Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Guiné 63/74 - P4547: Blogoterapia (108): Pais & filhos (Juvenal Amado / Luís Graça)
Meu caro Luís: Não sei como te agradecer o teu cuidado e a tua amizade. Este dia está cheio de belos momentos, graças a ti e ao blogue que criaste, que tanto me tem dado.
A publicação do texto da minha filha (vd. foto à esquerda, gentileza da Junta de Freguesia de Santa Maria de Belém) foi um momento sublime e de grande profundidade da tua parte. Ela é efectivamente dietista no S. Francisco Xavier, na área da medicina e cuidados intensivos. Infelizmente há alturas em que morrem a maioria com enfermidades, que não perdoam. Isso afecta-a imenso.
Teria dado uma excelente médica, se não estivessemos num país em que para ser médico se tem que ter uma média intolerável. Médicos que saiem desse crivo não interessa que tenham vocação para engenheiros ou advogados ou ainda economistas. Com 19 ou 20 valores tem que escolher medicina e a vocação que se lixe, não é? É o país que temos e que, também, é da nossa responsabilidade. Mais uma vez obrigado e até sábado.
2. Comentário de L.G.:
Juvenal:
Foi a minha primeira hipótese, a de dietista... O meu sexto sentido ía para aí... A sondas, os catéteres e a urgência atraiçoaram-me... Afinal, a tua Vanessa é a senhora doutora dietista... do ESCA e do Xico Xavier (*)... onde tenho amigos (o Dr. Luís Campos, por exemplo, que conheço há anos, e que é colaborador da nossa Escola, a ENSP/UNL) e onde tem estagiado o meu filho, médico interno... e violinista (dos Melech Mechaya)...
Mostrei-lhe, ao João Graça, a foto da tua Vanessa, e o meu filho reconheceu-a de imediato... Além de ser uma competentíssima profissional (ele trabalhou com ela, há um ano e tal atrás, com o Luís Campos, em Medicina 4, e deu-me as melhores referências dela), a tua Vanessa não passa despercebida... "É um borracho", diz ele...
Tenho, além disso, diversos amigos na área das ciências da nutrição, como o Dr. João Breda, e inclusive uma futura doutoranda em saúde pública de que poderei vir a ser o orientador...
Como vês, o mundo é pequeno e o nosso blogue.. é grande.
Bebo um copo, à tua saúde e à tua longevidade... Espero que contraries o provérbio, fatalista, do nosso povo que dizia: "Muita saúde, pouca vida, que Deus não dá tudo"... Dá um beijinho à tua filha, da qual não tenho o mail mas em cujo blogue foi deixar esta e a outra mensagem (*).
Já agora, e como humilde e singela prenda, para ti e para a tua filhota, aqui tens os links de uns textos meus sobre "representações sociais da saúde, da doença e dos profissionais de saúde nos provérbios populares", onde se incluem questões ligadas à alimentaçáo, nutrição, estilos de vida, hospitais, etc. (Para a Vanessa, que faz formação, são textos que lhe podem ser úteis...).
Estão na minha página pessoal: http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/textos_papers.html
Concordo com o que dizes sobre o miserável sistema de recrutamento, selecção e formação dos nossos médicos... Acho que merecíamos melhor do que este sistema pseudo-meritocrático onde se privilegia um sistema de ensino/aprendizagem baseado no modelo da acumulação de conhecimentos...
O meu filho entrou, em medicina, com 19,5 valores e acho (mas sou suspeito) que tem vocação perfil, motivação, competências (humanas, sociais, técnicas) para o exercício da medicina... Mas deixa-me fazer-te uma (in)confidência: era o último curso do mundo que eu tirararia...
E, repara, para além do meu filho, tenho muitos médicos amigos, tenho muitos antigos alunos que são médicos e que são excelentes médicos... Mas sei que eu, pessoalmente, nunca passaria do primeiro mês do 1º ano do curso de medicina... Não tenho qualquer perfil psicológico e intelectual para a medicina... Era incapaz de estudar anatomia, por exemplo... Por outro lado, dou aulas também na Faculdade de Medicina e apercebo-me da profunda imaturidade (emocional, vivencial, humana...) de muitos dos estudantes de medicina, que entraram por este sistema de funil... que não selecciona, de facto, os melhores ... Mas também, devo dizer-te, não tenho aqui à mão nenhum sistema alternativo... O que me magoa é o eventual desperdício de talentos, a falta de equidade, a perversão do sistema...
No caso da tua filha, o que importa é que ela se sinta bem na pele de dietista e possa trabalhar, em equipa, com outros profissionais de saúde num sistema de saúde que ofereça a ela e aos demais jovens profissionais, motivos de orgulho, boas condições de trabalho, novos desafios e oportunidades. No que diz respeito à saúde, eu tenho, apesar de tudo, orgulho nos progressos que conseguimos, nestes últimos quarenta anos, nós, portugueses, e o nosso país, Portugal. (LG).
Até sábado, na Ortigosa. Luís
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 17 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4541: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (9): Juvenal, como foste nessa de chamar Vanessa à tua menina ? (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P4546: (Ex)citações (31): Tenho pena daquele povo afável que vive hoje na miséria absoluta! (J. Carlos Neves)
Assunto: Filme de George Freire 62/63
Olá a toda a tabanca!
Gostaria de felicitar o nosso camarada George Freire pelo belíssimo filme que fez da sua Comissão na Guiné. Atendendo às condições que havia na altura julgo poder dizer, como profissional da imagem, que está uma bela obra.
Além da recordação que terá para o George também para nós nos faz refelectir. Como era a Guiné antes da Guerra e como ficou depois!
Deixaria umas perguntas no ar. E faço-o com toda a modéstia pois posso estar errado pela falta de conhecimento. Não estaria o povo guineense agora bem melhor se tivessemos continuado lá e sem haver guerra? Será que éramos tão maus como colonizadores?
Julgo que quem ia para o Ultramar, ia para fazer vida lá e não para sacar, como outros povos o fizeram em Africa. Julgo que embora todo o povo tenha direito à sua independência, aquele não estava preparado para o ser. E vê-se por aquilo que ainda hoje se passa na nossa querida Guiné
Não pensem que sou a favor do outro regime, até porque foi o 25 de Abril que me safou as costas, mas tenho pena daquele povo afável que vive hoje na absoluta miséria!
Um Alba Bravo para toda a Tabanca e até Sábado
Soldado Radiotelegrafista do STM
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4322: Tabanca Grande (138): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974
Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4424: (Ex)citações (30): O meu pai só aprendeu as letras que o trabalho lhe ensinou (José da Câmara)
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Guiné 63/74 - P4545: Alguns apontamentos sobre a acção da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74) (1) (José Zeferino)
1. Mensagem de José Zeferino, ex-Alf Mil At Inf, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, Xitole, 1973/74, com data de 11 de Junho de 2009:
Luís,
Finalmente consegui acabar o texto que tinha prometido.
