Foto nº 3 - Aldeia Formosa -No banco da frente> O aluno do Colégio das Caldinhas e Albuquerque (o condutor). No banco de trás: Martins e Costa, armados em grandes senhores
Todos as manhãs a azáfama era grande na preparação da coluna que partia diariamente de Aldeia Formosa para a frente de trabalhos. Esta coluna transportava´, para além dos soldados, (i) um grande grupo de homens da população empunhando grandes catanas (os chamados capinadores), que tinham a árdua tarefa de seguir à frente dos trabalhos capinando todo o tipo de vegetação para permitir a entrada das máquinas; (ii) os manobradores das máquinas de engenharia; bem como (iii) alguns elementos da população, sempre acompanhados pelas suas cabras, galinhas e porcos, na sua deslocação a Mampatá.
Quanto à coluna para Buba, a primeira vez que o meu pelotão foi escalado para fazer a sua proteção, fiquei impressionado com os preparativos para a mesma. Não havia Berliet que não levasse, para além dos soldados, que faziam a proteção, grandes grupos de população local (em grande algazarra) em trânsito para as diferentes tabancas que ficavam no caminho até Buba, sempre acompanhados pelas suas cabras, galinhas e porcos; que fugiam e esvoaçavam por cima e por baixo das viaturas recusando o embarque (sim… os porcos voavam!).
Não obstante a insistência do chefe da coluna de que nem todos, por razões de segurança, podiam fazer a viagem, ninguém ficava em terra.
Fazer aquela coluna era sempre uma grande odisseia: no tempo das chuvas, o adversário maior era a lama, o atolar de várias viaturas, bem como o remoção de árvores caídas na picada. No tempo seco o grande adversário era o pó fino vermelho da picada que se levantava em nuvem, não permitindo ver as viatura que iam na frente. Era um ar irrespirável, mesmo com o lenço tabaqueira na boca a servir de máscara.
Não era permitido mas muitos soldados se ofereciam para fazer a viagem na arrastadeira (a dita viatura rebente-minas) na época seca na ânsia de fugir ao pó.
A famosa Cecília Supico Pinto (mais conhecida no teatro de guerra por Cilinha, destemida presidente do Movimento Nacional Feminino) (#), nas suas inúmeras visitas à frente de Guerra viajava, segundo alguns relatos, nesta arrastadeira para evitar o pó por forma a chegar sempre com aspeto aceitável junto dos soldados. Nunca assisti a uma visita sua mas de acordo com os relatos fazia questão de se deslocar às zonas mais perigosas, vestida como fosse a uma festa nos salões do Casino do Estoril.
Entretanto, como bons cristãos, tudo começa com o batismo… com muita reza… e muita “festa”.
Poucos dias após a nossa chegada a Aldeia Formosa, estava eu a jogar com o Gouveia (O Beirão , “Alcaide de Almeida”) uma partida de damas, a fazer horas para o jantar (geralmente arroz com estilhaços), quando vejo um clarão e ouço um grande estrondo na copa de uma árvore junto de nós, seguida de rajadas de metralhadora e mais rebentamentos espalhados pelo quartel, com a resposta quase imediata das nossas antiaéreas (que faziam fogo direto para a mata) e de metralhadoras.
Mas que grande “festival” com os RPG a rebentarem por cima das nossas cabeças e o “matraquear” das metralhadoras de um lado e do outro!
Passado uns segundos cai em cima de mim um peso enorme – era o Sargento Redondeiro que, na queda, me prende uma perna, situação bastante dolorosa. Então na vala alguém começa a rezar:
Ao que eu respondo:
– Ai, Redondeira, liberta a minha perna!
E ele:
E eu:
− Ai, Redondeiro liberta a minha perna!
E ele:
− Ai, meu bom Jesus, cuida de nós!
E eu:
− Ai, Redondeiro, liberta a minha perna!
E a lengalenga continuou... E assim estivemos os dois a “rezar o terço” até ao fim do ataque. No final não sei se fiquei mais aliviado por o Redondeiro libertar a minha perna, se pelo fim do ataque do IN…
Recordo sempre com muita saudade e ternura este bom homem, contudo, em nome da verdade, depois de sairmos da vala, não identifiquei o homem que rezou comigo.
Já com amizades consolidadas com os velhinho de Aldeia Formosa, juntamente com outros camaradas, fomos convidados, por um furriel africano, para uma patuscada.
