segunda-feira, 8 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25724: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte VI: Uns com tanto, e outros com tão pouco








 Timor Leste > Um país montanhoso, de paisagens luxuriantes... A muitos sítios no interior, só se consegue chegar de "motor" (motorizada), mesmo que o "pendura", em muitos troços, tenha que ir a "penantes" (como é o caso, aqui, do Rui Chamusco, na primeira foto de cima)



Fotos: © Rui Chamusco (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Escola Portuguesa Ruy Cinatti > Festa final de ano 2024/25 (vídeo, 5' 40'') (com a devida vénia...).


 (A Escola Portuguesa de Díli - Centro de Ensino e Língua Portuguesa Ruy Cinatti, fundada em 2002,  é um estabelecimento de de ensino pré-escolar, primário e secundário localizado em Díli, Timor-Leste., frequentada por alunos timorenses, portugueses e de outras nacionalidades)



1. Rui Chamusco, membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de maio último, é cofundador e líder da ASTIL (Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste), criada em 2015 e com sede em Coimbra.
 
A ASTIL fundou e administra a Escola de São Francisco de Assis (ESFA), nas montanhas de Liquiçá, Manati / Boebau (pré-escolar e 1º ciclo) e tem também em curso um programa de apadrinhamento de crianças em idade escolar. (Havia, então, em Boebau, 150 crianças sem acesso à educação.)

Professor de música, do ensino secundário, reformado, natural do Sabugal, e a viver na Lourinhã, o Rui tem-se dedicado de alma e coração a estes projetos solidários no longínquo território de Timor-Leste.

Desde a sua primeira viagem a Timor-Leste, no 1º trimestre de 2016, que ele vai escrevendo umas "crónicas" para os membros da ASTIL e demais amigos de Timor Leste. Temos estado a recuperar essas crónicas, agora as da segunda estadia, em 2018 (*).

O Rui Chamusco partiu para Timor, em 25 de janeiro de 2018, com o seu amigo, luso-timorense, Gaspar Sobral, cofundador também da ASTIL. Em Dili ele costuma ficar na casa do Eustáquio, irmão (mais novo) do Gaspar Sobral, e que andou, com a irmã mais nova, a mãe e mais duas pessoas amigas da família, durante três anos e meio, refugiado nas montanhas de Liquiçá, logo a seguir à invasão e ocupação do território pelas tropas indonésias (em 7 de dezembro de 1975) (tinha "apenas" 14 anos...).




Lourinhã > 2017 > Rui Chamusco e Gaspar Sobral, casado com a Glória Lourenço, professora do ensino secundário, conterrânea e amiga do Rui. A família Sobral tem um antepassado comum que foi lurai, régulo, no tempo dos portugueses. As insígnias do poder (incluindo a espada) estão na posse do Gaspar, que vive em Coimbra. A família Sobral andou vários anos pelas montanhas de Luiquiçá e de Ermera, tentando escapar à tirania dos ocupantes indonésios. O Gaspar esteve 38 anos fora da sua terra, só lá voltando em 2016, com o Rui.

Foto: Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


1. Esta segunda viagem e estadia do Rui Chamusco (de 27 de janeiro a 14 de junho de 2018) (*), em Timor Leste, em missão solidária, culminaria com a inauguração da Escola de São Francisco de Assis (ESFA), em 19 de março de 2018, em Boebau, Manati, nas montanhas de Liquiçá, evento já aqui relatado.

Através da família Sobral, um exemplo de "resistência e resiliência", e das crónicas do Rui, vamos conhecendo melhor Timor-Leste, de ontem e de hoje:

Estas crónicas têm um enorme interesse para se perceber melhor o que é hoje a República Democrática de Timor Leste, país membro da CPLP, com o qual mantemos laços históricos, e sobretudo afetivos, tal como mantemos com a Guiné-Bissau e outras antigos territórios que estiveram sob a administração portuguesa em África e na Ásia.

Enfim, estas crónicas, que o Rui Chamusco partilha connosco, acabam por ser um privilégio, para os nossos leitores, amigos de Timor Leste e/ou promotores da lusofonia.  



II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL)

Parte VI - Uns com tanto, 
e outros com tão pouco



06.04.2018, sexta feira - Investimento ou desperdício


Hoje estive de novo na escola Rui Cinatti, uma escola verdadeiramente portuguesa num contexto timorense. Os créditos que este estabelecimento de ensino foi granjeando ao longo dos anos são sobejamente conhecidos. Frequentar esta escola é motivo de orgulho para qualquer aluno e família. 

Com programas e funcionamento do calendário escolar português, aqui são administrados conhecimentos, saberes e atitudes que muito dignificam mais de mil alunos, respetivos professores e auxiliares de ação educativa (mais ou menos sete dezenas). As condições físicas deste estabelecimento fazem inveja a muitas escolas de Portugal. Tudo é tratado com muito respeito; tudo parece bem. Mas por detrás de todo este cuidado está o zelo, a competência e a dedicação da sua direção, concretizada na pessoa do Dr. Acácio.

