segunda-feira, 7 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12945: Estórias avulsas (77): A história do dia seguinte! (João Alberto Coelho)

1. O nosso Camarada João Coelho (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 – S. Domingos -, 1972/74) enviou-nos a seguinte mensagem e algumas fotos do seu álbum de memórias. 

Camaradas, 

Tal como prometi quando me apresentei no blogue, aqui vai:

A história do dia seguinte

Como disse, fomos flagelados com granadas de canhão sem recuo (cerca de sessenta). Enquanto ocorria a flagelação, o alferes Rocha (artilheiro), foi batendo a zona com o obus do meio com tiros para cima da fronteira a norte e nordeste, e com o do lado direito, para uma bolanha imensa que ficava a nordeste do aquartelamento e de onde parecia que as granadas estavam a ser lançadas. Então ao fim de pouco tempo deixaram de cair e nós pensámos que tudo tinha terminado. 

Só que 10 a 15 minutos depois somos novamente flagelados, desta vez com 6 misseis terra-terra (foguetões de 122 mm). Apenas 1 caiu na extremidade sul do aquartelamento, fazendo estragos nalgumas viaturas. 

No dia seguinte, bem cedo, lá fui eu com dois pelotões, bem armados e dispostos a tudo, a caminho de um marco da fronteira, lugar onde pensámos terem sido lançados os foguetões. Sem qualquer dificuldade encontrámos o local onde estiveram as rampas de lançamento. Ainda estivemos para entrar numa aldeia Senegalesa perto daquele local, mas tivemos o bom senso de não o fazer. 

Agora, faltava descobrir o local de onde tinham sido disparados os canhões. Começámos a bater a bolanha e mais ou menos a 2/3 para sul, demos com uma cratera provocada por rebentamento de granada de obus, a cerca de três metro e no meio do lugar onde estiveram os 2 canhões. Em volta, o capim era amarelo e vermelho e através de um informador soubemos que o IN teve várias baixas entre mortos e feridos. 

Se "por sorte", a granada não tivesse caído ali, possivelmente a flagelação continuaria e talvez as baixas fossem do nosso lado. 

A título de comentário, eu acho que o ataque foi muito bem planeado e executado, pois as granadas caíram quase todas à frente dos obuses, e se o IN tivesse um elemento a corrigir o tiro, tínhamos passado um mau bocado. 

Eu com outro camarada a assistir a um "RONCO"
O primeiro grupo de guerrilheiros do PAIGC a visitar S. Domingos (Com um comissário político do PAIGC e o 1º Sargento Cardante)
Em cima do célebre obus.
No varandim da messe (ao meu lado estão bocados de foguetão e bocados de granada de canhão)
 Estávamos perto de tudo... 

Obrigado pela vossa atenção a este meu relato. 

Abraços para todos os amigos, 
João Coelho
Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 –

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010).Direitos reservados. 
Fotos: © João Coelho (2010). Direitos reservados. 
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Notas de M.R.:

Vd. o último poste desta série em: 

Guiné 63/74 - P12944: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte VII: Deveres do Cabo da Guarda e Apresentação aos Superiores - ("Consciente de que entre os soldados se verificava ainda a existência de um grande número de elementos com iliteracia e baixa escolaridade, o Exército, entre 1961 e 1974, utilizou o humor dos cartunistas, de forma pedagógica, para alertar e instruir sobre questões de segurança e sobrevivência ou sobre a regulamentação da disciplina militar.")

1. Finalização da publicação dos Deveres Militares, edição SPEME de 1969, em banda desenhada com muito humor à mistura, enviado ao nosso Blogue pelo camarada Fernando Hipólito, ex-Fur Mil da CCAÇ 2544, Angola, 1969/71.











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Nota do editor

Poste anterior da série de 5 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12937: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte VI: Deveres do Cabo de Dia à Companhia - ("Consciente de que entre os soldados se verificava ainda a existência de um grande número de elementos com iliteracia e baixa escolaridade, o Exército, entre 1961 e 1974, utilizou o humor dos cartunistas, de forma pedagógica, para alertar e instruir sobre questões de segurança e sobrevivência ou sobre a regulamentação da disciplina militar.")

Guiné 63/74 - P12943: Os nossos seres, saberes e lazeres (70): Pinturas a partir de fotos com mais de 40 anos (Jaime Machado)

1. Mensagem do nosso camarada Jaime Machado (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) com data de 4 de Abril de 2014:

Caro amigo e camarada Carlos
Em anexo envio alguns quadros que pintei a partir de fotos que tirei na Guiné. 
Algumas dessas fotos foram tiradas há mais de 40 anos. 
Se entenderes que tem algum interesse publica, por favor.

Um abraço
Jaime Machado



Quadro acrílico s/ tela, 40x40, a partir de foto tirada em Bambadinca em 1968

Quadro óleo s/ tela, 60x50, a partir de foto tirada em Bambadinca em Setembro de 1969.

