terça-feira, 7 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4649: Blogoterapia (114): A Honra da Companhia, os fantasmas de Guileje, os limites da tolerância (José Brás / António Matos)

1. Duas mensagens, recentes, que entendo dever ser publicadas na série Blogoterapia (*) onde, em vez de histórias e memórias, há sobretudo reflexões sobre nós próprios, o nosso blogue, a nossa Tabanca Grande, a nossa identidade, a nossa caserna virtual ...

[Revisão / fixação de texto / bold, a cores: LG]


(I) Do José Brás (foto, à direita):

Caro camarada Carlos Vinhal:

Vejam bem como são as coisas. O que me apetecia era cantar como Sérgio Godinho, "chegas agora, vais-te logo embora", falando sobre e para mim próprio.

E, antes de quaisquer outras considerações, falo de imediato sobre a questão que tão subitamente me tramou a felicidade de tertuliano novato e do gosto pelo convívio com gente viva, gentil, clarividente e solidária, arrastando-me para esta situação de desgosto.

Constantino... se chama o motivo (**). Não apenas Constantino... porque sei de saber experiente que de Constantinos está o mundo cheio e que, como fala do povo, "não me (nos) ofende quem quer, só ofende quem pode".

Também sei que na "escravatura" da minha cultura democrática estarei sempre condenado a ter de aceitar o seu (deles) direito a, existindo, expressar-se, mesmo sem ilusões sobre a oportunidade que tal gente (não) me daria para expressar a minha visão das coisas e do mundo, se por acaso, como já aconteceu prolongadamente, dispusessem de poder para tal.

Portanto, existem, expressam-se porque têm direito à expressão e, provavelmente, a sua existência e expressão não confirmam senão a outra canção do Sérgio, "a democracia é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros".

A minha angústia começa mesmo é quando me pergunto se terei de conviver, de habitar sob o mesmo teto (leia-se, tabanca), de chamar amigo e camarada, a um tipo com a mentalidade que exibe o senhor, discutir com ele questões que me arrepiam porque debatê-las assim é já, de alguma forma, aceitar-lhes um pó de razoabilidade nas diatribes sobre a vida de seres humanos, seus conterrâneos (e ainda que não fossem), arrebanhados contra vontade para uma empresa sobre a qual tinham mais que muitas dúvidas (sic).

Tudo em nome de uma alegada "honra da companhia", do dever de imolação no altar da Pátria, de um heroísmo velho e anacrónico face ao movimento da história e à existência dos restos do Império sonhado (com outra desculpa histórica) pelos nossos antanhos.

Para este peditório já dei.


O fascismo salazarengo ainda estrebucha por aí porque era de todo impossível que lhe tivessem desaparecido as marcas e os sinais, cinquenta anos de atraso e repressão.

Finalizando.

O tal Constantino tem todo o direito a remoer a frustração do cabo de secretaria em Guileje, lugar cómodo no momento, mas potenciador de traumas hoje, por não lhe ter proporcionado as oportunidades de heroísmos, quiçá mesmo, uma morte gloriosa na defesa do seu País e da civilização ocidental.

Nem abordo aqui a questão da Retirada, porque essa tarefa, com legitimidade, direito e sólidos argumentos a têm desempenhado João Seabra, Manuel Reis, Coutinho e Lima e outros, mas sobretudo pela essencialidade de ser ou não ser justo e correcto o acto de retirar naquelas condições, excluindo dessa forma à morte e/ou à prisão pelo PAIGC a mais de cento e cinquenta jovens portugueses sem culpas no cartório, nem verdadeira Pátria para defender ali.

Já disse e repito. Não sou alheio à admiração pelo acto de coragem e doação de tantos militares portugueses na África, mesmo daqueles (e foram muitos) com quem discordo profundamente mas a quem admiro a valentia e a convicção.

Não era, contudo, o caso, nem dos cento e cinquenta jovens de Guileje, não contando os civis que têm também de ser contados, nem o da larguíssima maioria dos que deram a vida inutilmente numa guerra de ocupante contra libertador, ainda por cima nas costas dos ventos da história.

O próprio Comandante Chefe [, Spínola,] de quem não sou admirador por aí além, mas a quem não recuso as qualidades de militar e a coragem física e psicológica, ele próprio, assumira há muito que a guerra estava perdida e que era apenas possível salvar a face do exército se os políticos estivessem ao seu nível.

E era num quadro destes e na realidade da situação que se vivia naquela altura em Guileje, que a honra da Companhia teria de ser salva com a resistência total e assumindo que isso poderia custar dezenas e dezenas de vidas jovens, provavelmente mais que as dezenas que o Constantino aceita ceifadas em Guidaje.

Em termos de opinião aceito abertamente e com amizade a camaradas que a expressam de modo diferente da minha porque pensam de modo diferente e aceitam também qualquer cotejo ou debate sério sem dispensarem o abraço solidário.

Quem lê Vindimas no Capim pode encontrar mesmo o perigoso exercício que realizo (eu e o Filipe Bento) de entender motivações e mecanismos sociais que levavam jovens à Legião Portuguesa e até à Pide, podendo, se tivessem outras oportunidades, ser gente diferente e na outra margem.

Tenho grandes dificuldades, confesso, para aceitar a expressão de desumanidades, mesmo quando brotam de uma profunda ignorância sobre as aspirações dos seres humanos em qualquer ponto do Globo, independentemente de credos políticos ou religiosos. E menos ainda quando procuram apoucar outros seres humanos que comeram do mesmo prato no calor da Guiné e tinham a responsabilidade das vidas que pais, esposas e filhos lhe haviam entregue à despedida e esperavam a devolução correndo o tempo certo.

A Tabanca Grande tem todo o direito de aceitar dentro de si ta(l)is indivíduo(s). Provavelmente nem seria correcto negar-lhe(s) entrada quando a requerem.

Caso diferente, ou pelo menos a mim me soou, é o convite gentil, com uma simpatia que me pareceu exagerada e salamalequeira(?).

Obviamente. Sei e sempre o pratiquei como dirigente sindical, que à mulher de César não basta ser séria. Tem também que o parecer, às vezes até por exagero.

O defeito é meu, está visto. E sendo meu, o defeito, algumas dúvidas se levantaram sobre a obrigação de dividir o ar caloroso da Tabanca Grande com gente assim.

Deus me perdoe. E que o Luís também.

Abraços
José Brás


(ii) Do Antóno Matos (foto, à esquerda):


Neste momento, as minhas reflexões assumem um estatuto declaradamente indefinido quer pela catadupa de postes e comentários, quer por alguma ininteligência que me coarta a hipótese de perceber, não só o teor mas, fundamentalmente, as ideias do(s) autor(es) na voragem de ataques e contra-ataques na derradeira finalidade de uns ficarem a ganhar em relação a outros ...

O insulto explícito ou mesmo soez começou a dar passos decisivos para que se institucionalize o seu uso no blog sem que se vislumbre outra coisa que não seja demonstramos que somos possuidores da verdade única e indesmentível e que será atirado para a pira justiceira quem fôr contra mim ...

Claro que não fico indiferente às manifestações de protagonismos exacerbados, não por que me melindrem, mas antes porque são ofensivos de todos aqueles que não têm capacidade para intervir;

Claro que escouceio perante primarismos políticos (melhor será dizer pseudo-políticos) dos que gritam a sua verborreia facciosa, convictos de uma autoridade que estão por demonstrar serem portadores;

Claro que não recebo lições de pretensos estrategas militares que mais se parecem com os treinadores de bancada que saem da cova do seu anonimato às 2ªs feiras, de preferência na cadeira do barbeiro ou na tasca lá do bairro para discutirem aquele pontapé para as bancadas, aquela cabeçada desajeitada, aqueloutra contratação do técnico que não percebe nada de futebol e se esquecem, tão simplesmente, que a bola ... é redonda;

Uma vez mais (isto é cíclico!) Guileje está na moda no blog. Que bom deve ser a avaliar pela literatura produzida ....