Perante os números astronómicos indicados em investimentos à vista, fala-se quase sempre em milhões, quase instintivamente perguntei: “quem paga isto tudo?” A resposta foi pronta e clara: “ O ministério da Educação e a embaixada de Portugal”. Se acrescentarmos a tudo isto os gastos mensais com o pagamento a professores e auxiliares de educação poder-se.á ter uma ideia do bolo mensal que aqui é investido.

Tudo bem. Dão-se os meios e atingem-se os fins. Dito de outra maneira,  “as árvores conhecem-se pelos seus frutos”. Mas sem qualquer preconceito ou  acusação, dou comigo a pensar: “se nós dispuséssemos de uma ínfima parte do que aqui se gasta para apetrechar e fazer funcionar a nossa escola de São Francisco de Assis em Boebau.” 

Os restinhos que aqui sobejam matavam a fome à pobreza e ainda sobrava pão. Uns com tanto e outros com tão pouco, como cachorrinhos que ansiosamente esperam alguma migalha que caia da mesa dos seus senhores.


07.04.2018, sábado - Pedido de ajuda


A Delfina, uma moça de que já falei a propósito de ter acabado o secundário como sendo a segunda melhor aluna da turma, mas que estava em casa por a família de acolhimento não ter hipóteses de economicamente lhe poder garantir a continuidade nos estudos, veio até nós para nos informar dos seus primeiros dias na Universidade da Paz, onde frequenta o curso de Relações Internacionais. 

A rapariga conta, com um ar de felicidade bem visível no seu rosto, episódios relacionados com o estudo das disciplinas (comunicação social, economia, filosofia, português, e outras). Fala-nos dos professores, dos colegas, do seu envolvimento em ações culturais. Até parece que ganhou uma nova vida. 

No seu ar de simplicidade, próprio das terras donde provém, Boebau, promete-nos que se irá esforçar muito para aproveitar ao máximo o apoio que lhe estamos prestando. Com uma prestação de contas ao pormenor, a Delfina explicou-nos como, para poupar algum dinheiro, se desloca para a universidade. Em percurso normal teria de apanhar duas microletes que, a quinze cêntimos cada viagem, daria 60 cêntimos por dia. No fim do mês teria gasto dezoito dólares, o que para ela e muitos timorenses é incomportável. Então resolveu fazer uma parte do trajeto a pé e reduzir assim a despesa a metade.

É difícil hoje em dia encontrar jovens com este querer e esta força de vontade. Claro que se a Delfina fosse filha de gente rica ou gente notável, não haveria qualquer dificuldade em prosseguir os estudos. Mas a Delfina perdeu o pai e a mãe está muito doente. Por isso recorreu a uma família de acolhimento, onde vivem neste momento 14 pessoas. Os seus estudos na Universidade da Paz só são possíveis graças à benevolência do seu reitor, Dr. Lucas, que compreensivelmente atendeu o nosso apelo, libertando-a do pagamento de propinas e graças ao apoio de outros amigos sensíveis a casos como este.

A Delfina pediu-nos timidamente um telemóvel a fim de poder desenvolver com mais competência os seus trabalhos de investigação. Entretanto conta com a ajuda de colegas, com trabalhos de grupo, e claro está com a ajuda dos professores. Talvez apareça algum anjo portador deste meio de comunicação, com acesso à Internet...


09.04.2018, segunda feira - Mundo Mágico


Estamos a falar, claro está, do mundo das crianças, onde a fantasia é rainha e os seus habitantes são príncipes e princesas. “Mundo Mágico” é o nome de uma escola creche e jardim infantil que hoje visitei em Motael / Dili, no intuito de aprender alguma coisa que nos possa servir de exemplo para a nossa escola de Boebau. 

Mais ou menos 40 crianças povoam o espaço agradável que as responsáveis procuram com muito carinho proporcionar aos seus utentes. Em funcionamento há cinco anos, de melhoria em melhoria, um local onde a língua portuguesa é o veículo principal de comunicação. A decoração, os jogos, o ambiente transportam-nos para este mundo de sonho e de fantasia em que o presente e o futuro se constrói com fadas, castelos, músicas e canções infantis que nos empolgam para horizontes ilimitados, para campos cobertos de arco iris sem alcance mas que encantam e fazem sonhar. 

E, ao me lembrar daquela frase perdida “cada criança que nasce é um sinal de que Deus ainda não está zangado com a humanidade...”,  fico a pensar e a concluir que, aqui em Timor, Deus está bem presente graças ao número tão elevado de crianças que nascem e crescem nestes mundos mágicos mas reais. Os seus sorrisos contagiantes são a prova provada de que este Deus existe e se manifesta com abundância nestas crianças. Remato com a letra de uma velha canção: “ Se Deus é alegre e jovem / Se é bom e gosta de sorrir / Porquê andar tão triste / Porquê andar sem cantar e sem rir.”


14.04.2018, sábado - Rumo a Boebau


Até que enfim! Depois de tanta espera, lá vamos nós, o Eustáquio e eu, bem assentados no “motor” a caminho de Boebau. Não foi preciso muito tempo para nos aprontarmos. Mochila às costas e uma mala com os materiais da exposição “Lameta”, e toca a andar que se faz tarde. 

