Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana
Amílcar Cabral e Rafael Barbosa estavam ligados pela verve nacionalista, este clamava a sua adesão ao PAI, ele limitara-se a acompanhar a sua evolução; veio encontrá-lo enformado por cerca de 30 militantes, empregados da Farmácia Lisboa, quadros do Banco Nacional Ultramarino, da Estação Postal, da Estação Telegráfica, da empresa António da Silva Gouveia (CUF) e atletas do Sport Bissau e Benfica, filiou-se, reformou-lhe estatutos e orgânica, Rafael Barbosa continuou presidente, ele passou a secretário-geral, Aristides Pereira, o chefe da Estação Telegráfica seu adjunto, e rumou a Paris, a dar início à sua diplomacia de convencimento.
Amílcar Cabral e a primeira infância do PAIGC em Paris foram “amamentados” pelas remessas de $ (escudos) – então a 3.ª moeda mais forte do mundo - da sua mulher, a eng.ª silvicultora Maria Helena de Ataíde Vilhena Rodrigues, filha de um capitão médico e deficiente da guerra africana, no contexto da I Guerra Mundial.
Em Janeiro de 1960, viajou com o passaporte português de Paris para Túnis, discursou na I Conferência dos Povos Africanos sob o pseudónimo de Abel Djassi, conheceu Nelson Mandela e o caribenho e sociopata revolucionário Frantz Fanon, mentor do terrorismo e em representação da FNL argelina, que lhe apresentou o congolês Holden Roberto, líder da UPA, ainda ele não tinha ido a Washington receber a quantia de 100 mil dólares em dinheiro vivo das mãos do então senador John Kennedy.
O financiamento do terrorismo no norte de Angola, em Março de 1961, materializado no massacre de cerca de 10 mil civis, homens, mulheres e crianças, brancos, pretos e mulatos, foi devido a John Kennedy e ao seu Partido Democrata.
Quando a Maria Helena se lhe juntou em Paris, o exilado angolano Viriato da Cruz, fundador do Partido Comunista de Angola – que Cabral ajudará a reciclar no MPLA –, meteu uma cunha a Sékou Touré, este concedeu-lhes asilo, em Março desse ano mudaram-se para Conacri, deu-lhe uma avença como conselheiro técnico do Ministério da Economia Rural e empregou a Maria Helena como professora no seu liceu. Em Outubro foi a Dacar participar na Conferência de Quadros das Obrigações Nacionalistas, diferenciou o PAI guineense do PAI senegalês, Partido Comunista do Senegal, fundado por Majhmad Diop, também exilado em Conacri, militado por pan-africanistas e por ex-estudantes senegaleses em Paris, mudando-lhe o acrónimo para PAIGC, Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde. Foi encontrar em Conacri o emigrante João Bernardo Vieira, jovem da etnia papel, electricista de Bissau, sobrinho de João Máximo Vieira, carpinteiro de Bedanda, que fora o seu maior entusiasta da falhada fundação da referida associação desportiva juvenil – o destino a fazer o encontro entre os dois guineenses que darão água pela barba ao Governo, infernizarão a vida aos militares portugueses e talharão o destino da Guiné Portuguesa: o líder Cabral, pelo seu talento de estratega, a inteligência na acção, e o bisonho e improvável cabo-de-guerra “Nino”, que se iniciou como “libertador” da zona Sul, superou a famigerada Operação Tridente, foi o chefe das Operações das FARP (Forças Armadas Revolucionárias Populares), proclamou a independência no Boé, foi ministro, primeiro-ministro, fez um primeiro mandato de 19 anos de seu PR e, ao 4.º ano do seu segundo mandato, foi assassinado e o seu cadáver profanado.
