quinta-feira, 13 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2632: Coronel Gertrudes da Silva: A Guiné, a guerra colonial e o 25 de Abril (Virgínio Briote)



Guiné-Bissau > Bissau > Fortaleza da Amura > 7 de Março de 2008 > Um lugar repleto de história e de histórias... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje. Na foto, o Coronel Carlos Matos Gomes, na situação de reforma, um homem do MFA da Guiné e um celebrado autor de romances de guerra como Nó Cego, Soldadó ou Fala-me de África (sob o pseudónimo literário de Carlos Vale Ferraz); a seu lado, o o catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário, em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa... Por detrás, o edifício, em ruína, da antiga 2ª Rep do Comando-Chefe, a famosa Rep Apsico, onde trabalhou Otelo Saraiva de Carvalho e Ramalho Eanes. Matos Gomes, na altura capitão dos comandos, foi um dos protagonistas do 25 de Abril neste palco da história... Na Amura repousam os restos mortais de Amílcar Cabral e de outros heróis da pátria guineense, como Osvaldo Vieira, Domingos Ramos, Tina Silá, Pansau Na Isna, etc., a qume nesse dia prestámos homenagem (LG).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Texto base da intervenção do Coronel Diamantino Gertrudes da Silva na apresentação do Diário da Guiné, do Mário Beja Santos.

O Coronel D. Gertrudes da Silva, ele próprio escritor de crónicas de Guerra, teve a ambilidade e deu-nos o gosto não só de estar presente mas também de responder à solicitação que lhe foi feita para enquadrar a Guerra da Guiné no contexto da Guerra Colonial.

vb
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A Guiné no Contexto da Guerra colonial e do Regime do Estado Novo (*)

1. Notas Prévias

Antes de falar propriamente no assunto que aqui nos traz interessa, talvez, avançar com algumas notas prévias relativas ao próprio título e aos pressupostos de que parte o autor destas linhas.


Vamos falar de guerra, no caso, a da Guiné, guerra que aqui é tomada no sentido próprio de um conflito armado entre dois contendores com interesses antagónicos, cada um deles pugnando para derrotar o outro ou para quebrar a sua vontade de continuar a combater.
Que esta era uma guerra singular, sim, isso era, não convencional, dizem, insurreccional e subversiva para uns, de libertação e patriótica para outros, diferente do entendimento do Regime de então que em vez de guerra teimava em afirmar que era um conflito interno, portanto, uma questão de ordem pública que não tinha de se conformar, nomeadamente, com a Convenção de Genebra sobre o tratamento devido aos prisioneiros de guerra.

Guerra … colonial. E aqui está outra coisa que convém esclarecer, até porque há pessoas que quase instintivamente se abespinham quando ouvem alguém a referir-se à nossa guerra em África como “guerra colonial”. Acham que não – e estão no seu direito –, que nós nunca fomos colonizadores, que não tínhamos colónias, que Portugal era um caso muito especial, que organizado em províncias se estendia do Minho a Timor. Esquecem-se essas pessoas que como na questão da natureza da guerra, também na das colónias versus províncias havia da parte do Regime uma descarada manipulação. Se não vejamos:
Para não irmos lá mais atrás, reza o Artº. 3º do Acto Colonial de 1930 que “Os domínios ultramarinos (porque ultramarinos eram, já se vê) de Portugal denominam-se colónias e constituem o Império Colonial Português” (parênteses e itálico nosso).

Em 1938 era emitido nas oito colónias portuguesas de então um conjunto importante de selos que tinham impressas as palavras “Império Colonial Português”. A Nação pluri-racial e pluri-continental ficaria lá mais para tarde.


Que foi o que veio a acontecer no início da década de cinquenta, quando a comunidade internacional começou a apertar connosco, mormente nos pelouros da ONU. Nada que atrapalhasse o Regime que, de pronto, resolveu a questão passando a designação dos territórios de além-mar de colónias para províncias ultramarinas, designação que, por teimosia e depois por inércia se manteve até 1975.

Se tivermos que nos pegar (na discussão, claro), que não seja por aqui. Que tão simples já não será a questão que vem a seguir, a própria designação do Regime de então, que uns teimam em chamar fascista e outros de Estado Novo, estes últimos com o argumento de que não era comparável nem ao regime instaurado em Itália por Benito Mussolini e muito menos ao implementado na Alemanha por Adolfo Hitler.


O nosso (e digo nosso de propósito) não seria uma coisa nem outra. Seria para aqui uma coisinha, como todas as nossas coisas, terminadas em inho e inha, pobres de nós, que somos uns coitadinhos.

É certo que ao contrário dos outros dois aqui referidos o regime de Salazar e Caetano nunca se reclamou de fascista ou de nazi, reservando para si o nome com que António Ferro, em 1934, categórica e enfaticamente o designa no “Decálogo do Estado Nono”. Novo, porque assume e reclama a ruptura com o anterior feita pela Revolução de 1926.

Por mim, com mais inho menos inho, o regime derrubado em 25 de Abril de 1974 tinha e assumia muitas das características tanto do nazismo como do fascismo. Entendimento meu, claro, que, como tudo o que da minha parte aqui for dito, deve ser entendido como uma opinião pessoal, portanto, sem relevância política ou pretensões científicas.

E, já agora, que nunca das minhas palavras se infira que aqui se ponha em causa a justeza da nossa participação na Guerra Colonial … ou do Ultramar, para os mais resistentes e convictos, que não será por aí …

Profissionais ou não, voluntários ou obrigados, nós, os militares, cumprimos a parte que nos cabia, que era a de dar tempo e margem de manobra aos políticos para que resolvessem a Questão Colonial.

De resto, como dizia o mestre Kierkgaard, “A vida só pode ser vivida para a frente e explicada para trás”. E agora, sim, vamos a isto.

2. A Descolonização

Pois vamos começar mesmo por aqui. Porque a Guerra da Guiné só poderá ser entendida no contexto da Guerra Colonial, e esta no âmbito de factores históricos de natureza mais ampla, como é o caso da descolonização, que pressupõe, obviamente, um outro anterior a este, e que na história ficou arquivado com o título de “colonização” na lombada.

Pois a descolonização, para não irmos lá mais atrás, já tinha levado à formação dos EUA na segunda metade do século XVIII, alastrando depois a outras partes da América por todo o século XIX. E foi nos finais deste século e princípios do século XX que por circunstâncias que não dá para aqui tratar que se verificou uma notável corrida para a ocupação e reivindicação de domínios coloniais, nomeadamente por parte da Inglaterra, da França e também da Alemanha.

Portugal, nessa altura, enfraquecido pelas lutas liberais, perdeu em parte essa corrida, como se veio a verificar na Conferência de Berlim (1884/85), onde as potências europeias procuraram regular as questões decorrentes do assalto colonizador ao Continente Africano.

Mas as coisas não ficaram bem e aí vinha a 1ª Guerra Mundial (1914-18) que entre outras coisas visava, da parte de quem a fomentou e desencadeou, uma nova partilha das possessões coloniais. E todos sabemos que dela saíram derrotados os Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Turco-Otomano. No final, a Alemanha, para além das condições humilhantes que lhe foram impostas, viu-se privada das suas possessões coloniais que passaram a protectorados sob administração de potências vencedoras, enquanto os outros dois impérios pura e simplesmente se dissolveram.

As condições em que se verificaram as dissoluções destes impérios e a emergência dos protectorados, vão explicar muito do que veio a seguir e, até, muito do que ainda hoje se passa, nomeadamente nos Balcãs e no Médio Oriente.

Seja como for, alguém ficou com umas tantas coisas encravadas na garganta e, na primeira oportunidade, aí estava a 2ª Grande Guerra Mundial (1939-45), guerra em que, em boa verdade, todos perderam, com excepção dos EUA que, vacinados com a Guerra de Secessão, assentaram que, a entrar em guerras, então que fosse na terra dos outros, o que neste caso os levou, no fim, a afirmarem-se como uma grande potência mundial. E assim se entende que de tão depauperadas as potências coloniais europeias, com mais ou menos resistência ou relutância, começassem a abrir mão de grande parte dos seus domínios coloniais.

Só para se ficar com uma ideia do vertiginoso movimento independentista que se segue, e só no que ao Continente Africano diz respeito, aí ficam alguns dados:

1947 – Independência da Libéria
1956 – Sudão
1957 – Gana
1958 – Guiné-Conakry
1960 – Benim – Camarões – Chade – Congo-Brazzaville – Costa do Marfim – Gabão – Madagáscar – Mali – Mauritânia – Níger– Rep. Centro/Africana – Congo Zaire – Senegal – Somália – Togo.
1961 – Serra Leoa – Tanzânia e início da Guerra em Angola
1962 – Argélia – Burundi – Ruanda
1963 – Quénia e início da Guerra na Guiné
1964 – Malawi – Zâmbia e início da Guerra em Moçambique (…)

Em Portugal, orgulhosamente sós, resistimos aos ventos de mudança, representando teimosamente a nossa comédia, pela Guerra Colonial transformada em tragédia, sob o pano de fundo da Guerra-Fria. Guerra-Fria que nos finais dos anos sessenta, princípios da década de setenta – atenção que vem aí o 25 de Abril – apresentava sinais contraditórios, uns de mudança outros de consolidação de um certo statuo quo.

