deve ter apontamentos... como tal fica aqui a observação.
Luís Gonçalves Vaz
18 de Janeiro de 2012 23:07