quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3529: Controvérsias (13): Se não queriam ir que não fossem... (V. Briote)

Estranhezas

1. Mensagem de Jorge Fernandes , enviada em 22 de Novembro de 2008:

Sr. Luís Graça,

De vez em quando vou visitar o seu blog e levanto as seguintes dúvidas aos que por lá passam: será que na altura em que foram chamados a servir nas FAs tinham consciência de que apenas estavam a cumprir com a obrigação de defender Portugal, de acordo com aquilo que os nossos familiares falavam e a escola ensinava.
Iam de livre e espontânea vontade de acordo consigo próprios, mas também contrariados alguns pois aos vinte anos é idade de nos divertirmos se pudermos.

Agora virem ao fim de 40 anos, lamentarem-se de terem feito a tropa e alguns poucos terem combatido, apontando erros a torto e a direito a tudo e todos (só concordo com o apontar aos erros, traições e omissões dos oficias do QP do Exército, que tirando os das Forças Especiais são os mesmos que espatifaram Portugal e o futuro dos meus netos).
Se não queriam ir que não fossem, mas não venham agora velhos lamentarem-se e quase pedir desculpa por terem sido soldados, tenham brio porra.
Os meus cumprimentos.
Jorge Fernandes

2. Falo por mim. Não tenho procuração de nenhum Camarada do blogue para a resposta que lhe estou a enviar.

Caro Jorge Fernandes

Grato pela sua mensagem, pelas dúvidas que levanta e pelo apelo ao brio.

1. De facto, naqueles tempos tínhamos vinte e poucos. E como é geralmente aceite, naqueles anos a margem de escolha que os jovens dessa idade tinham estava muito condicionada. Nos nossos espíritos (posso generalizar, contra as excepções que ocorreram), depois da escola e do trabalho seguia-se a apresentação às sortes que, na década de sessenta e metade da de setenta estava traçada. Não havia sortes nenhumas.

O destino estava traçado para a grande maioria: Guerra do Ultramar, canhota na mão, dois anos. Foi o que caiu em sorte à juventude daqueles anos. O poder político gozou mais de uma dezena de anos para resolver a questão. Não conseguiu, não quis ou não foi capaz.

Entretanto, dezenas e dezenas de milhares de jovens interrompiam as suas vidas, pisavam trilhos, encharcavam-se até aos ossos, combatiam. Cumpriam o que o País lhes estava a pedir. Em troca recebiam uns trocos para os cigarros, para os selos e cartas para a Família e Amigos. Como é sabido e é próprio de uma guerra, quase uma dezena de milhar morreu em combate, centenas regressaram amputados de partes do corpo e, segundo o que dizem e escrevem alguns especialistas, muitos mais trouxeram as suas mazelas para a então Metrópole e obrigaram os Pais, Mulheres e Filhos a conviverem com a guerra até hoje, com os benefícios conhecidos.

2. Os combatentes eram na grande maioria Milicianos: Praças, Sargentos e Alferes faziam as despesas da guerra, muitas vezes bem enquadrados por excelentes profissionais, outras vezes nem tanto. Mas não foi por eles, milicianos ou do quadro que a Guerra durou tantos anos.

Estamos conscientes de que fizemos o que podíamos e de que demos o que de melhor se pode dar a uma Pátria. Erros, sim, houve muitos. Cometidos por profissionais e milicianos excelentes e por outros também, como é sabido. E na guerra os erros costumam ser dolorosos, como também sabem por experiência os que por eles passaram.

3. Quase quarenta anos depois estamos de novo reunidos nesta página, com muitos de nós a reviverem acontecimentos de que foram protagonistas ou testemunhas e que, hoje, fazem parte da História do nosso País.

E quer agrade a muitos ou a poucos, estamos em tempos em que nos é reconhecido o direito de, mesmo velhos, contarmos a história que vivemos.

vb
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Notas de vb:
1. Estive dois anos consecutivos na Guiné. Depois do regresso, quando procurava estabilizar a minha vida, continuou a guerra: a notícia do grave ferimento em combate, em Moçambique, que inutilizou para a vida o meu único Irmão trouxe para a minha pequena Família consequências irreversíveis. Tive guerra que chegasse.

2. Artigos da série em

25 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3514: Controvérsias (12): A G3, a FLING, o PAIGC, o Pdjiguiti, São Domingos, Tite e outras lendas (Mário Dias)

Guiné 63/74 - P3528: A guerra estava militarmente perdida (31)? Perdida pela ganância, incompetência e nas relações internacionais (José Manuel Dinis)

José Manuel Dinis

ex-Fur Mil da CCAÇ 2679

Bajocunda, 1970

A guerra estava perdida

Sobre o tema que o blogue lançou, foram expandidas teses, maioritariamente, no sentido de que a guerra não estava perdida. Que reflectem a generosidade da nossa juventude, capaz de dilatar o esforço exigido, sem quebrar perante as investidas do IN, quiçá, disposta a persegui-lo.

Li num dos últimos posts, que o esforço de guerra português, durante a guerra colonial nas três frentes africanas, foi dez vezes superior ao esforço americano no Vietname.
Vou aceitar como boa a afirmação. Mas se atentarmos que havia 50 a 60 mil jovens deslocados em África para o serviço militar (1), os Estados Unidos com uma população vinte vezes superior à de Portugal, não teriam, seguramente, um milhão de militares mobilizados.

No que respeita à questão orçamental, a comparação proporcional dilata, donde, o esforço português terá sido maior que vinte vezes.
A máquina de guerra portuguesa estava montada, e os custos na compra de equipamentos afectavam sobremaneira, a balança de pagamentos, enquanto os americanos produziam a grande parte do equipamento que consumiam, incrementando a produção interna.
A "máquina" portuguesa não contemplava luxos de guerra, mas parecia suficiente.
Aqui chegados, qualquer opinião já é susceptível de gerar polémica, mas eu corro o risco de prosseguir, sinteticamente:

Portugal perdeu a guerra por ganância, incompetência, e nas relações internacionais.

Quanto à ganância: todos ouvimos falar, durante a guerra, de militares dedicados a várias negociatas, à custa do sacrifício dos subordinados.
Em 1970, na Guiné, constou-me haver um processo pendente sobre um major de intendência, e falava-se nas esplanadas sobre um desfalque de onze mil contos, que, aos valores de hoje, equivaleriam a um euromilhões.
Mas o que posso assegurar, relativamente à CCaç 2679, quando entrou em quadricula, é que "aceitou" várias viaturas de motores escancarados, que jaziam encostadas, mas, nos mapas para Bissau, continuavam a funcionar e a gastar combustível sofregamente, a que correspondiam verbas que se dizia irem direitinhas para o pecúlio de alguns, enquanto o pessoal se amontoava nas deslocações, com o consequente aumento do risco e o furriel mecânico andou numa roda viva, e foi impedido de gozar umas férias.
Também no que respeita aos géneros alimentares era um fartar vilanagem. A tudo o que fosse susceptível de meter a unha, lá estavam os negociantes, sempre prontos. Sem capa. Sem vergonha.

Quanto à incompetência, são vários os relatos que se referem, no âmbito do blogue, a situações dessa qualificação, a mais explícita na guerra da Guiné foi a leviana e vergonhosa invasão de Conakry. Mas as contradições do Caco Baldé sobre as decisões bélicas, as negociações diplomáticas, e os suportes da psico com inusitados excessos, contrariando-se, estampavam a perplexidade junto da tropa.

Também é sabido, muitos militares do QP estavam com a vida económica organizada, e distinguiam-se entre os clientes da Torralta e da Matur, por exemplo, empresas onde detinham acções ou títulos de rendimento, como, aliás, referiu ter sido intermediário um destacado membro do MFA.
Ora, a ganância combina com a incompetência, na medida em que uma parte dos militares do QP escudava-se nos aquartelamentos, nas tintas para acções realistas, bem avaliadas e melhor executadas, já que a mão-de-obra disponível manifestava capacidade e generosidade.

Neste aspecto, a cadeia de comando foi manifestamente incapaz de inverter o laxismo. Desse bem-estar económico atingido, da saturação das sucessivas comissões em África, e do esvaziamento das relações familiares, resultou o movimento militar, sem pés nem cabeça, que desabrochou em 25 de Abril.

Falta, todavia, a abordagem ao enquadramento político.

A formação das elites africanas nas universidades dos países colonialistas, desenvolveu ideias emancipalistas, para resolução apressada, que os estudantes julgavam poder concretizar durante as suas vidas, glória, vã glória, e receberam carinhos dos países nórdicos, que ainda hoje não conhecem África, bem como apoios logísticos, conforme os interesses em presença.
Os movimentos emancipalistas surgidos nos territórios sob administração portuguesa receberam apoios, quer da órbita americana, quer da órbita soviética, ambas em conflito com Portugal (Salazar não gostava dos americanos, e a questão do petróleo foi decisiva, e, relativamente aos soviéticos, havia a questão geoestratégica e a Nato).
Durante o agudizar do problema, Portugal só contava com o apoio da Espanha nas decisões dos grandes fóruns, principalmente nas Nações Unidas e Nato, enquanto crescia a animosidade internacional.
Logo, o esforço de guerra tenderia a aumentar cada ano que passava.
Internamente, desenvolveram-se vozes e movimentações políticas, difíceis de aplacar, principalmente por iniciativa dos estudantes, e de uma parte da ala liberal no parlamento, manifestações anacrónicas a qualquer regime. Desenvolviam-se as cisões.