Quadro acrílico s/ tela, 40x40, a partir de foto tirada em Cansamba em 1969.

Quadro acrílico s/ tela, 60x60, a partir de foto tirada na Guiné em 2010.

Quadro óleo s/ tela, 60x50, a partir de foto tirada em Bissau em Fevereiro de 1970
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12931: Os nossos seres, saberes e lazeres (69): Provérbios em crioulo (Enviado pelo Major OpEsp/RANGER - na situação de reforma -, Humberto Bordalo)

Guiné 63/74 - P12942: História da CCAÇ 2679 (67): Requerimento, talvez inédito (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 3 de Abril de 2014:

Olá Carlos!
Muito obrigado pela publicação de um bilhetinho entre o maioral de Bajocunda, e este amanuense que às vezes dá trabalho.
Refere o texto publicado que "iam-se gramando, até que deixaram de gramar-se".
De permeio ainda decorreram uns mezitos, que na África quente e escaldante, às vezes por nossa culpa, pareciam anos.
Por causa daquela frase pensei antecipar a estória da circunstância em que "deixaram de gramar-se".
Aqui vai ela, e espero que a pressa não tenha omitido algum facto relevante.

Um grande abraço, extensivo ao tabancal
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679

67 - REQUERIMENTO, TALVEZ INÉDITO

Tinha passado a noite na mata em emboscada noturna, depois de um dia de patrulha de combate, no âmbito das acções operacionais que a Companhia levava a cabo para controle militar da região.
Na ocasião, para além dos quatro pelotões operacionais, alguns já com défice acentuado de pessoal, havia ainda em rotina, adstritos à Companhia, um ou dois pelotões de Pirada, e o Pel Caç Nat 65, mas a área era extensa, e havia duas aldeias onde pernoitava um pelotão para cada uma delas, Amedalai, e reforço em Tabassai.
Em Bajocunda ficavam dois ou três pelotões operacionais durante a noite, enquanto dois estavam em permanência no destacamento de Copá, e na aldeia de Tabassai.

Com muita frequência, um pelotão passava a noite em emboscada. A aldeia de Amedalai, apesar de ter sido atacada uma vez, era a sede do regulado, pelo que teria ligações mais acentuadas com a população, e ao PAIGC não interessaria implicar demasiado com a tradição politico-juridica da influência do régulo.
Também lá estava em permanência um pelotão de milícias, que dava um ar de estreita relação com a autoridade portuguesa, participava em escassas acções, ora da exclusiva competência, ora em companhia de pelotões do exército.

Tudo isto decorria durante um período de relativa paz, e o PAIGC limitava-se a colocar uma ou outra mina nos itinerários, e a flagelar duas ou três vezes por mês os aquartelamentos. Faltava cerca de quatro meses para terminarmos a comissão.
Naquele dia, depois do almoço, o capitão chamou-me para dar indicação de que teria que sair ao entardecer para montar uma emboscada. Ora, era costume, que depois de uma acção como tivera na véspera, o pelotão ficaria de folga, muito menos se pensava em passar duas noites consecutivas no mato, e a comer ração. Protestei com estes e outros argumentos, mas ele afirmava outras razões, que me pareceram de total incompetência para comandar a tropa, e não saía dali; eu é que teria que sair, face às circunstâncias por ele aduzidas.

Não havia meio, os meus sucessivos argumentos não alteravam nada a decisão do comandante Trapinhos. Muito relutantemente fui informar a malta para estar preparada, e tive que arguir com alguma fantasia para evitar acirrar os ânimos.

As noites de mato, com o céu aberto mostravam a maravilha de míríades de pontos luminosos, e a malta entretinha-se a assinalar diferenças entre estrelas cadentes, pirilampos e "very-lights".
Naquela noite eu, pelo contrário, estava inquieto com a teimosia do capitão, que de algum tempo àquela data, insistia em embirrações comigo, que provocavam alguma perturbação à vida e normal desempenho do pelotão. Por vezes o pessoal queixava-se, e aventava, que era por não ter um oficial a comandar, que o Trapinhos andava a abusar e seria necessário tomar uma posição colectiva.

A tudo eu conseguia argumentar, que aqui ou ali poderíamos ser prejudicados, mas que não nos lembrávamos das acções dos outros para cotejo, e que não haveria nenhuma acção colectiva sem que eu autorizasse, na medida em que isso poderia constituir quebra da minha autoridade. O pessoal aderiu sempre aos meus argumentos, e tinha a convicção do meu bom desempenho na defesa do interesse colectivo. 

Durante a noite desassossegada, congeminei inúmeras possibilidades para responder em forma à tontearia do capitão. Ponderei no que podia reflectir-se contra mim, numa espécie de "deve" e "haver", cuja contabilidade era, no meu entender, favorável ao que eu estava a pensar adoptar.
Pensei muito no pelotão, nas amizades ali alicerçadas, nas vantagens que pudessem resultar para o pessoal, portanto, não seria desleal da minha parte. Seria uma decisão íntima. E ganhei confiança.

