segunda-feira, 25 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25305: Notas de leitura (1678): "Lay Yong, Bernardo e outros poemas", de António Graça de Abreu (Lua de Marfim Editora, 2018, 90 pp.) (Luís Graça)


Capa do livro "Lay-Yong, Bernardo e outros poemas", de Antónioo Graça de Abreu (Póvoa de Santa Iria,  Lua de Marfim Editora, 2019, 91 pp.)

Email do autor: abreuchina@netcabo.pt


Exemlar autografado com dedicatória ao nosso editor, Luís Graça






Excerto do livro,  poemas de 52 a 70, em que o poeta evoca Hong-Kong e Macau, revisitadas nas viagens à China, de abril de 2017 e março de 2018.

1. O António Graça de Abreu, um histórico do nosso blogue, é de há muito também conhecido dos nossos leitores como sinólogo, tradutor dos maiores poetas chineses clássicos... Mas também é,  ele próprio,  poeta em que "a poesia do velho Império do Meio e do Japão aparece, de quando em quando, como descoberta e inspiração (...) para criar os seus próprios poemas " (lê-se na badana da capa). 

(...) "Neste novo livro, os ecos extremo-orientais ressoam na magia do instante e do eterno, em pequenos haikus ou em poemas mais longos,  ou mesmo numa prosa excitantemente depurada"...

É o caso, por exemplo, do conto, " Lai Yong e Bernardo, uma História Simples" (pp. 36-57), uma história de encontro e separação de duas culturas,  e de amores efémeros se um homem (portuguès, já na casa dos 30 e tal) e uma jovem chinesa de Macau, de 24 anos. Estamos em 1981 e em Macau (ainda sob administração portuguesa,  até 1999).

Neste livrinho de 90 páginas o autor oferece-nos uma mão cheia de textos poéticos, onde não falta a evocação de três grandes portugueses, orientalistas,  que, como ele, alimentaram uma grande paixão pela  China e/ou pelo Japão, e que ele retrata na secção "Très amigos" (pp. 85-89): o  grande poeta Camilo Pessanha (Coimbra,  1867 - Ma1cau, 1926), o missionário   e historiador Manuel Teixeira (Freixo de Espada à Cinta, 1912 - Chaves, 2003),  e  o diplomata e escritor Armando Martins Janeira (Felgueiras, 1914 - Estoril, 1988).

Enquanto leio (e toma notas  sobre) o livro, na paz bucólica de Candoz e com as "cerdeiras" em flor,  para uma próxima recensão, mais completa, aqui com fica, com a devida vénia, a reprodução do que ele escreceu sobre Hong-Kong e Macau revisitadas (ver acima) .

Evocação essa que, com referência Macau, acaba assim:

(...) 70

Pequenas as Portas do Cerco,
abertas para a imensidão do Guangdong.
Estranhos portugueses,
há quase cinco séculos,
lusitanos em sinuosa viagem,
aqui, parados, circunspectos,
diante dos enigmas do império.
Gravado, a encimar o arco:
"A Pátria honrai
Que a Pátria vos contemplka."  (pág. 21)

Guiné 61/74 - P25304: Parabéns a você (2254): Rui Silva, ex-2.º Sarg Mil Inf da CCAÇ 816 (Bissorã, Olossato e Mansoa, 1965/67)

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Nota do editor

Último post da série de 12 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25264: Parabéns a você (2253): SAj Ref da GNR Manuel Luís Rodrigues de Sousa, ex-Soldado At Inf da 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4512/72 (Jumbembém, 1972/74)

domingo, 24 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25303: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (10): "Tempo fora do tempo"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"



Tempo fora do tempo

O verão entra hoje, lembrou a velha a comer um pedaço de pão à porta da padaria.

Meio triste por vir tão cedo, meio contente por vir tão tarde, já que a primavera o deixa de mãos a abanar com este tempo sem tempo. Ainda agora caiu um aguaceiro que fez as gaivotas encolherem-se e o rio cobrir-se de um espesso véu.

O verão está à porta como a velha na padaria. Nem entra nem sai.

Também à porta, passa o elétrico na sua lenta e gemida marcha de outros tempos, que nada tem a ver com as velocidades de hoje. O tempo fora do tempo.

O homem do lado de lá da rua, sentado num monte de redes ainda com algas, sacudiu o casaco molhado e praguejou. Um menino brincava a seu lado com uma laranja espetada num pau.

As gaivotas espanejaram as asas quando a chuva parou, como fazem no inverno.

Pelo retrovisor, não me apercebi de que alguém fora atropelado, mas pareceu-me ver um gato a espernear na valeta.

O verão entra hoje, mas não parece verão, lamentou a mulher de preto à porta da padaria a comer um pedaço de pão. É mesmo um tempo fora do tempo.