Até Liquiçá tudo bem. Depois começa o calvário até Boebau. Quem já fez este caminho de carro ou de motorizada sabe bem do que estou falando. As dificuldades do caminho são tantas que, só por sorte, a gente não tem de parar para se safar dos buracos ou de algum ser vivo (vacas, cabras, porcos, galinhas que instantaneamente se cruzam na estrada). 

Mesmo assim, a vontade de chegar é tão forte que tudo aguenta. À chegada, com o corpo todo partido, as pernas mal se aguentavam em pé, e só depois de alguns momentos de recuperação foi possível dar alguns passos. Refeitos do desgaste, começam as visitas e os contactos. 

Como o dia seguinte era domingo, tivemos algum tempo para falar do porquê desta pequena estadia. E logo à noite em casa do AbôZé travamos algumas conversas importantes que deram o mote para colóquios do dias seguintes. E “vamos para la cama, que hay que descansar. Para que mañana possamos trabajar”.


15.04.2018, domingo  - A contemplar as montanhas


Talvez por ser domingo, passei uns bons momentos a contemplar as montanhas e o mundo que nos rodeia. Aqui a natureza é pródiga na oferta que nos faz. Um sem número de paisagens deslumbrantes, com o sol a fecundar todos os sinais de vida. Coqueiros, mangueiras, madre cacau, bananeiras, e tantas outras árvores de fruta e de flores. Aqui é fácil e agradável contemplar e agradecer ao criador que dá a vida e a sustenta. Cabe-nos a nós cuidar dela.

Neste contexto, deparo com a Escola de São Francisco de Assis, com o padroeiro e amante da natureza que, na sua simplicidade, chama mãe à terra e irmãs a todas as outras criaturas: irmão sol, irmã lua, irmã água, irmão vento, irmão fogo, etc,etc... Sei que a sua proteção nunca nos vai falhar, saibamos nós ser reconhecidos.

À tarde, tive uma das experiências que irá acompanhar-me para sempre: plantação de coqueiros nas traseiras da escola. O Abô Zé surgiu com a ceira (espécie de cesta feita em palapa) cheia de cocos já com rebentos, e foi então que me ofereci para o ajudar na plantação. As dificuldades de equilíbrio eram tantas, que me lembrei da técnica para dançar o tango, a saber: dois passos lentos para a frente e três passos rápidos para trás. Ou seja, demorei um tempo enorme a subir o que já tinha descido. 

Missão cumprida, ficou a satisfação de ter plantado algo que quero ver crescer, à semelhança de outras coisas menos visíveis.


Histórias que são verdade


À noite depois da ceia, começam as conversas de sobremesa. Sentados nas cadeiras de encosto ou em qualquer lado, vão se contando cenas do dia a dia que foram acontecendo. Passo a relatar as duas que mais me impressionaram.

Na semana passada foram encontradas duas raparigas mortas, uma de treze anos e outra de dezoito, trazidas nas enxurradas da ribeira Laoeli. Segundo contam, uma delas já meia comida por alguns cães ou bichos carnívoros que por ali passaram. As vítimas que não são conhecidas,  são provavelmente do concelho de Ermera, do outro lado que divide a ribeira.

Já tinha ouvido dizer as dificuldades e riscos que estes habitantes das montanhas correm quando têm que atravessar, a pé porque não são navegáveis. Alguns contam, já do tempo da guerrilha e da ocupação indonésia, que a melhor maneira de passar de uma margem para a outra é em corda, de mãos dadas, mas que de vez em quando a corrente é tão forte  que algumas pessoas se desprendem e são arrastadas pela força das águas, sem possibilidade se serem apanhadas.

O Abô Zé descreve também com um realismo impressionante, em que os gestos tudo dizem, como durante a guerrilha armavam emboscadas aos soldados indonésios. Faziam grandes buracos nas veredas e caminhos, levavam a terra para longe a fim de que não desconfiassem, lá dentro colocavam canas de bambu bem afiadas, disfarçavam com ervas e mato na esperança de que por ali passassem e fossem desta forma eliminados ou apanhados. 

Imaginem a crueldade e o sofrimento das pobres vítimas. Mas, como diz o ditado “em tempo de guerra não se limpam armas”.

O que mais me impressiona é o realismo que os protogonistas destes relatos revelam ao contar estas histórias.

(Continua)

(Título, seleção de excertos, revisão / fixação de texto, inegritos: LG)

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Nota do editor:

domingo, 7 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25723: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (25): "Será que não aperto bem?"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"


Será que não aperto bem?

Sentei-me. A meio da refeição, uma senhora idosa, dos seus oitenta anos, que me pareceu muito bonita, entrou na sala e sentou-se na mesa em frente à minha. Tinha um rosto vincado e sofrido, uma daquelas caras que parecem estar sempre prestes a chorar. Os nossos olhares cruzaram-se duas ou três vezes durante a minha permanência na mesa, o suficiente para eu achar, com efeito, que aquela senhora deveria ter sido muito bonita.

