1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Maio de 2015:
Queridos amigos,
Temos acolhido o que sobre a Marinha na Guiné tem sido escrito: pense-se nas obras de e sobre Alpoim Calvão; a história dos Fuzileiros na Guiné; relatos pessoais como o de "Homem-Ferro", de grande importância, foi assim que ficámos a saber que no segundo semestre de 1962 a região Sul estava a entrar em sublevação; as fabulosas Memórias do Sargento Talhadas, um relato ímpar, inesquecível.
Aproveita-se agora a intervenção do Vice-Almirante Lopes Carvalheira que dissertou sobre a Marinha no teatro de operações na Guiné. Pessoalmente, e no que envolve o rio Geba, li com saudade certas passagens e veio-me à memória a Alfange ou a Montante a passarem por Mato de Cão, eram simpáticos connosco, davam-nos boleia pelo Geba estreito até Bambadinca, aproveitava para fazer abastecimentos.
Um abraço do
Mário
A Marinha no teatro de operações na Guiné
Beja Santos
Nas atas do seminário “A Marinha em África (1955-1975), Especificidades”, publicação da Academia da Marinha, 2014, está inserida a comunicação intitulada “A Marinha no teatro de operações na Guiné”, foi que apresentada pelo Vice-Almirante Lopes Carvalheira, um texto esclarecedor para o qual peço a vossa atenção.
As primeiras unidades navais com caráter de permanência chegaram à Guiné em 19 de Maio de 1961: 2 LFP (lanchas de fiscalização pequenas) e 2 LDP (lanchas de desembarque pequenas). No mês de Junho seguinte chegou outra LFP e a partir daí outras unidades foram sucessivamente chegando, atingindo a Esquadrilha de Lanchas o seu número máximo em Setembro de 1969, 39 unidades.
Durante os anos de 1963 e 1964 foram, umas após outras, atribuídas ao Comando de Defesa Marítima da Guiné 4 LFG (lanchas de fiscalização grandes). Em 1967, este Comando atingira o apogeu no máximo de Forças atribuídas, para além das unidades navais tinha quatro Destacamentos de Fuzileiros Especiais, duas Companhias de Fuzileiros Navais, uma Secção de Mergulhadores, uma Equipa de Inativação de Explosivos, e mais alguns efetivos.
A propósito da fiscalização, o autor escreve:
“Em 1971, após o ataque levado a efeito com mísseis sobre Bissau, em 9 de Junho, retomou-se a fiscalização contínua do rio Geba, a montante de Bissau, até ao Geba estreito, complementando a patrulha noturna ao Porto de Bissau que se mantinha desde 1963, efetuada por uma ou duas unidades navais, coadjuvada por botes de borracha.
A intervenção da Marinha foi importante na Operação Tridente, a Marinha tinha uma importância vital para proteger as vias de comunicação fluviais da Guiné onde o PAIGC podia atacar com espingardas e pistolas-metralhadoras, morteiros, canhões sem recuo e LGF RPG7, tentando, sem êxito o emprego de minas de fabrico artesanal; e para o transporte de efetivos militares para operações de caráter anfíbio, nomeadamente no Sul e no Norte.
O que nos remete para a guerra nos rios, pois era fulcral assegurar o reabastecimento logístico, os transportes operacionais e as rendições de efetivos militares. São de destacar algumas unidades navais particularmente designadas para os transportes logísticos: as LDG Alfange, Montante e Bombarda. Importa igualmente referir que desde 1963, atendendo à natureza da própria região Sul, foram criados vários comboios sob a custódia da Marinha como os de Bedanda, Catió e Bissum. Mas estes comboios percorriam igualmente a região de Cacheu".
O autor detalha os comboios feitos no rio Cumbijã e toda a rede de comboios que navegavam pelo Sul. É neste contexto que faz uma chamada de atenção para o caso do uso das minas pelo PAIGC:
“Depois de ter ocorrido o rebentamento de uma mina no rio Cobade, em 1967, passou a existir uma cortina avançada de botes de borracha guarnecidos pelos fuzileiros de escolta, em zonas críticas seguiam à frente da primeira unidade do comboio junto às margens, tentando detetar qualquer fio a elas preso”.
Mais adiante, em jeito de síntese, escreve o seguinte:
“Durante os anos da guerra da Guiné, foram inúmeros os incidentes resultantes dos muitíssimos contactos de fogo entre o inimigo e as nossas unidades navais, no desempenho das suas missões em águas internas daquela Província.
De 1961 a 1964, além dos 50 fuzileiros mortos em combate na guerra da Guiné, morreram igualmente em combate 8 praças ao serviço da Esquadrilha de Lanchas.
A verdade é que, apesar das dezenas de baixas e feridos, de centenas de furos e outros danos graves nos costados das embarcações, da LDM 302 ter sido afundada e recuperada duas vezes, foi possível assegurar, até ao fim, a utilização dessas vias de comunicação”.
Nota curiosa, não há nenhuma referência nesta comunicação à Operação Mar Verde nem às operações que envolveram Alpoim Calvão, o mais condecorado dos oficiais da Marinha.
Durante séculos usaram-se arbitrariamente diferentes topónimos para referir lugares da Guiné onde os portugueses marcavam presença: Terra dos Negros, Rios da Guiné de Cabo Verde, a Guiné de Cabo Verde, Senegâmbia. Encontrei numa comunicação de Teixeira da Mota, apresentada em Washington em 1950, a propósito dos contactos culturais luso-africanos na Guiné de Cabo Verde esta ilustração que me parece elucidativa para se compreender a presença portuguesa na Grande Senegâmbia até ao século XIX. Não esquecer que Honório Pereira Barreto escreveu a sua “memória” sobre a Senegâmbia portuguesa ainda na primeira metade do século XIX. Esta imagem tem um elevado peso histórico: a presença portuguesa confinava-se à faixa litoral, a Norte, acima do rio Gâmbia, em terra dos Sereres, havia povoados de comerciantes, uns oriundos de Cabo Verde, outros de descendentes de judeus, outros de filhos da terra. Infiltravam-se pelas zonas ribeirinhas, aproveitavam-se dos terrenos muitos baixos e atravessados em todos os sentidos por uma densa rede de canais e rias. Os lançados ou tangomaus para se defenderem dos corsários e piratas fortificaram-se e assim nasceu Cacheu (1558) a primeira vila portuguesa da Guiné, e até meados do século XVII surgiram Geba, Bissau, Farim, Ziguinchor e Porto da Cruz. Chegados ao século XIX, a Senegâmbia portuguesa estendia-se entre o rio Casamansa e o rio Nuno.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 7 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15828: Notas de leitura (814): “Crónica de Uma Viagem à Costa da Mina no Ano de 1480", por Eustache de La Fosse (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 11 de março de 2016
Guiné 63/74 - P15841: Parabéns a você (1045): Artur Soares, ex-Fur Mil Mec Auto da CART 3492 (Guiné, 1972/74) e Joaquim Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447 (Guiné, 1965/67)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 10 de Março de 2016 Guiné 63/74 - P15838: Parabéns a você (1043): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor Auto Rodas do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)
quinta-feira, 10 de março de 2016
Guiné 63/74 - P15840: Memórias de Gabú (José Saúde) (61): Companhia de milícias guineenses jurou bandeira. Dia de ronco.
1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
As minhas memórias de Gabu
Companhia de milícias guineenses jurou bandeira
Dia de ronco
A plateia estava bem composta e o dia era para celebrar a passagem a pronto de uma companhia de milícias africanos, sendo que o pessoal de Gabu correspondeu em pleno a um acontecimento que resvalou para uma jornada de ronco.
Na parada do quartel novo de Gabu, Nova Lamego, os pelotões marcharam, apresentaram armas, juraram bandeira e comprovaram fieldade ao exército português. Na retaguarda os civis não perderam a oportunidade em assistir ao evento e as mulheres grandes, as bajudas e os homens, alguns ostentando o traje da sua condição de régulos, lá fizeram a festa.
Afirmo, seguramente, que as vestes das mulheres transmitiam coloridos encantadores, próprios, aliás, de uma África próspera em esplêndidos encantos. As bajudas, essas meninas deslumbrantes, mostravam, vaidosas, a sua “mama firme” e lançavam piropos sobre o enviesado marchar dos rapazes da tabanca que, esporadicamente, lá trocavam o passo.
Recordo, com alguma intensidade, o inolvidável momento. O quartel encheu-se de gentes que aplaudiram o “esforço” ofertado à Pátria pelos soldados guineenses. A tropa, para eles, era sinónimo de uma maior estabilidade quer ela se tratasse pelo angariar de uns magros pesos ou mais uma “mão-cheia” de arroz que tanta falta fazia no seio familiar.
Citei, intencionalmente, a palavra Pátria porque naquele tempo poucos ousariam contradizer os poderes políticos instalados. Batiam-se palmas aos discursos escutados pelos “maiorais” e apelava-se ao sentido nato da defesa integral de uma Nação que se confrontava com três frentes de guerra no Ultramar.
Mas tudo era, ou parecia, absurdo. Sintetizando o conteúdo da mensagem que o bom do soldado lusitano conheceu, rompemos as amarras do tempo e falemos abertamente que a tropa nativa formava um esquadrão que via no exército da Metrópole um meio para satisfazer uma imensidão de caridades que o seu extrato social carecidamente impunha.
Ora, é lógico que elogiemos a sua camaradagem, bem como aquela doada por uma população que demonstrava a sua inequívoca gratidão. A guerra, por outro lado, partilhava instantes insólitos e de autênticas disparidades. Com eles, camaradas guineenses, aprendi uma imensidão de circunstâncias que me ajudaram a conhecer o teor de uma peleja onde a imprevisibilidade de um adensado mato se apresentava literalmente como um verdadeiro enigma.
Sendo o dia de ronco, e com a entrada do quartel franqueada ao povo, deixo nesta temática, que por ora trago à estampa, três fotos: a primeira comigo (à direita), com o alferes Santos, oficial de dia, ao meio, e à esquerda um camarada furriel miliciano mecânico, que não recordo o seu nome. As outras fazem parte do convívio com a população.
Remato a narrativa com a pertinente questão que ainda hoje nos ocorre à memória e que, por vezes, serve de diálogo: Qual terá sido o futuro daqueles mancebos que naquele dia, 14 de março de 1974, juraram bandeira sob a proteção de uma Pátria distante e sabendo-se que no mês seguinte, em Lisboa, a ditadura caiu e a Revolução dos Cravos estourou, dando-se o memorável 25 de Abril e, naturalmente, a entrega das antigas colónias ultramarinas aos movimentos que ao longo dos anos lutaram no terreno em defesa da sua liberdade?