Nos territórios do ultramar acentuava-se a negritude, a arregimentação das populações autóctones, pelo argumento de que os colonos brancos as exploravam. Era evidente, que as províncias ultramarinas privadas da administração portuguesa, sem capacidade para garantir a funcionalidade e sistematização das instituições e serviços, ficariam à mercê das potências, que fizeram, exactamente, o que se poderia esperar delas: abandonaram os novos países sem estruturas, não lhes dando os necessários apoios à estabilização política, social e económica, deixando-os em clima de guerra civil (Guiné e Moçambique), e exploraram as riquezas angolanas. Por isso, ainda hoje, grande parte das populações africanas daqueles territórios, sonha com o tempo dos portugueses.
Face aos argumentos aduzidos, a guerra estava perdida.

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Notas de vb:

1. Na década de setenta os números de metropolitanos envolvidos nas três frentes ultrapassaram a centena de milhar. Lembrar que, segundo alguns, só na Guiné chegaram aos 30 mil.

2. Artigos da série em 13 de Novembro de 2008 > > Guiné 63/74 - P3448: A guerra estava militarmente perdida (30)? Nem perdida, nem ganha. António Matos

3. Artigos do Autor em 18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3477: História da CCAÇ 2679 (7): Quotidianos (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3527: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (1): Lançamento do livro, 13/12/08, 17h, na Academia Militar, Amadora



Convite > "A Academia Militar e a DG - Edições têm o prazer de convidar V.Ex* para o lançamento do livro A Retirada de Guileje, do Coronel Coutinho e Lima. O livro será apresentado pelos jornalista Eduardo Dâmaso e General Loureiro dos Santos. 13 de Dezembro de 2008 - 17h00. Auditório da Academia Militar. Amadora. Será servido um Alvarinho de Honra, oferta especial das Câmara Municipal de Melgaço e Câmara Mnuicipal de Monção"

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (*) associa-se a esta iniciativa, dá os parabéns ao autor, membro da nossa Tabanca Grande, e espera poder encontrar muitos amigos e camaradas da Guiné, no dia 13 de Dezembro de 2008, às 17h, no auditório da Academia Militar, na Amadora.

A RETIRADA DE GUILEJE

Brevíssimo Resumo:

(i) Em 4 SET 72, com o Posto de Major, iniciei a 3ª. Comissão por imposição, na GUINÉ.

(ii Em 8 JAN 73 fui nomeado, pelo Sr. Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Sr. General ANTÓNIO DE SPÍNOLA, Comandante do Comando Operacional nº. 5 (COP 5), com sede em GUILEJE. Na Zona de Acção do COP 5 passava o “ Corredor de GUILEJE”, através do qual o PAIGC introduzia 70 a 80% dos abastecimentos (armas, munições e outros), para todo o território da GUINÉ.

(iii) Em 25 MAR73, foi abatido na região de GUILEJE, o 1º. Avião a jacto FIAT G – 91, atingido por um míssil terra-ar STRELA; o Piloto foi recuperado, com um pé partido. O aparecimento destes mísseis provocou grandes alterações e limitações no emprego da nossa Força Aérea.

(iv) Em 18 MAI73 pelas 7:00 horas, 2 Grupos de Combate e 1 Pelotão de Milícia, saídos de GUILEJE, foram emboscados por um grupo Inimigo (IN) estimado em 100 elementos; as Nossas Tropas (NT) sofreram 1 Morto, 7 Feridos graves (um dos quais veio a falecer 4 horas mais tarde por falta de evacuação) e 4 Feridos ligeiros.

(v) Em 11 MAI 73, o Sr. General SPÍNOLA, na sua última visita a GUILEJE, afirmara, perante formatura geral de todos os militares que, não obstante os condicionamentos de actuação da Força Aérea, esta faria a evacuação dos feridos graves; esta promessa não foi cumprida.

(vi) Face à situação, solicitei a ida a GUILEJE de Delegados da Repartição de Operações e da Força Aérea; porque estes não apareceram, desloquei-me no dia seguinte (19 MAI) a CACINE, comandando a evacuação das baixas da emboscada, através do rio; esperava lá encontrar os Delegados referidos.

(vii) No dia 20 MAI, ao fim da tarde, fui transportado de helicóptero a BISSAU, onde apresentei ao Sr. General SPÍNOLA a necessidade de reforços, já solicitada antes por mensagem; respondeu-me que não me dava qualquer reforço, que devia regressar na manhã seguinte a GUILEJE e que ia mandar para lá o Sr. Coronel Paraquedista RAFAEL DURÃO, passando eu a 2º. Comandante.

(viii) Cheguei a GUILEJE ao fim do dia 21 MAI, depois me ter deslocado de sintex (barco com motor fora de borda) de CACINE (onde a Força Aérea me deixou) para GADAMAEL; o percurso de GADAMAEL para GUILEJE foi feito em coluna apeada, utilizando um trilho da população; durante o trajecto, ouvimos a flagelação que GUILEJE estava a sofrer, a mais violenta de todas, que provocou a morte de um Furriel Miliciano e vários estragos materiais, entre os quais a destruição total do Centro de Comunicações, incluindo as antenas, o que impedia a ligação rádio com qualquer entidade.

(ix) Face à forte pressão do IN, à não atribuição de reforços e a outros factores (falta de água no quartel, escassez de munições de Artilharia, não evacuação de feridos, etc), decidi retirar para GADAMAEL, no dia seguinte ao romper do dia, todos os militares (cerca de 200) e toda a população (cerca de 500 elementos), por considerar a posição insustentável.

(x) A alternativa era aguardar a chegada do Sr. Coronel DURÃO, que eu não sabia quando se iria verificar e que, em minha opinião, não resolveria a situação, porque, seguramente, não viria acompanhado de reforços, nem tão pouco tinha condições para solucionar vários problemas, tais como: a falta de água, a evacuação de feridos, o reabastecimento de munições de Artilharia e das Armas Pesadas e, principalmente, a forte pressão do IN, que cada vez era mais acentuada.

(xi) Desde as 20:00 horas do dia 18 MAI até às 4:00 horas do dia 22MAI (80 horas), GUILEJE sofreu 37 flagelações. A retirada efectuou-se, em coluna apeada, com pleno êxito, tendo surpreendido totalmente o IN, que continuou a bombardear GUILEJE, onde só entrou em 25 MAI 73.

(xii) O Sr. General SPÍNOLA não sancionou a decisão, ordenando a minha prisão preventiva e a instauração de um Auto de Corpo de Delito; estive preso, em BISSAU, desde 27 MAI 73 até 12 MAI 74.

(xiii) Como consequência do 25 ABR 74, os “crimes” que supostamente me eram imputados, foram amnistiados por Decreto-Lei da Junta de Salvação Nacional e o processo foi arquivado.

Os factos descritos são relatados, no livro que agora publico; o processo é, também, analisado e criticado, com pormenor.

O livro A RETIRADA DE GUILEJE não estará à venda nas livrarias; estou disponível para o enviar, pelo correio, para qualquer parte do Mundo. Os meus contactos são:

- Rua TOMÁS FIGUEIREDO, nº. 2 - 2º. Esq. 1500 – 599 LISBOA
- Telefone: 217608243
- Telemóvel: 917931226
- Email: icoutinholima@gmail.com

O Autor
Alexandre da Costa Coutinho e Lima
(Coronel de Art)

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. alguns dos nossos muitos postes relacionados com Guileje e a retirada de Guileje:

7 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3277: Memórias literárias da guerra colonial (4): A retirada de Guileje - 22 de Maio de 1973 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

10 de Abril de 2008 > 10 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2744: Fórum Guileje (14): Folclore (Cap Inf José Belo) ou Gratidão (Cor Art Coutinho e Lima) ? A homenagem da população local

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2667: Uma semana memorável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (9): O grande ronco de Guiledje

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

1. Primeira mensagem de Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69, com data de 12 de Novembro passado, enviada ao nosso Blogue.

Olá, Luis Graça.

Sou Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mecânico Auto da CART 1746 que esteve em Bissorã de Julho de 1967 a Janeiro de 1968 e Ponta do Inglês, onde fiz a "Canção da Fome" (*), enviada pelo meu grande amigo e conterrâneo Paulo Santiago (somos ambos de Aguada de Cima) e Xime de Janeiro de 1968 a Junho de 1969.

Teria muito gosto em saber o endereço do nosso amigo Sousa de Castro.

Um Grande Abraço.



2. No dia 15 de Novembro foi enviado ao Manuel Moreira o endereço do nosso velhinho camarada, o minhoto Sousa de Castro.


3. No dia 24 de Novembro recebemos nova mensagem do nosso camarada Moreira:

Caro Luis,

Em 12/11/2008, enviei uma mensagem como apresentação, não sei se chegou, gostaria de participar na Grande Família que passou pela Guiné.