Foi quase de memória - menos as datas indicadas.
Por isso poderá ser alvo de outras versões.
Envio-te para como é habitual dares-lhe o tratamento que entenderes.
Até dia 20, em Monte Real.
Com os melhores cumprimentos
José António dos Santos Zeferino
Alguns apontamentos sobre a acção da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616 - 73-74 na Guiné
(i) BISSAU – de 20 de Dezembro 1973 a 4 de Janeiro 1974 - Chegada. A maior parte, como eu, a 2 Janeiro por avião.
(ii) CUMERÉ - 6 de Janeiro de 1974 – Início do IAO
Foto 1 > Cumeré 1974
(iii) MANSOA - 18 - 19 de Janeiro de 1974. Primeira acção do Batalhão. Segurança\emboscada nocturna itinerário Bissau – Farim.
(iv) CUMERÉ - 25 de Janeiro de 1974 - Primeira baixa no Batalhão: o Furriel Humberto, madeirense, da 3.ª Companhia que iria para Farim, suicida-se com a sua G 3. Por motivos sentimentais.
(v) XITOLE - 11 de Fevereiro 1974 - Chegada da 2.ª CCAÇ .
Foto 2 > Aspecto do Quartel do Xitole
(vi) A partir desta data deixa de haver dias de semana. Passam a ser contados por blocos de três dias: dois de patrulhamento e um de descanso. Um grupo de combate fixa-se na defesa da Ponte dos Fulas com rotação mensal.
Foto 3 > Ponte dos Fulas
(vii) XITOLE – 19 de Fevereiro de 1974 - Primeiro combate, na mata. Sem baixas. Indícios de baixas no IN.
(viii) MANSAMBO – 3 e 4 de Março 1974 - Grande operação no Fiofiol. Sem contacto IN.
(ix) XITOLE – 9 de Abril de 1974 - Segundo combate na mata. Baixas não confirmadas no IN. O alferes Araújo do 2.º GComb é evacuado para a psiquiatria do HMB. O meu GComb, o 3.º, estava na ponte nesta altura. Foi de onde tirei esta foto.
Foto 4 > Fogo do morteiro 10,7 do Xitole, batendo a retirada IN.
(x) XITOLE – 13 de Abril de 1974 - Visita do general Bettencourt Rodrigues. Transportado por héli Allouette IIIG
(xi) XITOLE – 22 de Abril de 1974 - Apresenta-se um guerrilheiro do PAIGC. Má altura, para ele, para desertar das suas fileiras.
(xii) XITOLE – 25 de Abril 1974 - madrugada, cerca das 6 horas:
- Zefruíno, alferes Zefruíno!!!
Era o Jamil, comerciante libanês com grande influência política, social e económica, tanto na Guiné como na restante família, árabe, dispersa por três continentes.
Estávamos a iniciar mais um patrulhamento, a dois GComb, talvez à zona do Duá.
Na varanda da sua casa, tipo colonial, claro, estendiam-se fios de antenas que acabavam num rádio antigo, de válvulas, por onde estava a ouvir a BBC em árabe.
Diz-me:
- Zefruíno, o (não me lembro, ou não quero, das palavras exactas) do Spínola está a fazer uma revolta.
O Jamil tinha tido um contencioso com o general Spínola: tinha querido transferir as suas casas de comércio na zona, para Bissau, no que foi impedido pelo general. Era uma base de apoio para as nossas tropas e para a população.
Foi assim que tive conhecimento do que se passava em Lisboa.
Regressámos de imediato ao quartel. Ficámos na expectativa nos dias seguintes. Patrulhamentos, só o mínimo indispensável-até Endorna. Montagem de segurança nocturna: poucas. Estávamos literalmente presos pela avidez dos comunicados.
Acreditámos que o fim da guerra era desejado pelas duas partes. Pelo menos para a população era-o. E muito.
Entretanto chegou ao nosso conhecimento, não me lembro como, que no PAIGC havia duas correntes: uma para atacar em força aproveitando uma possível desorientação nossa. Outra para entrar de imediato em conversações de paz no terreno.
(xiii) XITOLE – 15 de Maio de 1974 – Violento combate – emboscada. Duas baixas do nosso lado: o Alferes Aguiar e o Soldado de Transmissões Domingos. Cerca de uma dezena de feridos. Sinais de baixas IN.
(xiv) XITOLE – 30 de Maio de 1974 - São detectadas e levantadas várias minas reforçadas com granadas de RPG.
(xv) XITOLE – 5 de Junho de 1974 - Avistam-se grandes queimadas na margem esquerda do Corubal. Prenúncio de preparação do terreno para ataque de canhão?
Sob orientação de Bambadinca, via rádio, procedeu-se a um batimento de zona por morteiros 10,7 e 81.
Ao entardecer o pessoal de Transmissões capta mensagens em francês, creio, através de pequeno um rádio Onkyo que, como sabemos, não tem grande alcance. Sinal que havia movimentos estranhos perto.
As sentinelas são reforçadas. Já de noite uma rajada de G3 na porta de armas leva-nos às valas. Tinha sido avistado um elemento IN a tentar infiltração junto ao arame que nos separava da tabanca. nUma pequena força nossa sai, entra na população e regressa pouco depois, sem resultados. Passámos o resto da noite na expectativa.
(xvi) XITOLE - 6 de Junho de 1974 - Pelas 6 horas, nova rajada. Desta vez de uma sentinela junto ao espaldão do morteiro 81, na zona dos quartos dos oficiais e do abrigo da Breda.
Novamente nas valas avistámos, a umas dezenas de metros, uma coluna IN que se aproximava, vinda da tabanca, pela orla da pista de aviação. Sob o nosso fogo fugiram para o mato do outro lado da pista, deixando um deles ferido. Veio a falecer pouco depois na nossa enfermaria.
Foi este, realmente, o ultimo acto de guerra na zona e ainda hoje não o entendo totalmente.
(xvii) XITOLE – 15 de Junho de 1974 - Na picada, para lá da Ponte dos Fulas, suspensa de uma árvore, é encontrada uma carta com um maço de tabaco Nô Pintcha, e um isqueiro. Convidava o capitão a fazer a paz. O que foi feito no mesmo dia, perto do pontão do Jagarajá.
(xviii) XITOLE – de 16 de Junho a Setembro de 1974 - Começaram então as visitas de comandantes e comissários políticos do PAIGC para combinar a cerimónia da entrega do quartel, com o arrear da nossa bandeira e o hastear da deles. Vinham das matas da margem direita do Corubal – Mina, FioFioli, etc.