Não conheci o major Coutinho e Lima nem conheço o coronel. Estou àvontade para construir a imagem que muito bem me aprouver sobre ele e sobre quem hoje relata os mesmos acontecimentos das formas mais opostas possível.

Considero entediante voltar ao tema mas há pormenores dignos de reflexão. Da célebre retirada heróica, humana e humanitária, passa-se, num esfregar d'olhos, a uma fuga cobarde e incompetente.

Dum quartel cercado e sem qualquer hipótese de ripostar a um eminente massacre, passa-se a uma retirada ordeira, em fila indiana, as pessoas com as malas feitas, armas a tiracolo, em pleno dia (é o que mostram as fotos publicadas à exaustão) , e com aquele espectáculo digno do ilusionista Luís de Matos onde várias centenas de pessoas passam despercebidas dos sitiantes, sem que estes, sequer, pestanejassem!

E o actual coronel, de besta, passou a bestial em meia dúzia de meses aqui neste blog e há quem idolatre a temeridade do nosso inimigo e hoje o cubra de elogios para quem só faltava os condecorássemos!

Não se queiram branquear os célebres relatórios fantasmas!

Já escrevi neste blog o que se passou comigo em Augusto Barros quando, após uma flagelação que sofremos de alguma intensidade, e perante a alarvidade do comando em Bula (na tentativa de esconder a Bissau que a zona não estava limpa), foi forjado um RELIM para o COM-CHEFE onde se desautorizava a informação emanada do destacamento com a simples justificação de que tudo não passou duma confusão do pessoal uma vez que comemoravam na altura, o aniversário dum furriel !!!

Querem um relato cronológico ? Lá vai:

1º - Em 05/11/1971, às 22 horas, flagelação ao destacamento ;

2º - Segue RELIM para Bula ;

3º - O comando em Bula decide que "aquilo" não foi uma flagelação e pára o RELIM ;

4º - Na troca de operador de transmissões na madrugada, o soldado que entra de serviço, desconhecendo a "moscambilha" e vendo um RELIM, de imediato o mandou para Bissau;

5º - De manhã, o comandante, sabedor da gafe, emite outro RELIM a desdizer o inicial;

6º - Entretanto o general Spínola, conhecedor do 1º RELIM, fez o habitual - voou para Augusto Barros;

7º - Cumpridas as formalidades, o general regressou aos seus aposentos;

8º - Uma vez em Bissau, apercebe-se do 2º RELIM e diz : "estão a gozar comigo" ?

9º - Querem saber o resto da história ?

10º - A 16 de Novembro fomos mandados para a sede do batalhão para a construção da estrada Bula-Binar;

11º - E depois desmontar as 16.000 minas !!!

E com todas estas "habilidades" ainda há quem se faça de entendido e tome os outros por parvos ...

Por respeito aos que morreram em Guileje ou em Bula ou em qualquer outro pedaço de terra daquele território, sejamos comedidos nas apreciações pessoais à realidade daqueles tempos e tenhamos a honestidade intelectual de perceber que cada um viveu os acontecimentos sob um determinado ponto de vista diferente do do camarada que estava ao seu lado, com motivações igualmente diferentes e nem por isso menos verdadeiras.

Deixemos a retórica para os livros e resguardemos o blog, então, para as nossas estórias.

António Matos

(iii) Comentário de L.G.:

Não me fica bem comentar os comentários... Mas, de vez em quando, temos que olhar para o nosso umbigo, contra-parafraseando o nosso Alberto Branquinho... Devo dizer que não sei para que serve, o umbigo. Mas a natureza, se o lá pôs, é por que algum préstimo tem (ou já teve)...

E aqui devo começar por dizer que o mais importante do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, não é o Luís Graça, mas sim os camaradas da Guiné... Nem sequer gostaria de ser o primus inter pares, o primeiro entre iguais... Se o sou, é por razões históricas, circunstanciais... Além disso, o primeiro poste é dirigido ao Carlos Vinhal, que é o editor de serviço. Se sou interpelado, é por causa da minha ambição (quiçá excessiva e utópica) de tentar criar e alimentar,desde Abrild e 2005, um blogue inclusivo (onde caiba tudo ou quase tudo, ou melhor, todos ou quase todos...).

Concordo com o António de Matos: o nosso blogue é um blogue de histórias/estórias, de actores, não de espectadores (muito menos de treinadores de bancada ou comentadores desportivos...). Acontece é que crescemos, talvez demasiado... E com 350 moranças e mais de 4600 postes, às vezes há crise de matéria-prima, e começam a falhar as histórias e as memórias.... (Esgota-se o poço, como diz o Miguel Pessoa)...

Mesmo numa caserna virtual como é a nossa Tabanca Grande, onde teoricamente o espaço é expansivel, há problemas de tolerância, de convivialidade, de identidade, de interacção, de comnunicação... O José Brás vem publicamente, e com a frontalidade que é timbre da sua maneira de ser e de estar, pôr a questão (delicada) do desconforto que é de ter de tratar por tu (e chamar camarada a) certos camaradas...

Mas esta é a regra de ouro do nosso blogue: camarada não implica mais nenhuma afinidade do que a de se ter estado na guerra da Guiné (do ultramar ou colonial, como se queira) e de ter dormido, fisica ou simbolicamente, na mesma cama (camerata, em latim), no mesmo abrigo, no mesmo Bu...rako. Camarada não tem mais nenhum outro significado ou conotação.... (Claro que tem, inevitavelmente: vestíamos a mesma farda, usávamos a mesma G3, tínhamos a mesma bandeira, falávamos a mesma língua, pisávamos as mesmas minas, éramos alvejados, mortos ou feridos pelas mesmas balas, etc.).

Agora o que nós tentamos, aqui, todos os dias, é fazer deste blogue um lugar de tolerância, de respeito mútuo, de partilha de valores essenciais como os da liberdade, da verdade e da equidade, etc.

O nosso maior denonimador comum é a guerra da Guiné, nem sequer é a Guiné ou Portugal, muito menos uma certa ideia para a Guiné ou para Portugal... Não somos um blogue ideológico, escrevemos hstórias, partilhamos afectos...

Claro que a partilha de memórias e de afectos também impõe limites à nossa liberdade de expressão... Daí as dez regras de ouro, que criámos, e que são os marcos que balizam o nosso caminho ou melhor o nosso convívio (hoje, não o do passado). Como andam esquecidas, vou aqui relembrá-las (no fim, em anexo).

Dito isto, e pegando ainda nas palavras do José Brás, eu só queria acabar citando uma frase que, permitam-me a vaidade (cá está o umbigo!), é imputada ao célebre Camilo Castelo Branco e a um tal Luís Graça: Questões de honra (e, por extensão, de propriedade e de razão) acabam ao tiro em Trás-os Montes, à chapada ou à paulada no Minho e no Douro Litoral e... em gestos obscenos e demissão de ministros, em Lisboa.

Um Oscar Bravo pelos vossos comentários. Um Alfa Bravo, do camarada Luís Graça.


PS 1 - É importantíssimo que o blogue tenha semppre pessoas críticas, como vocês, ou o meu amigo Vitor Junqueira, tertuliano das primeiras horas, cujo saudosismo saudável e desalinhamento bloguístico, eu aprecio e partilho, em parte: "Ah, quantas saudades do Blog dos primeiros tempos! Tudo se contava na primeira pessoa. Era tão simples, directo e autêntico" (*)...

Os críticos, os pertencentes tanto a grupos estratégicos como grupos conservadores (incluindo os velhos do Restelo, os reaccionários e os resistentes à mudança pela mudança...), são importantes, nos grupos, para se prevenir efeitos preversos com o autismo social, a formatação do pensamento de grupo, o desvio de objectivos, a confusão do desejo com a realidade ou a tragédia da liderança do cego que leva outros cegos para o abismo... (Veja-se o que aconteceu com a élite político-militar do Estado Novo a quem coube, historicamente, fazer a liquidação do Império Colonial).