Já o elétrico dava a curva quando um homem saltou, bem inclinado para trás, como se fazia no tempo dos elétricos. Trazia na mão um vaso com manjerico, este sim, deste e de outros tempos.

Não havia vento. Se vento houvesse, os barcos baloiçariam, mas os barcos mantinham-se serenos e dolentes. Apenas uma brisa quente e salgada cheirava a peixe.

O homem sentado nas redes procurava atiçar as teimosas brasas de um fogareiro, ainda sem tempo de serem brasas de assar.

Balões de muitas cores pendiam das árvores a pingar, lembrando o S. João seco de outros tempos, ou apenas orvalhado.

A velha que comia um pedaço de pão gritava de longe ao velho do fogareiro para que cobrisse as sardinhas por causa dos gatos. Pouca sorte a do gatito escorraçado, assim morrendo fora do tempo.

As nuvens teimavam em gotejar e o homem das sardinhas praguejou de novo, cobrindo as brasas com as mãos e com palavrões mais assanhados, deste e de outros tempos.

Uma pequena lufada de vento errante fez os balões brincarem e um deles rebentou para nunca mais ser balão de S. João. Outro desprendeu-se e voou, subindo quase até ao avião que atravessava o rio. O menino com a laranja espetada num pau correu, correu atrás dele e caiu.

A velha de negro, achando que era o tempo de sair da porta da padaria, atravessou a rua ao jeito das artroses, numa corrida fora de tempo, e foi levantar o menino que chorava. Deu-lhe um beijo de avó e levou-o ao velho do fogareiro. O pescador largou as brasas que já faziam chiar meia dúzia de sardinhas e pegou nele ao colo.

Uma gaivota, atrevida e cansada do tempo, achou que era tempo de pifar uma sardinha.

Apareceram mais dois a tempo, um dentro do tempo, vermelho e corcunda, e outro fora do tempo, pálido e esguio como vela de cera, falando dos diabetes e deitando o rabo do olho a um rabito de sardinha.

- Podem ficar. O meu genro está a chegar do mar com mais e bem fresquinhas, disse a velha fora de tempo, dado que o cérebro de cada um já impusera, uns segundos antes, o tempo de se sentarem no caixote mais à mão.

- Entra hoje o verão. Mas que verão! Não há nada mais triste do que o tempo fora do tempo.

- Deixe lá que estas sardinhinhas vieram mesmo a tempo.

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Nota do editor

Último post da série de 17 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25280: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (9): "Maruja"

Guiné 61/74 - P25302: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XII: Parece que houve um golpe de estado militar em Lisboa...

Mensagem: Relâmpago | Grupo Data Hora: 25Abr74 22h45 | De: Com-Chefe | Para: Geral (CTIG )

Fonte (e legenda):  © João Dias da Silva (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar (Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


1.  Do poste P2939 (*), transcrevemos um excerto das notas pessoais do João Dias da Silva (**), ex-alf mil op esp, CCAÇ 4150 (Guidage, 1973/74):

(...) 25 de Abril de 1974

 Parece que hoje houve um Golpe de Estado Militar em Lisboa.

Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido.

Por enquanto está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de "parece que" ou finalizadas por "não confirmado". 

Vive-se por aqui um certo estado de tensão por não se saber nada em concreto. Há que aguardar.

Pelas 22H45 chegou uma mensagem relâmpago confidencial do Com-Chefe Bettencourt Rodrigues) a informar que corriam notícias que o Governo de Marcelo Caetano tinha sido derrubado, mas que eram só boatos, com o seguinte texto: 

Mensagem: Relâmpago | Grupo Data Hora: 25Abr74 22h45 | De: Com-Chefe | Para: Geral (CTIG)

AGÊNCIAS NOTICIOSAS INFORMAM QUE GOVERNO PROFESSOR 

MARCELO CAETANO FOI DERRUBADO POR MOVIMENTO DAS 

FORÇAS ARMADAS.  NÃO RECEBIDA QUALQUER COMUNICAÇÃO 

OFICIAL.  ADMITINDO QUE IN POSSA TENTAR EXPLORAR 

SITUAÇÃO INCREMENTO SUA ACTIVIDADE SUBVERSIVA. TODOS OS 

COMANDOS  DEVEM ADOPTAR MÁXIMA VIGILÂNCIA E GARANTIR 

PRONTA  CAPACIDADE REACÇÃO. COMANDANTES UNIDADES SÓ 

DEVEM  RESPEITAR ORDENS QUE RECEBAM APÓS RIGOROSA 

AUTENTICAÇÃO  SUA ORDEM. AUTENTICADO.


Transcrição manual da mensagem original, em impresso normalizado, recebido em Guidaje. 

(...) 26 de Abril de 1974 – Farim embrulhou às 6h00.