Quando entrei em Bajocunda fui tomar o pequeno-almoço. Comportei-me como se nada me afectasse, e não referi nada sobre as minhas preocupações. Se calhar, alguma brincadeira ainda me favoreceu a executar descontraidamente a decisão tomada. Depois dirigi-me à secretaria, pedi uma daquelas folhas de papel azul, que algumas vezes decidiam judiciosamente sobre nós, e redigi um requerimento a SExa. o Comandante-Chefe. Nele, depois de me identificar, resumia a matéria a um curto parágrafo: o pedido de transferência de Companhia por incompatibilidade com o comando.
Entreguei-o logo. Continuei a não referir o que fizera, e a levar a vida tão normal quanto era costume.

Talvez no dia seguinte, cruzei-me com o Trapinhos, sem testemunhas, que insinuou haver de ler o meu diário. Respondi-lhe com ironia, que se tinha amor à vida, devia fazê-lo, com certeza. Ele fez uma risada esperta, e acrescentou algo assim: sabe, parece que vai ser transferido para os Comandos Africanos.
Não me impressionei, e respondi com desfaçatez: antes com pretos decentes, que com alguns brancos ordinários.
E a coisa ficou por ali, mas bem mais definida do que antes, pensei eu. Não voltaria a ser voluntário para resolver problemas do capitão, e ele ficou incomodado, talvez molestado.

 Provavelmente ao terceiro dia, estava a fazer "O Jagudi" na secretaria, entrou um "foxtrot" a convidar-me para o acompanhar.
Quando transpus a porta fiquei surpreendido. Sobre o "submarino" (um paiol com formato de submarino construído junto do edifício do comando e secretaria) alinhava o pelotão, e com o pessoal bem ataviado para o que era costume. Um dos cabos dirigiu-me a palavra, que o pessoal estava incomodado com o que soubera, e queriam ouvir de mim, se sim, ou não, ia sair da Companhia.
Referi que não sabia ainda, e expliquei a minha diligência e os termos, que eram a incompatibilidade com o comando. Expliquei que esta frase tinha a ver com as dificuldades que sentia no relacionamento com o comando, mas que aguardava ser inquirido, ou instruções para consumar a transferência.
Pedi serenidade, e para não anteciparmos um qualquer resultado. Então o cabo que usava da palavra, referiu sobre a compreensão do meu argumento, mas colocou a questão do pessoal, em termos sentimentais e operacionais, pois ao longo dos meses tínhamos cimentado uma forte amizade (que ainda hoje prossegue com aqueles de quem tenho contacto), que depositavam em mim grande confiança, e que, se a transferência se consumasse, provavelmente ficariam sujeitos ao comando de um "piriquito", e o ambiente poderia desmoronar-se.
Voltei a referir que não tinha ainda qualquer informação a prestar sobre o requerimento, e reafirmei todo o gosto e sentido de camaradagem que tinha estabelecido com o grupo durante os meses da comissão, e que já faltava pouco para o termo da nossa obrigação na Guiné, pelo que dificilmente adviriam alterações importantes à vida do pelotão, e eu estava certo de que preservar o espírito "foxtrot" seria o mais importante para saber resistir a qualquer dificuldade.

Não houve despedidas, obviamente, mas todos estávamos sensibilizados. Pensei neste acontecimento durante algum tempo, nas dificuldades e demonstrações de solidariedade por que tínhamos passado, e senti um grande orgulho pela coesão que o grupo sempre manifestara. De alguma maneira, e eles expressaram isso mesmo, iriam sentir-se abandonados, o que não correspondia à verdade, mas era-me difícil de explicar melhor a minha posição.

Tomei então nova decisão.
Dirigi-me ao capitão e referi que não retirava o requerimento e estava apto para qualquer consequência, mas dava-lhe o arbítrio de fazer com ele o que entendesse. Nem reagiu, que me lembre. Por mais nada ter a dizer, nem ele, saí.
Compreendi que lhe tinha dado uma prenda, mas também fiquei com o pressentimento de que não arriscaria voltar a usar o pelotão como uma muleta salvadora, nem recorreria a excessos e litigâncias como era costume.

No final da comissão não perguntei pelo requerimento, pelo que não sei se o destino terá sido a "cesta secção", sem ter saído de Bajocunda.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12660: História da CCAÇ 2679 (66): "O Jagudi", o jornal de Bajocunda (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P12941: Notas de leitura (579): "A Literatura na Guiné-Bissau", de Aldónio Gomes e Fernanda Cavaca (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Houve por bem, ao tempo das comemorações dos Descobrimentos Portugueses (íamos a caminho da Expo 98), do Ministério da Educação se ter afoitado a um levantamento da literatura da Guiné-Bissau, uma síntese de grande honestidade, um ensaio que assegura uma visão global nos termos literários que vingaram desde a era dos Descobrimentos à atualidade.
Trata-se de um ensaio muito útil que bem merecia ser atualizado à luz dos conhecimentos atuais, entre 1997 e hoje pode dizer-se que se clarificou a literatura luso-guineense e que aquilo a que os autores chamam “a literatura dos combatentes” no contexto da literatura colonial ganhou autonomia e como tal deve ser apreciada e estudada.