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
7 DE FEVEREIRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P15717: Memórias de Gabú (José Saúde) (60): A fuga
Guiné 63/74 - P15839: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (101): O 'irmão guineense', doutor Augusto Paulo Silva, que, quando era adolescente costumava ouvir o PFA - Programa das Forças Armadas, e andou estes anos todos à procura do "dono daquela voz"... (Silvério Dias, o 1º srgt, radialista do PIFAS, "casado com a senhora tenente", beirão, "poeta todos os dias" e, provavelmente, o atual decano do nosso blogue)
1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Silvério Dias [ ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra, 1967/69; 1º Srg Art, locutor do PFA, Bissau QG/CTIG, 1969/74; civil, delegado de propaganda médica, 1974/76, em Bissau; 1º srgt art ref]
“HIS MASTER VOICE”
Uma questão à volta desta frase: "Quem era o dono daquela voz 'emprestada' ao PIFAS?"
Rapazinho guineense viveu com esta dúvida durante largos anos, mas nunca desistindo de a tentar esclarecer. E foi através da “Tabanca Grande”, após incansável procura que chegou até mim.
“HIS MASTER VOICE”
Uma questão à volta desta frase: "Quem era o dono daquela voz 'emprestada' ao PIFAS?"
Rapazinho guineense viveu com esta dúvida durante largos anos, mas nunca desistindo de a tentar esclarecer. E foi através da “Tabanca Grande”, após incansável procura que chegou até mim.
A descoberta deveu-se à ligação do Augusto Paulo Silva com o “Tabanqueiro-Mor”, Luís Graça, e através do blogue que nos irmana. Por insinuações expostas, respondi: à indicação que procuram…só poderei ser eu mesmo.
Passados 48 anos, o rapazinho guineense, é hoje um ilustre doutorado que no Brasil exerce uma notável actividade no campo da Biologia, após formação na Moldávia, desempenhos em Portugal, para finalmente se instalar em Petrópolis, onde lhe rendem justa homenagem.
O dono da tal voz é um simples Beirão que foi militar na Guiné, em Moçambique e na Índia e que teima manter-se vivo nos seus oitenta e tais…bem vividos, na Graça de Deus!
Resumindo o final da estória, o Doutor Augusto esteve em Lisboa. numa Missão Oficial da CPLP. O que foi difícil no passado, foi facílimo no presente. Recebido em minha casa com honras de “Homem Grande”, o Augusto e eu próprio firmámos de imediato um trato que irá perdurar: Somos desde agora, “IRMÃOS DA GUINÉ”!
Fica registado em “Conservatória Virtual”, com carácter definitivo. Também a prova fotográfica que nos identifica, bem assim, a Senhora Tenente, ela tão recordada e que. felizmente, mantenho a meu lado.
Silvério Dias – O ex-Primeiro do “Pifas”.
Fica registado em “Conservatória Virtual”, com carácter definitivo. Também a prova fotográfica que nos identifica, bem assim, a Senhora Tenente, ela tão recordada e que. felizmente, mantenho a meu lado.
Silvério Dias – O ex-Primeiro do “Pifas”.
2. Poema publicado no blogue Poeta todos os dias, no passado dia 5 do corrente:
"IRMÃOS DA GUINÉ"
Tive hoje uma visita especial
De alguém que me conhecia pela voz
E em gesto único e cordial
Resolveu desatar uns nós!...
Era através da Rádio, na Guiné.
Garoto, fez-se meu admirador,
Acalentando sempre a fé
De um dia conhecer tal senhor.
Fez-se homem e doutorado,
Correu mundos pela ciência
Da Biologia, e bem graduado
Alcançou notável evidência.
No Brasil, obteve o saber
De quem a voz tinha pertença.
Fácil foi então estabelecer
Ligação escrita, ganha na crença.
Mas hoje e porque presente
Em missão oficial relevante
Nos encontrámos, finalmente!
Atingimos objectivo importante:
Encontro de "irmãos guineenses"
Que se abraçaram, fraternais!
Estórias assim, sendo presentes,
Dão ao mundo um sinal mais.
Caro Augusto, no teu regresso,
À actual morada brasileira,
Continua assim igual, te peço!
Eu serei, sempre, um homem da Beira!
Silvério Dias
Publicada por Poeta Todos os Dias à(s) 16:05
3. Mensagem de Augusto Paulo Silva, enviada em tempos ao nosso blogue e reencaminhada para a "malta do Pifas":
Data: 21 de Fevereiro de 2014 22:03
Assunto: Pedido de informação
Caro Prof. Luís Graça,
Sou visitante assíduo do seu blogue há muitos anos não só por ser guineense, mas sobretudo porque considero estas memórias, deixadas pelos seus companheiros, parte integrante da história da Guiné-Bissau. Como tal, todos vós merecem e merecerão toda a nossa consideração e estima.
Estes dias com o desaparecimento do nosso saudoso colega PEPITO, depois de ler alguma coisa sobre ele num blogue guineense que também me remeteu para o link do Público, acabei por descobrir que também este jornal foi beber ao Luís Graça. Ávido de encontrar mais coisas sobre o nosso PEPITO, meti atalho para o Luís Graça. Embora não tenha encontrado ainda o PEPITO, fiquei deliciado com os muitos posts cheios de histórias do meu/nosso país.
Como sabe, nessa época vivia eu em Bissau no auge da minha adolescência e, como residente de um dos bairros dessa cidade, ouvia-se muito rádio tanto da emissora provincial como, mais tarde, do famoso programa radiofónico das forças armadas (PFA), para além de relatos de futebol aos fins de semana. É precisamente aqui onde queria chegar com este pedido. Dos locutores do PFA que me marcaram, destacaria um que cujo nome nem me passa pela cabeça. Tinha conhecimento que era furriel ou sargento, mas tinha uma dicção ímpar de tirar chapéu. Um verdadeiro locutor. Só o conhecia de longe. Será que ele está vivo?
Não resisti à tentação de lhe apresentar esta curiosidade e que muito lhe agradeço pela oportunidade.
Um grande abraço,
Augusto Paulo Silva
Fundação Oswaldo Cruz
Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS)
FIOCRUZ Center for Global Health
Palácio Itaboraí
Rua Visconde de Itaboraí
188 - Valparaiso
CEP: 25655-031 RJ
Petrópolis – Rio de Janeiro
BRASIL
(+55) 24 2246-1430 (Telefone do Palácio)
__________________
Publicada por Poeta Todos os Dias à(s) 16:05
3. Mensagem de Augusto Paulo Silva, enviada em tempos ao nosso blogue e reencaminhada para a "malta do Pifas":
Data: 21 de Fevereiro de 2014 22:03
Assunto: Pedido de informação
Caro Prof. Luís Graça,
Sou visitante assíduo do seu blogue há muitos anos não só por ser guineense, mas sobretudo porque considero estas memórias, deixadas pelos seus companheiros, parte integrante da história da Guiné-Bissau. Como tal, todos vós merecem e merecerão toda a nossa consideração e estima.
Estes dias com o desaparecimento do nosso saudoso colega PEPITO, depois de ler alguma coisa sobre ele num blogue guineense que também me remeteu para o link do Público, acabei por descobrir que também este jornal foi beber ao Luís Graça. Ávido de encontrar mais coisas sobre o nosso PEPITO, meti atalho para o Luís Graça. Embora não tenha encontrado ainda o PEPITO, fiquei deliciado com os muitos posts cheios de histórias do meu/nosso país.
Como sabe, nessa época vivia eu em Bissau no auge da minha adolescência e, como residente de um dos bairros dessa cidade, ouvia-se muito rádio tanto da emissora provincial como, mais tarde, do famoso programa radiofónico das forças armadas (PFA), para além de relatos de futebol aos fins de semana. É precisamente aqui onde queria chegar com este pedido. Dos locutores do PFA que me marcaram, destacaria um que cujo nome nem me passa pela cabeça. Tinha conhecimento que era furriel ou sargento, mas tinha uma dicção ímpar de tirar chapéu. Um verdadeiro locutor. Só o conhecia de longe. Será que ele está vivo?
Não resisti à tentação de lhe apresentar esta curiosidade e que muito lhe agradeço pela oportunidade.
Um grande abraço,
Augusto Paulo Silva
Fundação Oswaldo Cruz
Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS)
FIOCRUZ Center for Global Health
Palácio Itaboraí
Rua Visconde de Itaboraí
188 - Valparaiso
CEP: 25655-031 RJ
Petrópolis – Rio de Janeiro
BRASIL
(+55) 24 2246-1430 (Telefone do Palácio)
__________________
Nota do editor:
Último poste da série > 3 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15322: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (100): Reencontrando o comandante Pombo, em 17/10/2015, na sede da AFAP - Associação da Força Aérea Portuguesa, em Lisboa, 41 anos depois da viagem que fiz com ele no seu Cessna dos TAGP, de Bissau até Catió, em 31/3/1974 (António Graça de Abreu)
Guiné 63/74 - P15838: Parabéns a você (1044): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor Auto Rodas do BCAÇ 4512 (Guiné, 1972/74)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 8 de Março de 2014 Guiné 63/74 - P15830: Parabéns a você (1042): António Marques Lopes, Cor Art Ref (DFA), ex-Alf Mil Art da CART 1690 (Guiné, 1967/69)
Nota do editor
Último poste da série de 8 de Março de 2014 Guiné 63/74 - P15830: Parabéns a você (1042): António Marques Lopes, Cor Art Ref (DFA), ex-Alf Mil Art da CART 1690 (Guiné, 1967/69)
quarta-feira, 9 de março de 2016
Guiné 63/74 - P15837: Convívios (729): O próximo Encontro da Magnífica Tabanca da Linha será no próximo dia 17 de Março de 2016 em Cascais (José Manuel Matos Dinis)
DIA 17 DE MARÇO
PRÓXIMO ENCONTRO DA MAGNÍFICA TABANCA DA LINHA
1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), Amanuense da Magnífica Tabanca da Linha, em efectividade de serviço, com data de hoje, 9 de Março de 2016:
Camaradas,
Antes de vos dar a boa nova, refiro-me ao longínquo Vinhal, para lhe pedir delicadamente, o grande favor de publicar o anúncio de novo encontro, conforme o superior interesse dos Magníficos atabancados da Tabanca da Linha. E apresento-lhe o meu especial agradecimento pela diligência.
O tempo tem andado fresco e húmido, condição magnífica para nos recolhermos em feliz oráculo com bom serviço de comes e bebes. Assim, no próximo dia 17 de Março corrente, de regresso a Oitavos, pelas 12H30 fica fixada a hora para o inicio da concentração. Segundo o meu assessor meteorológico prevê-se bom tempo para essa ocasião, assim como passarinhos esvoaçantes que anunciem a Primavera. O resto desse festejo pré-primaveril será preenchido com um primeiro andamento "allegro spirito" em composição para queijo, presunto, azeitonas e manteiga; o segundo andamento em ritmo de "romanza andante" preenchido com um solo de bacalhau à lagareiro acompanhado de batatas com broculli em cobertura de alho e azeite quente derramado; seguindo-se o terceiro andamento um "allegro magestoso" numa composição para cheese cake e tarte de laranja. Todo o encontro será acompanhado com "spirito" e águas puras e cristalinas, ou outros líquidos menores, mas reservando para as alturas os acordes em "magnificat" de bastas quantidades de Esteva tinto, ou de um deslizante Palmela branco para os de arcaboiço mais gentil.