Recordemos aqui, então só alguns desses sinais: Maio 68; Primavera de Praga (68); Conferência de Helsínquia (70) …); Conferência de Paris s/ Guerra do Vietname (68/74); Caso Watergate (72/74); Golpe de Pinochet (11 Set 73) e, por fim, como a culminar, a Guerra do Yom Kippur (73/74) que carregava no seu bojo a famosa Crise do Petróleo, que em três meses vê o seu preço ser multiplicado por quatro, interrompendo, de forma súbita e trágica aquilo que os economistas designam pelos trinta anos gloriosos de crescimento das economias ditas ocidentais a partir do rescaldo da 2ª GG.

3. A Guerra Colonial na Guiné

Mas deixemos lá, por agora, as potências ocidentais a debaterem-se com os problemas da Crise do Petróleo e regressemos à nossa Guerra Colonial e, no âmbito desta, que todos sabemos que se estendeu a três frentes (sem contar com a da retaguarda), à Guerra da Guiné, que se considera “oficialmente” iniciada com o ataque ao Quartel de Tite em 23 de Janeiro de 1963, seguido logo depois pela captura dos navios Mirandela e Arouca em 1 de Março do mesmo ano na região de Cacine.

E, mais do que a narrativa do que a partir daí foi acontecendo, terá maior interesse apontar alguns aspectos que caracterizam o que de específico teve a Guerra da Guiné no conjunto das três frentes da Guerra Colonial.

Comecemos, então, pelo que ela tem de comum com as outras duas:
- A guerra é conduzida nas três frentes por organizações que se reclamam do estatuto de “movimentos de libertação”.
- Todos eles beneficiam, como não poderia deixar de ser, de refúgio e apoios no exterior.
- Todos reclamam como finalidade a independência total.
- Com excepção da UPA/FNLA, marcadamente apoiada pelos EUA, todos os outros movimentos recebiam apoios, de entre outros, dos países do bloco socialista.

Depois vêm as diferenças que, como veremos, são muitas:


- Enquanto em Angola se nos opõem três movimentos de libertação, tanto na Guiné como em Moçambique, só há um movimento em luta contra as tropas portuguesas.


- Já no que respeita a vizinhanças – e aqui pensamos em refúgios e apoios –, nos casos de Angola e de Moçambique há países vizinhos amigos e inimigos de cada uma das partes em conflito, enquanto que na Guiné, tirando o Atlântico que vamos considerar neutro, as vizinhanças – Senegal e Guiné Conakry – são tudo do mesmo, ou seja, amigos do PAIGC e adversos a Portugal.


- Numa outra perspectiva, enquanto que em Angola e Moçambique no fulgor da Guerra Colonial ainda é possível distinguir um Norte (em guerra) e um Sul (poupado), na Guiné nem Norte nem Sul, é tudo mais ou menos por igual.


- No que respeita especificamente aos “movimentos de libertação”, em Angola opunham-se-nos a UPA/FNLA, o MPLA e a UNITA, liderados, respectivamente por Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi; em Moçambique era a FRELIMO, primeiro liderada por Eduardo Mondlane e depois por Samora Machel; na Guiné era o PAIGC liderado por Amílcar Cabral, morto ainda não se sabe bem por quem antes de almejar a independência da Guiné e Cabo Verde, que era esse o objectivo final da sua luta.


- Quanto a recursos, então, as diferenças são quase abissais, o que, não explicando tudo, explica quase tudo o que se estava e depois viria a passar. Angola era uma terra de promissão com os diamantes, o petróleo e tudo o mais que aqui não dá para especificar; Moçambique, ainda assim, lá se ia safando com o chá, o caju e, principalmente, os direitos de transportes logísticos dos países vizinhos do interior.

A Guiné, valha-nos Deus, não tinha quase nada: um pouco de arroz nas imensas bolanhas e uns restos da cultura de mancarra que lá ia sobrevivendo ao esgotamento de terras, já de si tão fracas, fomentado pela acção monopolista da Casa Gouveia.

Angola, das três, era assim justamente considerada a jóia da coroa, expressão que sugere o Império, aquele, que era o Quinto, imaginado e arquitectado pelo Padre António Vieira a seguir à Restauração e mais recentemente retomado pelo Prof. Agostinho da Silva, tudo inspiração no famoso sonho de Nabucodonosor decifrado pelo Profeta Daniel, isto só por mera curiosidade.

Mas voltemos à Terra e às terras da Guiné para concluir que, das três, ela constituía o elo mais fraco, onde, portanto, e logicamente, o esforço de guerra era natural que fosse mais forte. E, para além desta circunstancial singularidade, o líder e dirigente do PAIGC, Amílcar Cabral, era de todos os outros dirigentes que se nos opunham o mais prestigiado e em alguns casos, até, representante e porta-voz do conjunto dos restantes, nomeadamente dos que com o PAIGC eram alinhados, concretamente, o MPLA e a FRELIMO.

4. A Guerra Colonial e o Regime

Já alguém disse, e suponho que acertadamente, que se não fosse a Guerra Colonial muito provavelmente não teria havido nenhum 25 de Abril. Vamos ver.

Em 1968 o país é surpreendido com a queda de Salazar, primeiro da cadeira da biblioteca e depois da do poder. É substituído na governação por um delfim do Regime, o Prof. Marcelo Caetano, que ensaiou e deixou passar a ideia de uma “Primavera” política que viria aí.

Pois, por muito boas intenções que tivesse o Professor, uma coisa havia de que ele bem cedo se apercebeu, e que o amarrava de pés e mãos – a Questão Colonial.


A Questão Colonial era, de facto, nessa difícil encruzilhada, a “Magna Questão” do Regime. E de tal maneira estas duas coisas – Guerra Colonial e Regime – estavam tão intimamente intrincadas, que era bom de ver que quando caísse uma, a outra ruiria logo atrás. Felizmente, diga-se, desde já, que com o 25 de Abril caiu primeiro o Regime, pois doutro modo tudo seria ainda muito mais complicado e dramático.

Entretanto, o cerco vai-se apertando cada vez mais com o agravamento da situação militar e as sucessivas resoluções da ONU num tenaz esforço, na altura liderado pelos EUA.


No terreno, e situemo-nos já nas imediações de 1974, a situação militar se, em Angola, também pelo facto de ali lutarem contra nós e por vezes entre si três movimentos de libertação, a situação apresentava um certo equilíbrio, pior, bem pior estava no Norte de Moçambique e praticamente insustentável na Guiné.

5. A Caminho do Fim

No elo mais fraco da Guerra Colonial que nós já vimos ser a Guiné, a partir do ano de 1972 tudo se precipitou. Esgotada a solução “Por Uma Guiné Melhor”, a ilusão da “Paz Podre” com a tragédia da “Morte dos Majores”, a degradação da situação militar entrou numa fase quase vertiginosa e sem solução que se descortinasse.

Já em Maio de 1972, após negociações secretas com Leopoldo Shengor, o General Spínola, em carta enviada a Marcelo Caetano escreve a dado passo: Em resumo, creio não haver grande controvérsia quanto à opinião de que não ganharemos esta guerra pela força das armas … E, sendo assim, apenas se nos apresentam duas alternativas como resposta à oportunidade que nos foi oferecida: ou uma viragem da ordem política ou uma prolongada e inútil agonia.

Em resposta, feita de viva voz, Marcelo Caetano, por cegueira ou por que outra coisa não podia fazer, tanto não deu acolhimento às propostas do General, como admitia com obscena naturalidade a hipótese da derrota militar, o que parece claro no excerto que se segue e onde a “Magna Questão” nos aparece aqui bem nua e crua:

Observei ao general que por muito grande que fosse o seu prestígio na Guiné – e eu sabia que era enorme – ao sentar-se à mesa das negociações com Amílcar Cabral ele não teria na frente um banal chefe guerrilheiro, e sim o homem que representava todo o movimento anti-português apoiado pelas Nações Unidas, pela Organização da Unidade Africana, pela imprensa do mundo inteiro. Assim, ia-se reconhecer oficialmente o Partido que ele chefiava como sendo uma força beligerante e reconhecia-se mais, que essa força possuía importante domínio territorial, uma vez que aceitávamos negociar com ela um armistício (ou cessar-fogo) como preliminar de um acordo. (…)

A dificuldade do problema da Guiné estava nisto: em fazer parte de um problema global mais amplo, que tinha de ser considerado e conduzido como um todo, mantendo a coerência dos princípios jurídicos e da política que se adoptasse.