Paguei a conta, levantei-me e, quando passava junto à senhora, coloquei-lhe suavemente a mão no ombro e disse:
- A senhora desculpe o meu atrevimento, não leve a mal, mas eu gostava de lhe dizer que a senhora deve ter sido muito bonita.

Ao contrário do que eu esperava, ela não se mostrou surpreendida. Calmamente, poisou o talher, colocou serenamente a sua mão direita sobre a minha, que eu havia apoiado na mesa, e respondeu:
- Pois era. Era, de facto, muito bonita. Meu caro senhor, muito obrigada pelas suas palavras, que me souberam melhor do que a refeição e, já agora, meu caro e desconhecido senhor, deixe-me fitá-lo bem nos olhos porque não quero esquecer a sua cara.

Fiquei meio paralisado. Com o melhor sorriso de que sou capaz e com uma inesperada sensação de estúpido, voltei a pedir desculpa e afastei-me.

Sentei-me no carro, com a porta aberta, e em voz alta atirei para o ar: Porra! Eles têm razão, eu não devo bater muito bem!

Mas no fundo, bem no fundo, senti-me feliz. Que belo momento, pensei! E quase senti uma lagrimeta no canto do olho. Não sei o que ganhei com o meu gesto. Não sei o que perdia se o não tivesse feito. Sei que há momentos tão subtis na vida real como os milhões de subtis mecanismos que geram o nosso mundo interior e dos quais não nos damos conta. Há momentos cuja grandeza vai dos escaninhos da nossa alma à dimensão universal.

Que se apresente aquele que seja capaz de os medir.

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Nota do editor

Último post da série de 30 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25703: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (24): "A tolice por um fio"

Guiné 61/74 - P25722: Facebook...ando (60): Fotos do A. Marques Lopes (1944-2024): viagem no T/T Niassa, e chegada a BIssau, em maio de 1968, para a segunda parte da comissão, (CCÇ 3, Barro, 1968/69)

 

 
Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Ponte-cais > Maio de 1968 > A. Marques Lopes e outros alferes milicianos qie vieram, em rendição individual,  da metrópole no T/T "Niassa" (ao largo, na foto).



Foto nº 2 > Guiné > Bissau > Ponte-cais > Maio de 1968 >  Em primeiro plano, o draga-minas NRP  "Faial" (?)  e,  fundeado no estuário do Geba,  o N/M "Niassa"


Foto nº 3 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 >  O A. Marques Lopes, acabado de chegar no N/M "Niassa"; ao fundo, o porto de Bissau, a ponte-cais (*).



Foto nº 4 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > N/M Niassa > Transbordo de tropas, em LDM (1)


Foto nº 4A > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > N/M Niassa > Transbordo de tropas, em LDM (2)


Foto nº 5 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > Final da Av da República (hoje, Av Amílcar Cabral). A estátua que se vê , era a de Nuno Tristão (de costas para o rio Geba e instalações portuárias, e ao fundo o N/M "Niassa"), erigida por ocasião do 5º centenário do seu desembarque em terras da Guiné (1446).
(Não confumdir com estátua de Diogo Gomes, que estava na praça com o mesmo nome, entre  a fortaleza da Amura  e a ponte-cais.) (*)



Foto nº 6 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > O A. Marques Lopes no "jardim ao pé do porto de Bissau"


Foto nº 7 > Guiné > Bissau >  > Maio de 1968 > Forte da Amura (1)


Foto nº 8 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Forte da Amura (2): o A. Marques Lopes, à civil


 
Foto nº 9 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Cais do Pidjiguiti... Ao fundo, do lado direito, o ilhéu de Rei


Foto nº 10 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Arredores da cidade: o A. Marque Lopes à civil... "Calmamente", acrescenta ele, na legenda.


Foto nº 11 > Guiné > Bissau >  Maio de 1968  > Arredores da cidade... Ao fundo, descortina-se a catedral de Bissau, na Av da República (que vinha da Praça do Império até ao rio).



Foto nº 12 >  Lisboa- Guiné  >  A bordo do N/M "Niassa" > Maio de 1968  > Um grupo de oficiais milicianos, entre eles o A. Marques Lopes (o segundo à direita)



Foto nº  12A > Lisboa- Guiné  >  A bordo do N/M "Niassa" > Maio de 1968  >  Um grupo de oficiais milicianos acabados de chegar (pormenor). UM deles parece ser capitão, e mais velho (o primeiro da direita)


Foto nº  12B >   Lisboa-Guiné > A bordo do T/T "Niassa" > Maio de 1968  >  Um grupo de oficiais acabados de chegar (pormenor)


Grupo de oficiais que viajaram com o A. Marques Lopes (o segundo a contar da direita, de óculos escuros e um livro debaixo do braço).  Entre eles o Almodôvar (o quarto a partir da direita), amigo do Torcato Mendonça e do Paulo Raposo (**). O Marques Lopes regressava do Hospital Militar Principal, em Lisboa. Depois de ter estado, em Geba, em 1967, na CART 1690, onde foi ferido, acabou o resto da sua comissão em Barro, na CCAÇ 3.

 Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Agora que o nosso amigo e camarada A. Marques Lopes (Lisboa, 1944-Matosinhos, 2024) nos deixou para a "derradeira viagem" (a que não tem retorno: "adeus, mas não há regresso!"..., terão sido as suas últimas palavras!), deu-nos uma saudade imensa, e fomos "revisitar" a sua página no Facebook (***)...

E antes que essa página desapareça,  fizemos uma seleção das fotos do seu álbum: em princípio, as que reproduzimos serão todas de maio de 1968, quando ele voltou à Guiné, pela segunda vez, para ser colocado na CCAÇ 3 (Barro, 1968/69), ainda mal recuperado de uma grave ferimento com uma mina A/C. Será na região do região do Cacheu que ele acabará a sua comissão.

Regressará a Lisboa, no N/M "Uìge", em março de 1969 (****)

PS - Não temos a certeza se as fotos são todas da mesma época, maio de 1968 (nomeadamente, as nº  7, 8, 9, 10 e 11)


(****) Vd. poste de 23 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15401: Álbum fotográfico de Alfredo Reis (ex-alf mil, CART 1690, Geba, 1967/69) (4): No regresso a Lisboa, em março de 1969, no N/M Uíge: 1246 passageiros, distribuídos pela 1ª (n=57), 2ª (n=133) e 3ª classes (n=1056)

sábado, 6 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25721: Os nossos seres, saberes e lazeres (635): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (160): Díspares modos de ver, mimoseio para um coração feliz – Reguengo Grande, Praia da Adraga, Ofélia Marques (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Fui ao baú buscar alguns instantâneos, explicavelmente associados a acasos felizes, um céu noturno, a quietude de uma praia caracterizada por mar revolto e assombrosos rochedos, uma exposição bem original do desenho de uma das nossas maiores artistas modernistas, Ofélia Marques. O que me deixa particularmente feliz, agora que caminho para a quarta idade, é recordar a estupefação que sempre senti pelas ilustrações de Ofélia, a graciosidade daquelas ternas juventudes, os apaziguamentos domésticos, a criança e os jogos; e depois os retratos dos adultos, da Ofélia omnipresente, e até daquela Ofélia que metia medo aos bons costumes, basta pensar que depois de Eduardo Viana ninguém se atrevia a exibir o corpo de uma mulher nua, mais a mais uma artista. Vale a pena ir conhecer esta Ofélia versátil e ensimesmada, uma menina grande, genial e provocadora.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (160):
Díspares modos de ver, mimoseio para um coração feliz – Reguengo Grande, Praia da Adraga, Ofélia Marques


Mário Beja Santos

Por excelência, a fotografia é uma arte do acaso, incluindo estados de alma, do tempo, e daquela multiplicidade de circunstâncias que nos faz sair da contemplação e querer intervir, congelar/fixar imagens de agrado ou de embevecimento. É uma leitura estrita, confesso, durante anos interroguei-me o que levara a minha mãe a chamar um fotógrafo profissional ao velório da minha avó materna para gravar cena tão lúgubre, nunca me passara pela cabeça ter uma fotografia da minha avó morta. A explicação materna parecia incluir uma reprimenda: “Estas fotografias são para África, a minha mãe tem lá os seus parentes, quer acredites quer não eles ficarão mais satisfeitos em vê-la tal como faleceu do que eu lhes mandar uma fotografia embonecada com uma citação bíblica, quando cresceres verás o que eu estou a dizer.” Tenho para mim que não me chegou ainda a hora desse entendimento, dou-me melhor com as alegrias de certas contemplações, ainda por cima hoje tudo é facilitado pela rapidez com que utilizamos a câmara – é o que se chama o feliz acaso.