Um abraço do
Mário


A Literatura na Guiné-Bissau: Os olhares de Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas

Beja Santos

No âmbito do Grupo de Trabalho do Ministério de Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, foi dado à estampa, em 1997, “A Literatura na Guiné-Bissau”, da autoria de Aldónio Gomes e Fernanda Cavacas. Esforço coroado de sucesso, os autores abalançaram-se num esforço de enquadramento da literatura da Guiné independente, nunca perdendo a bússola de que houve um saber colonial e uma expressão acabada do mesmo, chamando a atenção para as complexidades do nascimento de uma literatura escrita num contexto muito próprio de África onde a oratura é a expressão natural da comunicação de agentes.

É uma obra de caráter expositivo e antológico, uma escrita viva, ágil, tocando os pontos principais, como se passa a enumerar.

Primeiro, o nascimento difícil da literatura escrita: uma Guiné que deixou a dependência administrativa de Cabo-Verde nos anos 70 dos século XIX, Bolama passou a ter tipografia em 1879; a administração portuguesa só avançou para o interior da Guiné no fim do primeiro quartel do século XX, a despeito de confrontos e lutas que se prolongaram até à década de trinta do século XX; a despeito de todos estes condicionalismos houve literatura colonial mas não houve literatura escrita em língua portuguesa verdadeiramente de origem local.

Segundo, a oratura é a expressão de uma sociedade não alfabetizada, a literatura oral espalha a convivência e o fascínio da palavra dita, reforça o gregarismo da vida comunitária, na tabanca. Como escrevem os autores: “Conta-se e canta-se, ouve-se, comenta-se vibra-se ou adormece-se. É-se alternamente ouvinte e narrador e toda a gente tem assegurado a sua participação”. É uma literatura tão vibrante que investigadores do século XIX como Marcelino Marques de Barros ou Manuel Belchior, já no século XX, se deliciaram a coligir narrativas históricas e épicas, contos e lendas, provérbios e advinhas que dão conta da riqueza cultural do mosaico étnico guineense. Povos como o Mandinga fazem acompanhar esta literatura oral da música, os djidius eram trovadores errantes, possuidores do dom da palavra, bons manipuladores do código poético e bons músicos (corá, nhanhero, viola de três cordas…). Os autores indicam um conjunto de obras de grande importância sobre as manifestações de oratura do século XIX e lembram outros autores do século XX como Viriato Augusto Tadeu, João Eleutério Conduto, Alexandre Barbosa, Maria Cecília de Castro para além do já citado Manuel Belchior.

Terceiro, não se pode esquecer a literatura do encontro de saberes, as crónicas, as descrições geográficas, os documentos políticos como o indispensável “Memória sobre o estado atual da Senegâmbia Portuguesa”, de Honório Pereira Barreto, para além de um conjunto de obras de pendor etnográfico e divulgador, aqui tiveram um papel importante administradores coloniais e investigadores, como Rogado Quintino, António Carreira, Teixeira da Mota e Artur Augusto Silva, entre muitos outros. Com a independência, emergiram estudos de diferentes proveniências, como os trabalhos dos guineenses Carlos Lopes e Carlos Cardoso, a História da Guiné de René Pélissier, O Crioulo na Guiné-Bissau, de Benjamim Pinto Bull, e O Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau, de Peter Karibe Mendy. Isto são referências meteóricas aos muitos títulos entretanto surgidos, há que pensar na revista Soronda e também na Tcholona, Revista de Letras, Artes e Cultura, nas edições do INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa.

Quarto, a literatura colonial guineense, como Leopoldo Amado tão bem estudou, foi uma realidade inquestionável, nela tiveram protagonismo maior ou menor Fernanda de Castro, Fausto Duarte, João Augusto Silva, entre outros. Os autores incluíram aqui a literatura dos combatentes, uma visão que me parece descabida, é um setor autónomo da literatura colonial, esta exprimiu uma realidade que não é consentânea com a dos combatentes, estes centraram-se na vivência da guerra e no conhecimento do Outro em termos tais que não é possível incluir qualquer destas manifestações literárias como experiência colonial.

Quinto, e depois veio a literatura do saber nacional onde pontifica a dimensão poética, hoje bem identificada, e onde se enfileiram nomes como o de Vasco Cabral, Pascoal d’Artagnan, Tony Tcheka, Agnelo Regalla, Hélder Proença, Manuel da Costa, Odete Semedo e Félix Sigá. Mas para além da poética há a prosa onde Abdulai Silá é porventura o nome mais saliente.

Segue-se uma antologia mínima que inclui provérbios, adivinhas, canções, histórias e contos tradicionais, cronistas dos descobrimentos, figuras de destaque da literatura colonial guineense, escritores combatentes como Armor Pires Mota e Barão da Cunha e muitos, muitos poetas e prosadores como Domingas Samy e Abdulai Silá.