PS 2 - "Quer é calma" era o nome de um barco de pesca que encontrei, há tempos, em São Jacinto, na Ria de Aveiro, a apodrecer... É também uma expressão típica do meu velhote, que vai fazer 89 anos em 19 de Agosto de 2009, se lá chegar... Usava a expressão, quando as vozes se alteravam no seio da família... A expressão, às vezes, irritava-me... Comecei mais tarde a perceber a sua filosofia de fundo, não como a maneira típica de gerir conflitos entre nós, portugueses, evitando-os ou atenuando as diferenças (de valores, de percepção, de recursos...) entre os protagonistas, mas como condição prévia para se construir consensos (uma arte difícil, que exige tempo, sabedoria, paciência, capacidade de negociação, etc., já que consenso não é unanimidade ou unanimismo nem muito menos paz podre)...

Com muito ruído, histeria, excessos de linguagem, insultos, fulanização, tiros para o ar, cheiro a pólvora e a sangue, emoções à flor da pele, etc., não há condições para se resolver, de maneira positiva e construtiva, os conflitos que nos dividem (e que nos podem destruir, ou pelo menos dar cabo das melhores ideias, intenções e projectos de que o inferno, aliás, está cheio)...

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As nossas regras de convívio da nossa Tabanca Grande:


Neste espaço, de informação e de conhecimento, mas também de partilha e de convívio, decidimos pautar o nosso comportamento (bloguístico) de acordo com algumas regras ou valores, sobretudo de natureza ética:

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a violência verbal);

(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra colonial, luta de libertação ou guerra do Ultramar (como cada um preferir);

(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);

(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;

(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;

(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;

(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus);

(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.

Luís Graça & Camaradas da Guiné


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Notas de L.G.:

(*) 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4643: Blogoterapia (113): Saudades do blogue dos primeiros tempos, em que tudo se contava na primeira pessoa (Vítor Junqueira)

(**) 3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4634: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (13): A desonra da CCAV 8350 ou o direito a contar a minha versão... (Constantino Costa)

Guiné 63/74 - P4648: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (19): Os nossos escritores (Luís Graça)

Capa do livro do nosso camarada Abel de Jesus Carneiro Rei, Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68. "Esta é a história que escrevi, não a que gostava de ter escrito", declarou o autor na apresentação do seu livro em 2003. " O livro retrata uma fase da minha vida e pretende de uma forma modesta contribuir para a memória dos que fizeram a minha geração", declarou Abel Rei, emocionado.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O Abel Rei e a esposa, Maria Elisete, residentes no concelho da Marinha Grande... O Abel é um dos nossos últimos piras, enquanto membro da Tabanca Grande; é autor do livro Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné (cuja capa se reproduz em cima)....

O livro pode ser encomendado directamente ao Abel Rei, que mora no Beco da R. dos Poços, 1, Lameira da Embra, 2430-126 Marinha Grande / Telem 938 195 700/ Email: abel_rei@hotmail.com / Skype: abel.rei1.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O Abel Rei e a esposa, Maria Elisete, residentes no concelho da Marinha Grande... O Abel e a esposa: segundo as estimativas da concorrência, terá conseguido vender, no nosso convívio, mais de três dezenas do seu livro (preço: 10 balas, menos de 100 pp.).

O Abel pertenceu, no ano de 2007, à Direcção do Núcleo da Marinha Grande da Liga dos Combatentes (telefone: 244 551 140), exercendo o cargo de Tesoureiro, que teve de abandonar por motivos de saúde.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Manuel Traquina, "ribatejano, escritor e fadista"... Ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, é também o autor de Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O centro, o Manuel Traquina, e de pé, o António Fernando R. Marques (Cascais)...(O António, ex-Fur Mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71, voou comigo numa GMC, no dia 13 de Janeiro de 1971, ao fim de vinte meses de comissão, e teve direito a mais dois anos de comissão militar... no Hospital Militar Principal... Está convidado, de há muito, para fazer parte da nossa Tabanca Grande, o que irá em breve acontecer)...

À direita, António J. Pereira da Costa que veio acompanhado da sua ex, Isabel (também esteve na Guiné, em Mansoa, e já a desafiei a escrever sobre esse tempo; também não é caso único, há mais casais separados ou divorciados, que se juntam em ocasiões como esta... Quem disse que a Guiné não é talismã, uma palavra mágica ?).

O Pereira da Costa é coronel de Artilharia, na reserva, na efectividadeviço... Trocado por miúdos, isto quer dizer o seguinte: "Atingi a idade de reserva, por estatuto (57 anos). Fiz um requerimento aos meus bem-amados chefes, a pedir para continuar ao serviço (na efectividade). Enquanto eu e eles quizermos ficarei na direcção da Biblioteca do Exército. Quer se dizer: estou na reserva, mas todos os dias tenho de ir assentar tijolo e meter telha"...

Na foto, o Pereira da Costa (amigo de infància do meu amigo Tony Levezinho) segura o livro do Abel Rei...

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O João Lourenço (Figueira da Foz) e o Fernando Franco (Amadora), dois homens do PINT (Pelotão de Intendência) 9288, Bissau e Cufar, 1973/74 ... De pé, o António Santos (Loures), homem das transmissões, que andou pelo Gabu... Em cima da mesa, o livro do António Graça de Abreu (que foi Alf Mil, no CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74): Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra e Paz, 2007.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O António Dâmaso era, se não me engano, o único ex-pára-quedista, presente no nosso convívio... Alentejano de Odemira, pertenceu ao BCP 12.. Está formalmente convidado a aderir ao nosso blogue, para o que basta proceder ao envio de uma foto do antigamente na guerra e contar uma história... Vi-o entretido a folhear um livro, profusamente ilustrado... Imagino que seja sobre os páras, mas desconheço o título e o autor... Será que alguém tomou nota ?

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Um novel escritor, o Coutinho e Lima (embora com 3 comissões de Guiné) autografando o seu livro A Retirada de Guileje, com dedicatória a um outro escritor, Alberto Branquinho, autor de Cambança: Guiné, morte e vida em maré baixa (Lisboa: SeteCaminhos, 2005; 2ª ed, 2009). Em termos militares, o Alberto é contudo um periquito, comparado com o nosso Cor Art Ref, que desta vez não trouxe a sua simpatiquíssima esposa, Isabel.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > A Retirada de Guileje, 22 de Maio de 1973: a verdade dos factos, vai já em 2º edição. O autor é o membro da nossa Tabanca Grande Alexandre Coutinho e Lima. O livro, editado em 2008, pela DG, Linda-A-Velha, não está disponíveil nas livrarias. Contactos do autor: Rua Tomás Figueiredo, n.º 2 – 2.º Esq.1500-599 Lisboa / Telefone: 217 608 243 / Telemóvel: 917 931 226 / Email: icoutinholima@gmail.com


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Um dos próximos livros, de temática memorialística, a saír, no mercado livreiro, será o do n0sso querido amigo Amadu Bailo Djaló, ex-Alf Comando Graduado, do Batalhão de Comandos Africanos... Não sei se ainda este ano, de qualquer modo contando com a preciosa e decisiva ajuda do Virgínio Briote, há meses emprestado pelo nosso blogue ao Amadu Djaló e à Associação de Comandos, que apoia ou patrociona a edição das memórias do Djaló... (Os dois aqui na foto, em atitude introspectiva). Fiquei, entretanto, a saber que o nosso Amadu, membro da nossa Tabanca Grande, também faz parte da Direcção Nacional da Associação de Comandos, embora com o estatuto de vogal suplente. É, além disso, o sócio nº 3110.