Haverá tempo para avaliações, comparações, invenções, considerações, intervenções, reflexões, e outras sugestões terminadas em "ões", como, não se esqueçam de pagar no fim da festa os tradicionais 18 aéreos, a ver se ali poderemos voltar sem o risco de ingestões envenenadas.
Antes de terminar, e para abuso da vossa paciência, peço-vos alguma tolerância por não termos encontrado melhor, ou o que nos pareceu no confronto das hipóteses, o melhor. De facto, a última edição que teve lugar em Carcavelos mereceu algumas críticas depreciativas ao nível dos produtos mastigáveis, apesar do bom serviço prestado. Para quem não organiza, há sempre boas alternativas, e nessa ordem de ideias, postos de lado os locais que pela capacidade, ou pelo preço, se mostravam inacessíveis, ainda se deslocou uma representação bastante diplomática ao Clube Naval de Cascais, onde fomos bem acolhidos (e comemos por 35 aéreos por cabeça), que esperou até ontem por uma proposta dentro dos valores correntes da nossa falta de categoria para grandes cavalarias. Não chegou qualquer sinal.
Não desarmaremos para a próxima, mas com outro azimute por objectivo. Claro que estas coisas exigem algumas considerações, não só na relação qualidade/preço, mas também na capacidade de estacionamento, que em Oitavos, na estrada do Guincho, como em Carcavelos, estão garantidos.
Mesmo antes de terminar, ainda apelo ao Paulo Santiago para, no caso de ele próprio não comparecer, que lance um very-light na direcção do Coronel Clemente que alguns conhecem tão bem, e que na Guiné deixou boas notas de camaradagem. Provavelmente não o reconhecerei, porque a minha vista anda cansada, mas ele que traga uma bandeira, ou uma couve como forma identificativa.
E "prontos", espero que divulguem pela malta de quem não possuo o contacto, e que a ocasião fique bem assinalada.
Agora a sério, para terminar, quero dizer que a CCaç 2679 estará representada por três valorosos resistentes (se nenhum for abaixo das canelas).
Para qualquer coisinha, o meu telemóvel tem o número 913 673 067 e o do Resende é 919 458 210.
Abraços fraternos
JD
____________
Nota do editor
Último poste da série de 24 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15791: Convívios (728): X Convívio dos Combatentes da Guerra do Ultramar do Concelho de Matosinhos, dia 5 de Março de 2016, em Leça da Palmeira (Carlos Vinhal)
Guiné 63/74 - P15836: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (22): O “Galã de Nhacra” e “Conquistador de Guimarães”
Quartel de Nhacra
1. Em mensagem do dia 23 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), mandou-nos mais uma das suas excelentes histórias para a sua série "Outras Memórias da Minha Guerra". Para quando o prometido livro?
Outras memórias da minha guerra
21 - O “Galã de Nhacra” e “Conquistador de Guimarães”
Entre os camaradas daquela Companhia, era voz corrente que o Furriel Martins era oriundo de família rica, muito ligada à indústria têxtil. Dizia o maqueiro Soares, de Guimarães, que se lembrava bem de ver um MG vermelho, descapotável, a passear pela cidade, e a acelerar por perto do Toural e, também, junto do Liceu de Guimarães.
Também quem se lembrava bem do Martins, era o Furriel Moura, que estava “sediado” em Mansoa. É que, além de o ter conhecido nas Caldas da Rainha, também o acompanhou em Tavira. Enquanto nas Caldas quase passou despercebido, já o mesmo não se pode dizer do tempo em que esteve em Tavira. Aqueles meses quentes de Junho e Julho proporcionaram-lhe várias exibições pelas praias mais próximas.
Tudo levava a crer que o Martins seria um conquistador nato, mas o certo é que poucos o viram acompanhado de miúdas, a não ser com a Marilu, uma jovem bastante conhecida, naquele ambiente castrense, por “Miss Punheta”. Por outro lado, pouco mais dele se sabia, já que o Martins não gostava de conviver com os demais camaradas.
Na Guiné, o Martins mantinha aquele ar petulante de superioridade, especialmente diante de subalternos. Aliás, esse complexo de superioridade provocou os seus custos: de gozo, por uns e de aversão, de outros.
Quem não podia com ele era o Moreira, o Cabo Cripto que, mercê de um certo à-vontade, de uma evidente popularidade e de uma boa aparência física, lhe causava alguma inveja e muita antipatia.
Por coincidência, um e outro optaram pelos serviços da mesma lavadeira, que, por sinal, era uma miúda bastante gira, corpo curvilíneo, mama firme, cabelos esticados e de feições arredondadas. Por experiência, sabemos que, com tais predicados nas lavadeiras, a roupa raramente regressa bem lavada e com a mesma cor de origem. Porém, os “galãs”, pareciam perdoar tudo para merecer as atenções da melhor miúda de Nhacra.
Aparentemente, o Moreira adiantou-se rapidamente, uma vez que, ao fim de pouco tempo, já ia para a tabanca da Sami, passar os serões.
Por sua vez, o Furriel Martins, julgando-se seguro da sua importância, quando soube que o Cabo Moreira estava na tabanca, foi lá para o deitar abaixo. E, logo que o viu junto da Sami, interpelou-o em voz alta:
- Ouça lá, ó nosso Cabo, que anda por aqui a fazer?
- Vim aqui à lavadeira, procurar uma camisa. - Justificou-se o Moreira.
- Qual camisa, qual caralho! Não sais de trás dela.
E continuou:
- Vieste incomodar a Sami, a esta hora? Deixa-a em paz e desaparece. Vai para o quartel, de onde não devias ter saído.
- Mas ainda não tocou a recolher. Posso estar cá fora. - Respondeu o Moreira.
Irritado, o Furriel Martins gritou:
- Podes, o caralho! Põe-te a andar! É uma ordem! Ouviste bem? É uma ordem!
Ferido no seu orgulho, o Moreira dirigiu-se directamente para a caserna do 1.º Pelotão. Como não tinha arma distribuída, agarrou numa G3 que estava pendurada pela bandoleira nos ferros de uma das primeiras camas. Rapidamente regressou à parada e aproximou-se da porta de armas.
O Furriel Martins acabava de entrar e o Moreira, que já o esperava, apontou-lhe a arma.
- Ouve lá, ó Galã de Merda, eu vou ficar cá mas tu, vais co caralho, seu grande filho da puta!!!! .
Puxou o gatilho e ouviu um estalido. Insistiu e o som repetiu-se. Nessa altura, já o sentinela gritava:
- Acudam! Acudam! Estes gajos estão malucos! Querem matar-se!
Quartel de Nhacra
Desesperado, o Cabo Moreira atirou-se ao Furriel a murro e a pontapé, até que chegou o Oficial Dia, Alferes Bastos e o levou para a Casa da Guarda. Não levou muito tempo para aparecer o Capitão Alves, que indicou o seu gabinete e logo perguntou:
- Então Bastos, que é que se passou?
- O Cabo Cripto puxou de G3 para matar o Furriel Martins. A sorte é que não havia bala na câmara. O Martins pensa que é tudo dele e ficou fodido de ver o Cabo Cripto na tabanca, junto da lavadeira, uma boazona que anda por aí.
O Capitão interrogou de novo:
- Não me diga que é a Sami? Olha o engatatão! Por sinal ela também me lava umas coisas.
E continuou:
- Realmente ela é jeitosa mas, como lavadeira é muito fraquinha. Esse Furriel é um merdas, parece que ninguém gosta dele.
- Pois é Capitão, mas agora estou fodido. É que já meti o rapaz na cadeia e agora nem sei como me safar. Ele é de lá, da Povoa, é vizinho da minha mulher, até andou a estudar com ela. E a mãe, que tanto me pediu que olhasse por ele!
E continuou:
- É educado e bom moço. Nunca se mete com ninguém, mas é um bocado casmurro e ficou pior desde que o pai morreu num acidente. Foi à inspecção, não deu as habilitações porque não queria responsabilidades de chefia. Agora acontece isto e tinha que ser eu a condená-lo.
O Capitão levantou-se, pousou a mão no ombro do Alferes e disse:
- Não faça qualquer participação. Deixe o Cabo passar lá a noite, mas deixe a porta aberta. Deixe-o sentir a responsabilidade do que fez e amanhã eu trato disso. Entretanto, mande avisar o Furriel, para que se apresente aqui às 9 horas.
Quartel de Nhacra
Numa das vezes que visitei o Cemitério de Nespereira, a dois quilómetros de Guimarães, quando estava a olhar a foto do Faria (Furriel Enfermeiro da nossa CART 1689), colocada sobre um jazigo, lá ao fundo, do lado direito, ao mesmo tempo que recordava, em catadupa, grandes momentos vividos juntos na Guiné, ouço uma voz:
- O senhor não é de cá, pois não? Conheceu o Domingos Faria?
- Fomos muito amigos, lá na Guiné. Devo-lhe muito do que de melhor lá passei. Quando chegámos, fomos uns para cada lado e mortos por esquecer aqueles dois anos de guerra. Só ao fim de cerca10 anos é que sentimos necessidade de nos revermos nesse primeiro encontro,que veio a ser realizado no Restaurante D. Sancho, em Anadia. Foi um choque muito grande quando, todo entusiasmado, o fui convidar para esse primeiro encontro da nossa Companhia, então, soube que ele havia falecido.
O senhor voltou a falar:
- Era muito bom rapaz, muito alegre e um grande técnico de debuxo. Trabalhei junto dele e sinto muito a sua falta.
E eu, acrescentei:
- Sim, era do melhor! Tinha um coração de oiro! Era Enfermeiro, mas até lhe chamavam doutor. Estava sempre disponível para ajudar. Ele fazia milagres. Por isso, para os civis, ele era considerado um santo.
Junto à Campa do Domingos Faria
O senhor, emocionado, limpou os olhos e voltou:
- O filho mais novo do meu ex-patrão Martins, também esteve na Guiné. Esse safou-se lá, mas aqui tem passado das dele. Imagine, um rapaz a quem não faltava nada. Podia escolher a melhor moça da região e acabou por casar com uma galdéria que lhe fugiu, para Lisboa e lhe deixou um filho deficiente. Ele não era grande coisa mas tenho pena dele.