E foi aqui que, no decurso da conversa, fiz a afirmação chocante para a sensibilidade do general, dizendo mais ou menos isto:

- Para a defesa global do Ultramar é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra do que por um acordo negociado com os terroristas, abrindo o caminho a outras negociações.


- Pois V. Ex.ª preferia uma derrota militar na Guiné? – exclamou escandalizado o general.
- Os exércitos fizeram-se e devem lutar para vencer, mas não é forçoso que vençam. Se o exército português for derrotado na Guiné depois de ter combatido dentro das suas possibilidades, essa derrota deixar-nos-ia intactas as possibilidades jurídico-políticas de continuar a defender o resto do Ultramar. É isso que eu quero dizer.
” (sublinhados nossos).

E o General, perante a evidente reedição do pesadelo do estigma do “Caso da Índia” não aguentou e o sentimento de inconformismo mais se acentuou, sendo este, talvez, um dos factores mais determinantes do Movimento Militar do 25 de Abril.

De degrau em degrau, em Março de 1973 vêm os mísseis terra-ar e com eles o comprometimento do apoio aéreo às nossas tropas, tanto em aviões como em helicópteros e uma grande ofensiva – assim como uma mini-ofensiva do Tet à nossa escala – das forças do PAIGC, que culminou nos mais conhecidos casos de Guidage e de Guileje e anunciava o desastre com que os militares não se conformavam, mas que estava dentro dos planos do Regime, como vimos mais atrás. Regime que, decisivamente, tinha entrado num caminho sem retorno. Em desespero de causa, ainda tentou fazer reverter a seu favor o denodado esforço de guerra dos militares, promovendo e apoiando o famigerado “Congresso dos Combatentes” em Julho de 1973.

Mal imaginavam os senhores do Regime, que nessa mesma altura começava efectivamente aquilo que veio a ser o “Movimento dos Capitães”, com alguns militares na rua – e lembro aqui o Coronel Vasco Lourenço – a recolher assinaturas dos seus pares com vista ao envio de um telegrama de repúdio daquele congresso que veio a ter o seguinte teor:

“Cerca de quatro centenas de militares dos quadros permanentes e combatentes do Ultramar com várias comissões de serviço, certos de interpretarem o sentir de outras centenas de camaradas que, por motivo de circunstâncias múltiplas, ignoram verdadeiramente o Congresso, desejam informar V. Exas. e esclarecer a Nação do seguinte:


1. Não aceitam outros valores nem defendem outros interesses que não sejam os da Nação.


2. Não reconhecem aos organizadores do I Congresso dos Combatentes do Ultramar e, portanto, ao próprio Congresso, a necessária representatividade.


3. Não participando nos trabalhos do Congresso, não admitem que pela sua não participação sejam definidas posições ou atitudes que possam ser imputadas à generalidade dos combatentes.


4. Por todas as razões formuladas se consideram e declaram totalmente alheios às conclusões do Congresso, independentemente do seu conteúdo ou da sua expressão.
Subscrevem o presente telegrama, em representação simbólica das quatro centenas de militares referidos, dois militares que publicamente e por diversas vezes a Nação Portuguesa consagrou:


Capitão-tenente Alberto Rebordão de Brito (oficial da Ordem Militar da Torre e Espada, Valor, Lealdade e Mérito; Medalha de Prata de Valor Militar com palma; Cruz de guerra de 1ª classe); 1.º Sargento graduado em alferes Marcelino da Mata (cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; Cruz de Guerra de 1.ª classe; Cruz de Guerra de 2.ª classe).


Solicita-se que ao presente telegrama seja dada publicidade igual à utilizada para as conclusões do Congresso.”


O esforço das Forças Armadas – e não só do exército, como parece confundir Marcelo Caetano – vai continuar, mesmo depois da proclamação unilateral da independência feita pelo PAIGC nas matas de Madina do Boé em 24 de Setembro de 1973, logo reconhecida por mais de 80 países.


O fim da Guiné enquanto colónia portuguesa parecia inevitável e próximo. Já em desespero, em 25 de Março de 1974 Marcelo Caetano aceita o envio de um emissário secreto que em Londres e num apartamento facultado pelo governo de Sua Majestade se vai encontrar com uma delegação do PAIGC chefiada por Victor Saúde Maria com vista a negociar as condições da independência da Guiné. As coisas ficaram encaminhadas. Só que entretanto ocorreu o 25 de Abril.



Academia Militar, 1963, Amadora. Cadetes do Curso do Cor Gertrudes da Silva.
Foto: © V. Briote. Direitos reservados.

Com um Regime orgulhosamente só (lá fora e cá dentro), com 40% do Orçamento afectado aos encargos da defesa, com milhares de mortos, milhares de feridos e muitos estropiados, com um esforço militar cinco vezes maior, em termos proporcionais ao dos EUA no Vietname, com a sangria das melhores energias da Nação na Guerra Colonial e na emigração, com a privação de todas as mais elementares liberdades, com um povo profundamente triste por tanta ausência e tanta perda era absolutamente necessária e, mesmo, inevitável qualquer coisa como foi o 25 de Abril, levado a cabo pelos militares, porventura porque sentiam melhor que ninguém a inutilidade da tragédia da Guerra Colonial, porque lhe preparavam uma saída ultrajante como a da Índia, porque talvez só eles estariam em efectivas condições de o fazer.


Viseu, 8 de Março de 2008
Gertrudes da Silva
Cor Ref

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(*) Texto para intervenção no encontro do Blogue “Luís Graça & Camaradas da
Guiné”, que teve lugar em Lisboa, em 06Mar2008.



1 António de Spínola, “País sem Rumo, pag. 29/31
2 Vários, “História Contemporânea de Portugal”, Vol. II, pag. 232.
3 “Hist. Contemp. de Portugal”, Vol. II, pag. 257.
4 Orlando Raimundo, “ A Última Dama do Estado Novo”, Temas e Debates, pag.117/118.

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Nota de vb:

O Coronel Diamantino Gertrudes da Silva foi admitido na Academia Militar em Outubro de 1962. Nº 1 do Curso de Infantaria, com o posto de Alferes foi mobilizado para Angola (região de Bessa Monteiro), integrado na CCaç 1642.


Em 1970, comandou a CÇAÇ 2781 na Guiné, que esteve destacada em Bissum, permanecendo no território até 1972, data em que a Companhia regressou à Metrópole. Colocado nesse ano em Viseu, no RI 14, aí permaneceu até à véspera do 25 de Abril de 1974. À frente das tropas que conseguiu reunir, deslocou-se para Lisboa e Peniche onde teve acção preponderante no desenrolar dos acontecimentos que se seguiram ao movimento militar.

Tem publicadas as obras:

Quatro Estações em Abril
Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: crónica/romance
Ano: 2007
Páginas: 312
P.V.P.: € 18.90


A personagem que, na trilogia que aqui se completa, nos vai abrindo o caminho e guiando os nossos passos, por uma só vez revela a sua inteira identidade e, mesmo assim, não o faz de moto próprio, mas através do endereço de uma carta onde se pode ler: “Para/ Alf. Júlio dos Santos Parente”. E é com o nome de Júlio que anda em Deus, Pátria e... a Vida, para depois seguir com o apelido Santos em A Pátria ou A Vida e continuar aqui a sua caminhada apresentando-se como Parente (dos santos, naturalmente).

Júlio dos Santos Parente – e a muitos acontece – para simplificar as coisas é mais conhecido por Silva, ou então por este apelido com um outro dependurado, e que não é para disfarçar, embora se lhe reconheçam algumas ambiguidades não propositadas, tanto no género como na ascendência, mas que nada tem a ver com uma velha primeira dama do antigamente.

Júlio, Santos, Parente, ou simplesmente Silva, é sempre o mesmo. Um militar que se entregou por inteiro, de corpo e alma ao 25 de Abril; que o viveu em lutas, exaltações, temores e angústias; que comandou as tropas afectas ao MFA que da Região Centro partiram no encalço de Peniche e de Lisboa; e que aqui nos dá conta da sua visão dos acontecimentos e da sua pessoal reflexão sobre os factos e vicissitudes da “Revolução dos Cravos” que mudou para sempre a face de Portugal. Um homem que é, simplesmente... um dos Capitães de Abril.Fonte: Da descrição do livro.
A Pátria ou A Vida

Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: Romance/crónica de guerra (colonial)
Ano: 2005
Páginas: 268
P.V.P.: € 16.80

(…)


Em "A Pátria ou a Vida" vive-se, sofre-se e morre-se sem heroísmos nem honrarias; caminha-se sempre sobre o arame que marca a fronteira entre dois valores que temos como sagrados. Porque a Pátria – lugar comum – nesses tempos era madrasta, tratando como estranhos os seus próprios filhos. Não de sua própria natureza, que essa era boa, e por isso sempre lhe fomos afeiçoados; mas por força dos homens a que, ilegitimamente, se foi entregando, todos com jeitos de abastados morgados, a largar-nos por aí, feitos filhos bastardos.
Da descrição da obra.
Deus, Pátria e…a Vida

Autor: Gertrudes da Silva
Colecção Imagens de Hoje
Género: Crónica de guerra (colonial) / romance
Ano: 2003
Páginas: 280
Preço com desconto: € 12.6

(Um livro que narra o percurso de um jovem que cedo conhece as agruras da guerra colonial e que sempre leva na memória os cantos da sua aldeia da Beira, bem interior...