Continuámos a aguardar com certa ansiedade notícias daquilo que se está a passar na Metrópole quer no RCP (emissor do Movimento das Forças Armadas – é agora a emissora oficial), quer na BBC.

O gen Spínola deu uma entrevista sintética. Saiu o 1.º comunicado  oficial com o programa. É sensacional, se for cumprido integralmente. A situação ainda não está bem definida. Aguardemos. 

sábado, 23 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25301: Agenda cultural (851): "Noite de Solidão no Capim", peça de teatro da autoria de Castro Guedes, levada à cena pela Companhia de Teatro Seiva Trupe. Pode ser vista na Sala Estúdio Perpétuo, no Porto, até ao próximo dia 27 de Março (Jaime Bonifácio Marques da Silva)


1. Mensagem de Jaime Bonifácio Marques da Silva (ex-Alf Mil Paraquedista, BCP 21, Angola, 1970/72) com data de 22 de Março de 2024: 

Luís
Vai, aqui, uma pequena referência à peça de teatro sobre a Guerra Colonial que vimos no Porto, na passada 2.ª feira dia 11.3.24 na Sala Estúdio Perpétuo. “Noite de Solidão no Capim”.

Para mim, foi um momento interessante de revisitação e memória. Não esqueço as noites infindas a dormir no mato, tendo por companhia os ruídos da natureza, a incerteza da morteirada que poderia rebentar a qualquer momento ou a surpresa que nos poderia reservar o amanhecer do dia seguinte, quando o meu pelotão teria de iniciar a progressão rumo ao objetivo IN. Só nos breves momentos – de absoluta solidão no meio daquele - nada – à noite, quando, no Leste de Angola, tentando dormir e, deitado de costas sobre o capim enrolado no cobertor e no impermeável, contemplava o universo estrelado, duma beleza indescritível, é que conseguia esquecer a guerra em que estávamos atolados e evadir-me dali.

Enfim, as memórias são como as cerejas!... Quando puxas uma…

A peça, “Noite de Solidão no Capim”, levada á cena pela companhia de teatro Seiva Trupe, foi escrita e dirigido por Castro Guedes e conta com a interpretação dos atores Óscar Branco e Fernando André, acompanhados pelo cenário sonoro concebido pelo músico Fuse.

- O personagem Kizua, Óscar Branco, interpreta um soldado Flexa (tropa especial da dependência da PIDE (DGS, em Angola) que, de Kalashnikov na mão, dá de caras com um militar do exército (Fernando André) que empunhava uma G3.
Do iminente confronto inicial – quem dispara primeiro? – prevaleceu, depois, o diálogo e, após algumas cervejas pelo meio, a amizade e despedem-se os dois, ao alvorecer, a cantar a Internacional.

Nota: os textos que se seguem, foram editados pela – Seiva Trupe.

Se considerares que tem interesse divulga
Abraço para ti e a Alice e boa estadia aí em Candoz
Jaime


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“A trama desenrola-se em África, numa ex-colónia portuguesa, na fatídica noite de 24 para 25 de Abril de 1974. No meio do capim, ocorre um encontro inesperado entre Kizua e Pedro, dois homens em farda militar, cada um com suas próprias incertezas, medos e memórias. Entre cervejas, cigarros e uma teia de diálogos carregados de tensão, os personagens compartilham reflexões sobre saudade, medo da morte, preconceitos morais e a absurda realidade da guerra.

À medida que a noite avança, a incerteza do que o amanhecer trará gera uma atmosfera de suspense e desconfiança mútua. No entanto, um momento de descoberta inesperada, catalisado pela notícia do que se passa em Lisboa, leva os protagonistas a uma reflexão profunda sobre a humanidade e a irmandade em tempos de conflito.”

“A companhia de teatro Seiva Trupe está de regresso com “Uma Noite de Solidão no Capim”. “É uma abordagem sem complexos à guerra colonial”, como afirma Castro Guedes, autor do texto e encenador da peça que estreia na próxima quinta-feira (7), na Sala Estúdio Perpétuo. Vai estar em cena até ao Dia Mundial do Teatro, 27 de março, para depois seguir em digressão pelo país.

O espaço é África, algures no meio do capim. O tempo é a célebre noite de 24 para 25 de Abril de 1974. E a ação é desencadeada por um acontecimento inesperado: o encontro de um africano, interpretado por Óscar Branco, e um caucasiano, por Fernando André, ambos em fato militar. Dois homens de ideias e lutas opostas confrontam-se sozinhos no meio do Capim.

O medo da morte e do próprio capim escuro onde se encontram leva-os à cooperação e ajuda mútua. E de uma suposta relação de conflito nasce uma amizade e empatia pelo outro. Os preconceitos morais e as barreiras sociais desaparecem nesta peça, que explora o acesso à humanidade do outro ainda que em lados opostos da guerra.