Foto 5 > Primeiro encontro no Xitole: de costas um comandante do PAIGC – não me lembro do nome, o nosso médico - Dr. Morgado, eu, o capitão Luís Viegas, o comissário politico Antero Alfama e o 1.º Sargento Pára-quedista Vaz
Houve um jogo de futebol entre nós e os guerrilheiros. Gostavam imenso de falar com o nosso pessoal chegando a trocar impressões sobre o material que tínhamos usado na guerra.
Creio que numa dessas conversas foi dito que quem preparou a tal emboscada de 15 de Maio teria sido castigado. Não aprofundámos a questão, pois se até ao 25 de Abril tínhamos tido alguns encontros, na mata, sem baixas do nosso lado o mesmo não se passava com eles.
Quase todos os dias apareciam guerrilheiros procurando refeições na nossa cantina geral. Aúnica exigência nossa: tinham que deixar a arma à entrada do quartel, no posto de sentinela.
Fazendo-se transportar por camionetas civis paravam sempre na casa do Jamil para o cumprimentar.
Foto 6 > Chegada ao Xitole de forças do PAIGC.
Estava com o Jamil na sua varanda numa dessas ocasiões quando me diz, referindo-se ao comandante de canhões que já se dirigia para o quartel depois de o ter saudado:
- Este… - também não me lembro do termo – foi meu empregado numa das lojas que tinha no Corubal!
Um padre foi até ao Xitole fazer a recolha dos ornamentos de prata e ouro e relógios deixados pelos camaradas das companhias anteriores na capela.
Numa das colunas, e em viatura civil, chegaram também duas prostitutas. Alguns aproveitaram.
Igualmente chegou um individuo com farda a estrear. Não falou com ninguém. Limitou-se a esperar pelo regresso da coluna. Informei-me sobre ele, não me lembro com quem, que me disse tratar-se de um desertor nosso, antigo, e que para limpar a caderneta tinha regressado à Guiné. Na altura um comandante do PAIGC, que estava presente e também interessado em saber quem era, disse, rindo:
- Manga de cu pequenino.
O Saltinho já tinha sido entregue.
Bastou um dia para ficarem sem gerador. Os novos ocupantes pedem ajuda ao Xitole para reparar o aparelho. Nesse dia à noite ficámos preocupados por a equipa que foi não ter chegado. Foram encontrados perto de Cambéssé com o Unimog espetado dentro do mato com vários guerrilheiros a tentar repô-lo na picada. O comandante deles, de nome Claude, ficou irritadíssimo quando nos viu. Já estava todo alterado. E foi a única expressão de ódio que registei em todos os contactos com elementos do PAIGC. Mas a nossa equipa foi muito bem tratada por eles.
Entretanto chegam-nos notícias de problemas em Bambadinca: Com as nossas milícias: queriam alimentos e com a CCAÇ 12 que não queria entregar as armas.
Depois… o tempo passou-se… lentamente. E entregámos o Xitole.
Foto 7 > Formados para a cerimónias : lado a lado
Foto 8 > Creio que , no lado esquerdo, se trata do comandante João Gomes.
Foto 9 > Inicio da saída do Xitole
(xix) BAMBADINCA – 2 de Setembro de1974 - Era o depósito do Leste. Todo o material vinha dar aqui para ser transportado para Bissau. Material e pessoas.
Foto 10 > Material no Xime
Foto 11 > Furriéis da 2.ª CCAÇ no Xime
Conhecemos alguns jornalistas cubanos que se sentavam à nossa mesa de refeições. Brindavam-nos, por vezes, com cantares do seu país.
Trabalho pesado para os soldados que faziam a estiva no Xime carregando as LDG.
Foto 12 > Mais material no Xime - este foi carregado manualmente
Ultima baixa na Companhia. Desta vez por doença: o soldado Vivas da Costa do meu Gr Comb, morre no HMB, vítima de paludismo.
(xx) BAMBADINCA – 7 de Setembro de 1974 - Já tínhamos entregue, também, este quartel quando, um dia resolvi ir até ao cais.
Em frente ao depósito de géneros trava-se uma discussão entre o comandante, guinéu, João Gomes e o comissário político, cabo-verdiano, Antero Alfama. Já os conhecia desde o Xitol e fiquei admirado.
Um queria distribuir os produtos alimentares de imediato pela população - claro o João Gomes. O outro queria controlar essa distribuição. De repente e acabando com a discussão o João Gomes vira-se para a pequena força que o acompanhava, uns dez soldados, e diz:
- Quem está comigo fica atrás de mim, quem não está vai para o lado dele…
No dia seguinte regressava a Bissau e depois a Lisboa. Esta já não era, de certeza, a minha guerra.
Foto 13 > BISSAU – 12 de Setembro de 1974 - Embarque no Uíge, para Lisboa.
José Zeferino
Aos 21 de Maio de 2009
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4367: Ainda a última emboscada do PAIGC em 15 de Maio de 1974, no pontão do Rio Jagarajá, subsector do Xitole (José Zeferino)
Guiné 63/74 - P4544: Blogoterapia (107): Olhar, pensar e sentir a Guiné - Ontem e hoje (Hélder Sousa)
Assunto: Olhar, pensar e sentir a Guiné - Ontem e hoje
Caros amigos
Muitas vezes há interrogações sobre o porquê de nós, ex-militares na Guiné, falarmos tanto dela, mostrarmos tanto interesse sobre o que lá se passa, recordarmos carinhosamente as suas gentes.
Sim, muitas vezes já me têm perguntado porquê este súbito interesse pela Guiné. Lá lhes respondo que não é súbito, é desde há muito, só que durante este tempo todo não quis falar, achava que quem ouvia não estava à altura, não merecia que falasse da Guiné. Porque tinham da Guiné os preconceitos sedimentados ao longo de todos estes anos e agora ainda mais incrementados pelos sucessivos acontecimentos lá ocorridos. Porque as histórias e as recordações que nós podiamos contar não eram agradáveis de ouvir e para muitos estaríamos a exagerar. Enfim, por tantas razões, acho que se passou comigo o que em larga medida se passou com a maioria de nós, a julgar por aquilo que tenho agora vindo a tomar conhecimento, só agora é que aconteceu este macaréu de relatos, histórias e recordações.
Também há quem considere que isso tem um bocado a ver com um inconsciente regresso ao passado, uma jornada em busca da juventude perdida, um rememorar de tempos e situações em que tínhamos o tempo todo à nossa frente por oposição a este tempo que consciente ou inconscientemente sentimos que já nos vai fugindo.
Enfim, muitas teorias. Se calhar será um pouco de tudo isso e mais algumas que os psicólogos consigam catalogar.
Mas gostava de vos dar a conhecer como é que gente de hoje, muito mais nova, que não fez a guerra, que não tem necessidade de romagens de saudade, reage a situações em certa medida semelhantes, com as devidas distâncias.