Encontro também premonitório do futuro fatal a ambos e de grande contrariedade para as suas mães, que queriam ser portuguesas e sempre viveram em Bissau. D. Iva Pinhel, mãe de Amílcar, dizia que se o tivesse adivinhado político, não teria mourejado tanto para o formar (passava férias em Cabo Verde, as passagens aéreas oferecidas pagas pelo governo provincial) e Nino Vieira afirmava que a sua mãe, Florença de Pina Araújo, procurava todas as oportunidades para lhe ralhar e se convertera em spinolista convicta.
Em Conacri, Amílcar Cabral começou a acolher jovens guineenses da sua sementeira subversiva, os primeiros oriundos da Missão Católica de padres italianos da tabanca de Samba Silaté e outros, militares nativos, na disponibilidade e desertores, mobilizados e expedidos por Rafael Barbosa, os primeiros foram Osvaldo Vieira, Epifânio Amado e o furriel desertor Rui Djassi, os três empregados da Farmácia Lisboa, e, depois, Domingos Ramos e Carlos Correia, todos patrocinados pela dr.ª Sofia Pombo Guerra.
Nesse ano viajou para Checo-Eslováquia, para União Soviética e para a China, aqui permaneceu alguns meses, a receber lições de Mao Tsé Tung sobre a organização da guerrilha rural e do combate nas matas e bolanhas da Guiné contra um exército, o português no caso. O mestre viu no discípulo um homem do campo feito cosmopolita, o seu grande potencial de líder revolucionário e começou a ajuda à sua luta concedendo bolsas de preparação ideológica e militar a 30 jovens guineenses (a Checo-Eslováquia concedeu-lhe 25 e a União Soviética apenas 5).
Leopold Senghor |
Em 30 de Novembro desse ano, propôs a Salazar o recenseamento dos habitantes de Cabo Verde e da Guiné para “uma pessoa um voto”, a eleição de uma Câmara de Representantes das duas Províncias, pelos rácios de 1 deputado por 10 mil cabo-verdianos e de 1 deputado por 30 mil guineenses – uma espécie de assembleia constituinte de um só país – e preconizava a eleição de um Presidente da República comum.
Marrocos tornara-se destino de exílio de oposicionistas portugueses, predominando comunistas e delgadistas, Rabat e a MAC, Movimento Anticolonialista fundado por Viriato da Cruz, tornaram-se ponto de reunião e placa giratória da malta africana que deixava as 3 Casas do Império (Lisboa, Coimbra e Porto). A Maria Helena passava pela segunda gravidez, ora de risco, Amílcar Cabral instalou-a em Rabat, meteu o país e a cidade no seu roteiro, conquistou a consideração do rei Hassan II e, em 1962, este doou-lhe as primeiras 30 pistolas-metralhadoras russas PPSH – as “costureirinhas” e o seu “cantar”, sinistro e indelével na memória dos combatentes da Guiné.
A Rabat foi também parar o impetuoso rebelde Humberto Delgado, Tenente da Revolução do 28 de Maio, General da Força Aérea e o general mais novo do corpo de generais portugueses, notável diplomata militar, fundador da TAP, criador dos aeroportos de Lisboa e do Porto, etc., que passara de Presidente da Repúlica de Portugal eleito, em 1958, derrotado por fraude eleitoral, a refugiado no Brasil. Ao fim de 10 meses no Rio de Janeiro, a viver do subsídio de 30 mil cruzeiros da Associação de Beneficência e Cultura, o empresário Rui Amaral deu-lhe em S. Paulo o emprego de promotor de vendas do “Cestos de Natal Amaral”, na empresa Alimentos Seleccionados Amaral. Já com o estatuto de exilado político, concedido pelo Presidente Juscelino K. Oliveira, despediu-se do emprego, foi instalar o quartel-general do golpe militar do derrube de Salazar em Rabat e alçou o desertor de Angola, Major Pilav. José Ervedosa a seu Chefe de Estado-Maior.