Enfim, um pequeno ensaio muito bem-sucedido pela amplitude da informação, uma visão global de quanto em termos literários, ou com alguma vivência estética, se foi produzindo, através dos tempos, na Guiné, não se acantonando nem à poesia nem à ficção, espraiando-se pelo antropológico e pelo etnográfico e até pelo documento político. Um livro que merecia ser atualizado, reformulado e até aumentado, dado o crescimento que nos deve envaidecer a todos da investigação e também graças a essa nova realidade que é a literatura luso-guineense.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12932: Notas de leitura (578): "Viagem à África Ocidental", por Vasco Callixto (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12940: Parabéns a você (715): António Rocha e Costa, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2539 (Guiné, 1969/71); Fernando Manuel Belo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323 (Guiné, 1973/74) e Mário de Azevedo, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 6 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12938: Parabéns a você (714): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Operações Especiais, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1971/73)

domingo, 6 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12939: Consultório Militar do José Martins (1): Portalegre e as suas Unidades Militares - BCAÇ 1

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 25 de Março de 2014, dando seguimento a uma sugestão do nosso Editor Luís Graça.

Caríssimos
Aqui vai a "resposta ao desafio" do Luís.
Não é exactamente o que ele pediu, mas "mais vale algo que nada".
Abraço
José Martins


PORTALEGRE E AS SUAS UNIDADES MILITARES - BCAÇ 1

Guiné 63/74 - P12938: Parabéns a você (714): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Operações Especiais, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12930: Parabéns a você (713): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mecânico Auto do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74); António Dias, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2406 (Guiné, 1968/70); Hernâni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil TRMS do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70) e José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 675 (Guiné, 1964/66)

sábado, 5 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12937: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte VI: Deveres do Cabo de Dia à Companhia - ("Consciente de que entre os soldados se verificava ainda a existência de um grande número de elementos com iliteracia e baixa escolaridade, o Exército, entre 1961 e 1974, utilizou o humor dos cartunistas, de forma pedagógica, para alertar e instruir sobre questões de segurança e sobrevivência ou sobre a regulamentação da disciplina militar.")

1. Continuação da publicação dos Deveres Militares, edição  SPEME de 1969, em banda desenhada com muito humor à mistura, enviado ao nosso Blogue pelo camarada Fernando Hipólito, ex-Fur Mil da CCAÇ 2544, Angola, 1969/71.









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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12915: Brochura, "Deveres Militares", SPEME, 2ª ed, 1969 (Fernando Hipólito): Parte V: Plantão à caserna e faxinas regimentais... ("Consciente de que entre os soldados se verificava ainda a existência de um grande número de elementos com iliteracia e baixa escolaridade, o Exército, entre 1961 e 1974, utilizou o humor dos cartunistas, de forma pedagógica, para alertar e instruir sobre questões de segurança e sobrevivência ou sobre a regulamentação da disciplina militar.")

Guiné 63/74 - P12936: Bom ou mau tempo na bolanha (51): Batuque no aquartelamento (Tony Borié)

Quinquagésimo primeiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Guerra, guerra e guerra, lá vamos outra vez parar ao interior da Guiné!

Vamos abrir aquele miserável diário, que não é diário nenhum, é mais um amontoado de folhas, vejam lá que até lá estão uns pedacinhos de ferro, dentro de um plástico, que deviam ser aqueles plásticos que vinham a embrulhar uma qualquer escova dos dentes, que possivelmente o Cifra apanhou em algum lugar, pois hoje não se lembra se alguma vez usou uma escova dos dentes, durante a sua permanência lá naquele conflito. O Cifra nunca foi educado para usar esse objecto, e creio mesmo que lhe devia de fazer alguma confusão, e até talvez “cócegas” na boca ao esfregar com a referida escova e, o álcool roubado ao “Pastilhas”, lavava tudo até os órgãos interiores do corpo, como por exemplo o fígado.

Continuando, dentro desse plástico, também lá vem um papelinho dizendo que são estilhaços de granada. Aqui já começa a ser “doença”... guardar isto para quê? Bem, esse resumo será para outra conversa, hoje vamos abrir umas tantas páginas e concentrar-nos no costume, que é quase tudo aquilo que os seus companheiros do pelotão de morteiros e não só, lhe relatavam, depois do seu regresso das patrulhas e operações no “mato”. O mais detalhado nos pormenores era o Trinta e Seis, pois tinha fama de “não fala mentira”, era responsável demais para a sua idade, e às vezes o Cifra ficava embaraçado, pois não sabia se estava a falar para um companheiro, ou para um irmão mais velho, ou mesmo para um pai. Relatava ao Cifra as emboscadas, as aflições, os momentos de pânico, com alguns pormenores, que faziam o Cifra às vezes ficar com lágrimas nos olhos, mas vamos avançar, o diário, diz assim:
No dia 26 de Outubro, que devia de ser de 1964 - Pela manhã, houve uma festa de despedida no aquartelamento de duas Companhias que estavam estacionadas na zona operacional do Oio, e actuavam sobre ordens do Comando do Agrupamento a que o Cifra pertencia, estando parte dos militares dessas Companhias estacionadas no aquartelamento de Mansoa. Pararam as obras no aquartelamento, houve rancho melhorado, cada um teve direito, em vez de um, a dois ou três púcaros, (que também serviam o café pela manhã, e que se tiravam da bacia de alumínio, que estava no meio da mesa, cheia de vinho, que afinal era a mesma bacia, que às vezes servia o arroz com peixe da bolanha), de vinho, houve “batuque”,  fizeram-se discursos, houve sorrisos e algumas lágrimas, seguindo as referidas Companhias em veículos militares para o cais de embarque, na capital da província.