Estou-me a referir a gente que tem estado ou, neste caso concreto, esteve lá a trabalhar na construção da nova ponte sobre o Cacheu, ponte essa que se julgava chamar Ponte de São Vicente mas que já se sabe ir chamar Ponte Euro-Africana e que embora já esteja em funcionamento, terá a sua inauguração oficial no próximo dia 19 de Junho.
Os elementos da construtora (Soares da Costa) enquanto andaram pela Guiné criaram um blogue onde iam dando conta dos avanços da obra, creio até que isso já foi referido por um camarada nosso há algum tempo atrás.
Acho que esse blogue está no fim. Como disse a ponte está pronta, já funciona, só a inauguração oficial é que está agendada para 19 de Junho. O blogue era do pessoal do consórcio construtor e por ele passaram as impressões e olhares de muitos colaboradores. Mas acho que merece a pena ler o que talvez seja a última entrada, escrita por Pedro Moço, que julgo ter sido um dos responsáveis da equipa construtora, que quanto a mim revela muito do processo de aprendizagem do que é estar na Guiné e que talvez explique bem o que é esse apelo, desta vez na mente de gente mais nova.
O endereço desse blogue ainda é http://psvicente.blogspot.com/ e diz então respeito ao blogue Construção de Ponte de S. Vicente - Guiné Bissau.
A entrada a que me refiro é o texto que a seguir anexo. Se virem que tem interesse publiquem. Acho que referindo os créditos se pode fazer este tipo de publicação.
Um abraço a toda a Tabanca
Hélder Sousa
2. Transcrição do poste a que se refere o nosso camarada Helder Sousa, com a devida vénia ao Blogue Ponte de S. Vicente Guiné-Bissau e ao autor do texto e da foto
Segunda-feira, 1 de Junho de 2009
Reflexos
Pedro Moço
Se tivesse que condensar a minha passagem de um ano pela Guiné-Bissau numa imagem apenas, ela seria apenas um reflexo. Reflexo porque tudo nos parecia passar-se do outro lado do espelho. A vida, a nossa vida de todos os dias, a nossa vida ocidental, parecia ter-se congelado, cessado todo o movimento, e, de repente, estávamos do outro lado.
Do outro lado, uma realidade diferente, tão diferente que nos espantava todos os dias. A paisagem, as gentes, os ritmos, as rotinas, o clima, a nossa forma de estar, tudo sofreu uma inversão, abandonou o seu lugar usual e se situou numa outra dimensão.
África, o apelo de África. Agora o entendo, agora entendo a saudade que sempre deixa em que já lá viveu ou por lá passou. África é tão estranha aos olhos de um europeu que se entranha. E entranha-se irremediavelmente, sem apelo nem agravo. África entra no coração.
No caso particular da Guiné-Bissau, a realidade é ao mesmo tempo estranha e simpática. Atrai-nos. O povo é simpático, humilde, mas grande no seu interior. Deixei lá bons amigos. Há um sentimento generalizado de dependência que é necessário combater. Mas nunca nos sentimos especialmente ameaçados. Não mais do que nos sentimos cá nas nossas grandes cidades.
Mas dói. Dói a ausência de futuro nos olhos das crianças, dói o nulo investimento na formação, na educação, dói o tipo de vida resignada, dói que a única solução seja emigrar, ainda que precariamente. Dói que o eldorado esteja sempre do lado de lá. Dói pensar nas desilusões de quem passa para o lado de lá e encontra o que não esperava.
Dói a ausência de futuro e de estratégias de desenvolvimento. Dói que se morra de “coisas da guiné”, espécie de doença generalista que agrupa tudo o que mata e se desconhece.
Mas é doce o crioulo, português reduzido, adaptado e quase cantado. É doce aprender que a sonoridade musical de “Ka Tem” significa “não tenho”. É doce perceber que ainda somos bem vindos. É doce perceber que nos chegam a olhar como solução. É doce ouvir o crioulo acompanhado de um sorriso. São doces os cajus, as mangas, as goiabas, as bananas-maçãs.
São doces os pôr-do-sol em que a terra e água se tingem de vermelho e se apagam rapidamente numa escuridão de breu. É doce o cheiro do ferro do solo laterítico que, após uma chuvada, nos impregna o olfacto.
Depois de um dia de trabalho, cansativo tanto pela jornada como pelo calor, aquecia-nos o coração fazer a caminhada de volta ao estaleiro e ouvir a pequenada a correr atrás de nós, a querer por força cumprimentar-nos e a chamar-nos “Bianco, Bianco”, ou a repetir-nos fórmulas aprendidas, mas não compreendidas, como “Branco Pelelé, Preto Humbau”, espécie de cantilena que poderia ser insultuosa, se levada à letra. Para nós, era uma canção, era folclore apenas. Fazia parte da África tribal, dos sortilégios, dos rituais, dos curandeiros, do modo de vida ligado á terra. Mas quase todos os miúdos, sem excepção nos aprendiam o nome rapidamente.
Nós éramos os estranhos. Mas, estranhamente, sentimo-nos em casa e quase todos, sem excepção, sentiremos, ao longo da vida, saudades deste tempo e da Guiné-Bissau, que, como se canta é “pequenina no tamanho, mas grande na fama, Bissau”.
Este é o meu último post, a ponte está pronta, a inauguração marcada. A tarefa está cumprida.
(Publicada por Pedro Moço no dia 1 de Junho de 2009)
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Nota de CV:
(*) Ver poste de15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4531: A Tabanca Grande no 10 de Junho (13): Tertuilianos éramos mais de 30… (Hélder Sousa / Xico Allen)
Vd. último poste da série de11 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4502: Blogoterapia (106): Tabanca de Matosinhos, a tabanca mais portuguesa de Portugal (Álvaro Basto / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P4543: Fauna & Flora (25): Cobras & Bichas (Manuel Maia)
Assunto: Fauna & Flora - Cobras & Bichas...
Caro Vinhal,
Vivia o período do merecido descanso no pós-Cantanhez, ali para os lados de N`hacra (radio emissora), mais própriamente em Fatim, destacamento do Dugal, sede da Companhia à beirinha da estrada que ligava Bissau a Mansoa.
O Dugal tinha a fama, e já agora o proveito para quem lá estava, óbviamente, de possuir uma cozinha de eleição, uma vez que os segredos culinários eram passados de Companhia para Companhia...
Assim, por exemplo, o camarão à indiana e o arroz xáu-xáu ou as bocas de um caranguejo azul, (pinças enormes que mais pareciam de sapateira ou até lagosta...) entre outros, eram pratos que faziam as delícias de quem tinha a felicidade de ser convidado da Companhia, e nessa altura, na messse, o pessoal aproveitava para tirar a barriga de misérias, procurando esquecer a fome que te parto do Cantanhez...