Em 1961, como o MAC era contrário à violência, advogava a desobediência civil como arma de luta da independência, os líderes dos movimentos independentistas dos territórios administrados por Portugal apropriaram-se dele, reciclaram-no na CONCP (Confederação da Organização das Colónias Portuguesas), proclamaram a luta armada contra o colonialismo português, transferiram o seu Secretariado para Casablanca, a sua liderança exercida pela “troika” Amílcar Cabral (Guiné e Cabo Verde), Gentil Viana (Angola) e Marcelino dos Santos (Moçambique). Em Outubro esta “troika” foi a Nova Deli pedir a ajuda de Nerhu à luta da Liga de Goa pela libertação do Estado Português da Índia, Amílcar Cabral foi o seu porta-voz, este disse-lhes que ia reflectir – não lhe deu resposta, invadiu-o e anexou-o por mão militar à União Indiana.
Em 3 de Agosto de 1961, Amílcar Cabral anunciou a passagem da sua luta na Guiné à “acção activa”, eufemismo para não ferir as boas almas pacifistas, nórdicas e não só…, (a União Soviética monta o estaleiro da construção do muro de Berlim), e, em 13 de Outubro, enviou a Salazar e ao Povo Português a proposta da abertura do diálogo pela união da Guiné com Cabo Verde, a sua autodeterminação e a independência como fim último –, inflexível e casmurro, o velho foi recorrente em negar-lhe resposta.
Salazar e o seu fascismo à “português suave” acusavam decadência, os novos “ventos da história” demorarão a chegar a Lisboa, a oposição e um general não tiveram jeito nem força para o afastar do poder, o feito estava reservado à cadeira espreguiçadeira do forte do Estoril. Quando algum dignitário ou emissário internacional lhe invocava a ONU ou abordava a questão colonial, ele evocava logo os Descobrimentos e a sua identidade com o heroísmo dos seus antepassados do século XV. O embaixador americano em Lisboa reportou ao seu presidente que fora presente a um velho e, mal abriu a boca sobre o tema, levou logo com Luís de Camões, com o Infante D. Henrique e com Vasco da Gama (e ele não sabia quem eram…).
Em meados de 1962, a França libertou-se da Argélia e Ben Bella, primeira figura da FNL e especialista de assaltos a bancos foi alçado à honra de seu Presidente da República, precedente que inspirará o nosso Presidente Mário Soares a indultar os nossos brigadistas Carlos Antunes e Isabel do Carmo, condenados judicialmente por assaltos a bancos nacionalizados, e o nosso Presidente Jorge Sampaio, a condecorar Hermínio da Palma Inácio, o nosso assaltante da filial do Banco de Portugal na Figueira da Foz. Nenhum era dos DDT (donos disto tudo)…
A capital Argel passou a centro de gravidade revolucionária, a asilar tudo que parecesse revolucionário africano e oposicionista ao regime de Lisboa, os democratas e delgadistas lusos e suas famílias eram cerca de 40 almas, formataram a sua comunidade na FPLN, acrónimo de Frente Patriótica de Libertação Nacional, a “troika” Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre em seus pontífices.
Em 1962, havia na Guiné Portuguesa 10 movimentos e correntes de opinião nacionalistas, (eram 21, considerando os de Cabo Verde), uns mais informais que outros, e, em Maio, Nino Vieira fez a sua iniciação de comandante guerreiro, montando um fornilho e uma pequena emboscada com pistolas de calibre civil “Unic” à CCaç 84, no troço de Mato Farroba da estrada Cacine-Cufar, sem sucesso. Dias depois, acabado os preliminares e quando se preparava para distribuir as 30 pistolas-metralhadoras PPSH, doadas pelo rei de Marrocos, escondidas sob o arroz no celeiro da quinta do Chiquinho, em Cubaque, foi capturado pela patrulha do Destacamento de Cufar, comandada pelo furriel mil.º Gonçalves, este deu-o como fugido ao fisco e foi levá-lo à cadeia de Catió e o administrador da circunscrição Pedro Duarte (irmão do dr. Abílio Duarte, ambos cabo-verdianos e militantes do PAIGC dos mais importantes) propiciou-lhe a evasão na mesma noite.