Um Grande Abraço



4. Comentário de CV:

Caro Manuel Moreira, a única mensagem tua que recebemos, foi aquela em que pedias o contacto do camarada Sousa de Castro, com data de 12 de Novembro. A resposta seguiu no dia 15.

Se queres pertencer à nossa Tabanca Grande, entra e instala-te à vontade. Afinal já pagaste o teu ingresso, pois no poste 1009 do dia 31 de Julho foi apresentada a letra da tua Canção da Fome, que reproduzimos mais abaixo.

Ficas no entanto ainda em dívida para connosco, porque embora já apresentado e em pleno gozo de todos os direitos inerentes à qualidade de membro da nossa Tabanca, não tens cá as fotos da praxe, muito importantes para te reconhecermos na rua ou num dos próximos Encontros da Tertúlia.

Um abraço
CV


5. Algumas notas de L.G. sobre a Ponta do Inglês

A Ponta do Inglês foi um “matadouro”, para as nossas tropas e para as do PAIGC, sendo um sítio de trágica memória para muitos ex-combatentes que lá participaram em operações.

Era um destacamento (estratégico), na margem direita do Rio Corubal. Foi abandonado pelas NT em Novembro de 1968. Na altura era guarnecido por forças da CART 1746, a unidade de quadrícula do Xime:

vd post de 19 de Março de 2006 >Guiné 63/74 - DCXLI: Ponta do Inglês, Janeiro de 1970 (CCAÇ 12 e CART 2520): capturados 15 elementos da população e um guerrilheiro armado

A queda (ou o abandono) da Ponta do Inglês significou a interdição do Rio Corubal à nossa navegação, quer civil quer militar. E, como muito bem lembrava Amílcar Cabral, "o único rio de facto a sério, na nossa terra, é o Corubal"...

Há dias, na festa do Beja Santos, o Embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, disse que voltara a reocupar a sua antiga propriedade agrícola (“ponta”) que era um destacamento no tempo do Moreira e do Gilberto Madail, o Alf Mil Madail. Vd. poste de 23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P979: O Gilberto Madail pertenceu à CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69) (Paulo Santiago)

O Embaixador em Lisboa da República da Guiné-Bissau, Constantino Lopes, um antigo Combatente da Liberdade da Pátria, que esteve preso no Tarrafal, de 1962 a 1969, é hoje o único herdeiro e proprietário da Ponta do Inglês (exploração agrícola, de 50 hectares; o seu pai, Luís Lopes, tinha por alcunha o Inglês).


Lisboa > Museu da Farmácia > 11 de Novembro de 2008 > Lançamento do livro Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio > Emocionado, Beja Santos agradeceu a presença de tantos amigos e camaradas que ali se deslocaram, e fez questão de sublinhar o significado da presença do embaixador guineense em Portugal, Constantino Lopes. Este, por outro lado, reafirmou o desejo profundo dos guineenses de viverem em paz e de ganharem o direito a completar a sua luta de libertação.

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > CCAÇ 2520 (1969/70)

Foto: © Renato Monteiro (2007). Direitos reservados.



CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:

Manuel Vieira Moreira

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

Vd. último poste da série de 20 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3486: Tabanca Grande (98): António Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3525: Blogoterapia (79): Gabriel, Cruz de Guerra na Guiné, coveiro na freguesia...(V. Briote)

Camaradas até à cova


40 anos, é mesmo. Parece que foi ontem, que Manuel Alves e o Gabriel "Gago" tinham recebido em Extremoz a guia de marcha para casa e o papel que os mandava para a peluda, 30 e tal meses depois, 24 na Guiné.

Apanharam o comboio em Santa Apolónia. Mala velha cheia de tralha, umas calças, camisa, meias, cuecas e um sabre feito por um mandinga, de cápsulas de G3 derretidas. Era o que o Gabriel trazia da guerra. E um coração tatuado a azul no braço esquerdo, um desenho bem feito, com um senão, tinha-lhe dito o furriel uma vez na formatura, o Albino tinha-se enganado nas letras, tinha escrito amor de fetura noiva.

Na altura, nem um nem outro, tinham ideia do que iam fazer. De riqueza tinham os braços e trabalho na terra era igual ao dos pais.

Na minha terra, não há futuro, ruminava alto, o Manuel.
Com a enxada nas mãos, os meus pais andaram a vida inteira, a mãe com 79 ainda se levanta antes das galinhas. O pai já se foi quase há um ano. Agora para o último, passou-os em bagaço.
Estava eu ainda em Mansoa, quando o alferes me leu uma carta, não contes com grandes novidades. Era o padre Bernardino a dar conta do mal sucedido, e ainda me lembro de como terminava. Mal sentiu a morte, estava como um cacho, o médico, às primeiras impressões, até disse que o velho estava mas era a morrer de bêbado.
Meses depois de ter chegado à metrópole, Manuel fez como os outros, pôs-se a salto, para França. Tinha sido o seu irmão mais velho a quem tratava por padrinho que adiantou o dinheiro, e o entregou ao passador, lá para os lados da fronteira.

Sem saber ler nem escrever, viu-se em Paris, numa grande gare, com a mesma mala na mão e as mesmas roupas que trouxera da Guiné, e pouco mais. Fez tudo de tudo, homem a dias, acarretou blocos e cimento nos bâtiments, fez mudanças, até acabar por ser admitido na Mairie de Paris, como empregado do lixo, para a zona de Saint-Dennis. Um emprego fixo, pegava às 8 da noite, a carregar o lixo para o camião, às 5, às vezes 6, entrava em casa para descansar um pouco até às 10. Porque às 11 começava noutro trabalho que lhe arranjaram como arrumador num supermercado.

Todos os meses transferia para uma conta que partilhava com o padrinho, o dinheiro que juntava. Os dois rapazes na escola, a mulher às limpezas em casas particulares, levavam uma vida austera, poupavam no que podiam, excepto no comer, à barriga não se corta, costumava dizer à mesa. Roupas, frigoríficos, tvs, rádios, gravadores, gravuras antigas e modernas, as coisas mais inesperadas que encontrava no lixo, tudo servia para pôr a render. Juntou muito dinheiro, que o padrinho foi aplicando em propriedades. Muitos anos depois, dois andares em Barcelos para os filhos quando fossem grandes, e terras nas proximidades de Vila Seca. E sem nunca ter conseguido juntar duas letras. Mas nas contas, gabava-se para quem o ouvia, juntava os números tão bem ou melhor que muitos guarda-livros.

O Gabriel foi-se deixando ficar por ali, ajudava os pais no campo, fazia de coveiro quando alguém morria, passava pelo café do Tino, ouvia os outros. Que a falar era bem gago, passavam o dia a gozá-lo, gaguejavam também quando se dirigiam a ele. Gabriel corava, baixava mais ainda os olhos, ia à vida.
Um dia, resolveu dar troco a um, disparou-lhe de rajada, gago de boca posso ser, de dedos não, em Morés, foi nestas mãos que a MG calou os gajos. Espero que tu, grande cabrão, quando para lá fores, não ponhas os dedos a gaguejar. Ouviu tocar o sino. Pôs-se a andar para o cemitério.

E hoje, quarenta anos depois, nesta tarde chuvosa e fria calhou-lhe fechar a cova do seu velho camarada Manuel Alves. Enquanto o enterrava, pazada em cima de pazada, choros abafados, sinos e silêncio, imagens umas atrás das outras vinham-lhe à cabeça. A ida no Ana Mafalda para a Guiné, o Funchal, S. Vicente, Bissau ao nascer do sol, na Berliet a caminho de Brá, as bajudas com tralhas nas cabeças e mamas ao dependuro, as gargalhadas nervosas, os exercícios no Cumeré, os meses de Mansoa, a emboscada em Cutia, o ataque a Morés...


Num cemitério algures no nosso País, era assim que os os nossos Camaradas eram enterrados. Bombeiros, Legião Portuguesa ou uma secção de alguma unidade do Exército acompanhados de cornetins e tiros de pólvora seca ajudavam a encerrar mais uma vida.

Lágrimas? Não, é da chuva...

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Notas: artigos da série em

26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3522: Blogoterapia (71): Abrir uma mala de pano...(António Matos)

Guiné 63/74 - P3524: O Nosso Livro de Visitas (46): A. Paulo, Pel Caç 953, Guiné, 1964/66

1. Mensagem do nosso camarada A. Paulo, com data de 23 de Novembro de 2008

Amigos e Camaradas.
Eu sou mais um dos milhares apanhados do clima, como tal passo horas junto do computador a ler a net.

Também sou dos que já regressaram à Guiné (três vezes), a última ia no mesmo avião que o Luís Graça e esposa, no dia 29 de Fevereiro de 2008. Não fui a Guileje pois a minha zona era o Norte, Cacheu, Farim, Canjambari e Jumbembem. Fui por duas semanas com o Carlos Silva.

Estive na Guiné nos anos 1964 a 1966. Sobre eu enviar fotos e falar de mim, o Carlos Silva está e publicar o meu diario no blog dele.