O Amadu Djaló e o Virgínio Briote concederam-me a honra de ler o manuscrito, em primeira mão (ou melhor, de submeter, à minha apreciação e revisão, o manuscrito). O livro ainda não tem título definitivo. Mas sabe-se que o 1º volume abarcará um período da história da Guiné-Bissau, relevante para os guineenses e para nós (1958-1974).

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O Rui Ferreira, ao ao centro, entre o Carlos Vinhal e a Dina... O autor de Rumo a Fulacunda (2ª edição, Viseu, Palimage, 2003) tem em preparação um segundo livro que se chamará Geba, se bem percebi...

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O Joaquim Mexia Alves em agradável conversa com o José Brás... Este último foi Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68... É autor de um premiado romance, de 1986, Vindimas no Capim (Lisboa, Europa-América). Pertenceu aos quadros da TAP. Mora em Montemor-O-Novo.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Na primeira fila, o Abel Rei; na segunda fila, de pé, da esquerda para a direita, o Rui Ferreira, o António Graça de Abreu e o Fernando Oliveira... O António teve a genteliza de me oferecer o seu último livro: Poemas de Hans Shan, tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu. Edição bilingue. Macau, China: COD, 2009.

Dedicatória: "Ao Luís Graça, homem das coisas da Guiné, companheiro e camarada no interiorizar e fluir pelos atalhos da vida, a admiração, a amizade do António Graça de Abreu. Leiria, Junho de 2009".

Haveremos de falar, noutra ocasião, deste extraordinário poeta clássico, chinês, que terá vivido no Séc. VIII, Han Shan [Montanha Fria] e do laborioso, paciente e digno trabalho de tradução do nosso querido António, que é já hoje uma referência em matéria de tradução poética chinês-português... Deixem-me apenas reproduzir aqui um dos 156 poemas do livro (p. 53):

7. Uma vez, homem dos livros e espadas,
dias vezes com protectores e amigos.
Fui letrado a leste,não obtive mercês,
fui soldado a oeste, ninguém reconheceu meu valor.
Estudei as letras,a arte da guerra,
sim, as coisas da guerra, as coisas das letras.
Envelheci, hoje sou um velho,
para quê falar do resto dos meus dias!...



Fotos (e legendas): © Luís Graça (2009). Direitos reservados

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Nota de L.G.:

Vd. último poste da série > 5 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4647: Estórias avulsas (41): Fotos de Gandembel e Ponte Balana (Manuel Oliveira)





1. Mais um Camarada-de-armas se aprasenta à nossa Tertúlia Bloguista, passando a integrar a Grande Tabanca. O nosso Camarada Manuel Fernando Tavares de Oliveira (*), que foi 1º Cabo, do 1º Pelotão da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, em Gandembel e Ponte Balana (1968/69), enviou-nos uma curta mensagem acompanhada de 8 excelentes fotos de Gandembel:




Camaradas,

Eu sou um dos sobreviventes do pomposo bura… ko de Gandembel, onde fui 1º Cabo, do 1º Pelotão da CCAÇ 2317, e vivo actualmente em Matosinhos - Leça do Balio.

Vista do lado exterior do quartel de Gandembel

Já reparei que um dos Tertulianos é o Alferes Idálio Reis, também da CCAÇ 2317, a quem aproveito esta oportunidade para enviar aquele abraço, cujo efeito sentimental só o pessoal que esteve na Guiné conhece.

Outro aspecto exterior do quartel de Gandembel

Envio-vos oito das minhas fotos que têm muito significado estimativo e nostálgico, pelo menos para mim, esperando que os Camaradas gandambelistas que as vejam, ainda se lembrem de tudo quanto se passou naquele quartel.

À esquerda o Fur Mil Goulart e o autor do poste

Numa delas estou acompanhado pelo Fur Mil Goulart, no local em que sofremos o 1º ataque do inimigo, que ocorreu durante a noite, tendo o IN encostado os canhões à rede e… foi sempre a disparar.

O morteiro 81 mm - O soldado Sena (à esquerda) e o Manuel Oliveira

Não tivemos qualquer hipótese de responder ao fogo do IN.

Esta foto é de Ponte Balana (À esquerda está o falecido Moreira - municiador do Manuel Oliveira - que está à direita)

Nesse dia ficou ferido o Furriel Ferreira de Nelas, nas pernas, ainda por cima atingido por um dos nossos básicos, que era de Vila Pouca de Aguiar (cujo nome não me recordo já).

A nosssa bem arejada Cozinha

Caso alguém me queira contactar, pode fazê-lo para:
maneltoliveira@hotmail.com
ou, Ubr. Ortigosa Bloco 10 - R/C Esq.
5100 - 183 LAMEGO,
Telefone 254614325 - Telemóvel 966 174 331
Aspecto da Messe de Oficiais e Sargentos - O Manuel Oliveira é o primeiro à esquerda

Resta-me enviar um forte abraço para todos vós e, em especial, para todos os Camaradas resistentes de Gandembel.

Recolha de água para reabastecimento do aquartelamento

Fotos: © Manuel Oliveira (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
Manuel oliveira
____________
Notas de M.R.:

(*) Foi com redobrada satisfação que eu, pessoalmente, recebi notícias do Manuel Oliveira, pois este nosso Camarada tem ainda em comum, comigo, ser meu colega de trabalho na EDP, tendo-lhe eu já lançado um desafio para ele nos contar as histórias, que como é óbvio se lembrar, de Gandembel e Ponte Balana.

O Manuel Oliveira também me enviou algumas fotos das nossas grandes barragens (só no Rio Douro - sem contar com os afluentes -, temos: Miranda - foto acima -, Picote, Bemposta, Pocinho, Valeira, Régua, Carrapatelo e Crestuma)

(**) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4646: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (5): A família extensa, reunida em Fajonquito, em 1968

1. Quinta e última parte das memórias de infância do nosso amigo Cherno Baldé (aqui, na foto, à esquerda, o Engº Cherno Baldé, no seu gabinete de trabalho, no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações onde exerce as funções de director do gabinete de estudos e planeamento; em Cambajú e Fajonquito, era simplesmente o Chico, menino e moço, nado e criado no meio das tropas portuguesas) (*).

As crónicas do Cherno têm tido, entre os leitores do nosso blogue, um grande sucesso, pelço seu cunho espontâneo e autêntico, bem como pela qualidade da sua escrita. Fazemos votos para que ele dê continuidade a esta série, nomeadamente com as memórias do tempo que passou em Fajonquito (de 1968 até ao final da guerra e primeiros meses da independência) (LG)


FAJONQUITO: Terra da minha adolescência
por Cherno Baldé


Em 1968, [ e não 1958, como por lapso escreve o autor ], o meu pai foi transferido para Fajonquito e com ele toda a nossa família. Todavia, o meu pai não estava satisfeito com a transferência porque ela tinha provocado a separação com o seu irmão Dembaro, cuja família não podia sair de lá naquela época de rigoroso controlo do movimento de pessoas, por parte das autoridades tradicionais fortemente empenhadas na guerra, sem um pretexto muito forte.

A nossa família, sobretudo, era muito suspeita após a fuga espectacular de Sambagaia, com quem [as autoridades tradicionais] tinham contas a ajustar. Durante mais de um ano, o meu pai esteve à procura de uma maneira de tirar de Cambajú o seu irmão mais velho ao qual tinha jurado fidelidade e assistência.