Nesta situação paradoxal assistimos a este encontro entre um africano que é soldado e integra o exército colonial português, e um caucasiano que é oficial de baixa patente (ou miliciano). Sozinhos no capim, depois de um sentimento inicial de medo e desconfiança, “compartilham cigarros. Compartilham até liamba, que se fumava muito na guerra. Compartilham as histórias das famílias, das terras de onde vieram, dos seus familiares. Compartilham cervejas e compartilham o espaço, as estrelas, os pássaros à noite, que em África são exuberantes”, explicou o encenador Castro Guedes ao JPN. É através “destas coisas simples da vida” que a amizade nasce, acrescentou.

No meio disto tudo, o medo diminui e a noção do absurdo da guerra só aumenta. Depois, surge um rádio. O rádio que relata o que se está a passar em Lisboa na noite de 24 para 25. Anuncia-se a liberdade. Se antes a guerra era por motivos não justificáveis, agora era claramente por uma causa perdida e passada. E, então, acontece o êxtase. Abraços. Talvez beijos de entusiasmo? O certo é que a intensidade de emoções tomará conta do palco.

Dois homens de lados opostos, se colocados no mesmo espaço, sozinhos e confrontados com a presença só um do outro, serão capazes de aceder à humanidade um do outro? Para Castro Guedes, sim. “O essencial é que um homem mais um homem não faz a guerra, faz a a amizade“, disse. Existem “belíssimas amizades” que se “sobrepõem a ideias”, exceto em casos extremos, como exemplifica com o fascismo, nazismo e estalinismo.

Depois da estreia no Porto, a peça segue, em abril, para Santa Maria da Feira e, depois, para Freamunde. Em maio, chega às Caldas da Rainha e, em setembro, a Vila Praia de Âncora. “

Editado por Inês Pinto Pereira

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Nota do editor

Último post da série de12 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25266: Agenda cultural (850): Síntese da apresentação do livro "MARGENS - VIVÊNCIAS DE GUERRA", da autoria de Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que esteve a cargo do Coronel António Rosado da Luz (Paulo Salgado)

Guiné 61/74 - P25300: Os nossos seres, saberes e lazeres (620): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Com a continuação da visita ao Paço dos Condes de Basto, a que se seguiu assistir a um recital de violoncelo e guitarra num espaço esplendoroso do Museu Nacional de Évora, e depois de ter vistoriado, com muito gosto, a esplêndida obra azulejar de Jorge Colaço, um artista que em Paris chegou a trabalhar para Le Figaro e que durante muitos anos compôs os seus magníficos trabalhos na Fábrica de Cerâmica Lusitânia (que ainda conheci, estava prantada onde é hoje a sede da Caixa Geral de Depósitos, restam alguns vestígios como uma chaminé), regressei a Lisboa, de coração afogueado, um belo fim de semana, procurei meter o Rossio na Betesga, impossível, não deu para registar os valores da arquitetura popular tradicional, desta arquitetura civil manuelina não passei do Páteo de São Miguel e do Paço dos Condes de Basto, embora tenha visto por fora o Palácio dos Condes de Cadaval, confesso que foi uma revelação visitar o que já se designou por casas de Vasco da Gama e Palácio da Inquisição e que hoje é o Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida, bem gostei das casas pintadas e das belas exposições ali patentes. Basta de me lamuriar, há palácios, conventos e igrejas, a universidade e até o Teatro Garcia de Resende a pedir nova visita, assim me dê Deus vida e saúde, até lá dar-vos-ei notícias de umas andanças por Arraiolos e Torre de Moncorvo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (147): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (7)

Mário Beja Santos

A arquitetura civil manuelina em Évora tem belíssimos espécimes. O que se costuma designar por estilo manuelino é uma combinação do tardo-gótico, do mourisco e dos primeiros sinais do Renascimento. Atestam esta riqueza a Galeria das Damas do Palácio Real de S. Francisco ou de D. Manuel, o Páteo de São Miguel da Freiria ou dos Condes de Basto (onde viveram os reis D. Sebastião, Filipe II e D. João IV) assente nos muros romano-árabes do castelo, com janelas de arcos de ferradura e tendo no interior as célebres pinturas mitológicas e históricas; mas há também o Paço do Almirante, o Palácio dos Duques de Cadaval, o mirante da Casa Cordovil e outras reminiscências, como o varandim da Casa Soure, a janela da casa do cronista Garcia de Resende, o Solar dos Condes de Portalegre, os restos arquitetónicos do Paço dos Condes de Vimioso.
Continuo a visita neste Paço dos Condes de Basto, Túlio Espanca descreve-o no seu livro Évora, encontro com a cidade, uma edição de 1997, faz saber que é um edifício de grande caráter e diversidade arquitetónica, refere as majestosas salas, as tais pinturas murais do estilo renascentista e outras maneiristas, dá conta da linhagem dos Castros que aqui viveram, referindo que o Palácio no período de 1678-89 recebeu grandes melhorias para nele se alojar o arcebispo de Évora, primo de D. Pedro II, e aqui esteve temporariamente instalada, em 1699, D. Catarina de Bragança, a viúva de Carlos II de Inglaterra. Em 1958, após longa agonia de ruína e degradação, o palácio foi adquirido por Vasco Eugénio de Almeida que o restaurou cuidadosamente com a assistência da Direção-Geral dos Monumentos Nacionais e nele instituiu a Fundação que tem o seu nome. Mais impressionado se fica quando se deambula por estas instalações ricamente intervencionadas e se pode ver um vídeo que mostra o estado de degradação em que se encontrava este monumento e as instalações anexas antes destas obras magnificentes. São estas as derradeiras imagens que se mostram do interior do palácio, há divisões que estão fechadas, o que está patente é exibido com muito bom gosto e mostra as cuidadas intervenções.