À noite, por volta das 23,30 horas, desenrolou-se um forte ataque ao aquartelamento, que principiou com três ou quatro tiros isolados, seguidos de rajadas de metralhadora. Começaram a cair sobre o aquartelamento granadas de morteiro, ainda não havia abrigos com eficiência, ainda estavam a começar a construir-se, gerando-se algum pânico. Ficaram feridos cinco militares, uma granada caiu, talvez a vinte metros do Cifra, que estava metido no “abrigo do Olossato”, que era como o Cifra e alguns, camaradas lhe chamavam por ser parecido com os que foram construídos no Olossato, que fora construído na parte sul do aquartelamento, junto do dormitório e com mais segurança. Nesse momento o Cifra estava tolhido de medo, mas com o rosto de fora, viu o clarão da explosão e andou com a cara vermelha e queimada, os olhos também vermelhos, a ver e a ouvir com dificuldade durante algum tempo.

Os militares saíram a bater a zona, por sorte não foram para a estrada que seguia para Mansabá, pois ao outro dia vieram avisar o aquartelamento de que estava um fornilho montado com oito quilos de explosivos na referida estrada, tendo vindo um grupo de militares especiais da capital da província para o desmantelar. Houve depois informações, que alguns dos africanos, que andaram no “batuque”, pela manhã, eram guerrilheiros disfarçados, e sabiam que os militares não tinham muita segurança, pois estavam desfalcados da presença de parte dos militares que estavam estacionados em Mansoa, pertencentes às duas Companhias que regressaram à capital da província.

As explosões das granadas destruíram parte das obras.
Quando o Pastilhas, que era o Cabo Enfermeiro, colocava uma pomada branca na cara inflamada do Cifra, em atitude de brincadeira, dizia-lhe:
- Anda, vai para a Tabanca, com esta pintura pareces um Balanta, numa cerimónia de “Choro”!

O Cifra vai fechar o diário, já chega de guerra.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12912: Bom ou mau tempo na bolanha (50): Para onde se vá, existe um português (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12935: Convívios (578): Almoço de confraternização do pessoal da CCAV 2748 (Canquelifá, 1970/72), dia 31 de Maio de 2014 em Almeirim (Francisco Palma)

1. Conforme solicitação do nosso camarada Francisco Palma (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), damos conhecimento do próximo Almoço de Convívio do pessoal da sua Unidade.


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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12926: Convívios (577): Encontro comemorativo do 47.º aniversário do regresso da CCAÇ 816, a realizar no próximo dia 10 de Maio de 2014 nas Caldas das Taipas (Rui Silva)

Guiné 63/74 - P12934: Notícias do nosso editor Luís Graça (Carlos Vinhal)



1. Como a maioria da tertúlia deve saber, o nosso editor Luís Graça foi internado na passada terça-feira para na quarta lhe ser implantada uma prótese numa das ancas.

Até ontem tive notícias dele através da esposa, Alice Carneiro, mas ao fim da tarde telefonei-lhe, estava bem disposto, já fora da cama, e disse-me que no início da semana, talvez terça-feira, tenha alta.

Mesmo ali a sua preocupação com o Blogue é constante, tendo durante a tarde atendendo o telemóvel para atender solicitações. 

Claro que não se esqueceu de mandar, através de mim, um abraço para a tertúlia.

Vamos dando notícias.

Carlos Vinhal

Guiné 63/74 - P12933: Em busca de... (239): Alfredo Custódio António, ex-Condutor Auto da CCAÇ 2660/BCAÇ 2905 (Teixeira Pinto, 1970/71) procura o seu camarada e amigo Silva de Lisboa


1. Mensagem de um nosso camarada da diáspora, que se chama Alfredo António, ex-Condutor Auto da CCAÇ 2660/BCAÇ 2905 que esteve no Sector 05 de Teixeira Pinto nos anos de 1970 a 1971.

Boa tarde Luís
O meu nome é Alfredo Custódio António e fiz parte da Companhia de Caçadores 2660 do Batalhão de Caçadores 2905 onde era Condutor Auto. Estive em Teixeira Pinto e terminei a comissão em 1971.

Vivo no Canadá há 42 anos, numa vila que se chama Laval, próximo de Montreal

Eu queria encontrar um colega meu que estava na Secretaria em Teixeira Pinto, que se chamava Silva e era de Lisboa.
Agradecia muito se me pudesse ajudar.

Visitei o Blogue da Tabanca Grande e fiquei muito contente com tudo o que encontrei. Muito obrigado pelo vosso trabalho.

Sem mais, muito obrigado
Alfredo António
1820 Louis Belanger
Laval Qc H7W 5K6
Canada


2. Comentário do editor:

Caro camarada Alfredo António, muito obrigado pelo teu contacto.
Vamos publicar o teu pedido para encontrar o teu camarada Silva que, embora não refiras, poderá ter sido Cabo Escriturário da CCS ou da tua CCAÇ 2660.
Era mais fácil chamar a atenção se tivesses mandado a tua foto de então e até do teu camarada.

Quanto às palavras que diriges ao nosso Blogue, muito obrigado.

Os nossos votos de que te sintas realizado nesse grande país que escolheste para viver praticamente desde que regressaste da Guiné.

Recebe um abraço da tertúlia com os votos de muitas felicidades.
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12758: Em busca de... (238): Gostaria de encontrar camaradas da CART 527 (Teixeira Pinto, Cacheu, Pelundo e Jolmete, 1963/63) (António Medina)

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12932: Notas de leitura (578): "Viagem à África Ocidental", por Vasco Callixto (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
O publicista, escritor e jornalista Vasco Callixto é um caso singular nas letras portuguesas, infatigável nos temas do turismo, desporto automóvel e história da aviação. Viajou por tudo quanto é mundo, tem uma bibliografia impressionante.
Em 1990, com múltiplos apoios, lançou-se numa viagem que abarcou a Guiné-Bissau, o Senegal e a Gâmbia. Encontrou potencialidades extraordinárias para o turismo, viu edifícios que já não existem, entristeceu-se com o descaminho dado ao património histórico luso-guineense. Regressou convicto que a Guiné iria conhecer um surto na procura turística, veio deslumbrado.
Aqui fica o seu registo.

Um abraço do
Mário


Viagem à Guiné de Vasco Callixto, em 1990

Beja Santos

Publicista com largas dezenas de obras publicadas, escritor de turismo, investigador nas áreas do automobilismo e da história da aviação, Vasco Callixto (1925) tem uma impressionante colaboração na imprensa desde a década de 40. É um viajante insaciável, não há continente ou recanto da terra que ele não procure. Tem um modo muito seu de organizar as suas expedições e a publicação dos seus textos. Por exemplo, de Setembro a Dezembro de 1990, publicou em vários jornais a sua "Viagem à África Ocidental" (concretamente à Guiné-Bissau, Senegal e Gâmbia). Procura apoios de toda a índole, é encarado como o embaixador do turismo e não esconde o prazer pelas edições de autor. Vamos ver o que ele viu e comentou nesta viagem à Guiné-Bissau em 1990, de que resultou o livro editado em 1991. O único senão ao longo da viagem da Guiné foi o troar dos canhões que ele bem ouviu em Cacheu, tratava-se de um momento de elevada tensão nas relações entre a Guiné-Bissau e o Senegal, incidente que custou 20 vidas, felizmente que tudo acabou rapidamente em bem, tratava-se de contenda fronteiriça, sabe-se lá se de movimentação impune de guerrilheiros do Casamansa no Norte da Guiné-Bissau.

Chega a Bissau no final de Abril de 1990, o seu carro de estimação, um Opel Kadett modelo Califórnia já fora despachado por barco num porta-contentores. Explica a história da Air Bissau e da Transinsular, a empresa que facilitou o transporte do Opoel Kadett. Faz uma breve apresentação da Guiné-Bissau, a seguir entra no Hotel 24 de Setembro, ao tempo dispunha de 14 quartos singles, 65 quartos twins e 24 suites, para além de salão-restaurante, grill-jardim, bar americano e uma sala de congressos e banquetes. Referencia os preços de tudo, fica-se com a convicção de que o livro também funciona como um guia para o potencial turista. Sente encanto por Bissau, vai a pé do hotel pela Estrada de Santa Luzia e Avenida Pansau Na Isna, há por ali várias embaixadas, chega à antiga Praça do Império e desce a Avenida Amílcar Cabral, anota os edifícios de todo o estilo, chama a atenção para a Pensão Central ou Pensão da D. Berta, “que continua a fornecer refeições bem à antiga portuguesa, composta por sopa, dois pratos, pão e fruta pela módica quantia de 390 escudos. E a sala está sempre cheia”. Estupefacto vai vendo que as estátuas foram apeadas, os pedestais não. Não entende porque é que não se pode visitar a Fortaleza da Amura. Ao tempo ainda existia o Grande Hotel e um pouco mais abaixo o Centro de Medicina Tropical, inaugurado em 1989 e brutalmente danificado no conflito político-militar 1998-1999. Apreciou o cemitério, com campas bem cuidadas, não houve por ali vandalização, guardam-se as placas e as memórias do passado. Impressionou-se com as instalações do “Pão de Açucar” e visitou o mercado de Bissau, anotou a atividade “bancária” ali desenvolvida com os cambistas a trabalhar com máquinas de calcular.

Bijagós ainda hoje é uma grande consigna que recorda o turismo, era uma visita inescapável a Vasco Callixto. Ficou surpreendido com Bubaque e a sua espetacular beleza, uma joia longe da civilização. Em todas as etapas desta viagem, em minucioso: “O Hotel Bijagós, na ilha de Bubaque, de que é proprietário o argelino Azzi Abdelaziz, está situado num palmeiral, frente ao mar, com o restaurante debruçado sobre a falésia”. Descreve toda a unidade hoteleira e não esquece a referência ao centro de pesca desportiva, ali bem perto. E na manhã seguinte parte para Bolama, novo resumo sobre a história da infausta cidade, agora reduzida a sombras, foi ponto de escala dos Clippers da Pan America, em Bolama aterraram os primeiros aviões portugueses que voaram para terras de África, entre outras páginas de glória. Passeia-se pelas ruínas, é impressionante o grau de destruição, interessa-se pelos monumentos que estão de pé, nomeadamente aquele que Mussolini ofereceu à cidade para perpetuar a morte de aviadores e tripulantes de dois aviões italianos que ali se acidentaram.

De Bolama foram até Farim, passam por Mansoa e Mansabá. Deixam uma nota histórica sobre Farim, com surpresa encontro ali um padrão evocativo das viagens henriquinas. E escreve: “Neste padrão de Farim faltam algarismos de duas datas e uma palavra. Mas toda a ornamentação superior, incluindo o escudo português, estava intacta. Os que pensaram as novas gerações que este monumento significa?” Regresso a Bissau, segue-se a viagem à Gâmbia e ao Senegal, saem por S. Domingos.

Voltam a entrar na Guiné pela região do Gabu, não encontram onde comer nem dormir. Indigna-se com a estátua caída por terra do antigo governador Oliveira Muzanty, um oficial português que conduziu algumas guerras de pacificação e que contribuiu para delimitar fronteiras. Também não havia onde comer e dormir em Bafatá, um padre italiano lá desenrascou uma sala de catequese, ali dormiram em placas de espuma. Em Bafatá teve uma agradável surpresa, encontrou gente da Amadora, terra natal e residência de Vasco Callixto. E partiram para o Cacheu, de Bafatá foram até Bambadinca, daqui a Mansoa, depois Bissorã, pelo caminho visitaram Bula. Nova explicação histórica, desta feita sobre Cacheu, seguem-se referências aos equipamentos turísticos. É aqui que começa a troar a artilharia, havia contenda fronteiriça, Nino Vieira voou para Paris e pediu a intervenção do presidente Mitterrand, foi bem-sucedido. Impressionou-se com as estátuas escaqueiradas dentro da fortaleza, Nuno Tristão, Diogo Gomes, Honório Pereira Barreto e Teixeira Pinto aos pedaços. E comenta: “É preciso dar um destino condigno a estas estátuas. Se o presidente Nino Vieira declarou que iriam ser colocadas de onde foram retiradas, assim se deverá fazer quanto antes, pois a História não pode apagar-se. Em último caso, deverão ficar naquela Fortaleza, mas recuperadas e colocadas com dignidade”.

Considera Cacheu uma cidade de beleza admirável, um filão para o turismo. Regresso a Bissau, chegou a hora de preparar o reembarque do Opel Kadett. No Centro Cultural Português prefere uma conferência sobre “As primeiras viagens aéreas entre Portugal e a Guiné”. A primeira viagem aérea Portugal-Guiné realizou-se em 1925 no avião Santa Filomena. A segunda viagem constitui a 1.ª Travessia Aérea Noturna do Atlântico Sul, em 1927, quando o hidroavião Argos, com o major Sarmento de Beires, o capitão Jorge de Castilho e o alferes Manuel Gouveia, efetuou a ligação Bubaque-Brasil. E mencionou outras viagens com destino a Angola e Moçambique e o denominado “Cruzeiro Aéreo às Colónias”, a viagem que encerrou o ciclo das grandes viagens aéreas da época do pioneirismo aéreo português.

No Hotel 24 de Setembro encontrou-se com o Eng.º Macário Correia, secretário de Estado do Ambiente (simples curiosidade, ia negociar a participação da Guiné na Cimeira da Terra e assinou um protocolo que me custou quatro meses passados na Guiné, em 1991, de saudosa e triste memória). E assim acabou a viagem à África Ocidental de Vasco Callixto.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12917: Notas de leitura (577): "Eleições em tempo de cólera", por Onofre Santos (2) (Mário Beja Santos)