Olá Carlos Vinhal
Peço desculpa pela demora, mas creio que reuni os requisitos primários para poder integrar a família TABANCA GRANDE.
Espero ter conseguido.
Estarei ao dispor para fornecer outro tipo de dados.
Este blogue é fantástico.
Um abraço
Luiz Figueiredo
GUINÉ - 1972-1974
António Luiz Silva Figueiredo - Fur Mil TSF
Em Abril de 1972 lá fui eu até à Guiné.
Divisas novas e reluzentes de oiro sobre os ombros, transmitiam coragem e jactância suficientes para desvanecerem a ansiedade de quem vai pisar um palco de guerra. Sim, era um mistério que se avolumava.
Como seria “viver” num clima de guerra? Como seria África? Como seria a Guiné? Mas não havia medo. Somente a doutrina do patriotismo alertava a minha mente. Era preciso continuar Portugal.
Embarquei no Figo Maduro num avião militar, que julgo ter sido um DC-6. Barulhento e com muita tremideira. Grandes afundanços nos poços de ar que nos tiravam o fôlego.
Ao fim de algumas horas aterrava na Ilha do Sal em Cabo Verde. Pela primeira vez sorvia o éter africano. Gostei. E para refrescar lá foi uma “bejeca” S. Jorge.
Ao fim de uma horita retomámos a rota para a Guiné. E aí o calor matava. De tal modo que quase não dei pelos “pios” com que os velhos camaradas “residentes” nos brindaram à chegada. A praxe estava instituída. Compreendia-se.
Aí estava Bissalanca ao fim de uma tarde abafada, com um pôr-do-sol magnífico. No momento em que pisei o solo africano pedi a bênção dos Céus. Simplesmente inebriante.
Um autocarro levou-nos até à cidade de Bissau, ao Agrupamento de Transmissões.
No dia seguinte apresentei-me ao Comandante de Companhia. Com um sorriso profundamente arrogante, o capitão disse-me que eu ia substituír o furriel que tinha cessado a comissão de serviço, num local que era uma autêntica colónia de férias: Pirada.
Localização de Pirada, no Norte da Guiné, junto à fronteira com o Senegal
Aquilo não me dizia nada. Ele ficou a olhar para mim de sorriso cínico até às orelhas. Parecia um cow-boy, de pistola no coldre e cinturão descaído. Estava de oficial-de-dia. Os meus camaradas mais velhos quando souberam, pintaram a manta: Pirada era um potencial alvo do inimigo. Um dos piores locais da Guiné, lá bem juntinho ao marco 69, na fronteira com o Senegal.
Após uma ou duas semanas de estágio, um avião Nordatlas levou-me até Pirada. Não me pareceu tão mau como diziam. Pista de aviação, quartel com instalações recentes, razoável messe e muitas tabancas na periferia. O posto de rádio do STM que eu ia chefiar era um autêntico “bunker”.
A minha especialidade era TSF. Sabia umas “coisas” do código Morse, essa bela linguagem de traços e pontos, mas a trabalhar com a chave era um autêntico “pato-bravo”. Em contrapartida tinha quatro radiotelegrafistas que operavam com saber, destreza e dedicação. Eram fantásticos. Eu zelava pela operacionalidade dos equipamentos, pela manutenção das instalações e pelo bem-estar dos meus subordinados. E tudo correu bem.
Depressa estabeleci amizades no seio do batalhão ali sediado, que era o BCAV 3864, próximo do fim de comissão.
Até que havia de chegar o dia do meu “baptismo” de guerra.
Por vezes, depois do jantar, eu e mais dois camaradas, íamos até às tabancas e conversávamos com a população. Se esta estivesse recolhida, era um sinal de perigo e regressávamos ao quartel. Eram cavaqueiras agradáveis.
Numa noite calma de junho, sem indícios de perigo para nós e para a população, estalou o verniz.