Uma bela tapeçaria flamenga alegórica a um triunfo do imperador Marco Aurélio
Um pormenor do jardim mostrando ao fundo um vestígio da muralha
Saindo do Palácio dos Condes de Basto, havia a indicação de que se podia visitar a biblioteca, estão aqui os arquivos das propriedades da família Eugénio de Almeida
Aquando da visita ao Museu Nacional de Évora (estávamos a 1 de outubro) noticiava-se que a pretexto de ser o Dia Mundial da Música se ia realizar neste belo espaço um concerto com a violoncelista Sofia Azevedo e o guitarrista Marco Banca, pareceu-me um duo bem ousado, foi um belo recital com música brasileira para violoncelo e violão, música adaptada do rock onde não faltou Mozart e composições a partir de José Mário Branco. Uma bela despedida do centro histórico, agora ponho-me rumo à estação e não posso deixar de exaltar a classe da azulejaria da responsabilidade de Jorge Colaço, painéis que envolvem a estação rodoviária com motivos eborenses, desde a Sé Catedral, quadros históricos como a Revolta do Manuelinho de Évora (1637), um auto vicentino que aqui se estreou em ambiente régio, cenas de trabalhos agrícolas, impressiona não só o estado de conservação, mas também a combinação cromática que Jorge Colaço urdiu, emoldurando o azul e branco de belas molduras que fazem ressaltar as cenas que nos remetem para Évora, isto passa-se numa estação ferroviária que vem de meados do século XIX e que já teve ligações a ramais, hoje extintos. Regresso a Lisboa, mas já estou saudoso de voltar. Entretanto, vou viajar até Arraiolos e Torre de Moncorvo, não deixarei de dar notícias.
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Nota do editor

Último post da série de 16 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25278: Os nossos seres, saberes e lazeres (619): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (146): Com que satisfação regressei à Princesa do Alentejo, uma incompreensível ausência de décadas (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25299: Convívios (986): 52.º Almoço/Convívio do pessoal da CCAÇ 414 (Guiné e Cabo Verde, 1963/65), a levar a efeito no próximo dia 28 de Abril de 2024 em Arcozêlo-Vila Nova de Gaia (Manuel Barros Castro e António Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 20 de Março de 2024:

Caro Camarada,
Mais uma vez o camarada António Araújo (o Paizinho), com o auxílio de sua filha Carla e neta Bárbara, levarão a efeito o 52.º convívio da Companhia de Caçadores 414 que terá lugar na vila de Arcozelo no próximo mês de Abril, dia 28.

Agradeço a respectiva publicação no nosso celebérrimo blogue para o que anexo fotografia do Paizinho e do convite.

Com os melhores cumprimentos e um forte abraço,
Manuel Castro
Tabanqueiro n.º 793.



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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25281: Convívios (985): 55.º Almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha, Algés, 14 de março de 2024 - II (e última) Parte

sexta-feira, 22 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25298: Manuscrito(s) (Luís Graça) (249): Quinta de Candoz: a sagração da primavera

 












Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz> Quinta de Candoz > 21/22 de março de 2024  > "Aguarelas" da primavera ... No fundo do vale passa a linha do Douro (que liga Ermesinde ao Pocinho, numa extensão de 160 km)... Do outro lado é já concelho de Baião. E,  do lado direito, não vívísel nas fotos, o rio Douro, a barragem do Carrapatelo, o Porto Antigo, a serra de Montemuro, Cinfães...


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (Todas as imagens, exceto a primeira de cima, e as duas últimas, são  HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)



 1. A Quinta de Candoz, já nas faldas da serra de Montedeiras, ainda hoje assombrada pelo fantasma do Zé do Telhado (1816-1875) e do seu bando, tem múltiplos encantos ao longo do ano... Neste caso, na Primavera, que começou a 20 de março e vai até 20 de junho... 