Eu era do Pelotão Caçadores 953 e é precisamente por isso que me estou a dirigir ao companheiro Carlos Vinhal, pois no P2936 de 8 de Junho de 2008, o filho do meu colega do Pelotão 955, queria conhecer colegas do Pai, infelizmente já falecido (*).

Pois eu sou o que organiza os almoços anuais dos 4 pelotões (953, 954, 955 e 956) e dos companheiros do Joaquim António de Sousa Dias - Sold n.º 464/64.

Mais uma vez no próximo mês de Maio de 2009 nos vamos encontrar para o almoço em Azeitão e eu e os colegas gostávamos de convidar o filho Joaquim Dias para fazer parte dos apanhados do clima, no nosso almoço, onde vão estar muitos colegas do 955.

Sem outro assunto a mim vai no gosse gosse para outra guerra

Parto mantenhas
A. Paulo


2. Face a esta mensagem do Paulo, foi enviada a que se segue ao Joaquim Dias, filho do nosso camarada Joaquim António Dias.

Caro Joaquim Dias
Estou a reenviar uma mensagem que lhe vai interessar muito.
Foi-me enviada pelo meu camarada Paulo que é do tempo de seu pai.
Contacte com ele para acertarem pormenores.

Um abraço
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


3. Comentário de CV

Mais um contacto para um filho de um camarada nosso, que infelizmente não está entre nós.
É gratificante saber como há a vontade de integrar os filhos dos camaradas falecidos, nos convívios das Unidades a que pertenceram seus pais. É como querer fazer o prologamento de uma vida terminada, através deles.

Bem haja quem assim procede e perpetua a memória de quem nos deixou já.

Caro Paulo, não queres fazer parte da nossa Tabanca Grande?
Dizes que o Carlos Silva está a publicar o teu diário no Blogue dele, mas isso não impede que sejas membro do nosso. O próprio Carlos é um exemplo, porque tendo um Blogue, participa activamente connosco.

Não te faças escusado e envia as tuas fotos da praxe e manda um texto que fale de ti e da tua Unidade. Tens tanto para contar das tuas viagens à Guiné-Bissau. E fotos actuais? Também gotariamos de vê-las.

Um abraço para ti e obrigado pelo teu contacto.
CV
___________________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2936: Em busca de... (31): Companheiros do Pel Caç 955, 1964/66 (Joaquim António Sousa Dias)

Vd. último poste da série de 21 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3497: O Nosso Livro de Visitas (45): Augusto Pereira da 2.ª CART/BART 6521 e António Ribeiro, ex-Fur Mil

Guiné 63/74 - P3523: Blogues da Nossa Blogosfera (6): Solidários com o portal Guerra do Ultramar, do António Pires


O António Pires, criador e editor do portal Guerra do Ultramar: Angola, Guiné e Moçambique (também conhecido por Ultramar Terraweb), disse-me ontem, ao telefone, ter sido vítima de 3 ondas de ataques de vírus informáticos, de origem desconhecida, o que o obrigou, a 23 do corrente, a encerrar temporariamente a sua página, alojada no Terraweb.biz. (*)
Natural de Vendas Novas, e residente no Montijo, o António Pires foi em rendição individual para Moçambique, como Fur Mil, colocado Chefia do Serviço de Material, Quartel General, RMM (1971/73).
Está tão chocado como nós: diz que não tem inimigos e não faz mossa a ninguém, pelo contrário tem ajudado muitos camaradas e familiares de camaradas que fizeram a guerra do Ultramar a reorganizar as suas memórias e a reencontrar-se uns aos aoutros...

1. Mensagem do António Pires (hoje, 10h26)

Bom dia, caro Luís Graça,
Na sequência da nossa conversa, via telefone, venho solicitar que me indiques uma morada para onde posso enviar os 2 CD [que te prometi]

Obrigado.
Um Abraço
António Pires
ultramar.terraweb


2. Comentário de L.G.:

Conforme ele me confidencipou ontem à noite, pelo telefone, foi vítima de três ataques de vírus informáticos no espaço de uma semana, obrigando-o a interromper, temporariamente, o portal. Ele tem um domínio próprio e um servidor com capacidade de 5 GM (http://www.terraweb.biz/ ).

Não há razões objectivas para esta maldade... O Pires quer apenas ser útil á comunidade dos antigos camaradas da guerra do Ultramar, quer tenham estado em Moçambique, em Angola, na Guiné, ou noutros territórios...

De momento, ele está a fazer o balanço da situação... Entretanto, o portal fica temporariamente suspenso. Mas às tantas uma pessoa entra em paranóia... Está identificar e a reparar eventuais estragos e a tomar balanço. Sabemos, no entanto, que não vai ceder à chantagem de ninguém. Ele tem a nossa solidariedade e apoio.


3. Logo a seguir mandei-lhe o seguinte mail:

António:

Obrigado pelo teu telefonema de ontem á noite e pela gentileza da tua oferta. Fico feliz por saber que não te deixaste abater pela adversidade. Depois de tomares as devidas previdências (incluindo a feitura de cópias de segurança de todo o material), vais voltar em força, para alegria de todos os camaradas e amigos, dos da Guiné e das outros TO da Guerra do Ultramar, que apreciam o teu trabalho e que visitam o teu portal...

Aproveito para te convidar a integrar a nossa
Tabanca Grande: tens a oportunidade de falares um pouco mais de ti e do teu portal, mesmo para aqueles - muitos de nós - que o visitam regularmente... Sabemos pouco do ex-Fur Mil Pires que andou por Nampula e pelo Niassa... e que em 2006 decidiu meter-se nestas ciberandanças...

Se tiveres tempo e pachorra, escreve-nos um bilhete postal e manda as tuas duas fotos da praxe (uma de ontem e outra de hoje)... És um homem de muitos Seres, Saberes e Lazeres, gostava de te pôr nesta nossa série...Poderia ser também a nossa maneira peculiar de reconhecer e divulgar o teu trabalho...

Aqui tens, a seguir, os meus contactos e o meu endereço postal. Um bom resto de semana (...)

4. Entretanto, temos recebido mais mensagens, na nossa Caixa de Correio, de solidarieddae ao portal Guerra do Ultramar:


(i) Do Abreu dos Santos (25 de Novembro de 2008, 16h03):

Luís Graça & Camaradas da Guiné,

Para conhecimento, reproduz-se msg remetida a António Pires
sucessivamente replicada em

http://ultramar.forumeiros.com/comentarios-f9/ultramarterraweb-em-licenca-sabatica-t140.htm

http://lestedeangola.weblog.com.pt/arquivo/266728.html

http://cart3514.blogspot.com/2008/11/blog-wwwultramarterrawebbizindexo1htmte.html

[domingo 23Nov2008 23:42]

Caro Amigo, Companheiro, António Joaquim Pires,

Acabo de regressar da sua página.

Apesar de conhecedor das sucessivas e cada vez mais subtis pressões e insidiosos métodos aos quais tem estado sujeito, por força da sua exemplar isenção e do seu acendrado patriotismo, reflectidos ao longo dos últimos dois anos e meio de profícua - e em alguns casos, ciclópica - construção e permanente melhoria da sua página pessoal da internet - Ultramar.TerraWeb.biz -, mas que apesar de projecto pessoal entendeu por bem alargar à comunidade de veteranos, da n/recente conversa sobre o assunto, sinceramente, não esperava tão triste desfecho.

Estou sem palavras e, com um nó no estômago, lhe escrevo estas breves linhas.

Como sabe, tem toda a minha solidariedade. E, como também sabe, pode sempre continuar a contar com a minha colaboração, incondicional.

Ao seu dispôr.
Receba um abraço, doAbreu dos Santos


(ii) Do Júlio Pinto (25 de Novembro de 200, 17h31)


Assunto - Guerra do Ultramar Terraweb


Embora não tenha estado na Guiné mas sim em Angola, mas como já me dirigi a vós para saber notícias da CCAÇ 797 (Furriel Júlio Lemos) em que os Tertulianos da Tabanca me ajudaram, em especial o Santos Oliveira, tomo a liberdade de me dirigir novamente a vós par manifestar a minha revolta por saber, através da Tabanca, que o site da Guerra do Ultrama (Terraweb) foi encerrado e que há alguém a querer calar a voz aos ex-combatentes que são os miúdos na geração de 60 que fizeram a guerra e agora há a preocupação de os calar.

Quem será? Algum puto destes que agora sabem tudo e estão no poleiro e que quando nós andávamos a comer o capim e o pão que o diaboa massou ? Ainda devia andar no c ... dos franceses, como se diz no NORTE, carago.

Ninguém nos pode calar.

Desculpem o tempo que vos ocupo, recebei um abraço deste ex-combatene de Angola para os ex-combatentes da Guiné e, se me permiteis, para os de Moçambique também.

Um abração

Júlio Pinto
Ex- 2º sargento Mil
da CART 1769 - Angola


(iii) Do Carlos Coutinho, 26 de Novembro de 2008 (17h05)

Caro Luis Graça:

Lamento incomodá-lo, mas estou mais que fdd, sabe dizer algo acerca
do fecho da Guerra Ultramar?

Não se consegue contactar o camarada A.P.