É o anoitecer no lugar do Reguengo Grande, concelho da Lourinhã, onde me sinto tão prazenteiro a olhar a terra lavrada onde crescem abóboras, favas e batatas, com fruteiras de toda a parte (ah, a maçã reguengueira, a pera rocha…). Estamos no inverno, ainda há para ali um vestígio do fim do dia, será esmagado pela nuvem gigante portadora do negrume, dentro de minutos os contornos da colina em frente de minha casa apagar-se-ão, restam aquelas lâmpadas do casario, vigilantes pela noite fora. Como gosto de escutar, noite de inverno!
A praia da Adraga fica perto de Almoçageme, esta liga com Colares, descendo, e com o Pé da Serra e Atalaia, quem sobe, abre cainho para o Cabo da Roca, Malveira da Serra, Cascais e Estoril. À hora que cheguei nada daquele mar bravio que açoita esta costa atlântica e que faz tremer os banhistas até à Foz do Arelho. Muitos pintores se sentiram atraídos por este penhasco fendido, permite a imaginação que nos leve a supor que é um elefante a viajar nas águas ou casca de oliveira milenar; não, é uma erosão que vem de tempo antiquíssimos, é, acima de tudo, uma atração da praia, daí estas duas imagens, uma mais próxima a outra mais longe.
É dia de semana, ainda é inverno, andam por aqui alguns residentes e forasteiros; se aqueles rochedos esmagam ou assombram, não menos importante é a falésia com aquela florestação rasteira, tais e tantos são os açoites do vento; há muito por onde passear e no verão, nas certezas da vazante saltita-se entre pedregulhos e rochedos e a pequenada em férias faz castelos de areia. Como são diferentes estas praias tão próximas umas das outras, mesmo acobertadas por falésias e terrenos penhascosos, não há afinidades absolutas entre a praia das Maçãs, a Praia Grande ou a Adraga. Despeço-me chamando a atenção para o pormenor de que esta senhora de cabelo ruivo dá a impressão que vai caminhar para aquela imensa montanha mágica, com a neblina turva à sua volta.
A Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva tem patente uma exposição até 2 de junho dedicada a uma escolha de retratos do vasto acervo desta importante artista modernista deposito na instituição, é curadora do evento uma especialista em Ofélia Marques, Emília Ferreira, hoje diretora do Museu de Arte Nacional Contemporânea.
Ofélia Marques é uma das grandes artistas modernistas que se impôs nas décadas de 1930 e 1940. Acolhida com muito agrado no desenho gráfico, em livros e revistas, tendo tido um papel dinâmico e inovador na revista Panorama, ao lado do marido, Bernardo Marques, não há nenhum exagero em dizer que ela faz parte daquele elenco onde se notabilizaram Sarah Afonso, Estrela Faria, Maria Adelaide Lima Cruz, Mily Possoz, Maria Keil, que no campo das artes plásticas do modernismo foram tratadas como figuras subalternas, como ilustradoras. Ofélia impôs-se em inúmeras exposições, que permitem o confronto da sua arte caleidoscópica onde há muito mais que gatos, criançada, flores, fitas, agulhas. Foi uma retratista exímia, o que esta exposição deixa ver, no seu geral, são desenhos muito à volta de ela mesmo, uma personalidade vincada que transcende a linha expressionista, o cuidado com a coisa mundana, pouco interessada em retratos de representação social e muito menos em arranjos decorativos. Retratando-se e retratando outrem, é como se o nosso olhar oscilasse entre um espelho e uma câmara fotográfica a interrogar a geografia interior destes seus retratos, na sua generalidade não saíram de um circuito privado.
O que verdadeiramente me apaixona no desenho de Ofélia é a ambivalência entre o dado formal e a sua pujança lírica; o formal prende-se com o arquétipo da criança ou do gato em ambiente doméstico; a pulsão lírica é nos dadas pelas tensões de uma certa irregularidade do traço, olharmos para muitos destes desenhos e intuir que há algo inacabado. E temos na exposição esta formidável galeria de autorretratos, mas cuidado com o que se vê nem sempre são retratos de Ofélia, são mais encontros dramáticos entre uma certa volúpia que ela pretende desenhar e a forma estilizada, onde não falta por vezes a provocação e um certo gosto pelo escândalo. Até então, só Eduardo Viana pintara a mulher nua, Ofélia pinta três.

E, por último, há esta ritualidades do desenhar imaginário, é como se a Ofélia mulher vive no eterno retorno da sua própria imagem de mulher dá-nos a frescura da criança, por vezes em posturas lânguidas, ela que era acusada por alguns mestres de pintura de ser preguiçosa. O poeta José Gomes Ferreira, que ela retratou, dirá dela que ninguém, entre os artistas do seu tempo pintou melhores retratos de crianças. Talvez tenha faltado neste comentário do grande poeta o aditamento daquelas crianças eram uma pura reminiscência da criança que ela gostaria de ter sido para sempre.
Beatriz Costa
José Gomes Ferreira
Ofélia dentro de Ofélia
A Ofélia adulta virada para uma criança
Um retrato em que Ofélia não está ausente, atenda-se àquele laçarote icónico
Ofélia tinha uma predileção de registar ambientes domésticos, intimidades da leitura, aqui é um jovem já bem crescida, nada de laçarotes e veja-se a provocação das saias curtas.

Gostei imenso da exposição, dê por onde der hei de voltar, estes desenhos que vêm agora à luz do dia a criteriosa escolha de Emília Ferreira fazem-me considerar Ofélia Marques a detentora da varinha mágica que transmudou o modernismo em Portugal.

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Nota do editor

Último post da série de 29 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25701: Os nossos seres, saberes e lazeres (634): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (159): Na vila realenga de Belas, no termo de Sintra, já houve Paço Real, estamos perto da Venda Seca - 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25720: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (1): O meu cruzeiro no N/M "Ana Mafalda": ficámos contentes por saber que era só até à Guiné, e não até Timor...


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor de Geba > CART 1690 (1967/68) > Cantacunda >  Abrigo... ou "bu...rako"



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967/69) > O A. Marques Lopes em 1967, com duas beldades locais. Em 21 de agosto de 1967, seria ferido com gravidade na estrada de Geba para Banjara na sequência da explosão de uma mina A/C e, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. Voltou ao CTIG, em Maio de 1968, para acabar a sua comissão, tendo sido colocado então na CCAÇ 3, em Barro.