Já temos poucas "cerdeiras" (cerejeiras) (o forte da cereja é o concelho aqui ao lado, Resende, já na margem esquerda do rio Douro, distrito de Viseu)... No passado, a Quinta de Candoz mandava muitos cestos de cerejas para o Porto, através do comboio da linha do Douro (que tem aqui, perto de nós, a estação do Juncal, outrora animada e florescente)... 

Por altura da Páscoa, as "cerdeiras"  são sempre deslumbrantes, quando estão floridas...  As "cerdeiras" e outras árvores de fruto... Mas também os carvalhos, que começam a ganhar folhagem... E as videiras, com os seus primeiros rebentos... 

E encantatória, mágica,  é sempre a água que vem, aos borbotões,  das nossas minas, ainda pura e fresca... Que pena não a podermos reter toda aqui... Vai ter à albufeira do Carrapatelo e, por fim, ao mar...

Aqui fica uma pouca amostra da "sagração da primavera" em Candoz, com votos de Boa Páscoa para todos os nossos leitores.  

Para nós, este vai ser um fim de semana muito especial, em que recordamos a "partida" da nossa querida Nita, Ana Carneiro (1947-2023) e, em sua homenagem, vamos lançar um vinho verde branco, com o seu "petit-nom"no rótulo, "Nita", uma edição especial, seleção 2023, 13º graus. Pela primeira vez  reunimos as condições tecnológicas e o apoio de enólogo para fazer um vinho que nos orgulha, que tem cheiros e sabores a "chá verde, espargos e flor de magnólia"... E que tem muita da alma, do perfume, da essência da nossa Nita, das suas memórias, vivências e referèncias.  Foi ela  que nos inspirou e reforçou a nossa vontade de manter vivo  o espírito de Candoz.

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25287: Manuscrito(s) (Luís Graça) (248): Dia do Pai...

Guiné 61/74 - P25297: Os Nossos Enfermeiros (18) : O Enfermestre, a estória de um furriel enfermeiro que não quis ser vagomestre (António de Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro)

O Fur Mil Enf António Carvalho em Mampatá

1. Em mensagem do dia 20 de Fevereiro de 2024, o nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72, (Mampatá, 1972/74), conta-nos a estória de um furriel enfermeiro que não quis ser vagomestre substituto:


O Enfermestre

Havia quartéis onde se comia melhor, noutros pior ou muito pior, mas todos os militares recebiam o mesmo para a alimentação, pelo que é óbvio poder-se considerar que a honestidade entre quem geria não era uma virtude distribuída de forma homogénea.

A gestão dos bens alimentares estava a cargo de três pessoas, respectivamente o Capitão, o Sargento da Secretaria e o Vagomestre, mas era este último que detinha a função específica de fazer chegar aos cozinheiros os géneros alimentícios, pelo que, quando vinha de férias, era quase imperativo o Capitão convidar um Furriel de outra especialidade para o substituir na função.

No caso que me foi contado, ocorrido a pouco mais de trinta quilómetros de Mampatá, lembrou-se, segundo me contaram, o capitão dessa companhia de convidar o Furriel Enfermeiro, para substituir o Vagomestre quando este se ausentou em gozo de férias. Que lhe custava muito aceitar tal função, porque se não queria tirar dela qualquer proveito, tão-pouco suportaria essa fama que sabia impender sobre o titular do cargo. Respondeu-lhe então o Capitão em jeito de o meter entre a espada e a parede: Se não aceita substituir o Vagomestre vou dar a função ao Cabo Enfermeiro Silva, mas fica a saber que passa a alinhar para o mato sempre que o grupo dele saia. O Furriel Enfermeiro, apesar de ser muito "alérgico" a sair para o mato, respondeu-lhe que entre os dois males, optava por sair mais vezes para o mato.

Contou-me ainda o tal Furriel Enfermeiro que, no decurso desse mês de férias do Vagomestre, o Enfermestre recebeu o "agrement" do 1.º Sargento para vender um bidão de vinho ao pessoal da Engenharia, sossegando-o de seguida sobre o modo de resolver a falta dele, como se lhe desvendasse o segredo do ovo de colombo: em vez duas barras de gelo dentro do balde deveria passar a pôr quatro.

Um grande abraço, para os administradores do blog e para todos os combatentes.
Carvalho de Mapatá

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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25004: Os Nossos Enfermeiros (17) : Dois meninos, dois amigos, dois destinos... (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68, novo tabanqueiro, nº 882)

Guiné 61/74 - P25296: Notas de leitura (1677): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Os autores procedem a uma análise do desempenho da Força Aérea na Guiné, nomeadamente no período de 1968 a 1971, o sistema de defesa antiaérea do PAIGC estava praticamente fora de combate, Spínola gostava tanto das operações conjuntas e o papel dos helicópteros tornava-se crucial, designadamente para o transporte das tropas especiais e evacuação de feridos; por outro lado, Spínola e o comando da Zona Aérea adaptaram o sistema instituído ao tempo de Schulz para as zonas de intervenção exclusiva, os bombardeamentos continuaram. Era incontestável que a capacidade agressiva dependia do apoio aéreo, em praticamente todas as situações. É esse o relato que aqui se condensa, houvera escalada da guerra, mas a supremacia aérea estava do lado português.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (17)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.