O Jorge, então com 12 anos, era o irmão mais novo de uma família de bons artistas de tecelagem. Quando, nos finais dos anos 50, se aperceberam dessa importância, aliada aos ventos favoráveis daquela indústria, no Vale do Ave, resolveram estabelecer-se. Cada um dos 4 irmãos ocupou a chefia de um sector e em pouco tempo, a empresa deu um salto enorme. Seguiram-se anos de ouro para a empresa. Em poucos anos, já todos os irmãos casados tinham boas moradias, bons carros e bons apartamentos de férias.
Agora o Jorginho vivia nas nuvens com o seu descapotável. Ainda não tinha feito os 18 anos e já andava na Escola de Condução e como chumbou 2 vezes, foi comprar a carta à Ilha da Madeira. E se ia mal nos estudos, pior ficou, porque começou a sentir vergonha de se ver ultrapassado pelo seu sobrinho José, filho da Celeste, a irmã mais velha. Já não ia às aulas. Só se via a passear de descapotável pelas ruas movimentadas de Guimarães e à saída das miúdas do Liceu. Apesar do fracasso como estudante, ele vincava bem a sua superioridade económica, capaz de provocar desejos e invejas na generalidade da juventude.
Foi à inspecção militar e ficou apurado. A família ainda pensou livrá-lo, mesmo que ele tivesse que viver uns tempos lá fora. Porém, ele recusou e armou-se em patriota.
O Jorge Martins regressou da guerra em princípios de 1973. Com o estatuto de guerreiro e possuidor de grandes histórias de valentia. Agora, era mimado não só pelos familiares e amigos mas também por uma variedade de jovens casadoiras. Digamos que ele se tornou num partido bastante disputado.
Experimentou vários namoros mas nenhum lhe despertou a chama da paixão. Parecia que ainda não descobrira mulher que o merecesse. Até que um dia, por altura das festas Gualterianas (no início de Agosto), conheceu uma loiraça que lhe deu a volta à cabeça.
Sentado na esplanada do Largo da Oliveira, ali no coração da cidade berço da nossa nacionalidade, o Martins assistia desinteressadamente a mais uma discussão, sobre a verdadeira identidade do D. Afonso Henriques. Um garantia que Afonso era o filho enfezado da D. Teresa de Leão e de D. Henrique de Borgonha e o outro, alegava que o verdadeiro Afonso era filho de Egas Moniz, um rico fidalgo de Entre Douro e Minho, sediado em Cinfães, a quem incumbiram de cuidar e educar o príncipe, que logo ficou órfão de pai e afastado da mãe, que se relacionara amorosamente com o galego Conde Fernão Peres de Trava. No Mosteiro de Cárquere, na encosta norte da Serra de Montemuro, por cima das famosas Caldas de Aregos e ao lado do Rio Cabrum, bem conhecido pelas suas águas límpidas e pelas suas trutas, conta-se a história baseada num milagre.
Ali se mostra e se conta que o menino Afonso, deficiente das pernas, então com cerca de 5 anos de idade, entrou ao colo, por uma porta lateral da Igreja, directamente para uma sala de adoração. Poisado sobre uma pedra altar, foi rodeado de velas que acesas, se foram gastando enquanto se rezava pedindo um milagre. Os oradores acabaram por adormecer enquanto as velas se consumiram e atearam um incêndio. O menino Afonso, desesperado, levantou-se e saiu a fugir pela porta principal. Ora, ali pelas terras de Cinfães e de Resende também é voz corrente, reforçada e bem apoiada por documentos, a garantir que não houve milagre algum e houve sim, uma troca dos miúdos, sobressaindo desde então, o Afonso forte e robusto que se notabilizou pelas suas conquistas na fundação e expansão do Reino de Portugal.
Mosteiro de Cárquere
Sempre com os olhos atentos ao desfile de beldades que ali passeavam, o Martins fitou uma jovem loira bem atraente, quer pelas suas formas esbeltas, quer pelas suas vestes leves e insinuantes. Logo que ela se começou a afastar, parece que foi atingido por um relâmpago. Levantou-se de repelão e foi atrás dela. Por sinal, o carro dela estava perto do seu, e isso proporcionou o início de uma conversa baseada nas características desses bons carros. A loira, aquele monumento de mulher, deixou-o preso pelo beicinho. Deu-lhe o endereço de Lisboa, da casa onde vivia com um tio que a levara de Trancoso, para estudar em Lisboa e para o ajudar nas suas empresas ligadas ao ramo hoteleiro.
Pouco tempo depois, já ela o contactava pelo telefone. Ele, ansioso, lançou-se para Lisboa e acabou por dar largas à sua paixão. Com a abertura dela (Joana) e com as disponibilidades dele, rapidamente o namoro se desenvolveu. O Jorginho ficou doido com o ambiente lisboeta que ela lhe mostrou. Que grandes noitadas! Tudo era fácil e tudo parecia amor. A família Martins compreendeu esse namoro e tudo fez para que o Jorginho se enquadrasse rapidamente na gestão da empresa e trouxesse a Joana para o norte.
Igreja e Largo da Nossa Senhora da Oliveira - Guimarães
Estava tudo bem encaminhado para casar. Somente se mantinha o tal problema: a Joana não tinha muita vontade de sair de Lisboa. Porém, como já engravidara, nada podia travar esse casamento, fosse o que fosse. Foi montada uma boa moradia nas encostas da Penha e a mãe do Jorginho cedeu-lhe a Margarida, uma empregada da casa. E fez-se um casamento em grande.
A Joana cultivava muito a sua beleza e tinha receio de a perder com a gravidez. Ainda chegou a falar em provocar um aborto. Porém, foi contrariada quer pelo Jorge, quer pelos seus familiares. O Carlinhos nasceu um bebé lindo e aparentava boa saúde. Veio na melhor altura. Veio preencher um certo vazio da Joana, que acusava bastante as suas saudades de Lisboa. Também ajudou a unir a família Martins, que vinha acusando algumas fissuras.
Enquanto o negócio da empresa foi prosperando, tudo parecia perfeito. Nem aquele período de greves e reivindicações do pós-25 de Abril, parecia ter alguma influência nociva na sua estabilidade. Mas, o pior estava para vir: as alterações políticas nas nossas Províncias Ultramarinas. Para além de serem os nossos grandes clientes (com a protecção do governo central), era deles que recebíamos o algodão. Este foi rareando de tal forma que implicou na redução drástica da produção (normalmente a trabalhar em três turnos), vindo a provocar a derrapagem no financiamento das máquinas, adquiridas com a previsão de elevados valores de produção. Por outro lado, os novos países africanos, a troco de alegados prejuízos com a colonização de Portugal, negavam-se a pagar os produtos já recebidos. Agora, libertos, passaram a comprar produtos oriundos directamente da Índia e Paquistão, a preços das matérias-primas. E, enquanto os portugueses esperavam soluções financeiras e políticas, os juros bancários acumulavam-se e estrangulavam essas empresas.
Os tempos seguintes foram aterradores. A empresa Martins veio a ter problemas de sustentabilidade financeira, entrando em situações litigiosas com bancos, Finanças e Segurança Social. E as acções judiciais começaram a confiscar os bens e os valores, comprometidos com a empresa. A dimensão da empresa estava agora reduzida a poucos encargos de laboração, mas com responsabilidades financeiras muito elevadas. Coube ao Jorge e ao Elísio, seu irmão mais próximo, agora com as quotas dos irmãos, lutarem até a exaustão. O sogro do Elísio ajudou-os financeiramente, mas segurou-se por forma a poder vir a beneficiar de qualquer descontrolo mais indesejável. O Carlinhos não se desenvolvia e veio a acusar uma doença degenerativa que o levaria em poucos anos. Valeu-lhe o carinho da avó, uma vez que a mãe se afastava cada vez mais. Agora, sem a folga financeira de outrora, sem segurança quanto ao futuro, a saúde do filho (já condenado) e sempre afastada da sua Lisboa, resolveu desaparecer.
O Jorge, que fizera constar que ela fora ver o tio doente, não aceitou a decisão e foi procurá-la a Lisboa. Quando se encontrou com o tio da Joana, foi esclarecido de que ela queria lá ficar e que, até, já estava a trabalhar. Abriu-se mais um pouco e confessou-lhe que ela regressara ao seu ambiente e à profissão que mais gostava. Além disso, justificou que ela ganhava bem nessa actividade, com futuro e que o casamento rico não passara de uma grande ilusão.
Passaram-se alguns meses. A empresa sobrecarregada de compromissos financeiros, continuava sem as encomendas e sem os pagamentos, necessários para a recuperação. A sua aparente sobrevivência devia-se ao apoio financeiro do sogro do irmão Elísio que, cada vez mais, parecia assumir-se como o principal credor dos haveres ainda disponíveis.
Em finais de Março de 2013, trinta anos depois da sua chegada, a Companhia reuniu na Mealhada para assinalar o evento. O Bastos (ex-Alferes) aproveitou a boleia do Moreira (ex-Cabo Cripto) e lá foram acompanhados das respectivas esposas. Durante a viagem, o Moreira indagou:
- Ouve lá, que será feito daquele Furriel engatatão, conhecido por “Galã de Nhacra”?
- Nunca mais o vi. Mas há uns 10 anos, encontrei o Sousa de Santo Tirso que me disse algumas merdas sobre ele. – Respondeu o Bastos.
- Creio que nunca veio aos encontros da Companhia. – Disse o Moreira, que continuou:
- Nunca me falaste disso, penso eu.
O Bastos esclareceu:
- Talvez tenha evitado mexer no assunto ou terei esquecido. Parece que a vida lhe correu mal, que ficou na miséria e que a mulher o deixou e foi lá para Lisboa. Ele até disse que ela era uma profissional da noite e que trabalhava nos bares de alterne.
- Foda-se, isso não pode ser verdade. Deve ser o desejo de alguns que o conheciam. – Disse o Moreira.
Chegados à Mealhada, foram directamente para o Restaurante dos Leitões. Tal como nos outros encontros, a malta dispersa-se em abraços e mais abraços, deixando as respectivas mulheres entregues à sua sorte, ou melhor, entregues umas às outras. No topo do salão, junto do balcão, entre alguns camaradas, sobressaía uma jovem senhora, bastante bela e de formas atraentes. Com gestos compassados, puxava do seu cigarro extralongo, enquanto intervalava com um scotch de aperitivo.
O Moreira, mal se apercebeu desse monumento, arregalou os olhos e encaminhou-se nessa direcção.
Valeu-lhe o Bastos que se intrometeu a tempo de o desviar e de lhe dizer:
- Ó meu caralho, olha que lá na Guiné, safei-te mas, aqui, nem a tua mulher te salva.
Nota final - Segundo o Sousa, de Santo Tirso, com quem conversámos, o Martins, depois de ter perdido mulher e filho e de ter falido, ficou a trabalhar, parcialmente, para o sogro do seu irmão Elísio. Perdeu os pais e ficou a viver com a empregada Margarida, que bem o conhecia desde miúdo e que sempre o acarinhou. Todavia, mantém ainda algum do orgulho que sempre o caracterizou. Por isso, sempre que pode, refugia-se em boites e, por vezes, aparece a exibir-se com alguma conquista de ocasião. Está na miséria, mas gosta de mostrar que ainda é um galã.