Relatos por vezes sanguinários, em contraste com alguma pureza ingénua e original, revelam como pode passar-se dos "brandos costumes" para uma violência e crueldade de difícil entendimento. Momentos da nossa História recente que ainda nos incomodam mas que é preciso contar).
(…)


Extracto da descrição da obra.

Guiné 63/74 - P2631: Dando a mão à palmatória (5): Recado para uma ida à Guiné (Joaquim Mexia Alves)

Joaquim Mexia Alves, à esquerda da foto, no lançamento do livro Diário da Guiné, 1968-1969, de Mário Beja Santos, que está ao centro. À direita está o Henrique Matos que foi o 1.º CMDT do Pel Caç Nat 52

Foto: © Henrique Matos (2008). Direitos reservados.

1. Caros camaradas

Porque a informática nem sempre ajuda, por vezes desajuda, enquanto o nosso Luís andou por terras da Guiné-Bissau a minha ligação à Internete falhou insistentemente.

Por coincidência houve o lançamento do Diário da Guiné do nosso camarada Mário Beja Santos que também veio aumentar um pouco o trabalho editorial do Blogue. Quem se manteve firme no seu posto de comando? O nosso companheiro Briote. Claro que não chegou para tudo e agora há que pôr o trabalho em dia.

Esta introdução, para quê?

Primeiro para pedir desculpas públicas ao nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, porque nos enviou um bonito poema com o título Recado para uma ida à Guiné, que classifico como um roteiro de saudade e não foi publicado na devida altura.

A sua publicação, agora, pode parecer despropositada, pois o Luís já foi à Guiné-Bissau e, tendo regressado, não poderá cumprir o itinerário proposto.

Deixo-vos o texto para apreciarem e, se um dia lá forem, aproveitem a sugestão.

Com renovadas desculpas ao Mexia Alves, leiam e deliciem-se.
Carlos Vinhal

2. Recado para uma ida à Guiné,
por Joaquim Mexia Alves (2)

Vai, Luís,
Para essa terra quente
Que viveu dor e sofrimento
Para se fazer País.
Vai e leva o meu abraço
Porque num dia,
Num momento,
Também aí fui feliz.
Passa por Mansoa
E sobe para Mansabá
E ao carreiro da morte
Pára e contempla
Das árvores do Morés
O seu porte.
Deixa uma lágrima
E um voto
Por todos os que aí ficaram.
Depois desce a Jugudul
E segue a estrada nova
Que tanto sacrifício me deu.
Passa por Portogole
E mais à frente um bocado
Sobe ao Mato Cão,
E fica ali sentado
Com uma cerveja na mão
A assistir ao Pôr-do-Sol.
Agora que vês Bambadinca
Depois de parares um pouco
Segue em frente
Pela estrada do meu suor
A caminho do Mansambo,
Que fica à tua direita.
Na Ponte dos Fulas
Vai a pé,
Ali para a tua esquerda,
Sim dentro da mata,
Vá, anda,
Porque vais encontrar,
Se agora não me engano,
Uma mata de caju
Onde o macaco cão
Faz barulho que ensurdece.
Volta à estrada
Para o Xitole
E, quando lá chegares,
Senta-te naquela varanda,
Mesmo que destruída,
(reconheci-a entre mil),
E bebe por mim um uísque
Em memória do Jamil.
Segue para o Saltinho,
Banha-te naquelas águas
E não pares,
Arranja um barco
E sobe o Corubal.
Quando chegares ao Xime,
Desembarca na lama preta
E sobe por um bocado,
Apenas para ver a vista.
Regressa ao Geba.
Lá está a Nau Catrineta
Que tem muito que contar,
Embarca agora nela,
Deixa a maré te levar,
Porque assim à noite
Estarás em Bissau, a varar.
Já é tarde,
Estás cansado,
No físico, no coração,
Então senta-te no Pelicano,
E come…
Um ninho de camarão.
Vai, Luís,
Leva-me contigo,
Mata feridas, mata mágoas,
Mata saudades até,
E abraça por mim
A Guiné…

Joaquim Mexia Alves
Monte Real, 27 de Fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2630: Poemário do José Manuel (3): Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 2 de Março de 2008 > O Zé Teixeira, no tchon nalu, em pleno Cantanhez, no meio de duas mulheres da população local. Belíssimas, gentis e vistosas mulheres nalus, de porte altivo e de grande dignidade. Na carta de Cacine, a toponomia é Jemberem, a norte de Madina de Cantanhez... Hoje todo o mundo diz e escreve Iemberém. De resto, um dos afluentes do Rio Cacine é o Rio Iemberem... Será que terá havido um erro dos nossos cartógrafos ou uma gralha tipográfica ?


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > 1 de Março de 2008 > Onde quer que chegue, o Zé Teixeira conhece sempre alguém, antigo militar de unidades africanas, antigo milícia, antigo combatente do PAIGC, etc. E tem uma enorme facilidade de relacionamento humano. Ei-lo aqui em Iemberém, local onde a comitiva do Simpósio Internacional de Guileje pernoitou dois dias... Fica em plemo coração do Parque Nacional do Cantanhez. E é um orgulho para os seus habitantes e para a equipa da AD - Acção para o Desenvolvimento que lá tem projectos... Uma surpresa que contrasta com a tristeza que se sente em Bissau...

Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Guiné > Região de Tombali > CCAÇ 2381 (1968/70) > Mampatá Foreá > 3 de Novembro de 1968 > Alguns militares portugueses, entre eles o Zé Teixeira (em segundo plano, de óculos esfumados), em operação de rescaldo de um ataque do PAIGC, ao destacamento e à tabanca, à hora do almoço.

Imagem do José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro, CCAÇ 2381( Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70). Ele esteve em Ingoré (no norte, em treino operacional) e foi depois colocada no sul (Bula, Aldeia Forbosa, Mampatá, Empada) (Maio de 1968 / Maio de 197o). O Zé voltou à Guiné em Março de 2005, e partir daí já lá foi mais duas vezes, a última das quais por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje. Deve estar de volta a casa, nos próximos dias, fazendo o percurso de jipe, de Bissau até ao Matosinhos. Daqui vai um grande abraço para ele e para os demais camaradas da tertúlia do Norte... Que os bons ventos do deserto vos tragam a casa, sãos e salvos... Passámos, juntos, momentos de grande emoção na semana de 29/2 a 7/3/2008 (LG).

Foto: © José Teixeira (2005). Direitos reservados.


1. Mais três poemas do José Manuel, recebidos em 4, 5 e 6 de corrente. Foram escritos na Guiné (1). O José Manuel foi Fur Mil, Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74 (2). Ainda não temos nenhuma foto dele nem do tempo dele. Aproveito para o convidar a ler alguns dos excertos do diário do Zé Teixeira que passou também por Mampatá, uns anos anos (3). Aproveito também para lhe agradecer as suas gentilezas: José Manuel veio à festa do Beja Santos e trouxe alguns dos vinhos da sua Quinta da Graça para a malta provar... Sei que deixou para mim, ao cuidado do Virgínio Briote, uma garrafa de vinho fino... Obrigado, José Manuel! Como dizia um outro poeta, maldito, Luíz Pacheco (morto há pouco tempo), ainda melhor que a poesia, são as mulheres, e ainda melhor que as mulheres é o vinho, que nos faz esquecer as mulheres... Os teus poemas transportam-nos ao encanto, ao sortilégio, ao perigo das matas e das picadas de Tombali, mas também à solidão e à miséria da nossa condição de homens, combatentes, sem razão nem para matar nem para morrer... (LG).


Estradas amarelas
corpos cobertos de pó
pica na mão à procura delas
o polegar ferrado no pau
tac, tac, tac, tac, tac, tac
tacteando por sons diferente
o Fernandes com cara de mau
espeta no solo o ferrão da pica
tac, tac, tac, tac, tac, TOC
o calafrio
depois o grito
anunciando o perigo
o grupo é mandado parar
chega o Vilas à frente
e todos manda afastar
de joelhos no chão
numa simulada carícia
afaga a terra com a mão
com gestos simples e perícia
vai cavando devagar
hei-la... está aqui
lisa preta a brilhar
parece inofensiva a maldita
deita-lhe a mão e grita
és minha, já te tenho
volta-a
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz
esta não
esta não causará dor.


Tenho saudades
do amor que não se compra
daquele que se sente
o tal
que vem de dentro
e
que não acaba
com um orgasmo
não quero mais
ser
aquele que se vai
assim que se vem
não quero mais
ficar vazio
não quero mais
ficar sem eco
não quero mais
perder o elo
que me liga
a ela
seja ela quem for
não quero mais
fazer amor
sem ter de oferecer uma flor.

Josema
Bissau 1974


Saborear a vida

é sentir os outros
é sentir o vento
é sentir a água
é tocar...
num corpo de mulher


guiné 1972
josema
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores:
9 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2619: Poemário do José Manuel (2): Que anjo me protegeu ? E o teu, adormeceu ?

3 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2608: Poemário do José Manuel (1): Salancaur, 1973: Pior que o inimigo é a rotina...

(2) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

(3) Alguns dos excertos de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):

6 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXVII: O meu diário (José Teixeira, CCAÇ 2381) (5): Mampatá, Agosto-Setembro de 1968

(...) Mampatá, 7 de Setembro de 1968: Tenho que reagir. Estou-me portando pior que os outros. Onde está a minha força de vontade de viver segundo o meu projecto de vida ? Sinto-me só... recomeço a luta tanta vez... como fugir ?...Eu não quero matar. Eu não quero morrer. Quero viver, mas esta vida, não (...).

(...) Mampatá, 17 de Setembro de 1968: Dia de correio. Ainda cedo sentiu-se a avioneta de Sector em direcção a Aldeia Formosa. Aguardamos com ansiedade a viatura que partiu para lá....O Vitor escreveu-me. Por Bissorã nem tudo corre bem. Segundo ele, num pequeno incidente ficaram dois soldados inutilizados para toda a vida, ambos com uma perna amputada e um outro com a cara cheia de estilhaços. Além destes, uma nativa morta e outra sem uma perna. Tudo por rebentamento de minas A/P, montadas pelo IN.Numa saída em patrulha a malta vingou-se fazendo sete mortos e dois prisioneiros. O último a morrer foi o tipo que montou as minas e, pelo que ele conta, teve morte honrosa. Todos os africanos verificaram a eficiência das suas facas no seu corpo (...).

(...) Mampatá, 25 de Setembro de 1968: Como é belo sentir nas próprias mãos o pulsar de um coração novo que acaba de vir ao mundo. Um corpo pequenino, branco como a neve, puro como os anjos e no entanto, este corpo vai crescer, a pouco e pouco a natureza encarregar-se-á de o tornar negro como os seus progenitores, negro como os seus irmãos que hoje não cabiam em si de contentes. É puro como os anjos, a sua alma está imaculada, mas virá o tempo em que conhecerá o pecado, terá de escolher entre o bem e o mal (...).

(...) Mampatá, 29 de Outubro de 1968: (...) A família do sargenti di milícia Hamadu (1) estava toda reunida. No meio, um alguidar cheio de vianda (arroz) com um pequeno bocado frango frito:- Teixeira Fermero, vem na cume (Enfermeiro Teixeira vem comer). - Sentei-me meti a mão no alguidar, fiz uma bola com arroz bem temperado com óleo de palma e meti à boca (Em Roma sê romano). Estava apetitoso e eu estava cheio de comer massa com chispe que o cozinheiro confeccionava na cozinha improvisada ao ar livre, porque não havia mais nada. Estamos no tempo das chuvas, a Bolanha dos Passarinhos está intransponível pelo que não há colunas a Buba para trazer mantimentos (...).

(...) Mampatá, 5 de Janeiro de 1969: (...) Admiro esta população de Mampatá. Quando souberam que eu ia de serviço na coluna em substituição do Lemos vieram despedir-se de mim. Fui abraçado, as bajudas beijavam-me e cantavam uma melodia triste. Até dá gosto viver com esta gente.A mãe da Binta veio trazer-ma para lhe dar um beijinho e fazer um festinha como era meu hábito (Pegava nela e atirava-a ao ar dando a miúda e a mãe uma gargalhada).A Maimuna tinha oito luas quando cheguei a Mampatá (...).

(...) Chamarra, 23 de Janeiro de 1969: (...) Ontem ao anoitecer, em Aldeia Formosa, alguém, lançou uma granada de mão para a Messe dos sargentos. Não se sabe quem foi. Branco ou negro. Por vingança, por descuido. Os resultados foram tremendos. Dois soldados, meus camaradas, tiveram morte imediata e houve ainda dez Furriéis feridos, alguns com gravidade. As medidas tomadas pelo Comandante para descobrir o assassino ainda não resultaram.Aqueles dois colegas que casualmente se encontravam à porta encontraram a morte, pela mão de um companheiro cego pela loucura ou pelo ódio, tudo leva a crer (...).

Guiné 63/74 - P2629: Fórum Guileje (3): A Marinha esteve como peixe dentro de água no CTIG, e teve um papel logístico fundamental (Pedro Lauret)

Guiné-Bissau > Bissau > Palace Hotel > Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau > 4 de Março de 2008 > Painel 1 (Guiledje e a Guerra Colonial / Guerra de Libertação) > Intervenção de Pedro Lauret, dirigida à mesa, e mais concretamente a Manuel dos Santos, ou Manecas, antigo comandante militar do PAIGC, que fez um comunicação sobre Amílcar Cabral e a componente militar do PAIGC: achegas para a compreensão dos meandros estratégicos e tácticos da guerra de libertação nacional.

Vídeo: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Pedro Lauret foi o único represente da Marinha no simpósio, pelo lado dos ex-combatentes portugueses. Como orador, fez uma comunicação, no dia 5 de Março, no âmbito do painel 2 (Guerra colonial / luta de libertação nacional: problematização conceptual, contextualização histórica e importância historiográfica), subordinada ao título A Marinha no Teatro de Operações da Guiné: Guiledje e Gadamael, Maio-Junho de 1973, o papel da Marinha (1).
Sinopse da comunicação:

A Guiné, atravessada por uma multiplicidade de rios e braços de mar, com uma rede viária escassa será um Teatro de Operações privilegiado para a actuação da Marinha. Mais de 80% de todo o reabastecimento será efectuado por via fluvial. A evolução dos meios navais, as missões as potencialidades e as dificuldades, encontradas no teatro de operações. A missão hidrográfica, os levantamentos e as cartas hidrográficas, a balizagem e a farolagem. Os fuzileiros navais. A partir de Maio de 1973 com as dificuldades sentidas pela Força Aérea, a Marinha irá ser chamada a um maior esforço apesar das grandes dificuldades em meios. A Marinha e o Inferno dos 3 G’s – Guiné, Maio-Junho 1973.

Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > Pedro Lauret, oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem fez a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL).

Foto: © Pedro Lauret (2006) . Todos os direitos reservados.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > Os tugas de volta a Cacine, outrora um importante baluarte no sistema de defesa do Rio Cacine contra as infiltrações e ataques do PAIGC. Foi sede do Destacamento de Fuzileiros Especiais 22. Hoje, é uma terra com ar desolado e decadente. Partimos de Cananima, do outro lado do rio, num barco de pesca, depois de um belíssimo almoço onde não faltou o saboroso e fresquíssimo peixe local. Embarcados, éramos um grupo de 30 participantes do Simpósio. O nosso capitão de mar-e-guerra ficou em terra a planear as eventuais operações de socorros a náufragos. Na foto, o regresso ao barco, depois de uma duas horas em Cacine: em primeiro palno, o jornalista do Correia da Manhã, correspondente em Guileje, José Marques Lopes, seguido da Júlia, esposa do Coronel Nuno Rubim, e da Diana Andringa...

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Pedro Manuel Cunha Lauret Saldanha e Albuquerque - CV abreviado:

(i) É capitão-de-mar-e-guerra na situação de reforma.

(ii) Nasceu em Lisboa, a 23 de Janeiro de 1949.

(iii) Efectuou os estudos secundários no Liceu Camões (1960/67), em Lisboa, onde foi dirigente da Acção Católica (JEC), participando em movimentações estudantis.

(iv) Entrou para a Escola Naval em 1967, tendo terminado o curso de Marinha em 1971.

(v) Foi um dos fundadores, em 1970, de uma organização política clandestina de Oficiais da Armada.

(vi) Em Setembro de 1971 iniciou uma comissão na Guiné, como oficial imediato da Lancha de Fiscalização Orion, exercendo uma intensa actividade operacional até Agosto de 1973; participou no início das operações conhecidas pelo cerco a Guidaje em Maio de 1973, e nesse mesmo mês e seguinte nos acontecimentos de Guileje e Gadamael.

(vii) Em Outubro de 1973, já no continente, efectuou os primeiros contactos com o Movimento dos Capitães, por designação de um grupo de oficiais da Armada.

(viii) Fez parte da comissão que redigiu o Programa do Movimento das Forças Armadas, e outros importantes documentos – em conjunto com Vítor Alves, Melo Antunes, Franco Charais, Vítor Crespo, Almada Contreiras.