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 > 1967 > O Cap Art Manuel Carlos da Conceição Guimarães, então com 29 anos. Foi um dos 24 capitães mortos no TO da Guiné




Guiné > Região do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Grupo Os Jagudis >  O ex-al mil  Marques  Lopes,   com o seu guarda-costa, balanta... "O meu guarda-costas chamava-se Bletche-Intete. Grande amigo. Um dia deu-me um grande empurrão durante um tiroteio... é que eu tinha-me virado de costas para o local de onde o IN estava a disparar (fiquei mal dos ouvidos desde que fui ferido em Geba)".


Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2005). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viagem Porto-Bissau > Abril de 2006 > Percalços no deserto... e a solidarieade dos tuaregues... O Xico Allen, junto à traseira do jipe e o Hugo Costa, filho do Albano Costa, fazendo a cobertura fotográfica...

Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Bissau > Restaurante Colete Encarnado > 21 de Abril de 2006 > O nossso camarada e amigo,  coronel de infantaria DFA,  ref, A. Marques Lopes  (à direita), jantando com o "inimigo de ontem", comandante Lúcio Soares e o comandante Braima Dakar. 

Sobre este último acrescentou: "O Braima Dakar, nome de guerra de Braima Cama,  é outro comandante que esteve ligado à morte dos três majores no chão manjaco. Disse-me que se disseram muitas coisas sobre isso que não são verdade, que não queria falar, e não me contou nada" (...) (*) 

Foto (e legenda): © Xico Allen (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Lisboa > Jantar de Natal 2007 > Os quatro magníficos da CART 1690, todos eles alferes milicianos... 


(ii) em primeiro plano, está o António Moreira, à esquerda, e o António Marques Lopes, à direita

Os quatro fazem o pleno na Tabanca Grande em matéria de alferes milicianos de uma companhia: crieio que a CART 1690  é a única nessas condições... (Não temos notícias de nenhum deles há muito.)

Fotos (e legendas): © A. Marques Lopes (2007). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. No dia em que o nosso camarada e amigo A. Marques Lopes (foto à esquerda) chega ao fim da picada da vida, ao km 80 (*), temos a obrigação de mostrar aos mais novos do blogue, os recém-chegados,  os "periquitos, alguns dos melhores postes por ele publicados, e pôr em evidência o seu exemplo de vida e de coragem.

Ele esteve particularmente presente, sempre ativo e proativo,  no arranque do blogue: um 1/5 dos postes de um total de 385 publicados em 2005,  foram da sua autoria ou têm o seu nome (A. Marques) como "descritor". 

Foi particularmente participativo, no nosso blogue, até ao ano de 2008. Em 2006, em abril, fez a sua *romagem de saudade" à Guiné-Bissau, de jipe  com mais meia dúzia de camaradas (entre eles, Albano Costa, o filho Hugo, o Xico Allen, e a filha, Inês), e assinou algumas das melhores crónicas da série "Do Porto a Bissau", com abundante documentação fotográfica, revisitando as estações do seu calvário...

O A. Marques Lopes que em 1975 , beneficiando do seu estatuto de DFA, aproveitou a legislação que lhe  iria permitir voltar á vida ativa militar, e fez a carreira chegando ao posto de coronel, foi dos nossos primeiros "tertulianos" a relatar e a documentar, com recurso  a um numeroso e valioso espólio fotográfico, as aventuras e desventuras dos milicianos na Guiné: no seu caso, primeiro como alf mil na CART 1690, no subsector de Geba, região de Bafatá, zona leste, onde foi gravemente ferido (com direito a evacuação para a metrópole), e depois (ainda mal recuperado ) no Cacheu, em Barro, junto à fronteira com o Senegal, na CCAÇ 3, onde foi obrigado a completar o resto da comissão (1967/68).

O A. Marques Lopes era um profundo conhecedor da Guiné e do PAIGC, mantendo com os seus antigos guerrilheiros e comandantes uma relação próxima, não hesitando por exemplo em sentar-se à mesa com eles e partilhar "confidências" do tempo da guerra (vd. foto acima com o comandante Gazela, nome de guerra do Lúcio Soares)...  

Depois pediu-nos uma "licença sabática," porque estava a escrever um livro e tinha outros afazeres, incluindo a sua intervenção cívica nas escolas, associações e autarquias, mostrando e explicando o dossiê guerra colonial, no âmbito da A25A - Delegação Norte, a que pertencia.

 Pelo meio, meteu-se o projecto da Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné, bem como da Associação Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano, de que foi o vice-presidente do Conselho de Administração.

Nado e criado em Lisboa, com costela alentejana (logo "mouro", sulista), vivia, há muito, disfarçado de "morcão", em Matosinhos...  Do seu segundo casamento, com uma nortenha, a Gena, teve um filho, o Francisco, que já terá os seus 30 anos. Tem ainda o Vasco, do primeiro casamento. Não falava muito da sua vida privada e familiar. Deixa-nos, entre outra produção literária, um grande livro de memórias, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Books, 2015).

Dele guardo a grata memória de um grande homem, de fibra, de coragem, um bom amigo e camarada, que, mesmo na fase mais dramática da sua doença, era um otimista, um apaixonado pela vida. Costumava telefonar- lhe  no aniversário natalício.  O José Teixeira, seu vizinho, e que com ele conviveu e partilhou os projetos da Tabanca de Matosinhos, escreveu: 

"A sua grande vontade de viver fez com que travasse por longo tempo uma luta de vida. A sua esperança de recuperar era enorme. Dava gosto ouvir as suas palavras de esperança. Estava sempre bem e sobretudo bem-disposto. 'Estou aqui para a luta', dizia-me ele há dias. Desta vez a doença foi mais forte" (*)...