Um Alfa Bravo

Carlos Coutinho


__________

Nota de L.G.

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3513: Blogues da nossa blogosfera (5): Quem quer calar o portal Guerra do Ultramar ? (José Martins / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3522: Blogoterapia (78): Abrir uma mala de pano...(António Matos)

Vestígios...

António Matos (1)



Hoje, 25 de Novembro de 2008, 33 anos após um golpe que reabre o processo democrático em Portugal impondo ao Partido Comunista rédea curta na sua cavalgada para a guerra civil, podia-me dar para a nostalgia política e começar a recordar os pára-quedistas vindos de Tancos para tomar Lisboa e a oposição de Jaime Neves, Ramalho Eanes e outros...

Mas não, fruto de uma indisposição de saúde, mantive-me por casa, revendo aqui e ali algumas passagens do blogue "Guiné 63/74", ansiando a publicação de mais textos que pus à apreciação dos editores, mas acima de tudo, vasculhando vestígios físicos do meu tempo de ultramar os quais deixaram já de ser troféus de guerra para assumirem o estatuto de quinquilharia.

Não fora o zelo com que os arrumei e já poderiam ter sido trespassados pela destruidora acção do tempo o que, aliás, já aconteceu a rudimentares setas e respectivo arco que trouxe do espólio deixado pelo IN num confronto que mantivemos, bem assim como uma catana e dois pequenos punhais.

Mantenho devidamente preservada a minha faca do mato e respectiva bainha a qual me serviu já de conforto moral nos tempos que se seguiram a uma acção de sequestro de que fui vítima há um par de anos atrás.
Dormiu comigo longos meses na stressante preocupação de poder voltar a ser incomodado na presença da família...
Hoje mantém o seu estatuto de reserva moral....

Dentro dos tais vestígios que ainda perduram, descobri uma malita de pano, desdobrável, e muito em voga naquela altura.
Abri-a.



Foi um despertar de sensações incríveis!
Está cheia apenas de material fotográfico e de filmagem.
Filmagem em super 8! Lembram-se?

Quando cheguei da Guiné, investi na montagem de todos esses filmes e constituí uma (a minha) filmoteca.
Tenho-a aqui ainda que, provavelmente, danificada.



Vejo as etiquetas identificadoras dos conteúdos e leio:

Guiné 1º - 1970 / 71
Partida dos Açores
Cabo Verde
Cumeré
Hospital Militar
Augusto Barros

Guiné 2º - 1971
Augusto Barros (destacamento e reordenamento)

Guiné 3º - 1971 / 72
Bula - estrada Bula-Binar

Guiné 4º - 1972
Visita do General Spínola
Minas
Desfile

Na tampa da maleta lê-se:

24 de Setembro de 1970 - embarque no Carvalho Araújo, em Ponta Delgada, para a Guiné
2 de Outubro de 1970 -Chegada a Bissau
3 de Outubro de 1970 - desembarque e ida para Cumeré
1 de Novembro de 1970 - ida para Bula
1 de Fevereiro de 1971 - ida para Augusto Barros
16 de Novembro de 1971 - ida para Bula
22 de Setembro de 1972 - ida para o Cumeré
30 de Setembro de 1972 - regresso a Lisboa no Boeing dos TAM

Dou por mim com um ligeiro suor...
Não estou febril...
Aquilo mexeu comigo...

__________

Notas de vb:

1. António Matos, ex-Alf Mil da CCaç 2790, Bula 1970/72

2. Do Autor artigo em

24 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3509: Visita do Ministro...para inglês ver...(António Matos)

3. Da série Blogoterapia, artigo em

25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3517: Blogoterapia (70): Pensar em voz alta (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P3521: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (11): Um cabo que conheceu Bissau vinte e três meses depois... (Alberto Branquinho)

Nosso Cabo Abel bai na Bissau

Alberto Branquinho

ex-alf mil CArt 1689
1967/69




O cabo Abel nunca tinha estado em Bissau. O Batalhão a que pertencia chegou a Bissau, a bordo do paquete que os transportara de Lisboa, mas a sua Companhia saiu do paquete, sem pisar terra e passou, directamente, para batelões rebocados e, assim foram rio acima, deixando ainda a bordo o restante pessoal do Batalhão.

O cabo Abel só teve consciência do que se estava a passar quando ouviu o capitão perguntar ao alferes que estava a dirigir a "trasfega":


"- Então que merda é esta, nosso alferes? Nem pedras nos dão para atirar aos gajos?"

Renderam outros que os aguardavam ansiosamente no cais de destino. Reparou no rosto esverdeado da maior parte dos "velhinhos" que os esperavam e que lhes berravam em tom agressivo:
"- Salta, periquito! Salta, periquito, que vais lerpar!"

Ficou muito impressionado com aquela recepção, mas no dia seguinte já estava acostumado à caserna e ao quartel. Ao menos, estava com os pés em terra firme e livre do porão no fundo do paquete, abaixo da linha de água, onde só cheirava a vomitado.
Nunca tinha saído de ao pé da Companhia, nos vários aquartelamentos por onde ela tinha peregrinado. Nem uns dias de férias em Bissau. Tinha-se afeiçoado ao periquito que tinha preso à barra da cama. Nas horas vagas passeava com ele, pelos quartéis e pelas tabancas, poisado no ombro, ora no direito, ora no esquerdo, O periquito era a sua família. Não queria deixá-lo a qualquer um e mesmo o Ribeiro “básico”, quando o tempo era muito, tratava mal o bicho. Assim aconteceu, lá mais para o fim, quando chegou de uma operação de cinco dias, foi dar com o pássaro pendurado pela pata, de asas caídas e o bico aberto. Parecia gritar por socorro.

Agora, passados vinte e três meses e à espera de embarcar para a "Metrópole", já com aquela cara amarelo-verde azeitona, passeava o seu espanto pelo espaço urbano de Bissau. Pela primeira vez.
Era um rio de vida que corria pelas ruas - tropa bem fardada dos vários ramos, polícia militar, polícia naval, civis, muitos civis e, principalmente, mulheres, muitas mulheres. Todas bonitas. E, até, mulheres brancas.

Juntamente com os camaradas, comprava lembranças para levar à família. Coisas exóticas que nada tinham a ver com a Guiné - tapetes, quadros, loiças - vendidas em lojas de comerciantes libaneses. Começavam a existir naquelas cabeças projectos para o futuro, embora ainda nebulosos.
Perdiam-se pela cidade que, embora não fosse uma das grandes capitais do Império, era maior que a aldeia natal.

Por vezes, a Companhia recebia ordem para fazer cerco aos bairros negros, periféricos de Bissau. Cada bairro era cercado cerca das quatro horas da manhã, com ordem para não deixarem sair ninguém. Completado o cerco, grupos de militares inspeccionavam casa a casa, pedindo os documentos aos residentes.
Entretanto, ia amanhecendo.

Era já manhã. O pessoal que fazia o cerco estava sentado no chão, com as G-3 entaladas entre os joelhos ou em cima das coxas, em atitude descontraída, que, em nada, se assemelhava às situações vividas no interior da Guiné.
De entre as casas, caminhando por uma vereda que passava junto de um grupo de militares em que estava o cabo Abel, surgiu uma moça negra, vestindo uma bata impecavelmente branca, trazendo consigo os livros escolares agarrados contra o peito. O cabo Abel levantou-se, colocou a G-3 a tiracolo, segurou o cigarro com a mão esquerda e com a direita barrou-lhe o caminho:

-"Bajuda, bô cá pude passa!"

A moça, que teria uns catorze ou quinze anos, estacou momentaneamente, encarou o cabo Abel nos olhos e perguntou:

- Porque é que você não fala comigo Português direito?
E, contornando-o, continuou o seu caminho para Bissau.
O cabo, apalermado, ficou com o braço levantado a vê-la passar.

__________

Nota de vb:

1. Artigo da série em

Guiné 63/74 - P3520: Bibliografia de uma guerra (38): Tempo Africano, de M. Barão da Cunha. (Beja Santos).

"O livro "Tempo Africano" merece ser lido e meditado"

Mário Beja Santos




Tempo Africano
Manuel Barão da Cunha
il. Neves e Sousa.
Didáctica, 1971
174 p.


Trabalhei de 1983 a 1985 com o Dr. Manuel Barão da Cunha, no Gabinete da Defesa do Consumidor. Ele era Deficiente das Forças Armadas, estava na reforma, iniciara uma nova carreira na Administração Pública. A guerra da Guiné era para mim muito difusa, muito mais distante do que próxima, mesmo com os meus soldados feridos ou vindos para Portugal, após a independência. Nessa altura, escrevi no Jornal de Notícias o "SPM 3778" e prosa solta no Diário de Lisboa e na Liber 25. Ele ofereceu-me dois livros "Radiografia Militar" e "Aquelas longas horas", tudo escrito a quente, em conjunturas distintas.
Recebi o convite para ir no passado sábado, 22 de Novembro, à Galeria Municipal Verney, em Oeiras, assistir ao lançamento de "Tempo Africano", editado pela Câmara Municipal de Oeiras, com prefácio de João Aguiar.
Casa cheia, com muitos Meninos da Luz, camaradas militares do autor, admiradores de Oeiras e arredores, como eu. Ambiente de comoção, até por está patente uma bela exposição de pintura de Neves e Sousa, com motivos alusivos à guerra que travámos em África, algumas ilustrações aparecem no livro.
"Tempo Africano" é uma revisitação ao que Barão da Cunha já redigira entre 1974 e 1975, entre memórias e artigos publicados.
Segue-se a recensão, Manuel Barão da Cunha foi dos primeiros a escrever sobre a Guiné, ele combateu ali de 1964 a 1965.
Um abraço do
Mário Beja Santos



A obra aparece dividida em andamentos, momentos cronológicos estruturados em diálogos entre um veterano da guerra e um jovem sedento de curiosidade, pronto a perceber a experiências vividas pelo primeiro.
Pedro Cid vai ser o alter-ego de Barão da Cunha. Tudo começa em Angola, em Janeiro de 1960, Pedro é um Dragão irá comandar mancebos naturais ou residentes em Angola. Descreve a Francisco a vida em Luanda, recorda todos os outros camaradas, Pedro viveu os acontecimentos de Fevereiro de 1961, com os ataques a Luanda e periferia. Ele foi um observador privilegiado, irá a Nambuangongo com os seus Dragões, cumprirá outras dolorosas missões, vamos ouvi-lo exaltar o comportamento de muitos dos seus soldados. Tem 23 anos, é um jovem alferes que participa no contra-ataque na região dos Dembos. Lutou-se com espingardas Mauser, com poucas viaturas em sem rádios. O jovem alferes vê aqueles naturais, brancos, mestiços e pretos, a combater com denodo, sente a ligação entre os militares e o terrunho.

Regressa a Portugal, trabalha em Lamego nas operações especiais, em 1964 parte para a Guiné na Companhia de Cavalaria 704. Primeiro na intervenção à volta de Bissau, o PAIGC já está muito activo, procura a destabilização na península.
Seguem-se as grandes operações: ias das ao Morés, o dispositivo de dissuasão de um dos maiores santuários do PAIGC já está montado, Barão da Cunha participa numa operação com cerca de 80 horas e temos aqui páginas vigorosas dos combates travados.
Um exemplo:
“Nessa noite seriam eles a atacar. Aproveitaram um violento tornado e, ... os soldados enterrados na lama; a arma apoiada na terra molhada; o camuflado pegado ao corpo a água a cair do capacete e a entrar pelo pescoço, escorrendo, lenta e friamente, costas abaixo; os homens cegos pela chuva, pelo cansaço; surdos pelos tiros, pelas explosões; sem saberem uns dos outros, sem se ouvirem; os rádios sem falarem que não havia mãos de sobra para os gatilhos; e eles a avançarem, na escuridão da noite, através de lençóis de água. Parecia que o céu se tinha aberto que enviava sobre nós toneladas de água, toneladas de metralha, toneladas de inimigos. Onde um caía, apareciam logo 2 ou 3. Nasciam da noite, negros como ela. E balas traçavam a escuridão. Os elementos e os inimigos em fúria abatiam-se sobre nós. Os soldados choravam e praguejavam. Também havia que rezasse. As mãos premiam gatilhos, mudavam carregadores, lançavam granadas.
De repente, um very-light vermelho riscou a noite. E como tinham vindo, desapareceram: o tornado e o inimigo. Um silêncio pesado permaneceu, na mata, nos abrigos e nos cérebros dos soldados”.

Barão da Cunha não esconde a admiração pelos diferentes protagonistas: o apoio incansável da aviação, a presença do capelão, de soldados da sua companhia, de milícias que com ele combateram na região de Bajocunda, quando a sua companhia passar para quadricula, no Leste, onde, entretanto, se começa a dar a desarticulação do território devido à ofensiva do PAIGC.

A personagem “Mamadu” evidencia o espírito de lealdade dos fulas com os portugueses. Depois é o regresso, é a exaltação daqueles jovens que se transformaram em jovens, o sentido do dever cumprido.
Pedro Cid irá voltar a Angola entre 1969 e 1971, será outra experiência que marcará profundamente no seu tempo africano.
A vários títulos, “Tempo Africano” merece ser lido e meditado. É o itinerário de um oficial do quadro permanente que começa como alferes em Angola, vive os acontecimentos de 1961, combate na Guiné e regressa a Angola. Procura ser sincero na captação do heroísmo e tenacidade dos combatentes angolanos, não esconde a pujança do PAIGC em 1964 e o modo como desarticulou a vida económica e social daquela região, “a mais antiga colónia do mundo moderno”.
Toda a sua reflexão irá repercutir-se no que escreveu sobre a génese e a vivência do 25 de Abril. “Tempo Africano” é um primeiro depoimento, agora depurado por muitos acontecimentos datados que amareleceram ou definharam. É uma memória do que aconteceu há quase 50 anos, mantém-se a constância do olhar e a passagem do testemunho para as novas gerações.
__________
Notas de vb:
1. Artigos da série em
2. E do Mário Beja Santos em

Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, com data de ontem, 25 de Novembro de 2008:

Amigão,

Aí vai estória! (*)

Embora seja preguiçoso,  não terei qualquer problema em escrever cinquenta ou mais.

A História da minha vida está recheada de estórias e as da Guiné constituem um Capítulo. Tenho sido sempre um contador de estórias e que o digam os alunos e principalmente as alunas. Estórias do Tribunal, estórias dos Clientes, estórias do Ensino, estórias da Guiné..!... 


Estórias... Aliás, a maior parte das que mandei para o Blogue, já as havia contado. Agora só as passo a escrito.

Lembro-me que, em 1995, o meu filho me obrigou a concorrer ao Concurso "Quem conta um conto..." da RTP 2, que ganhei e que para a prova de selecção enviei a triste estória de um regressado da Guiné.

Escrever para o Blogue implica porém um redobrado cuidado para não ferir susceptibilidades nem motivar estéreis polémicas... Muitos dos intervenientes das estórias que conto oralmente já morreram, alguns foram fuzilados e outros surgem aí, agora retratados como modelos de competência, sabedoria, bondade, integridade...


Por exemplo, o nosso Major Eléctrico, hoje um simpático velhinho... Se fosse possível perguntar aos meus soldados africanos a causa do acidente que sofreu, todos responderiam que foi um valente feitiço deitado pelo Nanque, após uma visita a Fá, na qual tratou muito mal o Alfero...

Claro que podia escrever sobre essa visita e a consequente sessão de "mau olhado", concorrida e muito aplaudida...

Mas valerá a pena? Até onde será permitido levar o meu corrosivo sentido de humor, sem ofender a memória dos mortos e a consideração dos vivos?

Desculpa o desabafo!

Como sempre um Grande, Grande Abraço, extensivo aos Amigos Co-Editores, Briote e Vinhal.

Jorge Cabral





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > As voltinhas do Geba Estreito... tinham alguma analogia com o sono do Alfero...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


2. Estórias cabralianas (42) > As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa

Texto e foto (de cima): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados.


Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só (**) entrara em greve, mas no Batalhão [, BART 2917,] acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe [, ten cor, cmdt do BART 2917,] para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos...

Perante tal reforço, os Turras não se atreveram... Eram Amigos do Cabral ou temiam-no?

Em Bambadinca, as opiniões dividiam-se, correndo de boca em boca diversos episódios. Que perseguira os Turras pela Bolanha gritando "Não tenham medo, sou o Cabral”. Que lhes ofereceu arroz em troca de um porco. Que estivera com eles bebendo num Choro Balanta, em Mero...

Mentiras? Sei lá! Não faço História. Conto estórias...

Mas sendo Missirá agora um oásis de Paz, porque é que o Alfero dormia mal as noites e era obrigado a recuperar de dia, com prolongadas sestas? De uma dessas noites lembra-se bem o narrador,  até pelo inusitado desfecho...

O jantar fora pé de porco com esparguete, pois estavam reduzidos às conservas e, devido à avaria simultânea do Unimog e do Sintex, faltava quase tudo, até batatas.

O Alfero enjoara e só comia Pão. Pão com whisky, claro... A carência absoluta não tinha tirado a alegria e o serão decorrera animado. Só muito tarde recolheu ao abrigo – condomínio, onde morava, mais três famílias, com mulheres e crianças. Entrou, meteu-se debaixo do mosquiteiro e preparava-se para iniciar o sonho que programara – Santo António em Alfama.(Acreditem ou não o Alfero aprendera a programar os sonhos).

Porém ainda não passara a Sé e a noite prometia, batem à porta. É o Guilherme com uma Mensagem. Decifra? Não decifra? Mais de noventa por cento não interessavam nada... Resolve decifrar... "Info não sei quantos blá, blá, blá, Comandante Gazela... a norte rio, etc., etc.” Querem que eu saia?

Então, e o meu sonho? Não, não me mandam sair! Bissau informa o Agrupamento, este, o Batalhão que informa o Alfero, que se informa a si próprio...

Volta ao sonho, são quase duas horas e já cheira a sardinhas, mais uma vez alguém à porta. O Milícia Cherno vem pedir, calculem, um livro da terceira classe.

A esta hora? Lá o despacha e regressa a Alfama. Emborca o primeiro copo e, zás, ao fundo do abrigo começa a algazarra.
– Alfero! Alfero! - É a Binta que grita.

O soldado Daíro, seu marido, está a bater-lhe! E lá vai o Alfero:
– Não podias guardar para amanhã?

Acalmados os ânimos, pensa o Alfero poder saborear ao menos uma sardinha e continuar o sonho. Mas não, pouco tempo depois, assoma o Demba. Quer patacão. De Tombali chegou o seu Paizinho.

Desiste de sonhar! O sol está a nascer. O galo que aqui reside já cantou! E mais uma vez, batem à porta. Quem é?
–  Sou eu, ó meu Alferes – responde o cozinheiro.– É para saber o que faço para o almoço.
–  Faz piças fritas! Piças fritas, ouviste! E olha que as quero bem tostadas!

Atarantado, desapareceu num ápice o cozinheiro...

Descansem as almas mais sensíveis... O almoço foi... pé de porco, mas com arroz.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Estórias cabralianas > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

"De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

"A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?"(...).



(**) Vd. poste de 22 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)


(...) "Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 – para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) – o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções...

"Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca (...), mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

"Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor .(...)"

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3518: História de vida (18): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra, ex-alf mil, cmdt Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje cor ref, DFA



Meia evacuação, ou... uma grande salganhada


Hugo Guerra
ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70), hoje Coronel, DFA, na reforma


Às tantas. Até nisto fui exagerado. Fui evacuado por duas vezes e meia.

A meia evacuação

E tenho que começar pela meia evacuação para se perceber como aconteceram as outras duas. Foi assim:


Em Julho de 1969, já eu estava na Chamarra, fora, portanto de Gandembel e Ponte Balana, quando vim de férias à Metrópole. Tinha 24 anos, acabados de fazer, e já tinha dois filhos.

Mal acabei de regressar a Aldeia Formosa/Chamarra recebi uma carta da minha mulher, que teve o efeito duma mina anti-pessoal. Dizia-me ela que tinha encontrado o amor da sua vida e que ia viver com ele para Moçambique, pois fora mobilizado para uma comissão naquele Serviço que fazia os filmes, das festarolas que aconteciam em Angola e Moçambique, onde vim a trabalhar mais tarde.

Isto não me podia estar a acontecer e ainda hoje culpo estes acontecimentos de tudo o que vem a seguir.

Como não podia ficar parado a assistir de longe a este percalço, meti-me a caminho e fui falar com o General Spínola, pedi-lhe 8 dias para voltar a Lisboa e esclarecer aquele pesadelo, e que de imediato me foram concedidos.

A minha ligação de amizade com os Páras e o Coronel Diogo Neto, a quem pedi uma boleia no 1º avião que saísse de Bissau, colocou-me em Lisboa na noite seguinte.

Esclarecida a situação, para mim completamente surrealista, pois mais parecia estar a viver um pesadelo, fui às Urgências do HMP [Hospital Militar Principal, à Estrela] em desespero de causa, mas com a ideia que tinha duas coisas a fazer: (i) Cumprir o que tinha prometido ao General Spínola; e (ii) fugir de tudo isto - os meus 24 anos e a época em que vivíamos, não eram compatíveis com a visão marialva da vida que tinha levado até então.

Fui muito bem atendido no HMP e drogaram-me o suficiente para chegar a Bissau, como era meu desejo. Podia ter acabado ali a minha comissão mas o orgulho ferido e a vergonha eram muito fortes e pensava que o melhor era pôr a distância entre mim e toda esta porcaria.

Lá embarquei num avião militar que fez escala em Cabo Verde e, como ia cheio de comprimidos, adormeci profundamente num banco de madeira que por lá havia e esqueceram-se de me acordar.

Só passado mais de meia hora deram comigo e lá segui, com uma carta do HMP para baixar de imediato ao HM 241, à Psiquiatria. 18 de Julho de 1969. Como o percurso foi ao contrário chamo-lhe meia evacuação.

Vamos à seguinte

Na Psiquiatria em Bissau vi os apanhados do cacimbo e outros que se faziam a isso.
Não era bonito de ver essa golpada, quando mesmo ao lado tínhamos verdadeiros heróis, todos esfarrapados e já com peças a menos, que só eram evacuados se houvesse a certeza que não morriam pelo caminho; eu estive lá a estabilizar e como queria regressar ao meu pelotão, o Pel Caç Nat 55, os médicos devem ter percebido que eu já não batia certo e despacharam-me mesmo para Lisboa.

Passados dias vim então, evacuado para a Psiquiatria do HMP.

Na Psiquiatria onde fiquei internado em camarata, pois claro, com janela virada para o Jardim da Estrela onde as moto-serras começavam o seu chinfrim às horas em que conseguia adormecer (durante a noite os pesadelos eram mais que muitos), dizia eu, na Psiquiatria, éramos atendidos por Psiquiatras novatos, muito junto uns as outros, de modo que uma consulta era muitas vezes partilhadas com os vizinhos do lado.

Acho que a medicação também devia ser standard , o que nos fazia parecer um bando de doidinhos.

Cansado disto e porque mais uma vez me encontrava em Lisboa onde me sentia altamente traumatizado e desconfortável, pedi para tratar-me em ambulatório, gozei uns dias de férias no Algarve e, ainda sem os 12 meses cumpridos, pedi outra vez que dessem alta e mandassem de volta à Guerra.

Fui a uma Junta Médica e consideraram que eu estava no meu melhor e apto... para todo o serviço militar. Mais tarde e, na sequência deste filme, a doença foi considerada como adquirida em Serviço de Campanha.

Ter ou não 12 meses cumpridos em zona de 100% era importante por ser norma, não sei se escrita, que o pessoal nessas condições fazia o resto da Comissão em Portugal. Nem disso quis saber...

E só regressei a Bissau depois do Ano Novo, 1970, Janeiro, porque as meninas do Depósito Geral de Adidos, com peninha de mim foram escamoteando o meu regresso até passar as Festas Natalícias.

Terceira e última

Cheguei a Bissau em Janeiro, salvo erro a 18, e queriam ficar comigo na cidade. Bati o pé, fiz birra e lá marchei para S. Domingos, zona calma onde os periquitos faziam a sua adaptação ao clima e ao barulho da guerra.

Foi aí que dormi pela primeira vez numa cama normal com lençóis e tudo. Trocava todo o meu vencimento da Guiné por garrafas de whisky, que bebia até esquecer... mas as o 1º da CCS não se esquecia e lá vinha fazer contas comigo. Levava as garrafas, ainda intactas, e passados dias eu já estava a refazer o stock.

Fiquei a comandar o Pel Caç Nat 60 e ainda tenho algumas lembranças de coisas que por lá aconteceram. Adiante.

No dia 13 de Março de 1970, ia comandar um patrulhamento até à fronteira e eis senão quando detectámos uma primeira mina reforçada, mas em tal estado de conservação que não houve qualquer problema para a levantar.

Tinha no Pelotão um Primeiro Cabo, de nome Seleiro, já com um longo historial de levantar minas e, depois de a vermos, concordei que ele a levantasse, o que foi feito sem qualquer problema. Passámos o detonador para a bolsa do enfermeiro e continuámos a progressão.

Como eu era sempre o terceiro ou quarto homem depois das picas, vi perfeitamente que os picadores tinham localizado qualquer coisa. Montada a segurança lá chamei de novo o Seleiro para conferenciarmos sobre aquela.

Depois de nos certificarmos que estava isolada, tinha que decidir se abortava a operação, rebentando a mesma e regressando a São Domingos, expostos a alguma emboscada do IN. Se fosse entendido desactivar a mesma, poderíamos ir ao objectivo e no regresso levantá-la sem qualquer perigo.

Um e outro rastejámos até à mina que parecia nova e eu comecei a dizer ao seleiro que a queria levantar. Ele acabaria a sua comissão dois meses mais tarde.

Comecei a suar por todos os poros e depois de olhar bem aquela malvada, disse ao Seleiro que não era capaz. Ele disse-me que não havia crise e tomou o meu lugar.

Deitado no chão a cerca de 5 metros, acompanhei todos os seus movimentos com angústia e só relaxei um pouco quando ele, de joelhos e com a mina na mão, prestes a desarmadilhá-la me chamou:

- Meu Alferes, olhe aqui.

Comecei a levantar-me e senti o estrondo infernal, o sopro que me projectou de costas, o sangue quente a escorrer na cara e os gritos dele a dizer que estava morto…

Mas não estava. Os nossos homens trataram-nos o melhor possível, pediram as evacuações e fizeram uma macas com bambus e camisas. Tinha medo de perder a consciência e passar para o outro lado.

Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Seleiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo.

Quarenta e oito horas depois chegámos ao aeroporto de Figo Maduro e, como já foi dito por um camarada nosso, fomos colocados dentro de ambulâncias militares e sem qualquer barulho para não acordar a cidade, levaram-me a mim para o HMP na Infante Santo e o Seleiro foi levado para o Anexo, em Campolide.