Cerca das 22 horas ouvimos um rebentamento. Em simultâneo, bolas de fogo começaram a passar por cima das nossas cabeças em direcção ao quartel. Perdi de vista os meus camaradas. Também deixei de ver os africanos. Ouvi alguém dizer para me deitar no chão. Estava indeciso: deitar-me no chão ou fugir para o quartel? Alguns nativos rastejavam a meu lado.
O bombardeamento acelerava. Ouvia vozes, masculinas e femininas, a dizerem: “furriel deixa-te estar deitado”. O gado berrava. Algumas tabancas começaram a arder e um clarão iluminava o aldeamento.
Pensava muito nos meus pais e nas minhas irmãs e julgava que não mais os voltaria a ver. Tentei levantar-me mas logo senti mãos que me obrigavam a permanecer deitado. As portas do Inferno estavam escancaradas. Era aterrador.
Pensei: o inimigo entrou no aldeamento e não tarda nada apanha-me à mão. Então, num impulso tresloucado ergui-me e comecei a correr a toda a velocidade para o quartel. Se contasse para os jogos olímpicos, estaria depois no pódio com uma medalha de ouro ao peito. As bolas de fogo sobrevoavam a minha cabeça. Comecei então a ouvir o nosso obus a argumentar. Na porta de armas não ouvi nem vi nenhuma sentinela. Se ela dissesse: quem vem lá, pare. Eu não teria ouvido nada, pois o barulho era ensurdecedor. E poderia ter sido baleado. Atirei-me para a guarita da sentinela em êxtase. A respiração estava descontrolada. Alguém me levou para o posto médico, quase a desfalecer. E comecei a ressuscitar.
Os obuses calaram o inimigo. Eu estava todo arranhado, mas vivo. E assim foi o meu baptismo.
Em agosto levei com a segunda dose, mas mais uma vez os deuses estiveram do nosso lado.
Em novembro vim de férias. Não voltei a Pirada. Fui deslocado para Teixeira Pinto.
Em agosto vim de férias. E fiquei em Bissau até maio de 1974. Sou militar no activo durante o 25 de abril. O meu substituto chegou a Bissau de cabeleira farta e cravo na lapela. Viva Portugal.
2. Comentário de CV:
Caro Luiz Figueiredo, bem aparecido de novo na Tabanca. Já por cá passaste duas vezes, mas à terceira resolveste juntar-te à tertúlia. Fizeste bem, porque tens cá um pequeno grupo de camaradas das TSF, sendo o mais antigo, ou pelo menos um dos mais antigos, o Hélder Sousa. Se mais não for, só por isto já te sentirás em família.
Tinha eu poucos de dias de Guiné, conheci na Messe de Sargentos de Mansoa um camarada que tinha vindo de Pirada. Isto em 1970. Nunca na minha vida voltei a ver alguém tão apanhado do clima como ele. Porque não mais me esqueci desse camarada, quando me falam de Pirada imagino logo o pior.
Terás muito que contar já que estiveste em três locais diferentes. Tendo cada um as suas particularidades quanto a guerra e condições de serviço, ficas desde já convidado a escrever as memórias que retens desses locais. Hás-de ter aí por casa umas fotos guardadas que julgavas não servirem para nada a não ser para tu as veres de vez em quando. É chegada a hora de elas serem famosas. Digitaliza-as e manda-as para nós as publicarmos.
Não quero terminar sem antes te deixar um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores que esperam te sintas bem entre nós.
Carlos Vinhal
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Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
20 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7968: O Nosso Livro de Visitas (108): Luiz Figueiredo, Fur Mil TSF, Pirada, Teixeira Pinto e Bissau, 1972/74
e
10 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8077: O Nosso Livro de Visitas (111): António Luiz Figueiredo procura saber notícias do pessoal que com ele conviveu na sua comissão
Vd. último poste da série de 26 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8328: Tabanca Grande (288): Apresenta-se o José Manuel Carvalho, Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974