Mas este vosso camarada, o Fur Mil Moura, o Fur Mil Brito e o Alf Mil Dias, desterrados que estavam, a dezassete longos quilómetros de picada sinuosa e esburacada, apenas duas vezes puderam sentir-se filhos de um deus maior, ao sentirem primeiro o requintado convite e depois a passadeira vermelha da entrada que nos conduziria ao espaço de deleite onde os restantes furriéis, sargentos, demais alferes e capitão serviam de anfitriões aos tais
homens de ombreiras pejadas de dourados, cofiando bigodes uns, e esforçando-se por apresentar um ar inteligente outros, olhando-nos sempre, sempre do alto das dragonas...
Que felicidade, nós ali, convivendo com os deuses do Olimpo, não num tu cá, tu lá... que isso seria abusação, como diria o brasileiro, mas perto deles, respirando o mesmo ar, porventura absorvendo resquícios das suas auras, de estrategas conceituados, muito dados ao alfinete e ao mapa, aos soldadinhos de chumbo e demais artefactos das projecções das suas guerras...
Cirandavam de copo na mão que pousavam na bandeja do diligente soldado, vestido a rigor, sempre que pretendiam debitar conhecimento.
Olhavam em redor depois do esforço da explicação à espera dum simples menear de cabeça concordante ou de embasbacado e arregalado olhar que terminaria num coçar de nuca imbecil, de quem não conseguira apreender a sua sagacidade, a sua capacidade de raciocinio, e o brilhantismo da sua exposição, só ao nível dos eleitos, de semi-deuses, por manifesta estreiteza de vistas, leigos que éramos no que concerne aos altos estudos militares, onde as guerras eram traçadas com o rigor do esquadro e a precisão do compasso...
Noblesse oblige, saíramos lá do acanhado e bafiento tugúrio onde havíamos sido colocados no pós guerra, levando vestida a nossa roupinha melhor com a camisa verde e os calções regulamentares, divisas de bico p´ra baixo apostas, olhando-nos mutuamente a ver se parecíamos bem, o alferes ele também no seu melhor.
A barba aparada, os cabelos apresentáveis, lá fôramos, e valera a pena.
Evidentemente que ninguém gosta de pontapés no sítio onde as costas mudam de nome, uma vez bem tratados, fomos vivendo espreitando outra oportunidade que não surgia...
Assim, solicitei a um telegrafista, uma apitadela quando tivesse conhecimento da eminente chegada desses cabos de guerra, para, fazendo-nos de convidados, podermos beber aqueles conhecimentos (evidentemente que não enjeitávamos o Casal Garcia gelado da ordem, e hoje, visto a esta distância creio bem que era mesmo o leit motiv da nossa pretensão de secundar aquela visão do etéreo a que subíramos...)
O chefe, almadense de gema, vinha já dos tempos de Bissum, e sem pretender fazer qualquer analogia com o barbeiro do Porto que passou a cabeleireiro e hoje se auto intitula escultor capilar, nem mais, era o que poderíamos chamar de construtor de sabores...
Constava aqui e ali, da existência de uma relação assolapada entre este mestre cuca e o Teixeira, um lingrinhas educado na tutoria do Porto, e a saber mais que o Papa...
Mas voltemos às questões exclusivamente culinárias...
Um dia, soubemos via rádio da eminente visita de uns três de dragonas largas acompanhados de um alferes, guarda de campo de um deles, assim estão a ver a modos que um AB, (segundo a senhora Allen, pelo que li aqui no blog, que afirma ser usual ouvir-se então em Bissau a piada em que a monocular figura dizia para o ajudante de campo: - Bruno toma nota...)
Pois seriam quatro as visitas importantes à sede.
É o momento aprazado para nos fazermos convidados, sugeri ao alferes que de imediato concordou.
Vamos todos? Alvitrei...
- Não tem de ficar um, senão o Capitão zanga-se, dissera o Dias.
Tiradas as sortes, o azarado foi o Brito...
Nessa conformidade preparámo-nos eu, o Moura e o Dias para aparecer, de surpresa, pouco antes da hora de almoço que aí... ficávamos pela certa.
Entretanto, os soldados Valadas e Cardoso (Baião) saíram para a caça...
Davam cabo das estrias das G3 disparando cartuchos aos quais tiravam as balas e colocavam anilhas de chumbo (dos reordenamentos usadas para prender as chapas de zinco...).
Tinham um stock grande ainda do tempo de Cafine...
O chumbo espalhava-se e as hipóteses de abater umas rolas ou outras aves pequenas para além dum nhec ou leitão da tabanca, eram significativas.
Saíra entretanto o Unimog para trazer o almoço para o destacamento.
Tão depressa tinham saído pela tabanca como regressavam aos altos berros.
O Valadas lamentáva-se com a mão a tapar um dos olhos a dizer:
- Ai Jesus que estou cego, ai Jesus que estou cego!!!
O Cardoso, esse repetia:
- Fugiu-me a p...
Atirei-lhe quatro ou cinco tiros e fugiu-me a p... P... de merda!!! Fugiu-me a p... de merda!
Imediatamente o alferes disponibilizou o jeep que nos haveria de levar ao Dugal para nos abancarmos à mesa, por forma a levar o Valadas, o cabo enfermeiro que litarelmente não sabia o que fazer, e um condutor até ao Dugal para ser visto pelo Antunes, furriel enfermeiro.
Lá se foi o nosso almoço, Dias, lá se foi o nosso Xáu-Xáu, disse o Moura...
Ficáramos sem transporte que nos permitisse chegar a tempo, na qualidade de penetras na almoçarada do Dugal...
O Valadas que era de Aveiro e adepto do Beira-Mar, ficou à Belenenses, sendo obrigado a andar com uma camoneana pala no olho...
Durou quase um mês...
Grande pontaria da cobra que com uma cuspidela, prejudicou a vítima, Valadas, e os três cristãos entre os quais este vosso escriba, de aspirarem a uma almoçarada daquelas...
Nós perdemos de vez a hipótese de comer as iguarias do chef almadense pois pouco depois cairia em desgraça perante o capitão que recebeu a confirmação das suspeitas sendo informado que ele servia cerveja gelada ao Teixeira, tirada dos frigoríficos da messe numa altura em que uma das arcas da cantina estava avariada e como a outra era aberta muitas vezes não permitia refrescar as bebidas...
De castigo foi enviado para o meu destacamento.
Já não chegava ter uma cobra na tabanca, agora presentearam-nos com uma bicha, disse o Dias...
Um abraço ao Vinhal extensivo a toda a tabanca.
Manuel Maia
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4519: Estórias avulsas (34): Desertei depois de ter vindo da Guiné (Manuel Maia)
Vd. último poste da série de 14 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4524: Fauna & flora (24): Companhia indesejável no meu bura… ko morreu, sem apelo nem agravo, no Cachil (José Colaço)
Guiné 63/74 - P4542: O Nosso IV Encontro Nacional, Ortigosa, Monte Real, 20 de Junho de 2009 (7): Tudo a postos para o Golpe de Mão
Camaradas, terminou no dia 15, o prazo para inscrição no nosso Encontro.