Pedi ao Zé Teixeira que nos representasse, a todos nós, Tabanca Grande, na hora da despedida. Para a esposa, Gena, e os filhos,  Vasco e Francisco, vai a nossa solidariedade na dor por esta perda enorme, para eles e para todos nós, seus amigos e camaradas. (LG)


T/T Ana Mafalda



O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024):

O meu cruzeiro no "Ana Mafalda":  ficámos contentes por saber
 que era só até à Guiné, e não até Timor...


Tinha 103 metros de comprimento e 14 metros de largura, em linguagem de pescador de canoa em água doce, e tinha uma velocidade máxima de 13,5 nós, isto é, em linguagem de velho motorista de fim-de-semana, dava no máximo 25 km por hora.

Tinha 16 alojamentos em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira. Tinha 47 tripulantes (estou muito agradecido a um deles, um que me vendeu a máquina fotográfica com a qual tirei as fotografias que vocês conhecem). Alguns dos modernos "cacilheiros" que atravessam o rio Tejo não serão tão "grandes", mas aproximam-se.

Pois é verdade, meus amigos, foi neste transatlântico que a CART 1690 [Geba, 1967/69] largou do cais de Alcântara até à Guiné. Era a única unidade que lá ia, porque não cabia mesmo mais ninguém, penso eu.

Como alguns meses antes de embarcarmos nos tinham dito que íamos para Timor, ficámos satisfeitos por decidirem mandar-nos para a Guiné, pois pensámos que seria terrível ir num barco daqueles até à Oceânia...

Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos "camarotes" de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.

O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.

Largámos às 12h00 do dia 8 de abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejetos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os "despejos" começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório.

Mas deixem-me contar o que aconteceu antes do embarque. No dia 3 de Abril houve a cerimónia de despedida, assim lhe chamaram, no RAC (Regimento de Artilharia de Costa) de Oeiras, que era onde estávamos à espera de embarque. Houve missa na parada celebrada pelo padre Nazário, perdão, o senhor major-capelão Nazário, que, ainda por cima tinha sido meu "superior" quando eu fiz a instrução primária nas Oficinas de S. José, em Lisboa!

Não fui à missa nem ouvi o sermão que ele fez, e que me 
disseram que foi uma bela dissertação sobre o amor à pátria e a defesa do património nacional. Mas tive que o gramar mais tarde, porque ele, um dia, apareceu em Geba para ver como estava a guerra.

− Nós por cá todos bem, é claro − disse-lhe eu.

 Foto à direita: Nazário Domingues de Carvalho (salesiano) (capelão, CTIG, 1964/68)

Depois, no dia 8 de Abril, então, seguimos de comboio especial para a gare marítima. Fizemos um belíssimo e aprumadíssimo desfile, com a nossa mascote Morena à frente (...) ( coitada, não vem na lista, mas estava em Sare Banda, aquando do ataque, e foi morta durante ele; morreu em combate também; era uma cadela muito porreira) perante um representante de Sua Ex.ª o Ministro do Exército.

As senhoras do Movimento Nacional Feminino deram muitos santinhos, calendários e bolachas a todos. O representante de Sua Ex.ª o Ministro do Exército ainda fez uma preleção aos sargentos e oficiais dentro do navio. Aos soldados não deu trela. E lá embarcámos com as lágrimas dos familiares presentes.

Às 16h00 do dia 15 de abril de 1967 o Ana Mafalda chegou ao porto de Bissau. A 16 de abril a companhia passou diretamente do navio para LDG e seguiu pelo Geba acima até Bambadinca.

Foi engraçado e giro, como devem calcular, para o pessoal que ia enfiado, ouvir os fuzileiros que nos levaram ir dizendo, em cada curva ou ponto mais apertado do rio:

−  Olhem que aqui costuma haver ataques!...
 
Dormimos em Bambadinca, em tendas, ao pé do rio, porque não havia instalações. Foi o primeiro combate com a mosquitada.

A 17 de Abril seguimos de Bambadinca para Geba em coluna auto. E fomos render a CCAÇ 1426, do Belmiro Vaqueiro.

A brincar, a brincar, é o começo da nossa estória. (**)

(Seleção, revisão / fixação de fotps, edição e legendagem de fotos, título: LG)
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Notas do editor:

(*) 5 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25718: In Memoriam (505): A. Marques Lopes, cor inf ref, DFA (1944-2024), um histórico do nosso blogue: despedida amanhã, às 11h45, no Tanatório de Matosinhos; e Elisabete Vicente Silva (1945 - 2024), viúva do nosso camarada, dr. Francisco Silva (1948 - 2023): o funeral é hoje, na igreja de Porto Salvo, Oeiras, às 16h00

(**) Vd. poste de 28 de junho de  2005 > Guiné 63/74 - P87: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967) (Marques Lopes)