Finalmente, um ano após a nossa vinda chegou a outra metade da família com Dembaro à testa, para alívio e alegria do meu pai. Este me contaria, mais tarde, que tinha conseguido [isso], graças à ajuda e cumplicidade do Capitão da Companhia que estava colocado em Fajonquito (Cap Carvalho?) e que enviava regularmente um destacamento de 20 dos seus homens para Cambajú. Através de amigos, conseguiu falar com o capitão, explicando-lhe todo o melindre da situação. Este não deu muita importância ao caso e esperou até a altura de proceder à troca de destacamentos e disse ao meu pai para transmitir ao irmão de que devia estar preparado a qualquer momento para embarcar na coluna que traria de volta o destacamento que se encontrava em Cambajú. (**)

E foi assim que, de forma rápida e inesperada, o Dembaro e a família viajaram num camião GMC militar para Fajonquito, colocando tudo e todos perante o facto consumado e granjeando ainda o respeito devido aos amigos do Capitão da Companhia que detinha um poder enorme nas redondezas e, aparentemente, suplantava mesmo as autoridades civis.

Fajonquito, naquela altura, era enorme, devido à concentração das famílias que aqui encontraram refúgio depois dos ataques às suas aldeias ou por imposição das autoridades locais.

Em Fajonquito nasceram os meus irmãos mais novos: Barbosa, Aissatú e Cántaba; e, mais tarde, os filhos da segunda mulher do meu pai, Assiatu Embalo: Umo, Rosa, Mariama e Mamadu-Bobo.


Cherno Abdulai Baldé, Chico
Natural de Fajonquito,
Sector de Contuboel,
Região de Bafatá.

____________________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes anteriores:

18 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje engenheiro em Bissau...

(...) Chamo-me Cherno Abdulai Baldé, nasci por volta de 1959/60. No quartel de Fajonquito chamavam-me Chico (de Francisco) e tinha amigos soldados que, na sua maioria, eram condutores ou mecânicos-auto. Tive as minhas primeiras aulas com oficiais Portugueses, em Cambajú e Fajonquito. (...)

19 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4553: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (1): A primeira visão, aterradora, de um helicanhão

(...) Foi naquela época que, na idade de 4 ou 5 anos, aconteceu a minha primeira visão de uma máquina voadora, que terá sido, provavelmente em meados de 1964, precisamente na altura em que estávamos em Samagaia, pouco tempo antes do ataque à zona que nos obrigaria a deixar a aldeia para nos refugiarmos em Cambajú, onde o meu pai já se encontrava a trabalhar alguns anos antes. (...)

24 de Junho de 2009 > Guine 63/74 - P4567: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (2): Cambajú, uma janela para o mundo

(...) Em Cambajú, pequeno centro comercial, começou o despertar da minha infância, altura em que, saído da pequeníssima aldeia de Sintchã Samagaya, fundada por meus pais, aterrei-me numa aldeia de muito maior concentração de moranças e de gente. Cambaju estava situada mesmo na linha da fronteira com o Senegal, o que lhe emprestava um certo ar cosmopolita onde se cruzavam pessoas de várias origens e destinos e um certo movimento de vaivém de pessoas e mercadorias com as suas três ou quatro casas comerciais, algumas pequenas boutiques e o contrabando pra cá e pra lá das duas fronteiras. (...)

25 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4580: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (3): A chegada dos primeiros homens brancos a Cambajú em 1965: terror e fascínio

(...) No ano de 1965, altura em que a guerra para a independência se alastrava rapidamente e aterroriza as aldeias daquela área e obrigava a uma concentração maior da população em certos locais com algumas garantias de defesa e protecção militar, Contuboel, Saré-Bacar, Cambajú e Fajonquito constituíam as praças-fortes da área. Em Cambajú foi estacionado um destacamento de milícias que assegurava a defesa da localidade e que mais tarde foi reforçado com um destacamento de tropas portuguesas. Pela primeira vez na minha vida ainda jovem, via pessoas de uma raça diferente. Foi um choque tremendo. (...)

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4611: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (4): O ataque dos meus primos a Cambajú e o meu pai que foi um herói

(...) Ainda hoje, a nossa mãe está convencida que este ataque foi obra dos primos do meu pai que viviam do outro lado da fronteira, não muito longe de Cambajú. Aconteceu que, no dia anterior ao ataque, o meu pai tinha recebido uma grande quantidade de mercadorias e, por coincidência, no mesmo dia tinha-se despedido uma pessoa que estava hospedada em casa para tratamento e que voltara junto dos tais primos da outra banda. Assim, nesse dia do ano de 1966, na calada da noite, pouco depois das quatro horas de madrugada, ouvimos tiros. Primeiro os disparos se fizeram ouvir a oeste para os lados do quartel, fazendo pensar que o objectivo era militar, depois se espalharam rapidamente contornando a aldeia. (...)


(**) Pode tratar-se da CCAÇ 2435, comandada pelo Cap Inf José António Rodrigues de Carvalho e, posteriormente, pelo Cap Inf Raul Afonso Reis, unidade orgânica do BCaç 2856, mobilizada em Abrantes no Regimento de Infantaria n.º 2, que assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, rendendo a CCaç 1685, em 7 de Dezembro de 1968, e vindo a ser substituída pela CCaç 2436, em 20 de Abril de 1970.

Ou então, mais provavelmente, trata-se da CCaç 1685, comandada pelo Cap Inf Alcino de Jesus Raiano, unidade orgânica do BCaç 1912, e mobilizada em Évora no RI 16: assumiu a responsabilidade do subsector de Fajonquito, rendendo a CCaç 1501, em 19 de Setembro de 1967, e vindo a ser substituída pela CCaç 2435 em 14 de Dezembro de 1968.

No entanto, o Chico diz-nos que "quando a minha familia se transferiu para Fajonquito, a companhia 1501 já estava no fim ou já tinha terminado a sua comissão mas, na memória de todos, em Fajonquito, tinham ficado gravadas estas insígnias em forma de números que perduraram no tempo. No meu caso, não sei explicar as razões, ainda era muito pequeno, mas a insígnia ficou para sempre"...

Recorde-se que CCAÇ 1501, comandada pelo Cap Inf Rui Antunes Tomaz, era uma unidade orgânica do BCAÇ 1877, mobilizada em Tomar no RI 15, tendo assumido a responsabilidade do subsector de Fajonquito e rendido a CCaç 1497, em 26 de Janeiro de 1967. Veio a ser substituída pela CCaç 1685, em 19 de Setembro de 1967.

Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

1. Falei ao fim da manhã com o nosso camarada Mário Beja Santos. Tivemos uma longa conversa que nos fez bem, aos dois, e onde falámos longamente da Locas (última, foto à esquerda), que morreu durante o sono de embolia pulmonar, no passado dia 2 (*).

Perante o irreparável, perante a dor devastadora que nos causa a morte de um(a) filho(a), aos amigos pede-lhes apenas que saibam ouvir, escutar, entender, ter compaixão, e ajudar o(s) outro(s) a começar a fazer o luto... Fui encontrar o Mário agarrado ao trabalho. Obstinado como um poilão secular do Cuor... É dele a mensagem que agora publico:

É para vos informar que a missa do 7º dia da minha Adorada Locas será celebrada na Igreja do Campo Grande, [Lisboa,] dia, 8, pelas 19:15 horas. Escuso de vos dizer como nos comoverá a vossa presença.

Recebemos, a minha família e eu, provas de um enorme carinho de todos aqueles que amavam a Locas e nutrem por nós estima intensa, consolaram-nos muito, mitigaram o nosso indescritível sofrimento.

A Locas adorava Sintra, será ali que depositaremos as suas cinzas. Depois, dou-vos notícias dessa romagem.

Como no poema de Manuel Bandeira, a Locas nem precisou de pedir licença para entrar no Céu (**).

Mário


2. Comentário de L.G.:

Lá estaremos, Mário, Cristina e Joana, no dia 8, 4ª feira, às 19h, na Igreja do Campo Grande...

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Alln Revez Beja dos Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

(**) Irene no céu, de Manuel Bandeira (Recife, 1886 - Rio de Janeiro, 1968)

IRENE NO CÉU

Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão [bonacheirão]:
- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


In Libertinagem (1930)

Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)

A encantadora Maria da Glória Revez Allen Beja Santos despediu-se desta vida, na passada 4ª feira, 2 de Julho de 2009. Deixa a todos, os seus pais, mana, familiares e amigos, uma imensa saudade. Foto gentilmente cedida por Vasco da Gama e editada por nós. Foi a enterrar no sábado, dia 5. Tinha 32 anos (LG).