A meta estabelecida das 100 presenças, pelo nosso Tabanqueiro-Mor, Luís Graça, foi atingido e até superou as espectativas. Temos 119 pessoas prontas para atacar no próximo Sábado, em Ortigosa. Há hipótese de mais quatro reforços, que não nomeio, porque pode não se concretizar.
(i) - Como chegar
Como alguns camaradas se nos têm dirigido, porque, ou não sabem qual é o Restaurante ou não sabem como lá ir ter, deixo de novo as indicações, as imagens e o contacto do camarada Mexia Alves (962 108 509), Alcaide de Monte Real e arredores, para vos ajudar em caso de necessidade.
Quinta do Paúl, Actividades Turísticas
Mail: info@quintadopaul.com
TEL 244 613 438 - FAX 244 613 703 - Telemovel 917 210 432
Sítio na Net: http://www.quintadopaul.com/
Coordenadas Geográficas: 39º 50' 27" Norte; 8º 50' 24" Oeste
- Para quem vai do Sul pela A8, continuar pela A17 e abandonar a auto-estrada na saída para Monte Real. Chegados à rotunda da EN 109 virar à esquerda em direcção a Leiria. Passados 2 a 3 Km encontra a Quinta do Paúl.
- Para quem vai do Norte, circular na A1 até à saída para Albergaria, aceder à A25 em direcção a Aveiro, entrar na A17 para Leiria, seguir até encontrar a saída para Monte Real, ou seja, desde que se entra na A1, nunca se sai da auto-estrada. Chegando à rotunda da EN 109, virar à esquerda em direção a Leiria. Passados os 2 a 3 Km aparce a Quinta do Paul.
(ii) - Despesas extras
- O nosso camarada Mexia, confessou-me hoje por telefone, não ter a certeza de que a utilização da instalação sonora da sala seja de borla, assim pedimos a vossa compreensão e mais 50 cêntimos para imprevistos.
Já agora peço-vos o favor de levarem moedas de 1 e 2 euros para pagamento, conforme se trate de singles ou pares a fim de facilitarem a nossa vida no acto de recebimento. Como vamos ser muitos haverá dois locais de pagamento. Será mais rápido e menos confuso.
- Está-se também a providenciar o modo de pagamento por terminal ATM (vulgo Multibanco) para quem quiser optar por este sistema.
(iii) - Concentração
Propomos que nos concentremos a partir das 11:30 horas para podermos conversar um pouco no exterior. Os que chegarem mais cedo recebem os mais retardatários.
(iv) - Os 119 magníficos...
tabanqueiros e convidados inscritos para o IV Encontro Nacional
Abel Rei e Maria Elisete (Marinha Grande)
Agostinho Carreira Gaspar (Leiria)
Alberto Branquinho (Lisboa)
Alberto Bártolo (Almada)
Alvaro Basto e Fernanda (Leça do Balio) (Com dormida)
Amadu Bailo Djaló (Lisboa)
Américo Pratas (Coimbra)
António Barroso (Valadares)
António Carvalho e Maria de Fátima (Gondomar)
António Dâmaso (Odemira)
António Fernando R. Marques (Cascais)
António Graça de Abreu (Cascais)
António J. Pereira da Costa e Isabel (Mem Martins / Sintra)
António M. Sucena Rodrigues (Oliveira do Hospital)
António Martins de Matos (Lisboa)
António Paiva (Lisboa)
António Pimentel (Porto)
António Sampaio
António Santos e Graciela (Loures) (Com dormida)
António Sousa (Montemor-o-Velho)
Artur Soares (Figueira da Foz)
Augusto Martins Pacheco (Rio Tinto)
Belarmino Sardinha e Antonieta (Odivelas)
Benjamim Durães (Palmela)
Carlos Marques Santos (Coimbra)
Carlos Silva e Germana (Lisboa)
Carlos Valentim e Margarida (Proença-a-Nova) (Com dormida)
Carlos Vinhal e Dina (Leça da Palmeira / Matosinhos) (Com dormida)
Constantino Neves e Judite (Almada)
Coutinho e Lima (Lisboa)
David Guimarães e Lígia (Espinho)
Delfim Rodrigues (Coimbra)
Eduardo Campos (Maia)
Eduardo Magalhães Ribeiro e Fernanda (Porto)
Fernandino Ferreira Leite (Maia)
Fernando Calado (Lisboa)
Fernando Franco e Margarida (Amadora)
Fernando Gouveia (Porto)
Fernando Oliveira e Maria Manuela (Porto)
Francisco Godinho (Seixal)
Henrique Matos (Olhão) (Com dormida)
Hernâni Acácio Figueiredo (Ovar)
Idálio Reis (Cantanhede)
Jaime Machado e Maria de Fátima (Lavra / Matosinhos)
Joaquim Mexia Alves (Monte Real / Leiria)
Joaquim Peixoto e Margarida (Penafiel)
Jorge Cabral (Lisboa)
Jorge Canhão (Oeiras)
Jorge Picado (Ílhavo)
Jorge Rosales (Monte Estoril / Cascais) (Com dormida)
José Barros Rocha (Penafiel) (Com dormida)
José Brás (Montemor-o-Novo)
José Carlos Neves (Leça da Palmeira / Matosinhos) (Com dormida)
José Casimiro Carvalho (Maia)
José Eduardo Alves e Maria da Conceição (Leça da Palmeira)
José Fernando Almeida e Suzel (Óbidos)
José Manuel Lopes e Luísa (Régua)
José Manuel M. Dinis (Cascais)
José Marcelino Martins e Maria Manuela (Odivelas)
José Pedro Neves e Ana Maria (Lisboa)
José Zeferino (Loures)
João Carlos Silva (Almada)
João Lourenço (Figueira da Foz)
João Seabra (Lisboa)
Juvenal Amado (Fátima)
Luís Graça e Alice Carneiro (Alfragide / Amadora)
Luís R. Moreira (Lisboa)
Luís Rainha (Figueira da Foz)
Manuel Amaro (Amadora)
Manuel António Rodrigues (Mortágua)
Manuel Augusto Reis (Aveiro)
Manuel Resende e Isaura (Cascais)
Manuel Traquina e Fátima (Abrantes)
Miguel e Giselda Pessoa (Lisboa) (Com dormida)
Miguel Falcão (Porto)
Nelsin Domingues (Monte Real)
Pedro Lauret (Lisboa)
Raul Albino e Rolina (Vila Nova de Azeitão / Setúbal)
Ribeiro Agostinho e Elisabete (Leça da Palmeira / Matosinhos)
Rui Alexandrino Ferreira (Viseu)
Santos Oliveira (V. N. de Gaia)
Semião Ferreira (Monte Real)
Torcato Mendonça e Ana de Lourdes (Fundão)
Valentim Oliveira e Maria (Viseu)
Vasco da Gama (Figueira da Foz)
Vasco Ferreira e Margarida (V. N. de Gaia) (Com dormida)
Victor Barata (Vouzela)
Virgínio Briote (Lisboa)
Xico Allen (Vila Nova de Gaia)
(v) - Conferência de dados
Pedimos aos tertulianos que confiram os seus dados, quanto a acompanhantes, dormidas, recebimento de cartões, localidade de origem, etc.