Havia mais de um ano que o Estado-Maior de Bissau e o seu comandante de Companhia sabiam quem era o Nino, o que andava e se propunha fazer. Os “donos” da nossa guerra da Guiné omitiam as informações desta natureza aos comandantes de patrulhamentos e de escoltas que não fossem oficiais…
A insurreição armada eclodiu no noroeste da Guiné, em Junho de 1962, numa lógica mais bandoleira que militar, a iniciativa foi do MLG (Movimento da Libertação da Guiné), com o assalto, pilhagens e delapidações nas estâncias de veraneio de Susana e Varela e o incêndio de uma serração em S. Domingos, por bigrupos com o efectivo de 200 guerrilheiros, instruídos em Bamako, capital do Mali, por ex-militares argelinos do exército francês, um deles era Momo Turé, que virá a enformar o trio que martirizou Amílcar Cabral.
O MLG era concorrencial e antecipara-se ao PAIGC na dotação de recursos humanos e de armamento; mas, por atalhos de entendimento, uma coligação informal da UPG, do MLG e do PAIGC desencadeou uma segunda vaga: entre 6 de Janeiro e 5 de Maio de 1963, cortaram a estrada Varela-S. Domingos, incendiaram o posto administrativo de Sedengal e o pontão entre Susana e Varela, atacaram Cajadi, Bigene e Samoge, montaram emboscadas ao CCav 252, causaram a morte a um soldado e ao seu comandante, Capitão Machado do Carmo, incendiaram o autocarro do Manuel Saad, da carreira de Bissau-S. Domingos e dois camiões dos madeireiros, etc..
Da acção por parte do PAIGC, no Chão manjaco distinguiu-se o ex-professor primário Inocêncio Kani, que virá a ser o comandante do assassinato de Amílcar Cabral, enquanto no sul, na região continental e insular de Cacine, se distinguia Nino Vieira, nas acções nos chãos balanta e nalú, com assaltos a casas comerciais, sabotagens, cortes de estradas e na instrução e formação do primeiro corpo de Exército do PAIGC, uma numerosa força de guerrilha, um corpo de exército, dotada de metralhadoras antiaéreas, que acantonou nas ilhas do Como, Caiar e Catunco, coma missão de proteger a realização do I Congresso de Cassacá.
Ao invés de François Mendy e do seu MLG, Amílcar Cabral só desencadeou a sua guerra com o trabalho de casa feito, depois do estudo do terreno, do dispositivo militar português da Guiné levado ao pormenor, da autoria do então Tenente-Coronel Costa Gomes (em implementação desde 1958 e imutável até 1974), e concebeu a sua orgânica militar e o seu plano táctico-estratégico de acordo com as lições de Mao.
Cerca de 2/3 da dimensão da Guiné eram floresta e água. Na sua perspectiva de soberania, a tropa organizava-se em sectores geográficos, sedes de batalhões, e em quadrículas geométricas, nomadizava nas zonas urbanas e nas tabancas mais densamente povoadas, as quadrículas como áreas de acção de Companhias de Infantaria, com o efectivo de cerca de 150 homens, operava dia e noite, os seus reabastecimentos garantidos por terra, mar e ar. Mas jogava fora. O PAIGC estabeleceu a sua retaguarda no estrangeiro, organizou a sua luta em três frentes ou regiões político-militares, manobrava em Grupos e Bigrupos de combate de grande mobilidade e virtuosismo táctico, estes com o efectivo de 30 homens cada, estava para as matas e florestas como o peixe para a água, era noctívago nas suas ambulações bélicas, tanto pregava a tropa ao chão como a obrigava à dispersão, o seu reabastecimento a partir do estrangeiro, garantido pelas infiltrações das fronteiras, os “corredores” para a tropa – a permeabilidade das fronteiras foi o pecado mortal táctico-estratégico do Alto Comando português. E jogava em casa.
