2. Como já escrevi há tempos atrás, o Pel Caç Nat 53 era bastante heterogéneo quanto a etnias, o que não impedia haver um excelente espírito de corpo. Tenho grandes saudades daqueles homens, principalmente dos africanos, imaginando os que ainda vivos e vivendo na Guiné, as imensas dificuldades a enfrentar no dia a dia. Felizmente encontrei alguns em Fevereiro de 2005.
Comecemos pelo Fur Mil Duarte, já no 53, quando da minha chegada, era o meu braço direito, meu substituto no comando, natural de S.Pedro do Sul e actualmente residente em Viseu. Era também conhecido, alcunha apradinhada pelo Julião da CCAÇ 2701, por
Passarinho e ainda esteve no Saltinho com a CCAÇ 2406. Ajudou-me imenso na minha integração no Grupo de Combate e na minha adaptação à Guiné. Extrovertido e excelente jogador de futebol, sendo que, no 53, exceptuando o comandante e poucos mais, havia os melhores jogadores e a melhor equipe das redondezas. O Duarte foi rendido pelo Fur Mil Mário Rui, em fins de 71, quando me encontrava em Bambadinca. Continuamos a encontrar-nos, tendo-me convidado para o casamento, a que fui com prazer, da filha mais velha.
O Fur Mil Mário Rui, tinha sido colocado na 2701 dois meses antes da minha chegada à Guiné, pertencendo ao 4.º Pelotão, comandado pelo meu saudoso camarada e amigo Alf Mil Valentim Oliveira, tendo transitado, como disse atrás, para o 53 em fins de 71. Onde páras Mário Rui? O número de telemóvel que tinha, há muito que está emudecido.Tenho um carinho especial por este meu camarada. Era uma pessoa alegre, simpática e exímio tocador de viola, guitarra, para os puristas. Foi extremamente afectado pela tragédia do Quirafo, o auxilio aos sobreviventes, a recolha dos mortos, marcou-o para sempre, paralisou-lhe os dedos provocando o
calar da guitarra. Quando cortámos com o
proveta Lourenço e mudámos para o Reordenamento de Contabane, ocupando a 1.ª casa, para quem vinha da fronteira, o Rui era meu companheiro de quarto. Tomava vários calmantes durante o dia, terminando, ao deitar, com uma dose de
Vallium. Eu, cheio de wisky, ouvia os pesadelos que tinha durante a noite, o que não impedia a sua operacionalidade, como contarei noutra memória, quando de um ataque a uma tabanca perto do Saltinho. Fiquei com muita pena, quando fui rendido e o Rui, que já tinha mais tempo de comissão, continuou à espera de substituto. Se algum camarada souber do paradeiro do Mário Rui Rodrigues, natural de Cebolais de Baixo (ou de Cima), Castelo Branco, dê-me uma apitadela.
O Fur Mil Martins, transmontano, natural de Bragança, era um tipo muito certinho, muito introvertido, não bebia, convivíamos pouco, mas é um camarada que não esqueci.
Por último havia o Fur Mil Dinis, açoriano da Terceira, com aquela pronúncia caracteristica, conheci-o em Bambadinca, ao iniciar a instrução da minha 2.ª Companhia de Milícias, na primeira quinzena de 1972. Em 6/01/72, dia em que fiz 24 anos, apareceu um heli no Saltinho, estando já previsto o meu regresso a Bambadinca, em coluna, via Galomaro, mas como ainda tinha tempo, com a cumplicidade do Clemente e a boleia oferecida pelo piloto, regressei a Bambadinca, via Bissau, onde andei três dias nos copos e no Pilão, indo de DO 27 para aquela Sede de Batalhão acompanhado pelo Major Anjos de Carvalho, que tinha vindo ao QG tratar de um qualquer assunto. O Fur Mil Dinis chegara ao Saltinho no dia 7 e de imediato, foi enviado para Bambadinca como instrutor de um dos pelotões de milícia. Era um óptimo camarada, gostava de ouvir aquela pronúncia. Tal como o Martins, nunca mais soube dele, mas gostava de os encontrar.
Vamos aos 1.ºs Cabos.
O Mamadu Sanhá, beafada, ainda hoje Cabo da Guarda Fiscal, tive muita pena de não o encontrar em Bafatá, em Fevereiro de 2005. Foi ferido em combate, em 4 de Dezembro de 1971, em Galomaro, quando uma das secções do 53 se encontrava destacada, naquela Sede de Batalhão, comandada pelo Fur Mil Martins. Escreveu-me há tempos uma carta, que muito me emocionou, agradecendo uns
euros que lhe enviei através do Sado.
O Verdete de Maiorca, Figueira da Foz, temo-nos encontrado.
O António Cosme de Vilarinho do Bairro, Anadia, que pouco tempo depois de chegar à Guiné, soube da trágica notícia da morte da irmã e cunhado, quando uma noite, andando a regar milho, cairam num poço, deixando dois filhos menores, criados e educados pelo tio, após o regresso da Guiné. Foi em Junho de 2006, juntamente com o Carlos Clemente, minha testemunha abonatória, num processo por agressão corporal, que malevolamente me levantaram e do qual, felizmente, saí absolvido. Já por duas vezes, nos juntámos em casa do Cosme, eu, o Verdete e o Pina, outro dos meus 1.ºs Cabos, infelizmente falecido há pouco mais de um ano.
O Umaru Baldé, também 1.º Cabo, fula.
Fechando com o Cristóvão Mantudo dos Santos, papel e o mais instruído do Pel Caç Nat 53, tendo frequência do 5.º ano do liceu.
Evocando agora os soldados, começando pelo Putchane Obna, balanta, também conhecido por Cunha, bebedor inveterado, o único a quem dei um forte murro (o Martins Julião assistiu) encontrei-o a dormir no posto de sentinela mais sensível do quartel.
O Fieme, mandinga, o Morna, balanta, por quem tinha também uma especial amizade, grande bebedor, mas contava-me histórias deliciosas.
O Bari, penso que mandinga, o Samba Jau, fula, o Tuai Camará, fula, o Quebosse Embonda, outro bebedor, balanta como é óbvio, o Bobo Embaló, fula, o melhor futebolista do Saltinho, tinha uma Cruz de Guerra.
O Bubacar Só, fula, mais conhecido por Buba, encontrei-o em Fevereiro de 2005 em Bambadinca, o Queta Mané, mandinga, o Dauda Camará, fula, o Baró Turê, mandinga, sei que vive em Lisboa, mas não tenho contacto.
O Iero Seidi, fula, ferido em combate na mesma data e local com o Sanhá, já morreu, estive com o filho em Bambadinca em 2005.
O Samba Seidi, fula, o Fodé Sané, fula, não fazia na altura serviço operacional, fora gravemente ferido, anos antes, para os lados do Xime. Tinha uma Cruz de Guerra. Era bom alfaiate, reparava-me as fardas, limpava-me a arma, mesmo sem pedir e a mulher era a minha lavadeira, irmã do Jamanta da 1. ª CCOMS.
O Bacari Baldé, fula, o Iaia Dabó, mandinga, protagonista de uma história de amor proibido, contada em memória anterior, o Bobo Djaló, fula, o Abdulai Uaga, balanta, mais conhecido por Bagaço, o homem do morteiro 60, usava um boné de bombazine cor creme, quando ía para o mato, mesmo com algum álcool, colocava a granada onde queria.
O Queta Embaló, fula, o Correia, balanta, o Suleimane Baldé, mais tarde 1.º Cabo, actual Régulo de Contabane, ainda há poucos meses esteve em minha casa. Continua a tratar-me por
meu comandante. Jamais esquecerei a recepção que a Fatema, mãe dele, me fez e ao meu filho, em Fevereiro de 2005 em Sincha Sambel.
Mamadu Jau, uma força da natureza, um dos meus guarda-costas, tratava uma MG 42, como eu uma G3. Encontrei-o em Bambadinca em 2005.
O Abdulai Baldé, fula, o meu mais encarniçado guarda-costas, tive muita pena de não o ter encontrado em 2005, só em Bissau na véspera do regresso, soube que tinha passado ao lado da tabanca onde agora vive. Disseram-me que tinha sido um dos fiéis aliados do Brigadeiro Ansumane Mané e, que este se dirigia para a zona do Saltinho, quando foi assassinado à paulada. Procuraria refúgio junto daquele meu ex-soldado e de outros amigos que tinha para aqueles lados.
Outro dos meus guarda-costas era o Amadú Baldé, fula, passou depois para comandante de um pelotão de milícias . Também me desencontrei dele em Fevereiro de 2005.
Para terminar, faltam dois homens, o Fali Dembo, fula e o Jorge, alfacinha de gema, era o transmissões do 53.
Fevereiro de 2005> Paulo Santiago em Bambadinca> Na foto: Mamadu Jau, Paulo Santiago, Bubacar Só e, de cócoras, o filho do Iero Seidi
Acho que tinha de falar de todos estes homens, que durante muitos meses me acompanharam, 24 sobre 24 horas. Com eles aprendi muito e também lhes devo muito, há uns que pela sua personalidade ou por qualquer outro motivo, recordo com mais facilidade, mas todos estão presentes no meu coração.
Paulo Santiago
ex-Alf Mil
CMDT Pel Caç Nat 53
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Nota do co-editor CV
Vd. último post da série de 8 de Agosto,
Guiné 63/74 - P2036 - Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (11): Dr Brocas, o contador de estórias, que era gago.