A Comissão Organizadora,
Joaquim Mexia Alves
Luís Graça
Miguel Pessoa
Carlos Vinhal
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 8 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4482: O Nosso IV Encontro Nacional, Ortigosa, Monte Real, 20 de Junho de 2009 (6): As inscrições terminam a 15 de Junho (A Organização)
Guiné 63/74 - P4541: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (10): Juvenal, como foste nessa de chamar Vanessa à tua menina ? (Luís Graça)
Descobri que o Juvenal tem uma filha, que mora aqui perto de mim, na Amadora, e que trabalha no sector da saúde, num dos hospitais da Grande Lisboa. Presumo que seja médica ou enfermeira. É sobretudo uma grande mulher, dotada de inteligêncial emocional e sensibilidade social, e com um enorme talento para a escrita como o pai, que ela adora... Um grande beijinho para ti, Vanessa, e obrigado por me teres emprestado as palavras que eu queria dizer ao teu pai, nos dia do seu aniversário...
No nosso blogue, que é também um blogue de afectos, há sempre lugar para estas pequenas ternuras, para mais quando um camarada faz anos... Um camarada da Guiné, da zona leste, que andou por muitos sítios que eu também trilhei, e de cujas estórias/histórias sou fã... Parabéns, Juvenal, que tenhas um grande dia, e que continues a partilhar connosco as tuas memórias da Guiné e as tuas preocupações cívicas... Até sábado, na Ortigosa. E que não me leves a mal parodiar aqui a letra da canção do António Variações, Maria Albertina, recriada pelo Camané... Tens notivos de orgulho pela tua filha Vanessa, autora deste texto de antologia que tomo a liberdade de aqui reproduzir, para teu e nosso encanto e reflexão. (LG)
1. Vanessa Amado > Terça-feira, 2 de Junho de 2009 > O que guardo no bolso da bata branca faz de mim rica
[Reproduzido com a devida vénia]
É no olhar doente da morte que encontro o brilho dos meus olhos e a força do meu coração. Num mundo feito de pequenos gestos, pequenos toques descritos em livros de especialidade, poucas palavras que salvam vidas, encontro o meu lugar.
Os odores, os ruídos, os vultos brancos, o cheiro a café e desinfectante, as conversas paralelas, as folhas preenchidas dos segredos de cada um expostos ao olhar de estranhos. Estranhos amigos que significam tudo, que nunca esquecem. É talvez o único lugar do mundo, onde os estranhos se tornam os fiéis guardiões do bem mais precioso, a vida.
Cada olhar perdido, da dor ou das luzes florescentes da porta de urgência, entra de mãos erguidas e entrega a vida. Recebo cada um, olho cada capa azul, cada mão, cada sonda, cada cateter, na esperança de fazer a diferença, dar vida, confiança, esperança ou dar paz na morte.
Guardo cada um no seu local, os vivos, os que me deixaram e talvez por isso a bata tem um bolso junto ao peito. Poderia enunciar nomes, tantos que não existem letras para os escrever, vidas que começam e acabam, que seguiram mais ricas, mais pobres, mas que levam sempre um pouco de amor, que sinto pela minha profissão.
A minha vida segue, no lugar onde a vida começa e acaba, onde o choro e o riso se confundem.
A vida é feita de pequenas ironias organizadas num caos com sentido, com caminhos tortuosos, aparentemente sem saída. Valem os momentos, as palavras do coração, a escrita da alma, o amor verdadeiro pelo nosso papel, neste teatro de comédia e tragédia a que chamamos vida.
Trabalho por amor, dou cada passo, escrevo cada linha, faço mais um esforço, acordo como se fosse já o fim do dia, com o olhar cansado e os músculos doridos, por amor. Aprendi a definir-me pelo que faço e não pelo nome, vejo ao espelho o resultado do meu trabalho e não a minha cara, o meu corpo, sou o produto do meu trabalho, não sou completa sem ele.
Enquanto escrevo estas palavras, tenho uma mão amiga no ombro, uma mão pesada, quente, que me conforta há tantos anos, quantos aqueles que tenho. Alguém como eu e que vai sentir estas palavras suas, o meu pai. Para nós, trabalhadores de alma a vida é dura mas tão mais sentida, não é pai ?
http://naodigasquesim.blogs.sapo.pt/1239.html
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Notas de L.G.:
(*) 17 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4538: Parabéns a você (9): Juvenal Amado nasceu a 17 de Junho de 1950
(**) Vd. último poste desta série > 15 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4188: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (9): Em São Leonardo de Galafura, com o Zé Manel e o António Pimentel (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P4540: Convívios (148): 24º Encontro da CART 3494, Xime e Mansambo (1971/74), em Vagos (Sousa de Castro)
Guiné 63/74 - P4539: Os nossos vídeos (2): O Fado do Ceguinho, por Américo Silva, Castro Daire, 30/5/2009 (Luís Graça)
Castro Daire > Freguesia de Monteiras > Zona Industrial da Ouvida > Restaurante P/P > 30 de Maio de 2009 > 15º Convívio do pessoal de Bambadinca, 1968/71, CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades adidas > Silêncio, canta-se o fado!
Vídeo (4' 20''): © Luís Graça (2009). Direitos reservados.
No vídeo o Américo Silva, genro do Adélio Monteiro, organizador do encontro, ex-Sold Cont Auto, da CCAÇ 12 (Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971), e hoje um conceituado comerciante de Castro Daire, com duas lojas de moda, e chefe de um clã de gente magnífica, talentosa, generosa e hospitaleira (*)...
O Américo Silva, também ele comerciante, presidente da junta de freguesia de Monteiras (com cerca de 600 habitantes), é um dos mais famosos cantadores ao desafio da região. Presidente da Associação de Cantadores ao Desafio e Tocadores de Concertina da Beira Alta, conta já com uma dezena de CD publicados...
Neste belo 15º convívio do pessoal de Bambadinca, o Américo cantou e encantou (**). Do seu vasto reportório foi buscar um tradicional fado do ceguinho, acompanhado pelas suas duas filhas, também elas dotadas a música, como de resto toda a família, de um lado e do outro (À mesa, da esquerda para a direita, a filha mais nova do Américo, a filha do Adélio que presumo seja a esposa do Américo, a filha mais velha do Américo, a sogra, esposa do Adélio)...