A partir de 1963 e durante 11 anos, o PAIGC foi constante na propalação (até 1974) da glória de dominar e “administrar” 2/3 de “áreas libertadas” na Guiné e de ter imposto o confinamento da soberania de Portugal a Bissau e Safim. Um embuste, “publicidade enganosa”, com sucesso junto da ONU, da OUA e das chancelarias mundiais que lhe sustentavam a guerra.
Esses “2/3 de áreas libertadas” não era mérito seu, era o grande activo da Guiné - o seu ecosistema de massas de florestas, água de rios e braços de mar.
Em 1963, o PAIGC tinha completado a implementação e activado o seu dispositivo militar na Frente sul e na Frente sul (a tropa demorou mais de um ano a iniciar a sua rarefacção, com a Operação Tridente), a manobra dos “primos Vieira”, Osvaldo e Nino evidenciava o virtuosismo decorrente do seu tirocínio em Pequim.
Para memória futura: Fui militar do contingente geral e servi na Guerra da Guiné com o posto de furriel miliciano, de meados de 1964 a meados de 1966, começamos baseados em Bissau, as três companhias operacionais para missões de intervenção. No primeiro ano fomos sempre até onde a soberania de Portugal fora, executando batidas, golpes de mão, cercos, assaltos, sofremos minas, flagelações, emboscadas e suas consequências, por terra e por água e nomadizamos em duas zonas problemáticas – 10 dias em Bironque, no Norte, e 67 dias em Cufar, no Sul. No Norte confrontamo-nos com o comandante Osvaldo Vieira e a sua malta e no Sul com o comandante Nino Vieira e sua malta. No segundo ano fomos para Nova Lamego, ambulamos por todo o Leste, cambamos o Corubal na fatídica jangada do Ché-ché, confrontamo-nos com o comandante Domingos Ramos e sua malta nas abrasivas áreas de Canquelifá, Beli e Madina do Boé e terminamos a comissão na tabanca fula e mandinga de Buruntuma, fronteira da Gconacri.
O PAIGC sujeitou-nos a situações umas mais difíceis e dolorosas que outras, mormente nas matas do Oio, Morés, Cafine, Cantanhez e Cufar, mas, mesmo nessas áreas da sua maior presença e mobilidade, a sua acção nunca configurou algo parecido com “área libertada”!
Não obstante ter sido actor nessa Guerra da Guiné “para nada”, parafraseando alguém, a sua primeira vítima foi a verdade.
Amílcar Cabral rompera com o MLG, tratou de o desnatar dos seus melhores recursos humanos e, na noite de 23 de Janeiro de 1963, inaugurou a sua Guerra da Guiné a solo, numa operação com lógica militar. Um comando do PAIGC formado na base de Koundara, Guiné-Conacri (a 30 km de Buruntuma), veio atacar a sede do BCaç 237, em Tite, no coração da Guiné, na margem esquerda do estuário do Geba, defronte a Bissau, vitimou uma sentinela, o soldado gondomarense Gabriel Moura, mas só no dia 26 é que comunicou o evento à ONU, porque o regresso dos atacantes ao seu PC, em Koundara, demorou 3 dias…
O General Humberto Delgado foi convencido por Álvaro e transumou-se de Rabat para Argel, chegou, invocou à comunidade conspirativa lusa o seu direito natural, de Presidente eleito de Portugal e a sua patente de General, impôs-se presidente da FPLN e comandante da luta da oposição salazarista. A pluralidade convertera a FPLN num saco de gatos, a maioria passou a negar-lhe interacção, a fazer finca-pé à anterior orgânica da FPLN e ele desenrascou-se mudando o P de patriótica para o P de portuguesa.