1. Estive fora de Lisboa, desde 6ª feira. Sem internet. Domingo à noite, abri a minha caixa de correio profissional, e dou de caras com a brutal notícia da morte da Glória, dada em primeira mão pelo seu pai, o nosso camarada Mário Beja Santos.

É um extraordinário texto o que ele mandou, só para algum amigos, incluindo a minha pessoa, e que eu tenho o dever de partilhar, publicamente, com os seus/nossos camaradas da Guiné, que se reconhecem neste blogue, e que são seus amigos, uns, ou simples leitores, outros. É uma verdadeira oração fúnebre, um extraordinário documento humano e sobretudo um grande acto de amor paternal e uma belíssima homenagem póstuma à sua adorada Locas...

A Maria da Glória Revez Allen Beja Santos era a filha mais nova do Mário Beja Santos e da Cristina Revez Allen. Nascera em 1976, trinta anos e dois... A outra filha do casal é a Joana. A família, e sobretudo o Mário, nunca escondeu o problema de saúde que infernalizava a vida da Maria da Glória. Estiveram os quatro inclusive, num programa de televisão, da SIC, em Março passado - se não me engano - a falar da doença bipolar e a dar o seu testemunho, enquanto família. Por tudo isso, e pela sua enorme coragem e fé, o Mário é credor da nossa admiração, extensiva naturalmente à Cristina e à Joana (LG).


Ontem de manhã [, 2 de Julho de 2009], a minha Adorada Glória morreu. O que sempre pedi a Deus que não acontecesse (perder uma filha), aconteceu. A Glória sofria muito com a sua perturbação bipolar, diagnosticada em 2003 (seguramente com manifestações há muito mais tempo, que nós sabíamos interpretar), tomava medicamentos potentes, por vezes misturava-os com álcool, outras vezes abandonava a medicação, com consequências lamentáveis.

Voltara aos estudos, encontrara um namorado com quem estava feliz, estava com projectos (ia agora frequentar um curso livre na Universidade Nova). Quando estava estabilizada, enchia a nossa vida com alegria, manifestava orgulho nos pais e irmã, vivia intensamente a pensar no futuro, com pensamentos construtivos. Maravilhava-se com as coisas mais simples, íamos hoje ao teatro, domingo à ópera.

Num dos últimos telefonemas prometeu não se exceder no uso dos medicamentos nem misturar a medicação obrigatória com substâncias adversas. Foi uma criança dócil, meiga, discreta. Tornou-se uma mulher bela, qualquer roupa realçava a sua beleza.

A doença mudou alguns aspectos da sua personalidade, mas a nossa Locas impunha-se no nosso coração, vivíamos sempre preocupados com a sua autonomia possível e o seu bem-estar, quando nós, os pais, partíssemos deste mundo.

Passei os últimos anos à espera de um milagre, só pedia a Deus que lhe desse a possibilidade de viver aquela vida com permanente alegria, sem delírios, acompanhada de gente que estimasse as suas admiráveis qualidades.

"Morte, onde está a tua vitória?»

Agradeço as vossas orações, o amor e a ternura que por ela nutriram. A Locas irá esta tarde para a Igreja do Campo Grande.

Mário


2. Comentário de L.G.:

Já telefonei, em vão, à Cristina. Deixei-lhe, no atendedor automático, uma mensagem de solidariedade na dor e no luto. Ao Mário, vou arranjar corajem para lhe escrever, publicamente, estas palavras.

É devastador para qualquer mãe e qualquer pai a morte de um filho ou filha. É um dos acontecimentos de vida, mais brutais, que nos podem destroçar pura e simplesmemnte, ou deixar um rasto de amargura até ao fim dos nossos dias. Nada será como dantes, depois da perda de um filho ou filha... A lei natural da vida é que sejam eles, os nossos filhos, a enterrar-nos. Não o contrário.

A Glória não teve tempo de viver em pleno a vida a que tinha direito e que ela tanto amava, apesar do sofrimento, por vezes atroz, que a doença lhe causava. Há pouco mais de três meses tive o privilégio de a conhecer pessoalmente. Era uma mulher deslumbrante, que se fazia notar pela vivavidade do seu olhar, pela sua inteligência e pela beleza do seu porte.

Tinha já tido conhecimento da sua doença, através do Mário, que me falou dela, com a natural preocupação e solicitude de um bom pai. Ainda tive o privilégio de a conhecer numa das suas fases solares. Era também alvo de especial atenção e compaixão da sua mãe, Cristina, que tinha muito orgulho nela. Em conversa ao telefone, sugeriu-me inclusive que a convidasse para um próximo encontro do nosso blogue, para podermos ter a felicidade de ouvir a sua voz, excepcionalmente dotada para cantar o fado.

Há três ou quatro meses atrás, a Glória veio entrevistar-me sobre a história do nosso blogue, a sua génese e o seu desenvolvimento. Essa entrevista foi gravada. Esforcei-me por responder, detalha e demoradamente, às suas interessantes questões, que constavam de um guião de entrevista que ela seguiu com grande competência e segurança...

Essa entrevista serviu de base a um trabalho escolar, “A Guerra da Guiné vista pelos Ex-Combatentes Portugueses”, que eu prometi, ao pai, publicar no nosso blogue, desde que não houvesse qualquer inconveniente, tanto por parte da autora como da instituição, a Universidade Católica.

Achei a Glória feliz e em boa forma. Vinha acompanhada de um amigo. Em Maio o Mário deu-me feedback, que o trabalho tinha merecido uma boa nota (16 valores). Mandou-me inclusive uma cópia do original (**). Mais recentemente, talvez em princípios de Junho, encontrei o Mário, no Chiado, mais a sua Joana, que é psicóloga numa instituição militar, e que estava acompanhada do seu marido. Tinham acabado de casar, há pouco tempo. O Mário, embora cansado e sempre sobrecarregado de trabalho, era um pai feliz. Nada parecia prever esta tragédia de início de verão (***).

Para o nosso camarada Mário Beja Santos e para a nossa amiga Cristina Revez Allen, ambos membros da nossa Tabanca Grande, aqui vão os nossos sentimentos mais profundos de solidariedade na dor e no luto. Mário e Cristina, a morte só nos ganha se não formos capazes de honrar a memória dos entes queridos que ela, precoce e traiçoeiramente, nos leva.

Mário, a ti que te conheço um pouco melhor, que estivemos juntos nalgumas batalhas da guerra da Guiné, e que és um homem crente, a tua fé, hoje como ontem, vai dar-te um ajuda, vai dar-te mais força para conseguires lidar com esta situação-limite. Nenhum de nós está à partida preparado para a morte que irrompe, assim, tão brutal, sem pré-aviso, no nosso círculo íntimo, na nossa família... É uma perda irreparável, mas talvez a Glória quisesse também dizer-nos, muito simplesmente, que há limites, humanos, para o sofrimento, que às vezes na terra há muito mais inferno do que céu...

Vejo, em todo o caso, na célebre interpelação do Apóstolo São Paulo, no discurso aos Coríntios, que tu citas ("Oh, morte!, onde está a tua vitória" ?), a reafirmação e a assumpção da tua firmeza de carácter, e da coragem (física e moral) de que sempre deste provas, na paz e na guerra, a par da tua fé inabalável que sempre deste público testemunho, aqui e noutros lugares.