Silva da Cart 1689
____________
Nota do editor
Último poste da série de 27 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15678: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (21): Amores e Desamores
Marcadores:
amores de guerra,
BART 1913,
CART 1689,
Guimarães,
José Ferreira da Silva,
lavadeiras,
Mansoa,
Nhacra,
Outras memórias da minha guerra
Guiné 63/74 - P15835: Inquérito 'on line' (41): "Nunca apanhei um pifo de caixão à cova na tropa ou no TO da Guiné"... (Comentários de Luís Graça, Abílio Duarte, Francisco Baptista e Valdemar Queiroz)
Valdemar Queiroz, CART 11, Nova Lamego, c. 1969-70 |
(i) Luís Graça, editor
Valdemar, meu camarada de Contuboel (, que pena não termos uma foto em conjunto, foi escasso o nosso convívio, de menos de dois meses!), acompanho-te na pergunta: quem nunca apanhou um pifo na Guiné, daqueles de caixão à cova, pois que levante, não o copo, mas a garrafa vazia!...
Até os oficiais superiores apanhavam pifos, na nossa guerra!... E até os puritanos que pregavam a lei da abstinência (alcoólica e sexual): "Quem não sabe beber vinho, que beba merda!"... Ora merda era o que a gente comia e bebia quando ia para o mato... Ou dentro do "quartel" (, melhor dizendo, bu...rako, para muitos de nós)... Merda era, afinal, aquela guerra a que fomos condenados!...
É uma boa pergunta para um próximo inquérito de opinião... (**)
(ii) Abilio Duarte:
Nós, na CArt 11, éramos uns sortudos, pois tínhamos vinho e whisky, como mato, como a companhia era de africanos, e eles não bebiam bebidas alcoólicas, e tínhamos a mesma dotação, que uma companhia de brancos, era uma alegria. Eu tinha uma embalagem de morteiro 60, carregada de garrafas, pois, além das 2 obrigatórias, podia comprar as que quisesse.
Como andei muito no mato, e sempre fui bem recebido, por toda a gente, quando esses amigos passavam, pelo nosso Quartel em Nova Lamego, tinha muito gosto em retribuir, essa amizade com uma garrafa do dito escocês. Muitas vieram para Portugal, ainda vieram comigo quase quarenta garrafas, a maior parte de whisky. Mas fui apanhado no Aeroporto de Lisboa (lembras-te, Queiroz?), mais o Matias e tu, e tivemos que pagar imposto. Tu que escreves bem, conta aí essa nossa aventura no Aeroporto.
(iii) Francisco Baptista:
Estava à espera do testemunho de outros camaradas para ganhar coragem. Afinal só apareceu o nosso professor e mestre Luís Graça a confessar esses pecados mas o testemunho dele traz a compreensão e absolvição do sociólogo. Isso me basta.
Em Buba, uma noite, com o quartel cheio de gente, pois a coluna de reabastecimento do batalhão não pôde regressar por causa do mau tempo, houve uma bebedeira geral com muito alarido. Imaginem o exemplo e o espectáculo de um capitão e alguns alferes aos tiros para o ar. O capitão seria conduzido à enfermaria para levar uma injecção. Eu não tive necessidade disso mas fiz bem o meu papel.
Em Mansabá contrariamente aos soldados da companhia de madeirenses que gastavam todos os trocos em cerveja os graduados eram no geral bastante abstémios. Lá nunca participei em grandes festas de cerveja mas passei a beber muita água do castelo com gelo e whisky. Era um refresco que me dava boa disposição físíca e mental. Com a companhia já quase de partida para Bissau, a aguardar o regresso, roubei uma garrafa de whisky ao Marques, furriel enfermeiro, de quem era amigo, convidei-o para beber dela e ele quando soube não gostou nada desse meu abuso. Mais tarde fiquei com remorsos, que ainda hoje não me largaram, já procurei o Marques para lhe dar uma boa garrafa para o compensar mas o Carlos Vinhal, também dessa companhia, já há decadas que lhe perdeu o rasto.
Tu camarada, Valdemar Queiroz, curaste-te, pelos vistos com uma garrafa. Eu como sofria dum mal maior, gastei muitas com o tratamento.
O camarada Abílio Duarte diz que comprou muitas, confessa que trouxe muitas e que ofereceu a amigos mas não diz se ele as bebia como remédio para a dor de dentes ou para brindar à vida e esquecer a puta da vida que nos tinha calhado na roda da fortuna.
Francisco Baptista, bebi muitas,e hoje ainda bebo, e posso dizer, que é o que me traz de pé.
Muitas noites na varanda da nossa messe, em Nova Lamego, onde a malta que estava de descanso, ao som de uma boa música, no meu leitor de cassetes, conversando e jogando umas partidas de Copas, ou King, lá passamos bons bocados.
Não me esqueço de um dia em que estava de Sargto. de Dia, e o Furriel Macias, chegou de férias do continente, trazendo uns enchidos, da terra dele, Aldeia Nova de São Bento, apanhei, uma piela de todo o tamanho. Durante uns tempos nem podia tocar no whisky, e virei-me para o Gin.
Mas em Paúnca, voltei a apreciar o escocês até hoje.
(v) Valdemar Queiroz
Viva, meu camarada Luís Graça.
É verdade: quem nunca apanhou um grande pifo que levante o primeiro copo. (excelente revisão Luís).
Uns mais outros menos, por lá se apanharam grandes bezanas, umas por festejos, outras por nem tanto, muitas pelo stresse e outras por nenhuma razão.
Suas excelências também se atiravam aos copos, daí não vem mal nenhum, também por lá andavam, por profissão, o mal era quando os senhores da guerra com uns copos a mais faziam perigar muita gente.
Vendo bem, já na altura nos parecia que por cá todas as extraordinárias excelências estavam com uma grande e prolongada bebedeira. Ao menos podiam ter procedido como qualquer bêbado e apenas dar vivas à república, mas não. Era uma bebedeira sem lucidez, era uma bebedeira violenta, era uma bebedeira de guerra.
Nós na CArt 11, nesses momentos, sempre trauteávamos ...Ó bioxene... ó bioxene, fazendo lembrar a letra da canção do John Lennon 'Give a chance ...'
É verdade: quem nunca apanhou um grande pifo que levante o primeiro copo. (excelente revisão Luís).
Uns mais outros menos, por lá se apanharam grandes bezanas, umas por festejos, outras por nem tanto, muitas pelo stresse e outras por nenhuma razão.
Suas excelências também se atiravam aos copos, daí não vem mal nenhum, também por lá andavam, por profissão, o mal era quando os senhores da guerra com uns copos a mais faziam perigar muita gente.
Vendo bem, já na altura nos parecia que por cá todas as extraordinárias excelências estavam com uma grande e prolongada bebedeira. Ao menos podiam ter procedido como qualquer bêbado e apenas dar vivas à república, mas não. Era uma bebedeira sem lucidez, era uma bebedeira violenta, era uma bebedeira de guerra.
Nós na CArt 11, nesses momentos, sempre trauteávamos ...Ó bioxene... ó bioxene, fazendo lembrar a letra da canção do John Lennon 'Give a chance ...'
Quanto ao nosso relacionamento em Contuboel, com certeza que tivemos troca de opiniões. Para ser franco eu não me lembro com nitidez da rapaziada da futura CCaç 12. Lembro-me das vossas tendas (Tarrafal), lembro-me do Sargento Piça e, principalmente, do Levezinho, por ser familiar dum colega de trabalho e julgo que do râguebi na Amadora, mas não mais que isto a não ser que os soldados do meu pelotão de instrução foram todos para a vossa Companhia, ex., Umaro Baldé, Sori, J. Carlos Suleimane Baldé, Cimba, Cherno e muitos outros.
Quanto às garrafas de bioxene que o Abilio Duarte se refere na Alfandega do Aeroporto da Portela, já contei o episódio no blogue, mas qualquer dia volta à cena por ser absolutamente delirante.
PS - A grande canção e grande música de John Lennon é "GIVE PEACE A CHANCE" [, 1969,][clicar aqui aqui para o vídeo no You Tube].
Oiçam e digam se não parece que é cantado: Ó bióxe..ne ... Ó bióxe..ne. ..Ó bióxe..ne...Ó bióxe...ne. (Era assim trauteada, quando se estava mais ou menos com os copos. Oiçam e arranjem uma tradução da letra). (***)
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15827: (De)caras (35): Quem nunca apanhou um pifo, de caixão à cova, que levante o primeiro copo!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)
PS - A grande canção e grande música de John Lennon é "GIVE PEACE A CHANCE" [, 1969,][clicar aqui aqui para o vídeo no You Tube].
Oiçam e digam se não parece que é cantado: Ó bióxe..ne ... Ó bióxe..ne. ..Ó bióxe..ne...Ó bióxe...ne. (Era assim trauteada, quando se estava mais ou menos com os copos. Oiçam e arranjem uma tradução da letra). (***)
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 7 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15827: (De)caras (35): Quem nunca apanhou um pifo, de caixão à cova, que levante o primeiro copo!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)
(**) Último poste da série > 6 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15825: Inquérito 'on line' (40): Num total de 126 respostas, quatro razões principais são apontadas em termos de "problemas" das NT logo no início da guerra: (i) Deficiente instrução (73%); (ii) Deficiente equipamento (63%); (iii) Cansaço (62%); e (iv) Instalações inadequadas (61%)
(***) Eis a letra original e uma tradução [, Cortesia do sítio brasileiro Vagalume]
Give Peace A Chance
Two, one two three four
Ev'rybody's talking about
Bagism, Shagism, Dragism, Madism, Ragism, Tagism
This-ism, that-ism, is-m, is-m, is-m
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
C'mon
Ev'rybody's talking about Ministers
Sinisters, Banisters and canisters
Bishops and Fishops and Rabbis and Pop eyes
And bye bye, bye byes
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
Let me tell you now
Ev'rybody's talking about
Revolution, evolution, masturbation
flagellation, regulation, integrations
meditations, United Nations
Congratulations
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
Ev'rybody's talking about
John and Yoko, Timmy Leary, Rosemary
Tommy Smothers, Bobby Dylan, Tommy Cooper
Derek Taylor, Norman Mailer
Alan Ginsberg, Hare Krishna
Hare, Hare Krishna
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
Dê uma chance à paz
Um, dois, três, quatro
Todos estão falando sobre
Bagismo, Shaguismo, Draguismo, Madismo, Ragismo, Tagismo
Esse ismo, ismo, ismo
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Qual é
Todos estão falando sobre Ministro
Sinistro, Corrimãos e Latas
Bispos, Peixes, Coelhos, Olhos Abertos
E tchau, tchau
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Vou falar agora
Todos estão falando sobre
Revolução, Evolução, Masturbação
Flagelação, Regulação, Integrações
Mediações, nações unidas
Parabéns
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Todos estão falando sobre
John e Yoko, Timmy Leary, Rosemary
Tommy Smothers, Bobby Dylan, Tommy Cooper
Derek Taylor, Norman Mailer
Alan Ginsberg, Hare Krishna
Hare Hare Krishna
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
(***) Eis a letra original e uma tradução [, Cortesia do sítio brasileiro Vagalume]
Give Peace A Chance
Two, one two three four
Ev'rybody's talking about
Bagism, Shagism, Dragism, Madism, Ragism, Tagism
This-ism, that-ism, is-m, is-m, is-m
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
C'mon
Ev'rybody's talking about Ministers
Sinisters, Banisters and canisters
Bishops and Fishops and Rabbis and Pop eyes
And bye bye, bye byes
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
Let me tell you now
Ev'rybody's talking about
Revolution, evolution, masturbation
flagellation, regulation, integrations
meditations, United Nations
Congratulations
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
Ev'rybody's talking about
John and Yoko, Timmy Leary, Rosemary
Tommy Smothers, Bobby Dylan, Tommy Cooper
Derek Taylor, Norman Mailer
Alan Ginsberg, Hare Krishna
Hare, Hare Krishna
All we are saying is give peace a chance
All we are saying is give peace a chance
Dê uma chance à paz
Um, dois, três, quatro
Todos estão falando sobre
Bagismo, Shaguismo, Draguismo, Madismo, Ragismo, Tagismo
Esse ismo, ismo, ismo
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Qual é
Todos estão falando sobre Ministro
Sinistro, Corrimãos e Latas
Bispos, Peixes, Coelhos, Olhos Abertos
E tchau, tchau
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Vou falar agora
Todos estão falando sobre
Revolução, Evolução, Masturbação
Flagelação, Regulação, Integrações
Mediações, nações unidas
Parabéns
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Todos estão falando sobre
John e Yoko, Timmy Leary, Rosemary
Tommy Smothers, Bobby Dylan, Tommy Cooper
Derek Taylor, Norman Mailer
Alan Ginsberg, Hare Krishna
Hare Hare Krishna
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Tudo o que dizemos é dê uma chance à paz
Marcadores:
Abílio Duarte,
alcool,
Buba,
CART 11,
CCAÇ 12,
Contuboel,
Francisco Baptista,
inquérito online,
José Martins Rosado Piça,
Mansabá,
Valdemar Queiroz,
whisky
Guiné 63/74 - P15834: Os nossos seres, saberes e lazeres (144): O ventre de Tomar (8) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Fevereiro de 2016:
Queridos amigos,
Aqui se fala de panos bordados, de uma figura maior da pintura surrealista e abstracionista, Marcelino Vespeira, de lojas de velharias, de casas de reparação de roupas e de panejamentos floridos imaginem que fui à Casa Costa, onde pontifica o senhor Zezinho, o mais velho comerciante de Tomar e ali ficámos à conversa acerca do modo como ele exerce a responsabilidade social-empresarial oferecendo largas vitrinas para pôr mensagens de procura-se e oferece-se, de lançamentos de livros e festanças regionais.
É todo este encadeado de singularidades que me enche a alma e que gera esta estreitíssima relação com uma cidade e a sua envolvente, talvez porque todo este poderoso casco histórico tresanda ao mundo verdejante que serpenteia o Nabão.
Um abraço do
Mário
O ventre de Tomar (8)
Beja Santos
Lojas de reparação de roupa, lojas de bordados, lojas onde se fazem mantas, fardas, equipamentos, lojas em que do velho se faz novo, como este pano que parecia sem préstimo mas aquela bordadeira que tem as mãos afogueadas mostra que há outra coisas para além dos lenços dos namorados quem vêm do Minho, veja-se esta ternura de uma artista que faz colchas com restos de tecidos e tudo brilha, que pega em cortinas em estado ruinoso e as borda, com finura. Isto é um prodígio de talento, assim penso.
Consola-te com os teus erros, ó fotógrafo-amador, querias um altar todo iluminado e ele sai-te escuro para realçar a Senhora da Piedade, uma Mãe agigantada abraçando, com o maior sofrimento do mundo, aquele filho que lhe foi resgatado e que em breve se encaminhará para os céus. O que me deslumbra, desculpem lá esta curtíssima vaidade, é a perfeita iluminura do que é essencial esbatendo na sombra o puro acessório. Mãe esplendente, a quem ordenaram o supremo desígnio; como por ironia deram-lhe a graça com a mais horrível dor que a uma mãe se pode oferecer.
São dos mais belos azulejos portugueses, bem sei, mas o que me atraiu foi a mísula, nunca certamente lhe prantaram uma imagem ou um tocheiro, aquela alvura da pedra toda ricamente trabalhada é um corpo único, por desconformidade entre a pouca luz do dia e o clarão expelido pela câmara resultou assim uma mísula esplendente, uma luz que parece acompanhar bem de perto a Senhora da Piedade.
Tive a dita de visitar várias vezes a retrospetiva de Marcelino Vespeira (1925-2002) que esteve patente no museu do Chiado entre Junho e Setembro de 2000, e adquiri mesmo o soberbo catálogo da obra pujante deste singularíssimo artista que foi amigo de José-Augusto França. Este óleo pode ser desfrutado pelos tomarenses, está no núcleo da arte contemporânea. Chama-se “Parque de insultos”, obra de 1949. Escreveu o investigador David Santos neste catálogo: “Riscadas sob uma superfície apressadamente tratada, as figuras de Parque de insultos dividem-se entre a condição animal e humana e o delírio surreal erotizado da sua manifestação plástica. Simultaneamente, esta obra marca o início de uma fase que se prolongará até ao final de 1950 em que Vespeira abandona o processo tradicional da pintura a óleo”. Sou regular peregrino desta casa bendita onde é possível usufruir contacto com grandes mestres, ali estão grandes obras de que Tomar se deve orgulhar em poder contemplar quase todos os dias.
É um estabelecimento onde preponderam as cores berrantes, ali se vende o novo mas também se repara, quando entrei uma jovem senhora manejava um daqueles ferros de engomar à antiga, pedi licença tinha uma certa fome de coloridos da nossa raça, panos feitos e panos para acabar, e zás, tive a fortuna de enquadrar o todo misturado.
Não escondo o meu pendor pelos trastes velhos, por incontornáveis velharias, bules sem tampa, chávenas sem pires, santos abandonados. Há um senhor que me recebe habitualmente, não tem ilusões que eu venha para comprar, dá-me sugestões de cantos e recantos que lhe parecem sugestivos para imagem de jornal. Desta vez dividimos a iniciativa ao meio, gostei daquele tampo cheio de imagens santas num abandono sagrado, algumas delas muito mal tratadas, havia mesmo um Sagrado Coração de Jesus com a cabeça rachada, mas fotografei-os como se estivessem em descontraída conversa. O anfitrião falou-me neste Santo André, não se pode negar que é uma imagem singular, vejam bem a convicção que lhe emana do olhar, indiferente àquele braço direito decepado, a sua fé está para além do tempo, é bem provável que se prepare para sair da loja e rumar até à Escócia onde será crucificado naquela cruz que se chama de Santo André, e que até já vi em mosteiros gregos. E daqui abalo para o calor da manhã, chegou a Primavera, há já ramos a florescer, deu-me no goto em descer até à pedreira, não a povoação em si mas àquele rasgão na terra de onde sai a matéria que embelezou Tomar, pondo-a nos píncaros da Lua.
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 2 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15817: Os nossos seres, saberes e lazeres (143): O ventre de Tomar (7) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Aqui se fala de panos bordados, de uma figura maior da pintura surrealista e abstracionista, Marcelino Vespeira, de lojas de velharias, de casas de reparação de roupas e de panejamentos floridos imaginem que fui à Casa Costa, onde pontifica o senhor Zezinho, o mais velho comerciante de Tomar e ali ficámos à conversa acerca do modo como ele exerce a responsabilidade social-empresarial oferecendo largas vitrinas para pôr mensagens de procura-se e oferece-se, de lançamentos de livros e festanças regionais.
É todo este encadeado de singularidades que me enche a alma e que gera esta estreitíssima relação com uma cidade e a sua envolvente, talvez porque todo este poderoso casco histórico tresanda ao mundo verdejante que serpenteia o Nabão.
Um abraço do
Mário
O ventre de Tomar (8)
Beja Santos
Lojas de reparação de roupa, lojas de bordados, lojas onde se fazem mantas, fardas, equipamentos, lojas em que do velho se faz novo, como este pano que parecia sem préstimo mas aquela bordadeira que tem as mãos afogueadas mostra que há outra coisas para além dos lenços dos namorados quem vêm do Minho, veja-se esta ternura de uma artista que faz colchas com restos de tecidos e tudo brilha, que pega em cortinas em estado ruinoso e as borda, com finura. Isto é um prodígio de talento, assim penso.
Consola-te com os teus erros, ó fotógrafo-amador, querias um altar todo iluminado e ele sai-te escuro para realçar a Senhora da Piedade, uma Mãe agigantada abraçando, com o maior sofrimento do mundo, aquele filho que lhe foi resgatado e que em breve se encaminhará para os céus. O que me deslumbra, desculpem lá esta curtíssima vaidade, é a perfeita iluminura do que é essencial esbatendo na sombra o puro acessório. Mãe esplendente, a quem ordenaram o supremo desígnio; como por ironia deram-lhe a graça com a mais horrível dor que a uma mãe se pode oferecer.
São dos mais belos azulejos portugueses, bem sei, mas o que me atraiu foi a mísula, nunca certamente lhe prantaram uma imagem ou um tocheiro, aquela alvura da pedra toda ricamente trabalhada é um corpo único, por desconformidade entre a pouca luz do dia e o clarão expelido pela câmara resultou assim uma mísula esplendente, uma luz que parece acompanhar bem de perto a Senhora da Piedade.
Tive a dita de visitar várias vezes a retrospetiva de Marcelino Vespeira (1925-2002) que esteve patente no museu do Chiado entre Junho e Setembro de 2000, e adquiri mesmo o soberbo catálogo da obra pujante deste singularíssimo artista que foi amigo de José-Augusto França. Este óleo pode ser desfrutado pelos tomarenses, está no núcleo da arte contemporânea. Chama-se “Parque de insultos”, obra de 1949. Escreveu o investigador David Santos neste catálogo: “Riscadas sob uma superfície apressadamente tratada, as figuras de Parque de insultos dividem-se entre a condição animal e humana e o delírio surreal erotizado da sua manifestação plástica. Simultaneamente, esta obra marca o início de uma fase que se prolongará até ao final de 1950 em que Vespeira abandona o processo tradicional da pintura a óleo”. Sou regular peregrino desta casa bendita onde é possível usufruir contacto com grandes mestres, ali estão grandes obras de que Tomar se deve orgulhar em poder contemplar quase todos os dias.