Em Setembro de 1964, a guerra rebentou em Moçambique, a FRELIMO aderiu à FPLN, e Amílcar Cabral, também convencido por Álvaro Cunhal, deixou Rabat e a família, passou a frequentar Argel, engrossou a FP(atriótica)LN, de saco de gatos oposicionistas passou a saco de tigres, a maioria dessa comunidade conspiradora lusa secundou a proclamação dos três dirigentes nacionalistas à luta armada no Portugal ultramarino, a CONCP propunha-se desencadear ataques de “bate e foge” aos quartéis da Metrópole, o general agoniou-se e em Outubro bateu com a porta.
A sua circunstância e as suas idiossincrasias tornaram Amílcar Cabral apenas fiel a tudo o relativo à guerra, a Maria Helena tendia para os princípios políticos do general, divorciaram-se, ela refez a sua vida sentimental com o seu ajudante de campo Henrique Cerqueira, regressou a Portugal após o 25A74 e deu aulas na Universidade do Minho.
Amílcar Cabral refez a sua vida sentimental com a moça guineense Ana Maria Voss de Sá, sua protegida com uma bolsa de estudo na Checo-Eslováquia, o PAIGC aureolou-a de espécie de viúva nacional, foi o seu representante à cerimónia do arrear da última bandeira portuguesa, na parada do quartel de Mansoa, em 9 de Novembro de 1974, - o último acto da exoneração de Portugal da sua soberania e a última missão do seu o último soldado, o nosso camarada Furriel Mil.º Eduardo Magalhães Ribeiro.
A notícia da morte do General Humberto Delgado na Extremadura espanhola chegou ao Café Bento ou nossa “5.ª Rep” no princípio de Maio de 1965, estávamos em recuperação, passáramos o mês de Abril em intervenção na região de Buba, investidos nas muito duras e sofridas Operação Faena, em Antuane, e Operação Faena, em Incassol. A indiferença ante a notícia foi geral, não provocou reacções de compaixão nem de simpatia – entendíamo-lo como mais que para se vingar de Salazar se passara para os turras, para os ajudar a infernizar-nos a vida, a estropiar-nos e a matar-nos. Pura desinformação. Houve suspeitas, não provadas, de que o General Humberto Delgado teria sido “oferecido” à PIDE pela FPLN ou “Grupo de Argel” ou pela CONCP, em consequência da sua ruptura com ela e por se ter recusado a caucionar a admissão a pretensão da extensão da intromissão dos líderes da guerra africana nos assuntos portugueses genuinamente internos. Votara-se à conspiração armada contra o regime, mas era seu ponto de honra não usar os soldados portugueses para seu alvo – assim o determinara na sua ordem de operação do assalto ao RI 13 de Beja.
Congresso de Cassacá
Ao invés de François Mendy e do seu MLG, Amílcar Cabral só desencadeou a sua guerra com o trabalho de casa feito, depois do estudo do terreno, do dispositivo militar português da Guiné levado ao pormenor, da autoria do então Tenente-Coronel Costa Gomes (em implementação desde 1958 e imutável até 1974), e concebeu a sua orgânica militar e o seu plano táctico-estratégico de acordo com as lições de Mao.
Cerca de 2/3 da dimensão da Guiné eram floresta e água. Na sua perspectiva de soberania, a tropa organizava-se em sectores geográficos, sedes de batalhões, e em quadrículas geométricas, nomadizava nas zonas urbanas e nas tabancas mais densamente povoadas, as quadrículas como áreas de acção de Companhias de Infantaria, com o efectivo de cerca de 150 homens, operava dia e noite, os seus reabastecimentos garantidos por terra, mar e ar. Mas jogava fora. O PAIGC estabeleceu a sua retaguarda no estrangeiro, organizou a sua luta em três frentes ou regiões político-militares, manobrava em Grupos e Bigrupos de combate de grande mobilidade e virtuosismo táctico, estes com o efectivo de 30 homens cada, estava para as matas e florestas como o peixe para a água, era noctívago nas suas ambulações bélicas, tanto pregava a tropa ao chão como a obrigava à dispersão, o seu reabastecimento a partir do estrangeiro, garantido pelas infiltrações das fronteiras, os “corredores” para a tropa – a permeabilidade das fronteiras foi o pecado mortal táctico-estratégico do Alto Comando português. E jogava em casa.