Não tendo ido ao funeral da tua/nossa querida Locas, gostaria, ao menos, de ir à sua missa do sétimo dia, eu e a Alice, e levar-te pessoalmente, a ti, à Cristina e à Joana, as manifestaçõs do nosso apreço, carinho, amizade e camaradagem, em meu nome, em nome da minha famíla, em nome dos teus antigos camaradas de Bambadinca (1968/70), em nome de toda a nossa Tabanca Grande, em nome dos leitores e admiradores que tens no nosso blogue. Luís Graça

___________

Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série: 1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4449: In Memoriam (23): Luís Cabral ou o respeito por um homem que lutou por um ideal (Virgínio Briote)

(**) A Glória era aluna da Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Ciências Humanas, Curso de Comunicação Social e Cultural, 3º Ano, Turma 2. Fez um trabalho para a disciplina de História Contemporânea, intitulado “A Guerra da Guiné vista pelos Ex-Combatentes Portugueses”, e que irá ser oportunamente publicado no nosso blogue.

(***) Reprodução do meu mail, de 1 de Maio de 2009:

Mário: Recebi o trabalho da tua filha, que apreciei e vou publicar, se não houver 'conflito' com a Católica... (Não sei se já foi entregue, discutido, avaliado)... Dá-lhe os parabéns (e ao pai que lhe deu umas dicas, de resto fazemos tudo pelos nossos filhos...). Em relação à transcrição da entrevista, reconheço que não é fácil, há pequenas correcções a fazer. Não a queres trazer ao nosso encontro de 20 de Junho ? A mãe disse-me que ela tem uma excelente voz para o fado (...)... Do Porto com um abraço. Luís

Mail do Mário, de 16 de Maio de 2009:

Luís, Acabo de vir de férias. A Joana comunicou-me que ia casar depois de eu já ter pedido a vários amigos hospedagem em Paris, Namur e Bruxelas. Venho deliciado, e o casamento da Joana também foi muito bonito.

Falei há minutos com a Glória, teve 16, parece que houve lá hoje [ na Universidade Católica,] um colóquio com vários escritores, todos falaram no blogue (*). Sem querer perder o viço das férias, vou mergulhar no trabalho, tanto no profissional como na 'Mulher Grande' que quero concluir até Setembro.

Não tenho lido nada no blogue e fiquei surpreendido com esta data de 20 de Junho. Vou ver o que posso fazer. (...).

Desculpa ser breve, a ver se nos encontramos, Mário.

domingo, 5 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4643: Blogoterapia (113): Saudades do blogue dos primeiros tempos, em que tudo se contava na primeira pessoa (Vítor Junqueira)

1. Mensagem de Vítor Junqueira, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), com data de 4 de Julho de 2009:

Carlos, olha o que deu uma noite de insónia!

Agora vou dormir.
Até logo.
VJ


Estimado Carlos Vinhal,
Para ti, aquele abraço que não pude dar-te em Monte Real.

Vai fazendo tempo que me mantenho sossegadito no meu cantinho. Têm aparecido tantos camaradas, com tanto para contar, que as minhas cantigas para além de não adormecerem ninguém, ficam a milhas da profundidade e até da beleza de algumas reflexões expendidas ultimamente no Blog, que continuo a seguir com toda a atenção.

Além disso, o Luís Graça ao nomear-me “Senador”, criou-me uma tremenda responsabilidade. Por um lado, retirou-me a prerrogativa de dizer calinadas, para o que sinto uma natural propensão. Mas por outro, se quis apontar-me como modelo de pessoa assisada, então mostrou que não é assim tão bom psicólogo! Porém, meu caro Vinhal, contigo sinto-me a jogar em casa.

As nossas Companhias eram irmãs. Respirámos o mesmo ar, calcorreamos os mesmos trilhos, descansámos à mesma sombra. Porventura até bebemos água da mesma bolanha. Falar-te dos meus estados de alma, nem necessita de cogitação prévia, porque eu sei que tu sabes aquilo que eu sei.

Hoje, porém, sinto-me um homem novo, liberto. Depois de, já lá vão uns tempos, ter visto na televisão um deputado a mandar outro pr’ó caralho em plena AR, ao mesmo tempo que prometia ir-lhe aos cornos “lá fora”, ontem, numa espécie de remake de baixo custo, vi um ministro a fazer uns cornitos mefistofélicos a um senhor deputado. Isto depois de uma conversa em que se ilustraram as baixezas de uns e de outros, sendo também consensual entre os tribunos que pelo menos alguns eram mentirosos.

Assim sendo, como sou humano e tenho emoções, dos usos e os costumes deste Blog alegremente abusarei e, desde já, requeiro o direito de me arrepender como fez o tal ministro.

Por falar em Blog, o nosso está um must. Pelo número de visitas e de páginas consultadas, podemos aferir da sua popularidade. Aqui bebem mestrandos, Doutorandos, autodidactas, jornalistas e simples internautas. Ainda que o core se centre na guerra da Guiné, a vastidão dos temas vai do segredo do tempero do cabrito que serviu de repasto no convívio dos camaradas da CCaç tal (e preço, porque o carcanhol está curto!) até às elucubrações de cariz sociológico acerca do posicionamento das populações nativas sob o domínio colonial e sua adesão às teses da libertação.

Navegando, ficamos a conhecer tão bem a táctica, a estratégia e os meios do IN, como se nas reuniões do seu Estado-Maior tivéssemos participado. Sim, porque o IN parece que tinha uma táctica, uma estratégia e uma determinação que, segundo alguns, mingavam nas hostes portuguesas. E com esses requisitos obteve brilhantes vitórias sobre as forças de ocupação, exaustivamente explanadas em dezenas e dezenas de páginas deste Blog que, muito justamente glorificam a superior inteligência e bravura dos soldados do IN e seus chefes. Propaganda, dirão alguns.

Mas o Blog também fala de nós. Apresenta por exemplo listas imensas (e inúteis) com nome, número mecanográfico e posto de paletes maralhal que passou pelo CTI da Guiné, fala dos feridos, dos mortos e dos burakos (?) onde vivos viveram enterrados, da alimentação para porcos, dos levantamentos de rancho, da falta de lençóis, da incompetência dos comandantes, de actos de insubordinação dos comandados, da revolta, da angústia e do medo dos soldados portugueses, mobilizados para uma guerra injusta e que não compreendiam, do desespero das famílias e do arrojo daqueles que, em vésperas de embarque, davam ao slaide.

Ficamos a conhecer camaradas que juraram a si próprios nunca disparar um tiro e, galhardamente, se aventuravam pelo mato adentro deixando a canhota pendurada no ferro do beliche, enquanto outros mataram porque sim. Mais recentemente, (post 4634) ouvimos falar do estoicismo do pessoal escalado para operações que nunca passaram do papel, de pessoal desmotivado e psicologicamente destroçado (não confundir com bandos!) que nunca ou raramente saiu dos abrigos, de SITREP’s falsos em que se reportavam acções de patrulhamento e combate que nunca existiram, da suprema humilhação infligida por um reles inimigo que tem o desplante de vir cagar junto ao nosso arame farpado, da mortificação do ego quando palavras como retirar, recuar, abandonar, entram na rotina.

Mas só agora, porque alguém neste Blog ousou abrir-nos os olhos e os ouvidos é que ficámos a saber que situações destas existiram, porque enquanto lá estivemos nunca tal ouvíramos dizer, não é verdade!?

Também tivemos oportunidade de conhecer uma extensa, desapaixonada e ideologicamente isenta filmografia que veio esclarecer aquilo que para os não iniciados parece um quebra cabeças, ou seja, como conseguiu o IN, que pelos melhores números nunca terá ultrapassado os três mil operacionais, pôr em cheque – para não dizer que derrotou militarmente –, uma força armada com o triplo dos seus efectivos, implantada no terreno, com uma capacidade logística incomparavelmente superior já que dominava as principais vias de comunicação incluindo as fluviais, dispondo ainda de meios pesados como artilharia, auto-metralhadoras, aviação e força naval.