É um estabelecimento onde preponderam as cores berrantes, ali se vende o novo mas também se repara, quando entrei uma jovem senhora manejava um daqueles ferros de engomar à antiga, pedi licença tinha uma certa fome de coloridos da nossa raça, panos feitos e panos para acabar, e zás, tive a fortuna de enquadrar o todo misturado.
Não escondo o meu pendor pelos trastes velhos, por incontornáveis velharias, bules sem tampa, chávenas sem pires, santos abandonados. Há um senhor que me recebe habitualmente, não tem ilusões que eu venha para comprar, dá-me sugestões de cantos e recantos que lhe parecem sugestivos para imagem de jornal. Desta vez dividimos a iniciativa ao meio, gostei daquele tampo cheio de imagens santas num abandono sagrado, algumas delas muito mal tratadas, havia mesmo um Sagrado Coração de Jesus com a cabeça rachada, mas fotografei-os como se estivessem em descontraída conversa. O anfitrião falou-me neste Santo André, não se pode negar que é uma imagem singular, vejam bem a convicção que lhe emana do olhar, indiferente àquele braço direito decepado, a sua fé está para além do tempo, é bem provável que se prepare para sair da loja e rumar até à Escócia onde será crucificado naquela cruz que se chama de Santo André, e que até já vi em mosteiros gregos. E daqui abalo para o calor da manhã, chegou a Primavera, há já ramos a florescer, deu-me no goto em descer até à pedreira, não a povoação em si mas àquele rasgão na terra de onde sai a matéria que embelezou Tomar, pondo-a nos píncaros da Lua.
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 2 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15817: Os nossos seres, saberes e lazeres (143): O ventre de Tomar (7) (Mário Beja Santos)
terça-feira, 8 de março de 2016
Guiné 63/74 - P15833: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (41): Estação de Tomar, 28 de Julho de 1983 e Uma White cansada da guerra
1.
Em mensagem do dia 5 de Março de 2016, o nosso camarada António
Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma das suas Memórias.
Decorridos 10 anos e cinco meses, revejo hoje o local de embarque, rumo a Lisboa e à África desconhecida, de umas centenas de jovens condenados à guerra colonial, que no RI 15 desta cidade se constituíram como Batalhão. Sento-me numa das enormes esferas de pedra que ornamentam e ladeiam a escadaria de acesso a este terminal ferroviário e por mim passam, indiferentes, em correrias despreocupadas, magotes de jovens que se apressam a ir comprar bilhete para as suas viagens de fim-de-semana. Nos seus semblantes não pairam as nuvens que ensombravam os jovens de há dez anos atrás.
O facto de estar novamente aqui, hoje, faz-me sentir uma estranha serenidade. Vêm-me à memória, com impressionante nitidez, as imagens do meu embarque, aqui mesmo nesta gare. E posso imaginar também como teria sido a enorme confusão do embarque do meu Batalhão, a que eu não assisti por ter partido dois dias antes para Lisboa com a missão de inspeccionar e aceitar o navio que nos levaria para a Guiné. Imagino ainda o movimento das viaturas militares neste largo da estação, as gares a transbordar de jovens angustiados, as vozes de comando, os comboios apinhados a partir. Foi assim que os recebi no Cais da Rocha do Conde de Óbidos em Lisboa umas horas depois.
Para tranquilizar os pais, e num gesto atencioso, o Comandante do Batalhão, Ten-Cor Inf César de Andrade e Sousa, enviou-lhes uma longa carta pouco antes do embarque. Transcrevo algumas partes:
REGIMENTO DE INFANTARIA N.º 15
Tomar, 27 de Fevereiro de 1973
Exmo. Senhor,
Desejaria ter escrito por meu punho e individualmente aos familiares mais próximos e muito particularmente aos Pais, de tantos quantos comigo vão partir para o Ultramar constituindo o Batalhão de Caçadores 4513. (...).
É meu único e firme propósito, dado a vossa qualidade de Pais, tentar minorar-lhes o desgosto da próxima separação do vosso filho, procurando com todos os meios ao meu alcance descansá-los em tudo e em tanto, quanto os meus préstimos possam alcançar e ser-lhes útil. (...).
Primeiro que tudo e a partir deste preciso instante, podem ficar certos, que neste Batalhão tudo se fará para que o vosso filho se sinta dentro dele como numa sã e autêntica família, que a todo o custo procurará substituir os senhores – os seus próprios PAIS – (...). O vosso filho e meu soldado, será a meus olhos alguém que me diz muito e a quem oferecerei com todo o entusiasmo, o melhor que seja capaz de encontrar em mim, incluindo claro, a minha amizade, a que já tantos direitos tem. (...).
Outro ponto que desejo focar, é que os Senhores não necessitarão, seja de quem for para saberem ou para que melhor se cuide do vosso filho, pois estarei sempre pronto a atendê-los e servi-los, logo que se me dirijam. Ele próprio lhes dirá como escrever-me para o Ultramar onde ficarei à vossa inteira e absoluta disposição. (...).
Para terminar desejo ainda informá-los que todos os Senhores Oficiais e Sargentos que comigo orientarão a Unidade e as suas Companhias estão animados dos mesmos propósitos, (...), que o vosso filho encontrará sempre à sua volta um grupo de graduados que muito o estimam, e que tudo vão fazer para o devolver ao vosso lar como um homem de carácter, são e brioso, e um SOLDADO que soube servir PORTUGAL honrando o nome que usa e o dos Pais que tão bem o souberam criar e educar. (...).
Que aos Senhores e ao vosso filho tudo corra bem e que dentro em pouco tempo seja ele próprio que junto de vós comprove tanto quanto acabo de vos afirmar.
Por Portugal, para todos nós e especialmente para vós, as maiores felicidades.
O Comandante do Batalhão
CÉSAR EMÍLIO BRAGA DE ANDRADE E SOUSA
Tenente-Coronel de Infantaria
SPM - 7088
[O Ten-Cor Andrade e Sousa abandonaria a Guiné, por doença, logo no início da comissão, sendo substituído pelo Ten-Cor Carlos Alberto Simões Ramalheira].
Agora tudo está calmo aqui no largo, nesta quentíssima tarde de Verão. Olho em redor e tudo parece estar rigorosamente na mesma, e está, mas tudo é diferente. O grande relógio no frontispício da estação é o mesmo, marca as mesmas horas, mas de um tempo novo. Na minha frente, no largo fronteiriço, o Monumento à Grande Guerra é o mesmo, mas o soldado que o encima já não é: antes, para os jovens de futuro incerto que passavam a seu lado ao dirigirem-se à Estação, era um marco de pesadelo por representar outras gerações que a guerra ceifou. Era um fantasma e uma premonição. Hoje, embora ainda corcovado sob o peso do equipamento, lembra apenas os que tombaram na Primeira Grande Guerra, sem qualquer outra conotação. Daqui a alguns anos quem se lembrará dos que tombaram na Guerra Colonial?
Foto 2 - Monumento aos Mortos da Primeira Grande Guerra (1914-18), junto à estação de Tomar. [Tirada de olhares.com, com a devida vénia].
Histórias marginais (8): Uma White cansada da guerra
A imagem que sempre me ficou ligada à White, desde que um dia a vi à distância a deslizar de mansinho numa picada com um vulto em pé, foi a de um desfile numa parada com Hitler, hirto nela, de braço estendido. O nosso cérebro tem destas coisas. Ainda mais, um perfeito disparate, porque o Hitler não gostava muito de viaturas americanas. Mas associei-a sempre à Segunda Guerra Mundial, está claro. Porém, quando a conheci mais de perto sem que pudesse disfarçar as suas fraquezas, percebi que estava redondamente enganado. Afinal, devia ter sido numa White, e não a cavalo, que o D. Afonso Henriques em 1169 partiu a sua perna ao passar as portas de Badajoz na sua fuga precipitada. No que resultou ter ficado prisioneiro do seu genro D. Fernando II de Leão. O caso ficou conhecido por desastre de Badajoz, não pela derrota militar ou pela fractura da perna do nosso rei, mas sim porque lhe ficaram com a White, obrigando-o mais tarde a ir a cura de águas nas termas de Lafões sentado numa cadeira de rodas, diminuído e vexado aos sessenta anos de idade.
Isto vem a propósito de uma visita que ela, a White, nos fez em Nhala já muito derreada. Melhor: quem nos visitava eram duas fogosas Chaimites, essas sim, visitas importantes, cabendo-lhe a ela fazer a sua protecção, mas que acabaria por ser o alvo das atenções relegando para segundo plano o resto da Cavalaria e acompanhantes, nada menos que o Comandante do Batalhão Ten-Cor Carlos Ramalheira e o Capitão da CCAV 8350 António dos Santos Vieira que viria a comandar o destacamento de Colibuia e que um dia fora meu instrutor em Mafra com a alcunha de Ferro-bico, por qualquer coisa que tinha a ver com o seu nariz.
Tarde belíssima em Nhala, aproximam-se as visitas e eu corro a buscar a máquina fotográfica, pois não eram todos os dias que a Cavalaria nos visitava com todo o seu esplendor. Passo pelas duas Chaimites já paradas e avanço para ir cumprimentar o pessoal, mas fico de frente para a White que se aproxima na minha direcção. Eis senão quando, estupefacto, vejo sair um dos rodados da frente que, adiantando-se à White, vem oscilando, cai-não-cai, até se encostar mansamente a um poste providencial. A White ainda andou uns metros no encalço da roda rebelde, mas depois estacou e inclinou-se sobre ela numa reverência, parecendo dizer-lhe: “Deixa-te de amuos, rodinha... Volta para o teu lugar”. Fotografei tudo com a frieza possível, para mais tarde digerir o episódio insólito a que acabava de assistir. Muito mais tarde, quando de Espanha me chegaram os slides, não tive dúvidas de que tudo acontecera assim mesmo. A comprovar, deixo a reportagem a seguir.
Foto 6 – Nhala, 1974 – Enquanto se aguarda a evolução dos acontecimentos, o Alf Mil Murta faz uma pose junto de uma das Chaimites.
Foto 7 – Nhala, 1974 – As visitas, sem outro remédio, aguardam a reparação da White junto à messe de oficiais. Em primeiro plano na foto e fixando-se na objectiva, um militar que não recordo. Por trás dele olhando o chão, é o Alf Mil Tibério Barros de Nhala; no alpendre e de camuflado novo, o Cap. Santos Vieira, tendo à sua esquerda o Cap. Mil Brás Dias de Buba e o Alf Mil Carlos Lopes de Nhala; à direita na foto e de mãos nas ancas, o Cap. Mil Braga da Cruz tendo à sua direita, meio encoberto, o Comandante do BCAÇ 4513, Carlos Ramalheira. Em audiência, um soldado de Nhala com um problema qualquer.
Foto 9 – Nhala, 1974 – Grupo de escolta que julgo ser da CCAÇ 18 de Aldeia Formosa. Alguns habitantes da tabanca assistem à partida, talvez decepcionados, creio, a avaliar pela mercadoria no chão que ficou sem boleia desta vez. Não se vislumbra a White nesta partida, mas não recordo se ficou em Nhala, ainda desconseguida de seguir viagem.
(continua)
____________
Nota do editor
Poste anterior de 1 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15814: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (40): A moeda relíquia e as mães dos combatentes
CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74
41 - Estação de Tomar, 28 de Julho de 1983 – (quinta-feira)
Decorridos 10 anos e cinco meses, revejo hoje o local de embarque, rumo a Lisboa e à África desconhecida, de umas centenas de jovens condenados à guerra colonial, que no RI 15 desta cidade se constituíram como Batalhão. Sento-me numa das enormes esferas de pedra que ornamentam e ladeiam a escadaria de acesso a este terminal ferroviário e por mim passam, indiferentes, em correrias despreocupadas, magotes de jovens que se apressam a ir comprar bilhete para as suas viagens de fim-de-semana. Nos seus semblantes não pairam as nuvens que ensombravam os jovens de há dez anos atrás.
Foto 1 - Estação de Tomar [Foto tirada de gelasbrfotografias, com a devida vénia]
O facto de estar novamente aqui, hoje, faz-me sentir uma estranha serenidade. Vêm-me à memória, com impressionante nitidez, as imagens do meu embarque, aqui mesmo nesta gare. E posso imaginar também como teria sido a enorme confusão do embarque do meu Batalhão, a que eu não assisti por ter partido dois dias antes para Lisboa com a missão de inspeccionar e aceitar o navio que nos levaria para a Guiné. Imagino ainda o movimento das viaturas militares neste largo da estação, as gares a transbordar de jovens angustiados, as vozes de comando, os comboios apinhados a partir. Foi assim que os recebi no Cais da Rocha do Conde de Óbidos em Lisboa umas horas depois.
Para tranquilizar os pais, e num gesto atencioso, o Comandante do Batalhão, Ten-Cor Inf César de Andrade e Sousa, enviou-lhes uma longa carta pouco antes do embarque. Transcrevo algumas partes:
REGIMENTO DE INFANTARIA N.º 15
Tomar, 27 de Fevereiro de 1973
Exmo. Senhor,
Desejaria ter escrito por meu punho e individualmente aos familiares mais próximos e muito particularmente aos Pais, de tantos quantos comigo vão partir para o Ultramar constituindo o Batalhão de Caçadores 4513. (...).
É meu único e firme propósito, dado a vossa qualidade de Pais, tentar minorar-lhes o desgosto da próxima separação do vosso filho, procurando com todos os meios ao meu alcance descansá-los em tudo e em tanto, quanto os meus préstimos possam alcançar e ser-lhes útil. (...).
Primeiro que tudo e a partir deste preciso instante, podem ficar certos, que neste Batalhão tudo se fará para que o vosso filho se sinta dentro dele como numa sã e autêntica família, que a todo o custo procurará substituir os senhores – os seus próprios PAIS – (...). O vosso filho e meu soldado, será a meus olhos alguém que me diz muito e a quem oferecerei com todo o entusiasmo, o melhor que seja capaz de encontrar em mim, incluindo claro, a minha amizade, a que já tantos direitos tem. (...).
Outro ponto que desejo focar, é que os Senhores não necessitarão, seja de quem for para saberem ou para que melhor se cuide do vosso filho, pois estarei sempre pronto a atendê-los e servi-los, logo que se me dirijam. Ele próprio lhes dirá como escrever-me para o Ultramar onde ficarei à vossa inteira e absoluta disposição. (...).
Para terminar desejo ainda informá-los que todos os Senhores Oficiais e Sargentos que comigo orientarão a Unidade e as suas Companhias estão animados dos mesmos propósitos, (...), que o vosso filho encontrará sempre à sua volta um grupo de graduados que muito o estimam, e que tudo vão fazer para o devolver ao vosso lar como um homem de carácter, são e brioso, e um SOLDADO que soube servir PORTUGAL honrando o nome que usa e o dos Pais que tão bem o souberam criar e educar. (...).
Que aos Senhores e ao vosso filho tudo corra bem e que dentro em pouco tempo seja ele próprio que junto de vós comprove tanto quanto acabo de vos afirmar.
Por Portugal, para todos nós e especialmente para vós, as maiores felicidades.
O Comandante do Batalhão
CÉSAR EMÍLIO BRAGA DE ANDRADE E SOUSA
Tenente-Coronel de Infantaria
SPM - 7088
[O Ten-Cor Andrade e Sousa abandonaria a Guiné, por doença, logo no início da comissão, sendo substituído pelo Ten-Cor Carlos Alberto Simões Ramalheira].
*********
Agora tudo está calmo aqui no largo, nesta quentíssima tarde de Verão. Olho em redor e tudo parece estar rigorosamente na mesma, e está, mas tudo é diferente. O grande relógio no frontispício da estação é o mesmo, marca as mesmas horas, mas de um tempo novo. Na minha frente, no largo fronteiriço, o Monumento à Grande Guerra é o mesmo, mas o soldado que o encima já não é: antes, para os jovens de futuro incerto que passavam a seu lado ao dirigirem-se à Estação, era um marco de pesadelo por representar outras gerações que a guerra ceifou. Era um fantasma e uma premonição. Hoje, embora ainda corcovado sob o peso do equipamento, lembra apenas os que tombaram na Primeira Grande Guerra, sem qualquer outra conotação. Daqui a alguns anos quem se lembrará dos que tombaram na Guerra Colonial?
Foto 2 - Monumento aos Mortos da Primeira Grande Guerra (1914-18), junto à estação de Tomar. [Tirada de olhares.com, com a devida vénia].
*********
Histórias marginais (8): Uma White cansada da guerra
A imagem que sempre me ficou ligada à White, desde que um dia a vi à distância a deslizar de mansinho numa picada com um vulto em pé, foi a de um desfile numa parada com Hitler, hirto nela, de braço estendido. O nosso cérebro tem destas coisas. Ainda mais, um perfeito disparate, porque o Hitler não gostava muito de viaturas americanas. Mas associei-a sempre à Segunda Guerra Mundial, está claro. Porém, quando a conheci mais de perto sem que pudesse disfarçar as suas fraquezas, percebi que estava redondamente enganado. Afinal, devia ter sido numa White, e não a cavalo, que o D. Afonso Henriques em 1169 partiu a sua perna ao passar as portas de Badajoz na sua fuga precipitada. No que resultou ter ficado prisioneiro do seu genro D. Fernando II de Leão. O caso ficou conhecido por desastre de Badajoz, não pela derrota militar ou pela fractura da perna do nosso rei, mas sim porque lhe ficaram com a White, obrigando-o mais tarde a ir a cura de águas nas termas de Lafões sentado numa cadeira de rodas, diminuído e vexado aos sessenta anos de idade.
Isto vem a propósito de uma visita que ela, a White, nos fez em Nhala já muito derreada. Melhor: quem nos visitava eram duas fogosas Chaimites, essas sim, visitas importantes, cabendo-lhe a ela fazer a sua protecção, mas que acabaria por ser o alvo das atenções relegando para segundo plano o resto da Cavalaria e acompanhantes, nada menos que o Comandante do Batalhão Ten-Cor Carlos Ramalheira e o Capitão da CCAV 8350 António dos Santos Vieira que viria a comandar o destacamento de Colibuia e que um dia fora meu instrutor em Mafra com a alcunha de Ferro-bico, por qualquer coisa que tinha a ver com o seu nariz.
Tarde belíssima em Nhala, aproximam-se as visitas e eu corro a buscar a máquina fotográfica, pois não eram todos os dias que a Cavalaria nos visitava com todo o seu esplendor. Passo pelas duas Chaimites já paradas e avanço para ir cumprimentar o pessoal, mas fico de frente para a White que se aproxima na minha direcção. Eis senão quando, estupefacto, vejo sair um dos rodados da frente que, adiantando-se à White, vem oscilando, cai-não-cai, até se encostar mansamente a um poste providencial. A White ainda andou uns metros no encalço da roda rebelde, mas depois estacou e inclinou-se sobre ela numa reverência, parecendo dizer-lhe: “Deixa-te de amuos, rodinha... Volta para o teu lugar”. Fotografei tudo com a frieza possível, para mais tarde digerir o episódio insólito a que acabava de assistir. Muito mais tarde, quando de Espanha me chegaram os slides, não tive dúvidas de que tudo acontecera assim mesmo. A comprovar, deixo a reportagem a seguir.
Foto 3 – Nhala, 1974 – A White e a sua roda rebelde.
Foto 4 – Nhala, 1974 – Militares da Cavalaria (?) avaliam a delicada situação.
Foto 5 – Nhala, 1974 – Dois meninos de Nhala observam à distância a assembleia à volta da White.
Foto 6 – Nhala, 1974 – Enquanto se aguarda a evolução dos acontecimentos, o Alf Mil Murta faz uma pose junto de uma das Chaimites.
Foto 7 – Nhala, 1974 – As visitas, sem outro remédio, aguardam a reparação da White junto à messe de oficiais. Em primeiro plano na foto e fixando-se na objectiva, um militar que não recordo. Por trás dele olhando o chão, é o Alf Mil Tibério Barros de Nhala; no alpendre e de camuflado novo, o Cap. Santos Vieira, tendo à sua esquerda o Cap. Mil Brás Dias de Buba e o Alf Mil Carlos Lopes de Nhala; à direita na foto e de mãos nas ancas, o Cap. Mil Braga da Cruz tendo à sua direita, meio encoberto, o Comandante do BCAÇ 4513, Carlos Ramalheira. Em audiência, um soldado de Nhala com um problema qualquer.
Foto 8 – Nhala, 1974 – Finalmente, a partida dos camaradas da Cavalaria, escolta e ilustres visitas.
Foto 9 – Nhala, 1974 – Grupo de escolta que julgo ser da CCAÇ 18 de Aldeia Formosa. Alguns habitantes da tabanca assistem à partida, talvez decepcionados, creio, a avaliar pela mercadoria no chão que ficou sem boleia desta vez. Não se vislumbra a White nesta partida, mas não recordo se ficou em Nhala, ainda desconseguida de seguir viagem.
(continua)
____________
Nota do editor
Poste anterior de 1 de março de 2016 Guiné 63/74 - P15814: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (40): A moeda relíquia e as mães dos combatentes
Subscrever:
Mensagens (Atom)