A partir de 1963 e durante 11 anos, o PAIGC foi constante na propalação (até 1974) da glória de dominar e “administrar” 2/3 de “áreas libertadas” na Guiné e de ter imposto o confinamento da soberania de Portugal a Bissau e Safim. Um embuste, “publicidade enganosa”, com sucesso junto da ONU, da OUA e das chancelarias mundiais que lhe sustentavam a guerra.
Esses “2/3 de áreas libertadas” não era mérito seu, era o grande activo da Guiné - o seu ecosistema de massas de florestas, água de rios e braços de mar.
Em 1963, o PAIGC tinha completado a implementação e activado o seu dispositivo militar na Frente sul e na Frente sul (a tropa demorou mais de um ano a iniciar a sua rarefacção, com a Operação Tridente), a manobra dos “primos Vieira”, Osvaldo e Nino evidenciava o virtuosismo decorrente do seu tirocínio em Pequim.
Para memória futura: Fui militar do contingente geral e servi na Guerra da Guiné com o posto de furriel miliciano, de meados de 1964 a meados de 1966, começamos baseados em Bissau, as três companhias operacionais para missões de intervenção. No primeiro ano fomos sempre até onde a soberania de Portugal fora, executando batidas, golpes de mão, cercos, assaltos, sofremos minas, flagelações, emboscadas e suas consequências, por terra e por água e nomadizamos em duas zonas problemáticas – 10 dias em Bironque, no Norte, e 67 dias em Cufar, no Sul. No Norte confrontamo-nos com o comandante Osvaldo Vieira e a sua malta e no Sul com o comandante Nino Vieira e sua malta. No segundo ano fomos para Nova Lamego, ambulamos por todo o Leste, cambamos o Corubal na fatídica jangada do Ché-ché, confrontamo-nos com o comandante Domingos Ramos e sua malta nas abrasivas áreas de Canquelifá, Beli e Madina do Boé e terminamos a comissão na tabanca fula e mandinga de Buruntuma, fronteira da Gconacri.
O PAIGC sujeitou-nos a situações umas mais difíceis e dolorosas que outras, mormente nas matas do Oio, Morés, Cafine, Cantanhez e Cufar, mas, mesmo nessas áreas da sua maior presença e mobilidade, a sua acção nunca configurou algo parecido com “área libertada”!
Não obstante ter sido actor nessa Guerra da Guiné “para nada”, parafraseando alguém, a sua primeira vítima foi a verdade.
Amílcar Cabral rompera com o MLG, tratou de o desnatar dos seus melhores recursos humanos e, na noite de 23 de Janeiro de 1963, inaugurou a sua Guerra da Guiné a solo, numa operação com lógica militar. Um comando do PAIGC formado na base de Koundara, Guiné-Conacri (a 30 km de Buruntuma), veio atacar a sede do BCaç 237, em Tite, no coração da Guiné, na margem esquerda do estuário do Geba, defronte a Bissau, vitimou uma sentinela, o soldado gondomarense Gabriel Moura, mas só no dia 26 é que comunicou o evento à ONU, porque o regresso dos atacantes ao seu PC, em Koundara, demorou 3 dias…
O General Humberto Delgado foi convencido por Álvaro e transumou-se de Rabat para Argel, chegou, invocou à comunidade conspirativa lusa o seu direito natural, de Presidente eleito de Portugal e a sua patente de General, impôs-se presidente da FPLN e comandante da luta da oposição salazarista. A pluralidade convertera a FPLN num saco de gatos, a maioria passou a negar-lhe interacção, a fazer finca-pé à anterior orgânica da FPLN e ele desenrascou-se mudando o P de patriótica para o P de portuguesa.