(ix) Após o 25 de Abril integrou o gabinete do Almirante Pinheiro de Azevedo, Chefe do Estado-Maior da Armada e membro da Junta de Salvação Nacional.

(x) Faz parte da Comissão Coordenadora do MFA Armada, da Assembleia do MFA Armada e Assembleia do MFA Nacional.

(xi) Em 1976, especializou-se em sistemas de armas, embarcando em 1977 como chefe de serviço de Artilharia na fragata Comandante Roberto Ivens, participando em numerosos exercícios nacionais e no âmbito NATO.

(xii) Desembarcou em 1979 vindo a desempenhar funções técnicas no Gabinete de Estudos da Direcção Geral do Material Naval onde foi nomeado para a frequência de numerosos cursos no âmbito da electrónica, sistemas digitais e informática.

(xiii) Em 1981 concluiu uma pós graduação em Estratégia e Organização, no Instituto Superior Naval de Guerra.

(xiv) Em 1983, em comissão civil, exerceu as funções de engenheiro no Grupo de Oficinas de Armamento e Electrónica do Arsenal do Alfeite, acumulando com Chefe de Serviço de Informática do Arsenal.

(xv) Em 1986 passou à reserva e depois à reforma, iniciando actividade empresarial no âmbito
da engenharia e consultoria informática.

(xvi) Foi Membro fundador da Associação 25 de Abril, integrando actualmente a sua Direcção.

(xvii) Coordenou a equipa que produziu o site da Associação 25 de Abril e dirige, actualmente, no mesmo âmbito, um site sobre a Guerra Colonial.

(xviii) Dirige um projecto de investigação histórica designado Marinha: do fim da segunda Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974, que conta com o apoio do Chefe do Estado Maior da Armada.

(xix) Foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade.

Fonte: Site oficial do Simpósio Internacional de Guiledje > Oradores > Pedro Lauret

___________


Notas de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta nova série, Fórum Guileje:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

(2) Postes do nosso amigo e camarada Pedro Lauret:

1 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1138: 'Siga a Marinha': uma expressão do tempo da República (?) (Pedro Lauret)

5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)

29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret

13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1590: O sacrifício dos oficiais do quadro permanente (Pedro Lauret)

18 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1767: Spínola e Senghor encontram-se na região de Casamance em 1972 (Pedro Lauret)

27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2222: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (4): Aspectos positivos e negativos (Pedro Lauret)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2628: Fórum Guileje (2): Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha (Mário Fitas)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Três homens (solitários) de Guileje. Da esquerda para a direita: o ex-major Coutinho e Lima (que em 22 de Maio de 1973, era o comandante do COP 5, sendo hoje coronel na reforma); Abílio Delgado (ex-Capitão dos Gringos de Guileje, a CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972); e Nuno Rubim, (que comandou duas companhias, em Guileje, a CCAÇ 726, e a CCAÇ 1424, no período de 1965/66).

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Texto do Mário Fitas (1):

Caro Manuel Lema Santos,

Li, e senti a profundidade do seu texto Ainda sobre o 'Simpósio de Guilege' (2).

Fui um simples Fur Mil de Operações Especiais, em Cufar, de Março de 1965 a 1966, fazendo parte da CCAÇ 763 comandada na altura pelo então Capitão Carlos da Costa Campos, já não existente entre nós, mas cuja urna entrou na sua última morada, pelas mãos de elementos da CCAÇ 763, e que no seu regresso à Guiné para outra comissão, onde foi promovido a Coronel, comandadou o COP3, na altura das operações em Guidaje.

A empatia gerada entre mim e o Cor Costa Campos levou-nos a falar, e analisar pormenorizadamente, muita coisa sobre a Guerra da Guiné.

Já tive oportunidade de falar na nossa Tabanca Grande, não só sobre a colaboração da Armada bem como da Força Aérea Portuguesas, nos teatros da referida Guerra. E que reafirmo o meu grande reconhecimento, por tudo o que por nós fizesteis. Tenho a certeza que este reconhecimento seria subscrito em absoluto, por todos os elementos da CCAÇ 763.

Tenho plena consciência que determinados tabus ainda se encontram instaurados entre nós, mas que teremos de ter a capacidade de nos ouvirmos, e debater com clarividência, para que seja a verdade da Guerra na Guiné contada na primeira pessoa.

Muitos foram de facto os que sofreram e sofrem. Nunca uma guerra foi feita de uma só batalha!

Tenhamos a capacidade de ultrapassar todas as barreiras, e deixemos ao Povo Português o que foi uma Guerra de facto e não uma batalha. Dum lado e do outro que as mãos se unam, e façam a História dos seus Povos.

Tudo isto, para lhe demonstrar a minha admiração, pela clarividência e honestidade do seu texto.

Há momentos tristes, mas a verdade tem de ser nosso apanágio. Estou consigo! Estas suas palavras devem fazer parte do legado da Nossa Tertúlia!

Já que, de certeza, muitas vezes subiu e desceu o mítico Cumbijã, um abraço do tamanho desse maravilhoso rio.

Mário Fitas

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)

(2) Vd. poste de 12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde ? Cabedu ? E a nossa Marinha ? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)



Vídeo: Jorge Félix / You Tube (2008). (com a autorização do autor...). Agradecimento ao Bana, ao Luís Morais e ao extinto grupo musical, fabuloso, mítico, Voz de Cabo Verde... De um lado e doutro da barricada, se calhar ouvíamos a mesma música... Pelo menos, os tugas e os caboverdianos do PAIGC...



1. Mensagem do Jorge Félix (1):



Caro Luís Graça,

Não faltarão novidades para contar da terra das Bolanhas .Entretanto, durante a vossa estadia na Guiné-Bissau, coloquei um video, Nha Bolanha, que gostaria visses e comentasses.

Estou a acabar de ler o Diário da Guiné, do Beja Santos. Muito interessante. Logo no inicio fala do Brandão, aquele de quem eu falei na nossa conversa telefónica. Tenho uma versão um pouco diferente, e gostava de trocar umas palavras com ele. Será que me podes dar o email ou converso com ele na tertúlia ?

Jorge Félix

2. Em resposta a um pedido de esclarecimento meu (vd. ponto 3):

Luís Graça:

As imagens foram captadas de uma emissão da RTP. Ninguém me pediu autorização para lá aparecer .

Recordo-me que foi o Coronel Piloto Aviador Nico, na altura tenente, que filmou em super 8 mm.

A música é do extinto grupo, Voz de Cabo Verde, canta o Bana. Também ainda é vivo o Luís Morais, excelente músico.

Penso que a música, tendo mais de 30 anos, já é de "utilidade pública", não sei se há problemas de direitos de autor. É uma honra o Nha bolanha ir para o nosso blogue, nem que seja por link, vê-se de igual maneira.

Já enviei um e-mail ao Beja Santos sobre o livro Memórias da Guiné 68/69. Vou esperar resposta, pois também gostaria que postassem as minhas críticas que fiz ao livro. Junto um imagem de satélite que enviei ao Beja Santos, mostra o teatro de operações que o livro recorda.

Como aprendi por esta andanças, um abraço do tamanho do Geba.
Jorge Félix

Imagem de satélite da região de Bambadinca, incluindo a bacia hidográfica do Rio Geba e do Rio Corubal. Na imagem, pode reconhecer-se alguns pontos de referência que nos eram familiares, no tempo da guerra colonial, como Ganturé (na margem esquerda do Rio Corubal), Enxalé, Mato Cão, Missirá e Bocol (a norte do Rio Geba), Ponta Varela, Xime e Bambadinca (a sul do Rio Geba). Também é visível, a amarelo, o traçado da estrada (alcatroada) que vem Bissau, passa a norte do Mato Cão, atravessa o Rio Geba (Estreito) perto de Bambadinca, seguindo a esquerda Bafatá e em frente para o sul (Xitole, Saltinho, Quebo...).

Foto: Jorge Félix (2008).

3.Resposta de L.G.:

Jorge: Já vi o teu microfilme, Nha Bolanha, no You Tube. Parabéns pela ideia e sua execução.

Diz-me duas coisas: (i) as imagens são tuas, originais ? (ii) quem é o cantor, o autor da letra e música ?

Posso pôr o teu filme na nosso blogue, desde que não haja problemas de direitos de autor… Em último caso, ponho um link… Mas gostava de fazer referência ao autor da música…

Obrigado pelas imagens da tua caderneta de voo. Vou publicar.


4. Comentário final do editor do blogue:

Tens razão, é uma obrigação partilharmos, uns com os outros, e com os nossos filhos e netos, com os nossos antigos inimigos, os seus filhos e netos, estas imagens e estes sons que ninguém nos pode roubar...