Fiquei num quarto com mais dois camaradas que estavam lá a repousar, duma operação a uma hérnia um, e de um quisto qualquer, outro.

Só passados cerca de 10 dias a minha família foi avisada e nada disseram aos meus Pais. Afinal ainda podia morrer. Recordo-me de ver dois vultos aos pés da minha cama e ouvir a voz da minha irmã mais velha dizer, lamuriante:

- O meu irmão era tão bonito.

Imagino o aspecto que teria todo queimado e cheio de cicatrizes na cara, cabeça e membros. Nessa altura já o médico me tinha dito que tinha ficado sem o olho esquerdo e começaria os tratamentos a seguir à Páscoa quando estivesse mais estabilizado. Só ao fim de dez ou quinze dias comecei a poder comer porque até aí os dentes abanavam todos.

Em meados de Abril já fazia a pé o caminho para as diversas clínicas que passei a frequentar e apanhei o primeiro susto quando tiveram que me amputar os restos do olho.

Foi horrível mas acho que foi o Luís (Graça) que pediu algumas vivências de camaradas da Tabanca que tivessem frequentado o HMP, tout court.

Não sei se esta parte da Guerra é publicável, mas eu limito-me a contar a minha história, como a vivi e sobrevivi.

A verdade é que com isto tudo estava outra vez em Lisboa e, assim que achei que estava operacional, em Agosto outra vez, pedi para me mandarem à Junta Médica (JHM) e fiquei livre da minha guerra de G3.

Assim pensava. Em Outubro já estava em Angola a tomar conta da Fazenda Tabi, em zona de guerra, perto do Ambriz e fiquei naquele belo País até Abril de 1974. Foi o tempo para lamber e sarar as feridas.

Um abraço do
Hugo Guerra

__________


Notas de vb:

1. Artigos do Hugo Guerra em

Guiné 63/74 - P3443: Guiné/Vietname. Por favor, deixem-me sair de Gandembel (Hugo Guerra)

2. E da série Histórias de vida em:

17 de Novembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz

Guiné 63/74 - P3517: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (17): Está-me a faltar a "memória colonial"

Pensar em voz alta


Torcato Mendonça


ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo (1968/69) e
Ex – Militar Preguiçoso; Guerra e Paz e outras Questões



Talvez nem seja “ Um Pensar em Voz Alta”. Digamos, ser mais a constatação de que me está a falhar a “memória colonial”.

Eu esclareço. Melhor, tento esclarecer: sinto dificuldade em escrever, ou através da memória, relatar acontecimentos de uma parte do meu passado. Depois há um quase despir, uma exposição pública de acontecimentos e sentimentos outrora vividos.
Claro que vistos com os “olhos” de hoje, cortando aqui e acolá, não relatando tudo. Ainda o nome, o verdadeiro nome, o dar a conhecer-me em excessivo protagonismo. Mau, bom, nem mau ou bom? Efectivamente não sei. Talvez dispensável, na forma como o tenho feito. Curiosamente chegam ecos e isso desagrada. Efeitos da época do ano!? Ou deixar andar e continuar. Talvez seja preferível assim.

Por isso:
Hoje quando me levantei, oito horas, mais minuto menos minuto, estava um frio dos diabos. Ainda por cima aquela hora é madrugada para mim.

Sabia ter trabalhos urgentes e fui à agenda. Perseguem-me, há muitos anos, tais objectos, mudando logicamente de ano para ano. Porventura, no berço em vez de pandeireta brincava com uma agenda. São elas que determinam muito dos meus dias. Curiosamente, os meus suportes de “memória colonial” são dois objectos desses, milagrosamente sobreviventes ao tempo e ás andanças.

Hoje, ainda por cima em madrugada gelada, lá fui eu e confirmei as tarefas. Não gostei. Ainda por cima numa 2ª feira, dia de caminhar pausadamente. Depois de “tratar” de mim para enfrentar o vento frio da manhã e antes de sair abri o blogue (vicio ou hábito repetido quotidianamente). Antes de começar o dia – zás, blogue e gmail …. Achei engraçado o post sobre o proselitismo. Ainda por cima escrito pelo nosso camarada Beja Santos. Antes de ler fui fazer um café de “plástico” e, calmamente, enquanto beberricava a mistura de arábica ou robusta mais aditivos, devorei a prosa. Copiei a informação.
Geralmente, aqueles posts com muita informação guardo-os, bem como outros com determinada informação. Eu gosto. Outros parecem que não. Haja Deus. Ainda bem que não gostamos todos do mesmo.
Mas parei a reflectir sobre a minha “escrita” para o blogue. Ia escrevendo ou anotando com a “velha” pena e o tempo passou rápido. Atrasei-me.
Agora teclo, resumidamente, aquele amontoado de palavras. Mas cada vez sinto mais dificuldade em “escrever”, em sentir a descrição daqueles acontecimentos. Ou será por não os descrever completamente?
As “Estórias do José “pararam em Fá Mandinga, aonde o malandro do José se acoitou, e ficaram por lá (1).

Já fiz duas ou três tentativas para o fazer sair. Vãs tentativas! Mas tem que sair. Só que, por vezes, vejo-o tão bem instalado…Falo com ele, promete, qual político, mas cumprir nada! Políticos! Perdão, gente que não quer trabalhar… ou, mesmo suportando veementes apelos para trabalhar, parece sentir que perdeu a memória de “guerreiro de fim de império”. Esgotou-se ou será amnésia temporária? Esperemos que seja a ultima ou, isso sim, preguiça!

Depois sinto haver algo mais importante. Leio e gosto imenso de muitos e variados posts ou textos. Até pela sua diversidade temática: - da culinária, à introdução da G3, da cópula de um senhor Sargento a virar bebé, ou um Comandante de Batalhão a mostrar a eficácia do bem varrer (à vassoura…) e tantos, tantos outros que, certamente no futuro serão determinantes para se compreender a Guerra Colonial para mim, do Ultramar para outros e, curiosamente de Libertação para alguns. Há cada uma…

Apesar disso há assuntos que gostava de tratar. Melhor, talvez ver tratados por outros. Um exemplo ou dois: - a introdução da G3. Parece ter ficado tal assunto melhor esclarecido. Pessoalmente lembro-me de em 1961, quando ainda recebia instrução com a Mauser e Manelicher, terem vindo as G3 e as FN. Se foram ou não para a Guiné desconheço. Só as vi, se bem me lembro. Um parêntesis: podem questionar sobre a minha idade. Tinha 16 (dezasseis anos). Outras vidas. Tal assunto da G3 ficou esclarecido. Isso é que interessa.
Melhor ainda, outro, mais importante, está esclarecido por quem, de certeza aqui ou desde que se saiba quem tal afirma, ser, alguém incapaz de contrastar: o nosso Camarada Mário Dias. São Homens de Vidas e memórias importantes.

Gostei. A Fling existiu! Agora pode é não valer a pena tratar, neste blogue, da história da “chamada luta de libertação”. Íamos longe e infringíamos regras. Até se podia (não pode) falar de um ataque ou algo de semelhante á casa do Presidente da Guiné-Bissau. Ou de eleições e outros assuntos. Mas…

Preocupa-me mais o Povo afável e bem disposto daquele País. Tenho aqui um recorte do DN: - a história, breve, de Amadu Candé, 28 anos, Guineense da zona de Bafatá. Tentou durante 16 meses emigrar clandestinamente, por cinco vezes para a Europa. Foi sempre preso em Espanha.
Quantos “Amadus”, quantos africanos sofrem, esperam e desesperam para sair de sua Terra? Pensam erroneamente encontrar fora de África o direito a viverem uma vida mais digna. Contudo é lá, no seu Continente, no seu País na sua Terra que podiam encontrar o direito a uma vida melhor.

Porque não então? Só levemente: - porque alguns dos seus dirigentes têm fraca qualidade ou preferem actuar…não se pode criticar? Ponto!

Só lá? Claro que não! Há dias, sábado "Expresso", uma referência a um Povo que “não se governa nem se deixa governar”…com outra conjugação verbal…

Voltava ainda ao proselitismo e questionava: quantos prosélitos (católicos claro) haveriam, houve ou haverá na Guiné?

Quando lá cheguei, passado um tempo, disse para mim mesmo: o que andámos nós a fazer por esta terra durante cinco séculos?

Tanta questão…Penso em Voz Alta…penso e vai ou não pelo ciberespaço….vidas…
Ontem arquivei o texto. Falei sobre África com quem não conhece guerra lá ou noutro lado. Pessoa de paz, de saber, de querer e gostar conhecer o que se passa naquele Continente e neste nosso Mundo. Valeu a pena. Falar com amigos, vale sempre a pena. Aquele é especial e aprendo. Continuo e quero continuar a aprender. Ainda sou um jovem e mesmo que não fosse…
Hoje rebusquei este texto devido ao post do Mário Dias e nota do Luís Graça.
Termino fazendo uma pergunta:
- Onde estava você no 25 de Novembro…?
__________

Notas de vb:

1. As páginas do Zé Maria estão a meu cargo. Não estás esquecido, caro Torcato.

2. Da série em