Eram populares, nos anos 60, estes fados do ceguinho, cantados de feira em feira, muitas vezes por cantores, também ele ceguinhos (**)... Eram letras de fazer chorar as pedras da calçada, como esta que o Américo aqui nos traz, e que nos evoca os tempos em que os homens partiam para a África, como colonos ou como soldados: um homem, acabado de ser pai, embarca para África (presume-se que para a guerra), deixando para trás um filho que se vem a descobrir, mais tarde, que sofre de uma terrível doença... Chamado o médico, este logo dita a sentença para a mãe:
- Ou morre ou fica ceguinho!
A criança, brincalhona e irrequieta, vai crescendo ao lado da mãe, é uma bela costureira... Até ao dia, dois anos depois, em que esta recebe um telegrama, a anunciar o regresso do marido... Há lágrimas de alegria, por parte da mãe, por um lado, mas também palavras de revolta e de amargura por parte do pequeno, agora cego:
- Minha querida mãezinha, eu, que tanto queria ver o meu paizinho, agora que estou ceguinho, mais me valia morrer!...
(São palavras inverosímeis para uma criança de dois anos, mas elas traduzem todo o pathos, toda tragédia contida nesta situação-limite. Eu que sou um estudioso do fado, canção popular urbana de Lisboa, fiquei simultaneamente surpreendido e deslumbrado por vir descobrir, aqui no planalto beirão, gente jovem que adora cantar e ouvir o fado, incluindo esta variante do fado das feiras e mercados que já se perdeu no sul... Bem hajas, Adélio! Os meus parabéns por todos esses teus/vossos Seres, Saberes e Lazeres!... Obrigado, Américo!... Hei-de voltar).
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
31 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4444: Convívios (138): Em Castro Daire, agora chão de Bambadinca, 1968/71 (1): O reencontro na capela de N. Sra. da Ouvida
31 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4446: Convívios (139): Castro Daire, agora chão de Bambadinca, 1968/71 (2): A música, a festa, a dança no planalto beirão
(**) Vd. primeiro e último poste desta série > 26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2216: Os nossos vídeos (1): Feliz Natal e até ao meu regresso (Tino Neves)
(***) Vd. Aida Viegas, Oliveira do Bairro. Memórias de um século. Águeda, AVI, 1994, pp. 111-116. > Feiras e mercados >(...)
FEIRA DA PALHAÇA
A feira da Palhaça foi e continua a ser a maior e melhor feira do concelho e será certamente a mais antiga. Ali se pode comprar e vender quase tudo. A esta feira se deve, em grande parte, o desenvolvimento da terra.
O grande número de pessoas que ali afluem nos dias 12 e 29 de cada mês enchem de vida e animação todo o lugar, trazem novidades de toda a ordem, e não é apenas comercial e economicamente que o desenvolvimento chega à Palhaça através da feira, mas sim num todo global.
A verdade é que esta se tomou das mais conhecidas, talvez pela localização privilegiada da Palhaça, local importante de passagem desde longa data.
(...) Seguidamente vamos recordar alguns episódios pitorescos que animavam esta feira e que hoje já não podem ser presenciados. Alguns fizeram furor até à década de 1960, outros terminaram mais cedo.
- O jogo da vermelhinha
Este jogo dava com frequência origem a cenas de grande discussão e até pancadaria, pelo facto dos jogadores se sentirem burlados, pois as regras do jogo eram quase sistematicamente viciadas.
- O “homem da banha da cobra”
Enquanto a mulher vendia o unguento e mostrava aos fregueses como usá-lo, o homem ia lançando os pregões do maravilhoso produto que ainda hoje cura bicos de papagaio, dores de costas, irritações de pele, enfim... todos os males que, por desventura, possam apoquentar o ser humano. O insólito de tudo isto estava no facto do homem ter, durante todo o tempo, uma enorme jibóia enroscada no seu corpo que o ia percorrendo dos pés à cabeça. Esta, que teria um diâmetro muito próximo dos 15 centímetros, sendo deveras comprida, era exibida como um dos exemplares donde se poderia extrair a banha, que era vendida em caixinhas de papel. Escusado será dizer que à volta deste charlatão se acotovelava constantemente grande multidão de curiosos.
- Carteiristas
Quem nunca faltava nem falta em nenhum recinto de feiras ou de festas são os carteiristas; esses porém, são dos poucos personagens que ainda não passaram à história.
- Borda d’água, Seringador
Aqui tínhamos previsão meteorológica a longo prazo, apregoada pelo vendedor de pequenos opúsculos que ainda hoje poderemos encontrar.
- Ceguinhos
Outra das grandes atracções eram, sem dúvida, os cantadores; quase sempre pobres ceguinhos que, de alforge e viola às costas, demandavam feiras e outros locais onde se aglomerasse muita gente.
Traziam pregados ao casaco e ao alforge, com alfinetes ou molas da roupa, os folhetos que um moço “de cego” vendia pelos assistentes enquanto o cego cantava ou apregoava a tragédia da qual era arauto. Naqueles, em letra impressa, eram relatados em verso melodramas, fortes paixões que levavam ao suicídio, crimes passiona is, mortes súbitas e outras desgraças.
Estas cantigas, de cunho melodramático, contavam geralmente casos verídicos ocorridos na região, um tanto fantasiados, cantadas pelos ceguinhos em estilo de fado. Dado o seu sensacionalismo tinham muita audiência, formando-se grandes “adjuntos” ao redor do cantado.
Este espectáculo quase podia comparar-se ao jornal do crime ou a casos de polícia. Porém, este modo de comunicação tinha vantagens em relação ao actual: as notícias corriam campos e aldeias e andavam na boca de toda a gente por muito tempo.
Hoje, volvidos mais de 60 anos, tivemos o gosto de ouvir uma senhora com 83 cantar-nos os seguintes versos, que relembra da sua juventude e relatam um, de tantos desses dramas.
Ó minha mãe venha ver
O Mário no chão estendido,
Por causa da Corininha
Deu dois tiros no ouvido.
Corina estás à janela,
Corina eu também estou,
Por causa de ti, Corina,
É que o Mário se matou.
E a mãe do Mário endoidece,
Da sala para a cozinha
Matou-se seu querido Mário
Por causa da Corininha.
Corina, o Mário morreu
E tu não o foste ver,
As coroas que lhe mandaste
Voltaste-as “àrreceber”.
Ó Corina, tira o luto,
Que o luto não te está bem,
Tu hás-de vestir de luto
Em morrendo a tua mãe.
[Com a devida vénia à autora deste texto que me fez regressar à minha infância, Aida Viegas]