A voz do Bana, o sax de Luís Morais, a silhueta de um heli nos céus da bolanha, o terrível matraquear do helicanhão, tu e os teus camaradas pilotos, as enfermeiras pára-quedistas, as bolanhas, os palmeirais, a serpente do Rio Geba, o pôr do sol na Guiné, a nota de tensão dramática na paisagem, tudo isso faz parte intrínseca da(s) nossa(s) vida(s). Tal como o sangue que corre nas nossas veias. A Guiné e a guerra da Guiné marcou-nos a todos indelevelmente. Ninguém nos condenou ao silêncio...

Meu caro Jorge: O nosso blogue não tem, de resto, quais propósitos comerciais... Fazemos apenas blogoterapia... E tu, que és um homem da imagem (andaste pela televisão, pelo cinema...), faz-nos o favor de mandar mais (2)... Estás autorizado a usar as nossas próprias imagens. Se bem te recordas, passaste a fazer parte da nossa Tabanca Grande...
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Notas de L.G.:

(1) 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

(2) Vd. postes desta série:

16 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2250: Vídeos da guerra (3): Bastidores da Op Ostra Amarga ou Op Paris Match (Bula, 18Out1969) (Virgínio Briote / Luís Graça)

11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2256: Vídeos da guerra (4): Ainda nos bastidores da Operação Paris Match (Torcato Mendonça / Luís Graça / Diana Andringa)

13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2261: Vídeos da guerra (5): Nos bastidores da Op Paris Match: as (in)confidências de Marcelo Caetano (Manuel Domingues)

15 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)

20 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2463: Vídeos da Guerra (7): Madina do Boé - A Retirada (José Martins)

Guiné 63/74 - P2626: Fórum Guileje (1): E Cameconde? Cabedu? E a nossa Marinha? (Manuel Lema Santos / Jorge Teixeira / Virgínio Briote)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje > Lápide assente nos restos de um aquartelamento das NT. Pode ler-se: "CART 1692. Início - 16/4/68. Ter[mino] - 18/4/68. Nisa - Alenquer. 60 bebedeiras neste priúdo [sic]. Trabalho Rápido".

Guiné-Bissau >Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Uma terra abandonada e decadente. Vista do barco de pesca que saiu de Cananima, com um grupo de cerca de 30 participantes do Simpósio. Outrora, Cacine era um importante baluarte no sistema de defesa do Rio Cacine contra as infiltrações e ataques do PAIGC. Foi sede do Destacamento de Fuzileiros Especiais 22.

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Uma típica embarcaçao de pesca do Rio Cacine, a apodrecer na praia... As potencialidades do Rio Cacine não são ainda devidamente exploradas (vd. dvd)...

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > 2 de Março de 2008 > Regresso dos turistas ao barco que os levará de volta a Cananima... Em primeiro plano, a Maria Alice, o cubano Oscar Oramas, a Catarina Santos, da Fundação Mário Soares, e o Álvaro Basto, membro da nossa Tabanca Grande.

Fotos e legendas: © Luís Graça (2008). Direitos reservados

1. Texto de opinião do nosso camigo e camarada Manuel Lema Santos, ex-1º Tenente da Reserva Naval da Marinha de Guerra, autor da página Reserva Naval, e um dos raros marinheiros a fazer parte da nossa Tabanca Grande (1).


Banjara, Barro, Cacine, Cameconde, Guidaje, Gadamael, Guileje, Jabadá, Madina do Boé, Oio...e tantos outros locais de uma terra com cerca de doze anos de Guerra. Numa picada de Buba para Aldeia Formosa, numa bolanha do Galo Corubal ou ao largo de Bissau, na queda da escada para o navio que o ia trazer de regresso. Para os mortos e estropiados foi igual. (vb)

Assunto - Simpósio de Guileje"

Nunca estive em Guileje.

No respeito pelo sacrifício de todos os que na Guiné se bateram por uma causa, ao tempo politicamente defensável e por isso obrigatória como dever de cidadania do regime, opto pelo contido silêncio dos que preferem apostar num futuro sem qualquer sentimento de culpa pelo passado recente vivido, parte integrante da própria História do País em que nasceram.

E podemos fazê-lo de várias maneiras, uma das quais honrando a memória dos que tombaram e lembrando-os a todos sem distinção de raça, classe social ou posto evitando, no futuro, os erros que conduziram a esse passado próximo de guerra.

Guerra injustificada e mutilante sim, mas aquele meu profundo respeito cresce quando, ao sacrificío inútil de tantos cidadãos jovens ceifados e tantas famílias enlutadas se vem acrescentar, muitos anos depois, tão obscenas incapacidade e hipocrisia políticas, apelidando o resultado de paz e democracia. Que resultado e a que preço social e económico?


Não tenciono tão pouco brandir qualquer estandarte em nome de qualquer outro local da Guiné diferente de Guileje mas, sem grande esforço de busca, acudir-me-iam à memória, e bem próximos, Cameconde e Cabedu, onde estive voluntariamente e a cujos militares, com quem convivi, presto aqui a minha homenagem pelo que neles senti de próximo.

Aliás Cameconde (2), onde estava sepultada viva uma secção do aquartelamento de Cacine na margem do rio com o mesmo nome, era exactamento o último reduto defensivo sudeste do famigerado corredor da morte. Caminhando para nordeste, seguia-se-lhe Gadamael, Guileje, Mampatá e Aldeia Formosa.

A largura do rio, excessivamente grande para cambanças rápidas, a permanente presença e fiscalização da Marinha de Guerra e a proximidade do aquartelamento de Cacine, aconselhavam o PAIGC a desviar transportes e abastecimentos mais para nordeste, passando a ser fundamental, nessa estratégia, o corredor de Guileje.

Conheço-lhe o nome e a pesada aura que rodeava a localidade, a que não serão estranhas as centenas de horas navegadas a bordo da LFG Orion, no rio Cacine, em patrulha, fiscalização, operações, transportes e abastecimentos que, ao logo de dois anos e para toda a Guiné, somaram acima das 2.000 horas de navegação.

Aí, no Sul, ficávamo-nos pelo limite possível de navegação segura daquele rio, até junto da marca Lira onde confluiam, a montante, os rios Cafungaqui, Diderigabi, Cacondo e o rio de Gadamael Porto. Para lá daquela marca, apenas botes de fuzileiros ou as LDM's que aportavam pontualmente a Gadamael.

Deste local a Guileje distavam uma escassa dezena de quilómetros mas eram os suficientes para vedar a acessibilidade à Marinha. Para nós, a maioria das vezes, Guileje traduzia-se em rebentamentos ouvidos e, noutros casos, em passagens de helicópteros, sempre um mau presságio mais tarde traduzido em más notícias.

Suspeito que poderia, sem grande esforço e com alguma falta de modéstia, pronunciar mais duas dezenas de locais daquele teatro de guerra igualmente dramáticos para quem lá teve de enfrentar os dois anos de serviço militar e, como exemplo, de forma aleatória, aflora-me à lembrança o nome de Madina do Boé...

Algum sentido de justiça e humildade leva-me a não cometer esse erro grosseiro. Afinal, os locais de drama foram muitas vezes definidos pelo acaso da mina, da emboscada, do tiro perdido, do ataque e até do acidente. Nenhuma diferença substantiva para quem foi vítima ou para os familiares dela e quanto a números e estatísticas, apenas mais um era acrescentado.

Confesso não me ter sentido motivado para qualquer participação no Simpósio de Guileje, mas também porque não houve qualquer apelo à conjugação de esforços e envolvimento de pessoas fora daquele contexto específico - Guileje e o seu aquartelamento.

Houve muitos outros cenários de drama na Guiné e exacerbar em importância uns subvalorizando outros, provocará necessariamente clivagens sociais e a reabertura de feridas ainda por sarar, com a consequente distorção histórica de relatos e acontecimentos.

A mediatização excessiva do evento parece pouco prudente e redutora da História da guerra da Guiné que, embora necessariamente fragmentada em relatos e acontecimentos parciais, não deverá perder uma perspectiva global integrada dos três ramos das Forças Armadas incluindo a cronologia narrativa de início até final.

Assim não tem sido até agora e o relato de acontecimentos cinge-se, em muitos casos, aos anos que antecederam o final da guerra em 1974 ou aos anos imediatamente anteriores. Ora é necessário que fique claro para o registo da História de Portugal que a guerra colonial teve aproximadamente 12 anos de duração, ainda incipiente em finais de 1962 mas eclodindo no início de 1963 com o ataque ao aquartelamento de Tite.

Mais difícil seria imaginar como tem sido possível o esvaziamento quase total da presença da Marinha de Guerra dos relatos e acontecimentos do teatro da Guiné, ignorando a participação empenhada daquele ramo das Forças Armadas e ensaiando a construção de uma História sem aquela componente.

Não deixa de ser estranho já que, sem o empenho da Marinha, como teriam sido transportados a quase totalidade de todos os outros militares para a Guiné sem o gigantesco dispositivo de transportes de tropas que o permitiu, tanto para lá como para os outros teatros de guerra?