O nosso amigo guineense, grande caçador, havia caçado, segundo se constava, uma cabra de mato e fazia questão de a partilhar com os periquitos acabados de chegar.
A convites destes “não se olha a dente”, é de aceitação obrigatória, particularmente vindo de um simpático amigo furriel guineense com fama de grande caçador e mais de bom cozinheiro.
Quando chegamos já se sentia o cheirinho agradável dos condimentos próprios da região na preparação da carne.
Para quem comia ao almoço ração de combate e ao jantar arroz com estilhaços, tínhamos a sensação de estar no Artur, em Carviçais (restaurante em Torre de Moncorvo especialista em carne de caça), pelo que fomos molhando a goela com umas cervejas, utilizando como lastro umas bem torradas castanhas de caju…
Enquanto esperavamos, o nosso anfitrião lá nos foi contando as suas histórias de grande caçador (na altura praticamente impossível por razões óbvias) bem como a melhor forma de preparar cada peça de caça. Para cada peça a sua arte: gazela, cabra de mato ou porco espinho cada qual o seu tempero.
A conversa era boa mas a fome já apertava, pelo que fomos ocupando os nossos lugares para o repasto. Chega o dito à mesa, com um aspeto esplêndido e um cheirinho de fugir. Ao primeiro pedaço sentiu-se um sabor divinal. Enquanto houve carne, houve um silêncio de igreja (não confundir com roubo de igreja).
Terminado o repasto, bem regado, logo apareceu uma viola alegrando o ambiente soltando-se algumas vozes, um pouco roucas devido ao gindungo, cantando músicas africanas (a caminho do porto cais, furriel com a carta na mão...).
Com o aumento da pobreza extrema na Guiné-Bissau, nos dias de hoje, mais de 1500 macacos são vendidos anualmente como carne nos mercados urbanos da Guiné-Bissau, mas muitos mais são caçados e não chegam ao destino, temendo-se a extinção de algumas espécies .
Os cientistas constataram também que é difícil identificar as carcaças de primatas que chegam aos mercados urbanos, o que compromete os esforços de conservação.
Vendem gato por lebre. Diziam estar a vender uma determinada espécie, mas depois a grande maioria pertencia a outra espécie.
Da grande colónia de macacos com os quais convivemos diariamente na altura, e que faziam as nossas delícias, muitas vezes confundindo-os com grupos do IN, de acordo com as informações que chegam de alguns cooperantes, hoje na Guiné, com o consumo nas zonas rurais como subsistência e com o comércio organizado, já é muito raro encontrar esta espécie nas matas da Guiné.
(Continua...)
No cargo de criadora e presidente do Movimento Nacional Feminino, em 1961, atingiu grande popularidade e uma considerável influência política junto de Oliveira Salazar e das elites do Estado Novo. Visitou com muita frequência as tropas em África (tinha um carinho especial pela Guiné - a quem chamava a minha Guinézinha), promoveu múltiplas iniciativas mediáticas para angariação de fundos.
Granjeou um carinho muito especial dos militares da Guiné, mesmo daqueles que estavam nas antípodas (que eram quase todos) dos valores que defendia, pela sua coragem, deslocando-se aos locais mais isolados, sem quaisquer tipo de mordomias especiais, estando mesmo algumas vezes debaixo de fogo sem nunca demonstrar o mínimo de receio ou pânico.
A todos dava uma palavra de ânimo e conforto sempre com um semblante alegre e genuíno. A ela se deve a criação do mítico aerograma bem como a distribuição de livros e outros materiais em particular no Natal. Chegou a desafiar Salazar, que enfatizava o seu amor às colónias, a acompanhá-la numa das suas visitas a África, sem sucesso, já que o homem nem a Badajoz foi comprar caramelos. Nunca saiu da sua zona de conforto.. a mesma que o acabou por matar!!!
Nota do editor:
O dia da lavadeira era o mais esperado da semana no quartel. Vinham em rancho com os seus trajes coloridos, com a trouxa de roupa à cabeça e uma alegria contagiante nos rostos. Aguardavam impacientes junto ao sentinela a autorização para entrarem no quartel, o que geralmente acontecia ao meio da tarde, e era vê-las entrar em grande algazarra, de sorrisos rasgados, dispersando-se pelo quartel como rebanho comunitário acabado de chegar, do monte, ao povoado. (...)