Capítulo 4: “A pedra angular”

Nos dois textos mais recentes, procurou-se dar conta dos problemas postos pelas defesas antiaéreas ao serviço do PAIGC e dos receios fundados, por parte do General Spínola, de intrusões aéreas oriundas dos países vizinhos e hostis. No fundo, problemas vindos do passado e que pareciam ganhar um novo realce o recurso de armas mais sofisticadas por parte da guerrilha.

Vimos como desde 1965 se procurou aniquilar a capacidade de defesa antiaérea, neutralizavam-se armas de defesa e os seus operadores, a Zona Aérea reivindicava ter destruído mais de 50 canhões antiaéreos ou tê-los seriamente danificado. Quando parecia que se tinha reduzido a quantidade de fogo antiaéreo reacendiam-se incidentes e, por exemplo, foram reportados 110 em 1966, não desapareceram completamente, mas, por exemplo, foram reportados 9 em 1971, número que subiu para 23 no ano seguinte. Como igualmente se referiu, a Operação Pérola Azul (julho de 1970) foi demolidora, o PAIGC adotou a estratégia de abrigar o seu armamento antiaéreo para lá da fronteira da República da Guiné.

A desmotivação afetou o PAIGC, havia comprovadas deficiências nesta batalha da defesa aérea, apesar de continuar a renovar-se o armamento eficaz e haver o apoio de peritos estrangeiros. Em 1971, Amílcar Cabral não escondeu as suas críticas pela falta de coragem para disparar contra os aviões. Recorde-se que a Força Aérea na Guiné entre 1965 e 1972 perdeu apenas uma aeronave devido a fogo hostil. Em 28 de julho de 1968, o Comandante do GO 1201, o Tenente-coronel Francisco da Costa Gomes, voava num Fiat para fazer reconhecimento fotográfico a norte de Guileje. Ao tentar localizar e fotografar posições antiaéreas ao longo da fronteira, o Fiat foi atingido por fogo de uma arma de 12,7 mm, supostamente a partir de território da República da Guiné. Os projéteis atingiram o depósito de combustível, incendiando o motor e a cauda, o comandante foi forçado a ejetar-se. O seu avião caiu a cerca de 4 km da fronteira, perto do quartel português de Gandembel. Depois de escapar às patrulhas dos guerrilheiros e aos perigos de campos minados, Costa Gomes conseguiu chegar ao quartel aonde um soldado que estava no turno em vigilância questionou aquela figura abatida e desconhecida, num fato de voo sujo, e pareceu-lhe velho demais para ser piloto. Tudo acabou em bem, o Tenente-coronel Costa Gomes voltou a Bissalanca sem mais incidentes.

Importa salientar que todo o esforço para aniquilar ou neutralizar o sistema antiaéreo do PAIGC constituiu uma pequena fração na atividade global da Força Aérea na Guiné. Desde que Spínola assumiu o comando, em 20 de maio de 1968, até final de 1972, os aviadores portugueses realizaram cerca de 12.408 missões de ataque, apoio de fogo e reconhecimento armado na Guiné, das quais apenas 67 (cerca de meio por cento) foram especificamente vocacionados para operações de aniquilamento dos referidos sistemas de defesa antiaérea. No entanto, este número de surtidas desmente a importância da luta da defesa aérea para ambos os lados do conflito.

O PAIGC tinha apostado muito na capacidade de conquistar e manter “áreas libertadas”, mas a validade das suas reivindicações diminuía com cada aeronave da Força Aérea que sobrevoava as ditas áreas libertadas sem serem molestadas. Em termos de tentar pôr a respeito a luta armada, confiava-se cada vez mais no poder aéreo para justificar que qualquer força militar podia chegar a qualquer ponto do território. Tudo conjugado, em meados de 1970 e uma inequívoca supremacia aérea, que obrigou o PAIGC a procurar uma resposta que pusesse em causa tal supremacia.


Capítulo 5: “Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra”

“Tínhamos, por um lado, 40 mil militares no terreno, que suportavam múltiplas dificuldades, o isolamento, o desconforto, o perigo constante… Por outro lado, 50 ou 60 pilotos, um máximo de 70. Tudo estava dependente deles, de uma forma ou outra.” – General Lemos Ferreira, Comandante da BA 12, 1971-1974.