Uma vez na Guiné, de forma continuada, como foram transportados para cada um dos aquartelamentos de norte a sul daquele território, como foram abastecidos no tempo, como foram transportados entre locais, como foram escoltados e apoiados em operações, como foram em alguns casos evacuados e que foi feito do convívio partilhado com os marinheiros que incluiram, em muitas situações, o alojamento, a refeição, o combate e até a enfermaria?

Como foram retirados até ao último elemento todos os militares de todos os aquartelamentos da Guiné no final de uma guerra que, para cada um e já no regresso, só terminou no final da viagem do transporte de tropas, na Rocha Conde de Óbidos ou em Alcântara?

Compreenderá o leitor que se expliquem estratégias militares numa guerra impossível sem a presença da Marinha, num território que alaga quase 25% da área continental entre cada duas marés, e que mais parece, por analogia e em toda a orla costeira, um emaranhado sistema circulatório aquático?

Srão do conhecimento geral dados simples como a existência de um dispositivo naval da Marinha de Guerra que, em 1971, chegou a empenhar 1 PC (Corveta), 7 LFG's (Lanchas de Fiscalização Grandes), 8 LFP's (Lanchas de Fiscalização Pequenas), 3 LDG's (Lanchas de Desembarque Grandes), 31 LDM's (Lanchas de Desembarque Médias), 8 LDP's (Lanchas de Desembarque Pequenas), 5 DFE's (Destacamentos de Fuzileiros Especiais), 2 CF's (Companhias de Fuzileiros) e um Destacamento de Mergulhadores Sapadores?

Lamentável que quem escreve não cuide de pesquisar e recolher dados históricos com algum sentido de isenção e rigor. A operação Mar Verde, realizada em Novembro de 1970, inequivocamente de elevado risco e com resultados político-militares duvidosos, teve o condão de libertar 26 prisioneiros de guerra portugueses, um deles nessa condição durante 8 anos, capturado na sequência de ter sido atingido o T6 que pilotava e que, depois de tocado pelo seu asa no Cantanhês, conseguiu aterrar. O outro piloto morreu, ao despenhar-se o segundo avião da parelha.

Regressando a Guileje, num pormenor complementar relevante, a LFG Orion, no início de Junho de 1973, conjuntamente com as LDM's 114 – 410 – 415, a CF 8 e Páras, utilizando como base o aquartelamento de Cacine, onde estava sedeado o DFE 22, evacuou cerca de um milhar de pessoas, incluindo mortos e feridos, entre população e militares em fuga desordenada do aquartelamento de Gadamael que procuraram a fuga no rio e abrigo nas margens, bombardeados pelo PAIGC. Tudo isto como efeito dominó da retirada de Guileje, semanas antes.
No meu espírito e, porque regressei incólume, curvo-me permanentemente ao recordar os que não tiverem a mesma sorte e foram demasiados em toda a Guiné, de ambos os lados.

Guileje foi um dramático exemplo disso mas houve muitos mais.

Um abraço para todos,
Manuel Lema Santos
Ex-1º TEN da Reserva Naval da Marinha de Guerra

LFG Orion, Guiné, 1966-1972. Testemunho de Jorge Teixeira:

2. Testemunho do Jorge Teixeira:

Caro Manuel Santos,
Tenho de concordar contigo. Nunca entendi o porquê do Simpósio de Guileje. Mas aí os autores/participantes que expliquem porquê. Como leigo, abstive-me de comentar.
Mas a mim, mais me pareceu um honorificação do que outra coisa qualquer. De quem ? Não faço ideia.

O meu primeiro contacto na Guiné foi com fuzos. Eles tiraram-me do Niassa e colocaram-me em Bolama. Nos 15 dias que aqui passei, tive o prazer do seu convivio.
Vi muita solidariedade entre eles, com as populações e a tropa que estava de passagem e com a que estava permanente. Isto em Maio de 68. Pouco falavam da sua vida, aliás normal entre a maioria da malta ainda hoje. Só tentamos recordar o bom.

Depois colocaram-me em Catió. E tive a oportunidade de ver o seu profissionalismo, pois o batelão onde fui transportado com o meu pelotão, levava uma pequena guarnição de 3 elementos - velhos tempos em que no Tombali (ou terá sido no Corubal, já não me lembro) se podia ainda navegar sem cuidados de maior - nunca deixaram os seus postos de vigia durante as cerca de 10 horas que demorou a viagem.

Durante a minha comissão tive imensos contactos com eles, os fuzos. Como, por exemplo. Alguem se lembra da retirada do Como e quem a protagonizou? Antes da retirada, as operações quasi diárias - marítimas - para vir buscar água a Catió, a defesa (?)dum espaço enorme, por onde nao se podia andar, por apenas um pelotão, um secção de canhões sem recuo e uma LDM.

Realmente no que tenho lido, pouco se fala da Marinha. E acho que tens razão ao sentir que é um ramo desprezado. Ainda te dou razão quando dizes que a Guiné foram 12 anos de martírio e não houve só Guileje.

Eu costumo dizer que fui um privilegiado. Outros nem por isso. Mas recordêmo-los a todos, porque todos fomos iguais.

Um abraço,
Jorge / Portojo
___________

Notas de vb:

(1) Vd. artigos do Manuel Lema Santos:

213 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1842: 10 de Junho: Nós também estivemos lá (A. Marques Lopes / Lema Santos)5 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema

7 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1571: A Operação Larga Agora, o Tancroal / Porto Batu e as cartas náuticas do Instituto Hidrográfico (Lema Santos)

11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)

21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

(2) Cameconde traz más recordações a alguns camaradas nossos, como o João Parreira. Foi nessa região que viu morrer, a seu lado, o Fur Mil Cmd Morais, no decurso da Op Ciao, em 7 de Maio de 1965. O João Parreira, também conhecido pela sua alcunha, o Uva, já aqui descreveu a morte do Morais, através de mim, que cito o seu diário: vd. post de Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote

"8.CAPITÃO MANILHA

"(...) Já quase no final da comissão, em Cameconde, lá para o sul. No diário do furriel Uva [João S. Parreira], um deles, podia ler-se.

“6 Maio 65. Saímos às 15h00 para a operação 'Ciao'.

"Num Dakota até Cacine e depois em viaturas até Cameconde, onde já se encontrava um pelotão à nossa espera. O Capitão Varela foi connosco.

"Saímos às 19h00 em direcção ao objectivo. Segundo as informações que nos foram fornecidas, a base IN era composta por cerca de 80 homens bem armados, comandados por Pansau Na Isna, chefe militar, adjunto do João Bernardo Vieira, de etnia Papel, mais conhecido pelo 'Comandante Nino'.

"Já na madrugada do dia 7, a poucos kms do objectivo demos indicações ao pelotão para permanecer ali e esperar pelo nosso regresso, com a missão de proteger a nossa retirada ou dar-nos apoio, caso fosse necessário.

"Assim, seguimos silenciosamente até perto do acampamento, situado na mata a SW de Catunco. Apesar de termos feito uma aproximação cuidadosa, fomos detectados por uma sentinela. Tentámos assaltar o acampamento. Mas eles estavam bem preparados, reagiram ao nosso fogo e o tiroteio prolongou-se. Quando o fogo deles abrandou, entrámos por ali dentro e vimos material abandonado durante a fuga.

"8 armas, cunhetes de munições, granadas, petardos, equipamentos, minas, fardas, e muitos documentos, entre os quais um caderno que pertencia a um tal Armindo Pedro Rodrigues, com elementos importantes da Ordem de Batalha do PAIGC.

"Carregados com o nosso material e com o que tínhamos capturado, regressámos para junto do pelotão. Juntámo-lo e começamos a vê-lo em pormenor. Faltava o aparelho de pontaria de um morteiro de 88 (?), até então ainda não apreendido na Guiné!

"O Morais afiançava tê-lo visto lá. O tenente Manilha chamou o Amadu e o Morais e disse-lhes para voltarem ao acampamento. Embora estivéssemos conscientes do perigo, arriscámos, partindo do princípio que o IN se tinha retirado após as baixas sofridas. O Morais perguntou quem é que queria ir com ele e com o Amadu. Ofereci-me bem assim como o capitão Varela, o furriel Matos e mais 7 camarada, 10 no total.

"De novo no interior do acampamento a arder. Vi uma árvore gigante, com umas cavidades enormes. Espreitei para dentro de uma, o Morais para a outra, à procura de material, e o restante pessoal, por ali perto, fazia o mesmo.

Subitamente, rajadas de metralhadora e granadas de bazuca caíram-nos em cima. Uma destas rebentou entre nós. Um pequeno estilhaço partiu a coluna do Morais, que caiu sobre uma fogueira. Eu fui atingido no lado direito das costas, mas na altura nem localizei o ferimento.

"Vi o Morais a morrer quando o olhei de relance. Um vago murmúrio, depois mais nada, um ar sereno no rosto, pareceu-me." (...)