O General Humberto Delgado a votar nas Eleições Presidenciais de 1958
Em Setembro de 1964, a guerra rebentou em Moçambique, a FRELIMO aderiu à FPLN, e Amílcar Cabral, também convencido por Álvaro Cunhal, deixou Rabat e a família, passou a frequentar Argel, engrossou a FP(atriótica)LN, de saco de gatos oposicionistas passou a saco de tigres, a maioria dessa comunidade conspiradora lusa secundou a proclamação dos três dirigentes nacionalistas à luta armada no Portugal ultramarino, a CONCP propunha-se desencadear ataques de “bate e foge” aos quartéis da Metrópole, o general agoniou-se e em Outubro bateu com a porta.
A sua circunstância e as suas idiossincrasias tornaram Amílcar Cabral apenas fiel a tudo o relativo à guerra, a Maria Helena tendia para os princípios políticos do general, divorciaram-se, ela refez a sua vida sentimental com o seu ajudante de campo Henrique Cerqueira, regressou a Portugal após o 25A74 e deu aulas na Universidade do Minho.
Amílcar Cabral refez a sua vida sentimental com a moça guineense Ana Maria Voss de Sá, sua protegida com uma bolsa de estudo na Checo-Eslováquia, o PAIGC aureolou-a de espécie de viúva nacional, foi o seu representante à cerimónia do arrear da última bandeira portuguesa, na parada do quartel de Mansoa, em 9 de Novembro de 1974, - o último acto da exoneração de Portugal da sua soberania e a última missão do seu o último soldado, o nosso camarada Furriel Mil.º Eduardo Magalhães Ribeiro.
A notícia da morte do General Humberto Delgado na Extremadura espanhola chegou ao Café Bento ou nossa “5.ª Rep” no princípio de Maio de 1965, estávamos em recuperação, passáramos o mês de Abril em intervenção na região de Buba, investidos nas muito duras e sofridas Operação Faena, em Antuane, e Operação Faena, em Incassol. A indiferença ante a notícia foi geral, não provocou reacções de compaixão nem de simpatia – entendíamo-lo como mais que para se vingar de Salazar se passara para os turras, para os ajudar a infernizar-nos a vida, a estropiar-nos e a matar-nos. Pura desinformação. Houve suspeitas, não provadas, de que o General Humberto Delgado teria sido “oferecido” à PIDE pela FPLN ou “Grupo de Argel” ou pela CONCP, em consequência da sua ruptura com ela e por se ter recusado a caucionar a admissão a pretensão da extensão da intromissão dos líderes da guerra africana nos assuntos portugueses genuinamente internos. Votara-se à conspiração armada contra o regime, mas era seu ponto de honra não usar os soldados portugueses para seu alvo – assim o determinara na sua ordem de operação do assalto ao RI 13 de Beja.
Apoiar alguém a matar os seus compatriotas que cumprem o seu dever de soldados do seu próprio país, onde quer que o sirvam, não é igual a planear e lançar ataques aos seus mandantes, nos quartéis, S. Bento, Terreiro do Paço e Belém.
Manuel Alegre reunia em seu favor o talento de vate poético, cantado pela Amália, o de alferes miliciano na tomada de Nambuangongo, Angola, de conspirador do “golpe Botelho Moniz”, a visibilidade da sua militância democrática durante o PREC, mas foi rejeitado pelo voto para nosso Presidente da República e Supremo Comandante das Forças Armadas. A sua rejeição não terá a ver com o passado conspirativo no Grupo de Argel, mas pelo activismo do seu apoio aos “turras”, na Rádio Voz da Liberdade/Rádio Portugal Livre e em eventos. Os Combatentes - foram mais de um milhão! - se perdoaram não esqueceram…
Em jeito de conclusão, invoco Paul Veyne: “A História é um romance verdadeiro que tem o homem por actor”.
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Nota do editor
Vd. poste anterior de 21 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21279: (In)citações (165): Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)