Enquanto a batalha pela supremacia aérea se intensificava, a guerra terrestre expandia-se, em abrangência e intensidade. Em 1968, o PAIGC reivindicava o controlo de dois terços do território da Guiné, citava mesmo a decisão de Spínola é abandonar uma série de guarnições isoladas, as operações também se iam tornando mais letais: embora o total do número de ataque contra as forças portuguesas tivesse diminuído quase um terço entre 1969 e 1970, causaram cerca de 45% mais vítimas.

De acordo com o General Venâncio Deslandes, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, a eficácia de combate do PAIGC refletia quatro desenvolvimentos complementares: reforço material, tanto qualitativo como quantitativo; reforço de mão de obra, incluindo o uso de especialistas estrangeiros; reorganização militar que melhorou o controlo tático e a flexibilidade; avanço no sistema de informações, planeamento e de liderança tática.

Estas melhorias refletiam o esforço contínuo do PAIGC de transformar o seu braço armado numa “estrutura militar convencional”. Confrontados com a necessidade de contrariar um movimento militar e sociopolítico devido às iniciativas de Spínola, bem como a entrada no terreno cada vez mais de armas pesadas, o PAIGC “remodelou completamente a sua estrutura durante 1970-1971. Deixou de se falar em guerrilha, substituindo essas unidades por Forças Armadas Locais, uma designação para falar de forças regulares”. O Exército Popular foi também dividido em unidades distribuídos regionalmente, compostas por dois ou mais bi-grupos, com secções anexas, conforme as necessidades. A análise de Venâncio Deslandes resumia assim a situação: “Têm infantaria, artilharia e foguetes, ganharam maleabilidade para conduzir o esforço de guerra de acordo com a estratégia decidida ao mais alto nível.”

Segundo o serviço de informações, avaliava-se a força global do Exército Popular num pessoal de 4800 sediados na Guiné e 1200 nos países vizinhos, divididos em 73 bi-grupos de artilharia e dois grupos dos Comandos. Para contrariar este poder militar do PAIGC, Spínola, tal como Schulz, voltou-se cada vez mais para os recursos da Força Aérea. Em 1969, a Zona Aérea montou apenas uma operação de ataque pré-planeada (ver apêndice VI): este número cresceu para 22 no ano seguinte e 45 em 1971. Essas operações envolveram quase 3000 operações de ataque, na sua maioria realizadas por Fiat ou T-6, responsáveis por um terço de todas as missões de ataque e apoio aéreo registados de 1969 a 1971. Sem surpresa, os ataques aéreos pré-planeados centraram-se em áreas de maior atividade do PAIGC, tanto no Sul como nos setores ocidentais onde a guerrilha estava mais ativa. Muitas das outras surtidas e ataque de apoio de fogo tinham a ver com a guerra de helicópteros. De 1968 até finais de 1971, a Zona Aérea levou a efeito quase 160 operações com helicópteros, tanto no Este como no Sul, mobilizando milhares de soldados em mais de 3000 saltos. Praticamente todas estas operações foram apoiadas por aeronaves de asa fixa e rotativa que realizaram reconhecimento, bombardeamento preparatório, apoio de fogo, comando e controlo e evacuação de feridos. Em 1971, os ataques combinados ar-terrestres tinham assumido um papel fulcral na estratégia de Spínola, como observou um jornalista, dizendo que “os Alouettes raramente estavam parados, não se passa um dia sem que os meios aéreos estejam a funcionar.” Estas operações conjuntas representaram mais de 40 mil incursões durante os primeiros três anos e meio do comando de Spínola (julho de 1968 a dezembro de 1971 – ver anexo II), atingindo um pico total anual de 11320 em 1971. As aeronaves com mais tarefas, no inventário da Base Aérea 12 durante este período, foram o DO-27 e o Alouette III, indicativo dos vários tipos de missões e demonstrativo da centralidade da logística aérea tanto para o esforço de guerra como para os seus programas de apoio civil.

Atividade do sistema de defesa antiaérea do PAIGC entre 1968 e 1972 (Matthew M. Hurley, com base em documentos oficiais portugueses)
O Fiat n.º 5411 poucos dias antes de ter sido abatido perto da fronteira da República da Guiné (Coleção José Nico)
Detalhe do Fiat n.º 5411 abatido pelo PAIGC (Casa Comum/Fundação Mário Soares)
Destroços do avião Fiat n.º 5411 a 4 km da fronteira da República da Guiné (Arquivo da Defesa Nacional)
Posições do sistema antiaéreo do PAIGC a cerca de 200 metros da fronteira com a Guiné Portuguesa, aquando no abate do Fiat nº5411 (Arquivo da Defesa Nacional)
Estrutura militar do PAIGC em 1971

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 15 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25276: Notas de leitura (1676): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (16) (Mário Beja Santos)