Tenho ainda que fazer uma breve referência a alguma bibliografia reproduzida ou publicitada no Blog: Vasta, profunda e sem quaisquer objectivos comerciais, evidentemente. Acho que já só falto eu a dar ao manifesto a minha produção literária. Não tenho palheta para tanto e como tenho dúvidas sobre a firmeza do meu carácter, correria o risco de me transformar a mim próprio em mais um herói ou relatar factos de acordo com alguma inconfessa conveniência. Nessa não caio eu! Porque se a História é sempre escrita pelos vencedores, também é certo que a verdade é como o azeite, mais tarde ou mais cedo, acaba por vir ao cimo.

Ah, quantas saudades do Blog dos primeiros tempos! Tudo se contava na primeira pessoa. Era tão simples, directo e autêntico.

Camaradas, desculpem lá qualquer coisinha.

Para toda a tertúlia, caso o bitate mereça publicação, segue um forte abraço deste que já não tem muito para dar.

Vitor Junqueira

Fotografia do aquartelamento do K3. Por aqui permaneceu a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira durante boa parte da sua comissão.

Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.


Mansabá, local e quartel onde a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira substituiu a CART 2732 do Fur Mil Carlos Vinhal.

Foto: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.



2. Comentário de CV:

Caro Vítor, que bom ouvir-te de novo.
Tínha-me passado ao lado, desculpa a ignorância, a tua promoção a Senador. Se o Luís assim o entendeu, e sabemos como ele sabe avaliar as pessoas, estou inteiramente de acordo.

Dizes que a tua prosa, cantigas como chamas, não adormece ninguém. Pois não, como se pode ficar indiferente à qualidade da tua escrita? Pena que de vez em quando entres em hibernação e deixes de aparecer. Sabes que tens os teus fãs, entre os quais me incluo eu.

Voltando ao título de Senador, não há dúvida que exerces o cargo com alta competência, ou não vinhas junto de nós expôr as tuas oportunas críticas, daquelas que gostamos de ler, porque não ofendem, sendo antes o pensar de alguém com honestidade intelectual, como reconhecemos em ti.

Na verdade calcorreámos as mesmas picadas, refugiámo-nos atrás das mesmas árvores, emboscámos nos mesmos locais e sofremos igualmente pelas desventuras de cada uma das nossas Companhias e dos nossos camaradas. O que de mau acontecia numa Companhia era motivo de preocupação para a outra. Não eram ambas compostas, na sua maioria, por valentes ilhéus? Fomos vizinhos, primeiro, e locatários do mesmo aquartelamento, no fim. Não nos conhecemos então, mas temos a certeza de que faríamos, um pelo outro, na hora, o impossível.

Não comento os teus comentários, mas deixo-os aqui à consideração de quem nos lê.

Esperando que não nos voltes a privar de ti, tanto tempo como fizeste desta vez, deixo-te um abraço em nome dos editores em particular e da tertúlia, em geral.

O teu camarada e amigo desde as terras do Óio
Carlos Vinhal
__________

Notas de CV:

(*) vd. postes de:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida

31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Histórias de Vitor Junqueira (8): Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753

11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3438: Histórias de Vitor Junqueira: (9): O Líbio e o alferes gazeteiro


17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4624: Blogoterapia (112): Saudades de outra idade (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P4642: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (18): Manuel Traquina, ribatejano, escritor... e fadista (Luís Graça)


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > (*) Novos talentos musicais: o ribatejano Manuel Traquina, interpretando o Fado do Sobreiro, um fado tradicional, recriado pelo fadista João Brasa, de Évora (vd. álbum de 2006, Vida Fadista), com acompanhamento à viola por Álvaro Basto (à esqureda) e David Guimarães (à direita)...

Eu sei que faltaram outros camaradas nossos, instrumentistas do fado, talentosos e versáteis, como o J. L. Vacas de Carvalho e o Jorge Félix... Mas a nossa Tabanca Grande tem sido uma caixinha de surpresas: este ano, no nosso encontro, houve, para além do Joaquim Mexias Alves e do Manuel Traquina, outros espontâneos que se ofereceram para cantar...

Infelizmente não tenho registo de todos, mas sei que, depois do Traquina, ainda acturam o José Martins, o José Pedro Neves e o Victor Barata (o nosso Zé Especial)... (Actuações que perdi por ter ido ao carro buscar pilhas para a máquina fotográfica e ter ficado depois a dar as despeddas ao Fernando Calado e ao Augusto Ismael, meus velhos companheiros de Bambadinca)...

Para o ano proponho, aos organizadores, que se promova um concurso de (novos e velhos) talentos musicais.

O Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, é também o autor de Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné. (**) . É autor, no nosso blogue, da série Venturas e Desventuras do Zé Olho Vivo (***)... Viveu em Angola, depois de ter cumprido o serviço militar
na Guiné. É natural do concelho de Abrantes, onde vive. Foi técnico de emprego, está hoje reformado.


Vídeo (2' 04''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados


2. IV Encontro Nacional do Nosso Blogue

Fado do Sobreiro


Mesmo ao cimo do montado,
No ponto mais elevado,
Havia um enorme sobreiro
Que a dar bolota e cortiça,
De todos era a cobiça,
No montado era o primeiro.

Certa noite a tempestade,
Fez-se ouvir lá na herdade
O rebumbar de um trovão.
E no céu uma faixa risca,
Quando uma enorme faísca
Fez o sobreiro em carvão.

Passaram-se anos e agora
No mesmo sítio lá mora
Um chaparro altaneiro,
Mas em noites de luar
Houve-se o montado a chorar
Com saudades do sobreiro.

É assim a nossa vida,
Constantemente vivida,
Sempre e sempre a trabalhar.
Mas quando a morte vem,
Nós deixamos sempre alguém
Com saudades a chorar.

Letra tradicional

Do álbum Vida Fadista (2006), de João Brasa

Música: Fado marcha Alfredo Marceneiro
_____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4609: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (17): Comentários para rescaldo (Carlos Vinhal)

22 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4559: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (5): Esse nobre sentimento..., na voz do fadista J. Mexia Alves... (Luís Graça)

(**) 30 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4441: Bibliografia de uma guerra (48) "Os Tempos de Guerra - De Abrantes à Guiné", de autoria de Manuel Batista Traquina

(...) "É um relato da minha vida militar, em especial a comissão na Guiné, acontecimentos dentro e fora dos aquartelamentos que de um modo geral são comuns a todos quantos passaram pela Guiné. Penso que muitos dos acontecimentos dizem muito aos milhares de militares que passaram pela região de Buba e Aldeia Formosa.

"Além de mais pretendi com este livro deixar um testemunho da realidade que foi a Guerra Colonial e homenagear todos quantos por lá passaram, em especial aqueles que lá perderam a vida.

"O livro está a ser vendido ao preço de 15,00 € mais portes, e poderei enviá-lo a quem o solicitar. Poderei também enviá-lo à cobrança ou a quem fizer a tranferncia bancária neste caso 16,00 €". (...)

Traquina, Manuel Batista - Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné. (?): Palha. 2009 (?). 230 pp., 70 fotos [Contactos do autor, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70: Telefones: 241 107 046 / 933 442 582; E-mail: traquinamanuel@sapo.pt]


(***)Vd. postes anteriores do Manuel Traquina:

2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida

19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane

17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios

15 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3457: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (4): Baptismo de fogo e gemidos na noite

8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3855: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (5): As colunas Buba-Aldeia Formosa

12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4019: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (6): Estrada nova Buba - Aldeia Formosa

12 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4327: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (Manuel Traquina) (7): O saxofone que não tinha sapatilhas

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)

23 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2791: Álbum das Glórias (46): O distintivo da CCAÇ 2382, 1968/70 (Manuel Baptista Traquina).

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2533: O cruzeiro das nossas vidas (10): Fui e vim no velho e saudoso Niassa (Manuel Traquina)

2 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2399: Tabanca Grande (47): Manuel Traquina, ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)