1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
As minhas memórias de Gabu
O “ventre” de um espólio raramente conhecido
Passagem de bens alimentícios em armazém
Numa prosaica viagem pela minha comissão na Guiné, ocorrem-me velhos e estrábicos sentimentos que me levam a uma curta explanação de factos, filtrados obviamente, que se apresentavam como matéria só conhecida por aqueles que no dia-a-dia prezavam pela sua incumbência no interior de um quartel onde existiam, também, substanciais carências. O rancho, porém, lá estava incessantemente sobre a mesa no momento em que a barriga reclamava por um novo reabastecimento.
Neste encadeamento de ocorrências que iam para além do conflito da guerrilha no terreno, e não obstante a dor que me assola o peito por esses tempos já distantes, digo que mantenho ainda comigo uma cópia de um relatório literalmente especificado de uma passagem de bens alimentícios em armazém entre dois furriéis da minha companhia - CCS BART 6523 - que entretanto assumiram a presunçosa função de vagomestre.
Curioso, por que é justo que o citamos, é que ambos foram “atirados” para uma incumbência completamente à parte daquela a que tinham sido submetidos durante o período em que foram mancebos de uma outra especialidade mas que ditou, ao arrepio da verdade, o seu subsequente futuro por terras da Guiné. Um que assumia o cargo desde a nossa chegada a Gabu; o outro a quem foi proposta a possibilidade de substituir o primeiro durante o seu período de férias, 30 dias.
Ainda assim, fica a textura de um documento que descrimina todo o conteúdo do material armazenado e os custos que cada um deles tinham à época. No balanço geral feito à narrativa exposta, oferece-me viajar nas fileiras da ventosidade do tempo e relembrar o “montão de patacão” que os homens que lidavam com os valores sob a sua “divina” proteção mantinham no interior de um quartel onde existiam inevitáveis privações.
Revejo as quantidades, os preços por unidade e o seu subsequente total, assim como os bens nutritivos que por ora eram então averiguados no momento da transição dos artigos de viveres que ambos os furriéis assumiam. Um entregava e outro recebia.
Da listagem observada, existe a certeza que se de um lado estavam os bens depositados do outro os ditos frescos. Ou seja, tudo o que fosse arroz, açúcar, azeite, batata, banha, feijão, grão, massas, vinho, óleo, vinagre, etc, etc, etc, pertencia a um lote, sendo que os frescos eram constituídos pelo frango congelado, peixes e fruta da época, entre outros, mas devidamente faturados.
O distinto documento era completado com as rações de combate, farinha, sal, café e outros bens necessários. Não há registos das compras espontâneas que se articulavam com o quotidiano, isto é, das vacas, dos leitões, dos porcos, dos cabritos, das galinhas, e outros, que concluíam a ementa.
Reportando-me aos números, refiro que a relação dos artigos em escudos era o seguinte: viveres existentes e frescos transportavam 319 986$20; outros viveres 88 587$10.
Creio que poucos, ou quase nenhuns, dos soldados depositados num quartel onde as “fissuras” de uma peleja teimava em ceifar vidas de jovens em plena idade de puro crescimento, desconheciam o conteúdo real de bens alimentícios que a companhia detinha.
Relembro ainda as famosas patuscadas organizadas pela malta que entretanto comprara um leitão, ou um cabrito, e que depois da sua trivial passagem pelo forno, servia de repasto fino para uma rapaziada que se orgulhava com o distinto acolhimento de um prato bem composto. A acompanhar lá estavam as cervejolas bem fresquinhas.
Relíquias de um tempo sem tempo numa Guiné que despejou em nós um cosmos de emoções.
Fotos de Relatórios, cabrito e cervejas num repasto de uma noite de copos.
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BRT 6523
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em: