sexta-feira, 1 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19541: Agenda cultural (673): Entrudo Chocalheiro, Podence, Macedo de Cavaleiros, 2-5 de março de 2019... Porque A Vida São Dois Dias, e o Carnaval São Três... E Portugal Não é Só Lisboa ... E Eu Vou Lá Estar!... (Luís Graça)




Página dos Caretos de Podence






Programa do Entrudo Chocalheiro, Podence, Macedo de Cavaleiros, Trás-os-Montes, Portugal
Com a devida vénia (*)... 



A vida é um entrudo chocalheiro

por Luís Graça

A vida é um teatro,
A vida é um anfiteatro grego antigo,
A vida é um jogo de máscaras,
A vida é ora tragédia, ora drama, ora comédia,

A vida é um jogo onde não há "final feliz",
A vida é representação, subversão e transgressão...
... Mas nunca digas que a vida é uma merda, 
amigo, companheiro, camarada!


Representas múltiplos papéis no teu palco,
enquanto a vida flui, do nascer ao morrer.
Papéis que tu escolhes, uns,
e outros que te impõem.
Quem é o encenador ?
Quem escreve o guião ?

Quem é o dono do palco ? 
Quem te faz a máscara, a tira e a põe?
E o chocalho, para não te perderes 

no teu mundo imaginário ?
Às vezes és ator, canastrão,
e vaidoso dono da ribalta 

e do proscénio e do cenário,
outras, mero e reles figurante.

Representas diversos papéis, 
bem ou mal mascarado,
ora emboscador, ora emboscado,

ora embrulho, ora embrulhado,
ora presa, ora predador,
ora herói, ora vilão,
ora sedutor, ora apanhado,
ou simples gato e rato.

Muitas máscaras chegaram-te 
até aos dias de hoje:
a "toga" do senhor doutor juiz, 

que,"cego, surdo e mudo",
decide da tua vida e da tua morte;
o "capuz" do carrasco, que te enforca;
o "traje académico", na universidade,
separando o sabichão do mestre 
e o pobre do aprendiz;
o "camuflado" do combatente na Guiné, 

que também te servia de mortalha,
a "farda" militar, que te impõe 
a unidade de comando-controlo
e a hierarquia na tropa e na guerra;
os "paramentos" do celebrante da missa cristã, o sacerdote,
as "vestes" do feiticeiro,
ambos fazendo a ponte entre dois mundos
que, só por magia, ou pela fé, se tocam,
a terra e o céu,
o sagrado e o profano,

o corpo e a alma; 
ou ainda a "bata branca" do médico ou da enfermeira,
que não é apenas uma simples peça 
de vestuário de trabalho;
ou o "título de chefia" 

que te eleva até ao trono ou ao altar,
mostrando a tua cabeça alguns centímetros acima da multidão.

Das máscaras do terror do passado
às máscaras de hoje
que te ajudam a exorcizar o medo de viver e morrer,
ou a virar o medo do avesso,
como diria o poeta Miguel Torga,
o medo que é inerente à condição humana,
a do "homem sapiens sapiens",
no terror do tsunami,
no absurdo da guerra,

no dignóstico e prognóstico do cancro fatal,
no estertor da morte...

Mas a máscara também está associada 
à festa, 
à terra,
aos tambores, 
à gaita de foles, 
aos chocalhos,
ao pão, ao queijo de ovelha e de cabra,
aos enchidos, ao vinho...
Porque não há festa sem o pão
e o vinho, a música, a folia,
a transgressão, 

a subversão dos papéis,
o entrudo,
o carnaval,
o terreiro,
esse fantástico chão português
que foi e ainda é o teu chão,
de Trás-os-Montes ao Algarve,
e os caretos de Podence (**), Grijó e Lazarim...
Sim, a vida é um entrudo chocalheiro,
a vida são dois dias,
e o carnaval são três.

... E eu quero lá estar!

Luís Graça, 14/2/2018,

revisto, 1/3/2019 (***)
__________


(**) Vd. também poste de 9 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16067: Manuscrito(s) (Luís Graça) (83): As nossas máscaras, ontem e hoje... Apontamentos sobre o XI Festival Internacional da Máscara Ibérica (Lisboa, 6-8 de maio de 2016)

(***) Vd. poste de 14 de fevereiro de  2018 > Guiné 61/74 - P18316: Manuscrito(s) (Luís Graça) (138): a vida são dois dias e o carnaval são três

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19540: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXIV: Memórias do Gabu (II)


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 1A > 4º trimestre de 1967 > Edifício do comando e do Conselho Administrativo.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 1 > 4º trimestre de 1967 > Edifício do comando e do Conselho Administrativo, de estilo colonial, tal como encontramos, com paliçadas e bidões de protecção, ruas esburacadas e em terra batida, com pó ou lama. Foto tirada a partir dos CTT da outra esquina.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 3A > 4º trimestre de 1967 > >  Rua Principal da vila


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 3 > 4º trimestre de 1967 > Rua Principal, cheia de gente, mas sem carros. Verifica-se um movimento de pessoas locais e não só, com as suas bicicletas, a maioria a pé, com os seus bebés às costas, e não se vê aqui no centro, mulheres despidas.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 4A > 4º trimestre de 1967 > Passeio de bicicleta em dia de domingo.



Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 4 > 4º trimestre de 1967 > Um passeio de Bikla no Domingo, numa rua bem arranjada. São pequenas vivendas, moranças,  para a população local, numa época de criar melhores condições de alojamento e habitação.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 9 >  Janeiro de 1968  > O Posto de abastecimento da velhinha ‘SACOR’. Sendo uma vila  já importante [, cidade só era Bissau...]  tinha a bomba de gasolina, só não sei se era para os civis, ou a ‘bomba’ da tropa. Devo ter abastecido lá a minha motorizada.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 15A >  c. Janeiro / fevereiro de 1968  > A  cerimónia  do hastear da  Bandeira Nacional. 


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 15 >  c. Janeiro / fevereiro de 1968  > A  cerimónia cheia de significado da continência à Bandeira Nacional. Trata-se do hastear da bandeira, pela manhã, depois o arrear era às 18 horas, já quase noite. Hoje onde se vê disto? Em Bissau, por exemplo, toda a gente em sentido, até na Estrada principal, paravam os carros e saiam as pessoas com destino ou vindas de Bissau, a passar em Brá.


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Foto nº 14 A >  4º trimestre de 1967 > Vista aérea da cidade e quartel de Nova Lamego.  O avião – Dakota – a fazer-se à pista à sua frente, não se conseguem ver bem os contornos nem da cidade nem das ruas, nem casas nem quartel, só a pista.

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)



(**) Vd. poste anterior > 18 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19503: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXII: Memórias do Gabu (I)

Guiné 61/74 - P19539: Álbum fotográfico de João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como, Cachil, 1964/66) e cmdt da TAP, reformado - Parte IV: Catió: as primeiras impressões



Guiné > Região de Tombali  >  CCAÇ 617  (1964/66) >    O quartel


Guiné > Região de Tombali  >  Catió > CCAÇ 617  (1964/66) >   O "largo" da vila, visto do campanário da igreja


 Guiné > s/l > CCAÇ 617  (1964/66) >  A bordo de uma LDM [, Lancha de Desembraque Média,], o cap inf  [António Marques]Alexandre e eu, alf mil Sacôto...


 Guiné > Bolama >  CCAÇ 617  (1964/66) >  Viagem de Bolama a Catió, em LDM.


 Guiné > Região de Tombali > Catió >  CCAÇ 617  (1964/66) >  O mercado local


Guiné > Região de Tombali > Catió >  CCAÇ 617  (1964/66) >  A igreja de Catió.



Guiné > Região de Tombali > Catió >  CCAÇ 617  (1964/66) >  O alf mil Sacôto, na "avenida principal" de Catiô, tendo ao fundo o edifício da administração e a casa do administrador da circuncrição (equivalente a concelho).


Fotos (e legendas): © João Sacôto (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. João Gabriel Sacôto Martins Fernandes, de seu nome completo... Foi alf mil da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66). Trabalhou depois como Oficial de Circulação Aérea (OCA) na DGAC [Direção Geral de Aeronáutica Civil]. Foi piloto e comandante na TAP, tendo-se reformado em 1998.



Lema: "Vis non visa movet"... Uma expressão de
difícil tradução: movimenta-te,
se não qureres ser visto
Estudou no Instituto Superior de Ciencias Económicas e Financeiras (ISCEF, hoje, ISEG) . Andou no Liceu Camões em 1948 e antes no Liceu Gil Vicente. É natural de Lisboa. É casado. Tem página no Facebook (a que aderiu em julho de 2009, sendo seguido por mais de 8 dezenas de pessoas). É membro da nossa Tabanca Grande desde 20/12/2011.

2. Continuação da publicação do seu álbum fotográfico: no poste anterior publicámos algumas fotos do seu cão, Toby, um   "boxer", que foi a mascote da CCAÇ 617, participou nalgumas operações, foi ferido em combate e regressou a casa como um herói...

Recorde-se que a CCAÇ 617 esteve em Bissau esteve cerca de mês e meio,  na dependência do BCAÇ 600. Em 1 de março de 1964, partiou para Catió, substituindo a CCAÇ 414, e sendo integrada no dispositivo de manobra do seu batalhão, o BCAÇ 619.
 A parelha Toby - Sacôto

Efetua operações nas regiões de Ganjola, Cobumba, Cufar Nalu, Calobol e Catunco. 

Em 22 de setembro de 1965, assume a responsabilidade do susector do Cachil, por troca com a CCAÇ 728. Será rendida pela CCAÇ 1424, em 16 de janeiro de 1966. Regressa a Bissau, aguardando embarque para a metrópole.
 Neste poste mostram-se algumas fotos das "primeiras impressões" de Catió.[As fotos, parcialmente legendadas pelo autor, não têm datas...]

Guiné 61/74 - P19538: Parabéns a você (1582): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de fevereiro de  2019 > Guiné 61/74 - P19534: Parabéns a você (1581): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador do BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19537: Em busca de... (295): SOS, Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11, LMPQF, Angola (1971/73)... Procuro o ex-fur mil Morgado, natural da região de Santarém, partilhámos o mesmo camarote no N/M Vera Cruz, trabalhámos juntos, não nos vemos há 46 anos... (António Mário Leitão, Ponte de Lima)


Angola > Luanda > Farmácia Militar, Delegação n.º 11, Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF)  (1971/73) > Da esquerda para a direita, o fur mil Mário Leitão, de Ponte de Lima, e o fur mil Morgado, de Santarém.


Foto (e legenda): © Mário Leitão (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso camarada António Mário Leitão



[O Mário Leitão, hoje farmacêutico reformado, foi fur mil na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), no mil, período de 1971 a 1973; é natural de (e residente em) em Ponte de Lima, é membro da nossa Tabanca Grande, tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue;  é autor  de 3 livros publicados: "Biodiversidade das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d´Arcos" (2012), "História do Dia do Combatente Limiano" (2017) e "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar" (2018)].



Data - terça, 26/02, 20:00


Assunto - SOS - Laboratório Militar


Caro Luís, um grande abraço!

Preciso da tua ajuda para divulgação desta fotografia, na qual figuro ao lado do Furriel Morgado, meu camarada de comissão na farmácia Militar de Luanda (1971-1973). 

Partilhamos o mesmo camarote no N/M Vera Cruz e muitas aventuras na cidade de Luanda. Há 46 anos que nada sei dele. 

É natural da região de Santarém. Gostava de o rever e de partilhar as suas memórias num livro sobre o LMPQF, que ando a escrever.

Ofereço alvíssaras a quem me der informações! (Em alternativa, um arroz de sarrabulho em Ponte de Lima!)

Um grande abraço!

Mário Leitão (telem 967039844)


2. Resposta do editor LG:


Comandante, um pedido teu é uma ordem!... Vamos lá põr a malta da Tabanca Grande à procura do Morgado que, como dizes, deve ser ribatejano e que, esperamos, deve estar vivo e de boa saúde, é o que todos esperamos.

Acabo de vir da "catedral da lampreia", aqui no Lumiar, a Tasca do João... Lembrei-me de ti... Temos encontro a 25 de maio:é o XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, comemorando os 15 anos do blogue... Será que este ano voltas a fazer-nos companhia ?... 

Um abração. Luís

PS - Mário, só pelo apelido, Morgado, é mais difícil de localizar o nosso camarada ribatejano... Para mais, só sabes que é(era) natural do distrito de Santarém... Mas vou o teu apelo na página do Facebook da Tabanca Grande.

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de fevereiro de 2019 >  Guiné 61/74 - P19529: Em busca de... (294): O ex-1.º Cabo At Alberto de Aparecida Couto do Pel Caç Nat 54 procura o seu camarada José Augusto da Silva Dias, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BART 3873 que o salvou de morrer afogado no rio Geba (Sousa de Castro)

Guiné 61/74 - P19536: (D)o outro lado do combate (45): A morte de Rui Djassi - II (e última) Parte - A Op Alvor, península de Gampará, de 22 a 26 de abril de 1964 (Jorge Araújo)


Guiné (1964) - Operação militar. Foto de Manuel Parreiras (1941-2017), natural de Elvas, o 1.º da direita [Unidade desconhecida], pai da minha aluna Ana Parreiras, filha de mãe guineense, de Bafatá. (vou fazer um poste… com mais detalhes).



Mapa da península de Gampará. Território batido pelas NT durante a «Operação Alvor» onde morreu Rui Djassi (Faincam) em 24 de Abril de 1964. Fonte: Carta de Fulacunda (1955), escala 1/50 mil

Infografia: Jorge Araújo (2019)



 Jorge Alves Araújo, ex-fur mil op esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue



A «OPERAÇÃO ALVOR», DE 22 A 26ABR64, NA BUSCA DO "QUARTEL-GENERAL" DE RUI DJASSI (FAINCAM) - A PRIMEIRA MISSÃO DAS NT NA PENÍNSULA DE GAMPARÁ,  15 MESES APÓS O INÍCIO DO CONFLITO ARMADO - 




1. INTRODUÇÃO


Como complemento à narrativa anterior – P19532 – onde caracterizamos algumas das vicissitudes da vida do guerrilheiro do PAIGC, Rui Demba Djassi (Faincam), primeiro cmdt da Zona 8 (região de Quinara), com particular relevância para o desconhecimento do seu paradeiro desde o início do ano de 1964, vimos hoje ao fórum dar conta como foram os últimos 'combates' da sua vida, e dos seus subordinados, travados em redor do seu "Quartel-General", algures na Península de Gampará.


2. A «OPERAÇÃO ALVOR», DE 22 A 26ABR1964


A execução da «Operação "Alvor"» foi determinada pelo Comandante Militar do CTIG, à data o Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, através da Directiva de Operações n.º 1/64, ficando agendada para o período compreendido entre 22 e 26 de Abril desse ano, um mês depois de concluída a Operação "Tridente". A missão tinha como área de intervenção a península de Gampará, uma vez que, desde o início do conflito, esta região ainda não tinha sido percorrida por forças militares.

Para cumprir esta "Directiva de Operações", a primeira de 1964, a responsabilidade de comando foi atribuída ao BCaç 599 (Sector G), com sede em Tite, que abrangia, do ponto de vista operacional, os subsectores de Tite, S. João e Fulacunda. 

De referir que o BCaç 599, Unidade mobilizada pelo RI 15, de Tomar, era comandada pelo tenente-coronel Carlos Barroso Hipólito, sendo apenas composto de Comando e CCS, não dispondo, por isso, de subunidades operacionais orgânicas. Este Batalhão sucedeu, em 18Out1963, ao BCaç 237, dele transitando os elementos de recompletamento.


 2.1. AS FORÇAS MILITARES ENVOLVIDAS


Tendo em consideração as distâncias que havia que percorrer, os meios logísticos à disposição da Unidade de quadrícula [BCaç 599], bem como os efectivos operacionais que esta podia empregar em acções prolongadas, foi considerado que uma operação de "reconhecimento e controlo da população" na península de Gampará, só poderia ser levada a efeito com êxito por efectivos mais numerosos, com forte apoio aéreo e o concurso de meios navais, operacionais e de transporte. 

Para esse efeito, a operação mobilizou os seguintes efectivos:

● Forças do Sector G:

> Companhia de Cavalaria 353 (CCav 353) – 2 Gr Comb;

> Companhia de Artilharia 565 (CArt 565) – 2 Gr Comb.

● Reforços:

> Companhia de Artilharia 643 (CArt 643) – 3 Gr Comb;

> Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE 2). 

O DFE2 e as restantes Forças Navais tinham a seu cargo o transporte de pessoal, água potável e reabastecimentos com as LDM 302, 303, 304 e 305 e a fiscalização dos rios Geba e Corubal compreendidos na ZO, com especial atenção para as "cambanças" e flagelações do IN partindo de Ganjeque, Ponta do Inglês e Ponta Luís Dias.

A Força Aérea, por outro lado, apoiava os desembarques e reembarques e a actividade das forças de superfície durante a acção; fiscalizava o rio Pedra Agulha, bem como os rios Geba e Corubal dentro da ZO impedindo "cambanças"; fazendo ainda a ligação, PCA e a evacuação sanitária. 


2.2. AS RAZÕES QUE JUSTIFICARAM A OPERAÇÃO

O facto da península de Gampará nunca ter sido percorrida por forças militares desde que se iniciou o conflito armado [23 de Janeiro de  1963], embora se soubesse que a maioria dos habitantes das tabancas limítrofes de Fulacunda as tivessem abandonado, passando a residir em locais desconhecidos, situados nos matos existentes nessa península. 

Por reconhecimentos feitos a Uaná Porto e à região marginal do rio Geba, junto à foz do rio Pedra Agulha, sabia-se que o IN se tinha revelado com fraco poder combativo. Em função dos factos anteriores, ainda não se tinham realizado contactos entre a população e as forças militares estacionadas nessa área. Acresce, por outro lado, terem sido referenciadas dez canoas na orla marítima, bem como observadas de Porto Gole, entre as 18h00 e as 20h00, luzes da outra margem. De referir, também, que em 16 de Abril de 1964, pelas 00h30 ter sido atacada uma embarcação das Forças Navais (FN) com MP [, metralhadora pesada].


2.3. A MISSÃO


i) - Percorrer os matos e as povoações de toda a área da península de Gampará, contactando com a população a fim de avaliar do seu grau de lealdade. Sempre que estas se manifestarem pacíficas procurar acalmá-las quando for caso disso, incutindo-lhes confiança e sensação de segurança pela presença das NT.

ii) - Obter, por meio de interrogatórios a PG [prisioneiros de guerra] ou civis, os elementos de informação que conduzam à detecção de elementos lN, seus acampamentos, ligações, pontos de "cambança", chefes de zona, etc.

iii) - Explorar, imediatamente, as notícias ou informações obtidas no decorrer das operações e que se refiram à localização de órgãos de apoio do IN, à identificação destes ou dos seus chefes, de elementos activos ou de simples simpatizantes.

iv) - Procurar, sempre que possível, fazer prisioneiros por necessidade e conveniência em se obterem os elementos de informação desejados, que venham a permitir avaliar-se do grau de confiança que essas populações possam merecer.

v) - Deixar intactos os géneros, a água, o gado ou outros bens pertencentes aos habitantes encontrados, desde que os seus proprietários não tenham hostilizado as NT, incluindo mesmo os daqueles que tiverem fugido quando da sua aproximação. Mas, destruir ou recuperar, conforme os casos e as possibilidades, as habitações, o gado, os géneros, os poços de água, ou outros bens ou pertences existentes nas povoações donde tenham sido hostilizadas as NT ou tenha havido reacção à presença das mesmas.

vi) - Abater ou destruir, por qualquer meio, todo o elemento IN que reaja ou actue pelo fogo contra as NT assim como todo o indivíduo armado que não entregue acto contínuo a sua arma ou que pretenda fugir, bem como ainda todas as instalações que lhe sirvam de guarida ou apoio, todas as canoas encontradas e ainda as povoações abandonadas donde tenham sido hostilizadas as nossas forças.

vii) - Explorar o sucesso, imediatamente a seguir à neutralização de núcleos do ln quer esta tenha sido levada a cabo pelas Forças de Superfície ou pela FA, por forma a tornar possível a apreensão do armamento ou a recolha e identificação dos mortos e dos feridos, do lN.

viii) - Destruir todas as casas de mato e outras instalações de fortuna, localizadas fora das áreas das povoações, permitindo-se porém aos seus proprietários a recuperação dos seus bens uma vez que não tenham mostrado hostilidade à presença das NT.


2.4. A EXECUÇÃO


Com vista ao reconhecimento da península de Gampará, a fim de permitir o controlo e a assimilação da sua população pacífica e a destruição dos núcleos de elementos do IN aí existentes, seriam realizados desembarques simultâneos na foz do Rio Agulha e em Uaná Porto, conjuntamente com as restantes forças saídas de Fulacunda e com o apoio da FA, de modo a isolar a península de Gampará e criar as condições favoráveis ao reconhecimento e à limpeza desta área segundo três eixos de progressão paralelos.




2.5. O DESENROLAR DA OPERAÇÃO


No dia 22 de Abril de 1964, quarta-feira, pelas 03h00 da madrugada, deu-se início à «Operação Alvor» na península de Gampará com desembarques simultâneos das CCav 353, CArt 565, CArt 643 e DFE 2, utilizando quatro LDM, na foz do rio Pedra Agulha e Uaná Porto, conjugados com forças progredindo de Fulacunda e com apoio aéreo, a fim de isolar essa região. 

As forças desembarcadas ocuparam posições ao longo da linha Gansambo-Uaná Porto-Uaná Beafada. A partir dessas posições executaram uma batida conjunta e simultânea na península de Gampará.

No dia 23 de Abril, quinta-feira, elementos In armados, escondidos no tarrafo, detectados pelo PCA, foram batidos pela CArt 643, com a colaboração da FA e fugiram. O DFE 2 venceu uma ligeira resistência em Canquecuta, que destruiu com o apoio da FA. O IN opôs resistência à progressão da CArt 643. Foi isolado e aprisionado um grupo da população que escondia 8 guerrilheiros. A CArt 565, emboscada pelo IN, reagiu prontamente, dispersando-o. As NT tiveram um guia auxiliar morto e dois feridos. Foram mantidos os horários de coordenação e as forças atingiram os objectivos estabelecidos para este período.

No dia 24 de Abril, sexta-feira,  também foram atingidos os objectivos determinados para o terceiro dia de operações. Foi capturado material e documentos. As NT não tiveram baixas e foram mortos três guerrilheiros [, um deles pondendo ser o Rui Djassi... ] e feitos mais de vinte prisioneiros. 

O IN estava sitiado e a operação prosseguia. Durante a noite os estacionamentos das NT foram flagelados, sendo o IN posto em fuga. Em toda a zona revelaram-se guerrilheiros isolados, alguns dos quais foram abatidos. Foram evacuados para Bissau oito prisioneiros, mulheres e crianças. O IN, cercado no extremo da península de Gampará, exerceu violenta repressão na população que pretendia apresentar-se às NT. Estas recolheram três centenas de pessoas, no mato e no rio, das quais foram evacuadas noventa, para Bissau. 

No dia 25 de Abril, sábado, o IN flagelou a CArt 565 que recolheu a Fulacunda, sem baixas. O DFE 2, em colaboração com a CCav 353, fez batidas na orla do rio. As NT acompanharam a população, na reocupação das tabancas, antes do reembarque.

No dia 26 de Abril de 164, domingo,  recolheram a quartéis todas as forças que tomaram parte na operação.



3. MAIS DUAS NOTAS DA PARTICIPAÇÃO DAS FORÇAS NAVAIS NESTA OPERAÇÃO


Para concluir o contexto sobre a «Operação Alvor", e como adenda ao modo como a mesma decorreu, importa dar conta de alguns testemunhos individuais de camaradas que nela participaram, ainda que as mesmas já tenham sido publicadas neste espaço.


No primeiro caso, cito uma passagem do livro "Homem  Ferro - memórias de um combatente", da autoria de Manuel Pires da Silva [SMor Grad FZE (Ref) do DFE 2] – P11521: "Notas de Leitura", de Mário Beja Santos, onde se pode ler:


"Tudo se agrava no rio Corubal, as embarcações são constantemente alvo de emboscadas, atacam navegação na Ponta do Inglês, e mesmo no canal do Geba. Volta-se à península de Gampará, vão com o apoio de forças terrestres, conclui-se que o inimigo não estava até então implantado no terreno. E depois atacam Cafal Balanta, Cafal Nalu e Santa Clara, há fogo do inimigo que só deixa de reagir quando chegam os T6. E no mês de Junho [1964] acabou a guerra para o DFE 2". 


No segundo caso, a narrativa está ligada à "LDM 302", recurso logístico utilizado na "Operação Alvor", e que é contada em livro de A. Vassalo, em BD, Edições Culturais da Marinha, 2011, com o título "A Epopeia da LDM 302".

No P15003, de novo em "Notas de Leitura", de Mário Beja Santos, retiramos a seguinte passagem: 


"Em 22 de Abril [1964, a LDM 302] conheceu o baptismo de fogo. Frente a Jabadá quando, em conjunto com mais três LDM [303, 304 e 305] procedia a um desembarque de fuzileiros [DFE 2], o inimigo tentou opor-se com fogo de armas ligeiras, mas não conseguiu evitar o desembarque".


Também no P10084 – "A Vida e morte da gloriosa LDM 302", o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira [, lourinhanense, vizinho, amigo de infância,  e colega de escola primária do nosso editor e camarada Luís Graça, nascido em 1947 e falecido em 2011, ]  que pertenceu à guarnição desta Lancha de Desembarque Média, atribuída ao DFE 2, em 18 de Março de 1964, para fiscalização da zona do Rio Geba, conta-nos alguns dos aspectos mais relevantes da sua existência. 




A LDM 302 no rio Cacheu onde viria a ser violentamente atacada e afundada por duas vezes com baixas pessoais dramáticas, com mortos, feridos graves e feridos ligeiros. Fonte: Cortesia do blogue Reserva Naval, do Manuel Lema Santos [1.º Tenente da Reserva Naval, Imediato no NRP Orion, Guiné, 1966/68]


4. A OCUPAÇÃO [?] DE GAMPARÁ PELAS NT

Por último, depois de consultada a bibliografia a que tivemos acesso, nada encontrámos para satisfazer a curiosidade relacionada com a instalação das NT em Gampará (e em Ganjauará)  Apenas temos, como referência, o Monumento ali existente, onde constam as diferentes Unidades de quadrícula que por lá passaram, conforme imagem abaixo (vd. P12247).



Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá) > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gampará > Gampará > 1972 > Monumento da CART 3417 (Magalas de Gampará), assinalando a passagem por Gampará (e Ganjauará) da 38ª CCmds e de outras tropas especiais.

Vê-se que por ali também passaram, ao serviço do COP 7 (Bafatá), vários DFE - Destacamentos de Fuzileiros Especiais (4, 8, 13, 21, 22), a CCP 121/BCP 12, a 2ª CCA - Companhia de Comandos Africanos, o 29º Pel Art e o Pel Mil 331.

A última Unidade que aí esteve instalada, até à independência, foi a CCAÇ 4142 (1972/1974) "Herdeiros de Gampará".

Foto (e legenda): © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Fontes consultadas:

«Operação Alvor» (texto adaptado): Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª edição, Lisboa (2014); pp 252/257.

Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

26Fev2019.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19535: Historiografia da presença portuguesa em África (152): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Junho de 2018:

Queridos amigos,

Não hesito em classificar o relatório do Dr. Damasceno Isaac da Costa como de leitura obrigatória para quem pretenda saber qual o estado da Guiné e como se processava a presença portuguesa nos primeiros anos da autónoma Província da Guiné. Há pontos do maior interesse no seu documento: veja-se o que escreve sobre o Geba e a referência que faz ao ponto extremo da nossa presença, Bafatá. Referirá nas considerações finais que espera que as negociações luso-francesas não nos retirem a influência secular nos territórios do Casamansa e do rio Nuno, este médico ainda vivia numa mítica Senegâmbia Portuguesa.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (4)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888.

Chamou-se a atenção para o acervo de olhares sobre a fortaleza de S. José de Bissau, a vila, o Geba e a vila do mesmo nome, tudo meticulosamente comentado. Chega agora a vez do médico se debruçar sobre higiene e salubridade.

Começa pela sanidade marítima, dizendo o seguinte:

“Durante o ano, quando se vê no mapa do movimento marítimo, demandaram o porto doze navios de vela de longo curso, 25 a vapor e 244 de capotagem. Aqueles foram regular e pontualmente por mim visitados, sendo os últimos pela Alfândega, por o porto de procedência estar limpo. Foram submetidas a cinco dias de observação uma chalupa procedente da Goreia, um brigue americano e uma lancha procedentes de Carabane, visto serem considerados suspeitos de Colera morbus os portos do Senegal. Em nenhum destes navios se manifestou moléstia alguma.

O ilhéu de Bandim, ou de Bourbon, como o denominam os franceses, é o que até aqui tem servido para se proceder às quarentenas de observação. O ilhéu tem pouca extensão e é habitado unicamente pelos pássaros e pelos répteis. No preamar um extenso banco que se descobre torna fácil a passagem para a aldeia de Bandim onde residem o régulo e os principais balobeiros e se refugiam os criminosos para se livrarem das perseguições da Justiça”.

Após estes considerandos, desvia a sua atenção para a higiene pública, sem contemplações nem rendilhados:

“A vida de Bissau está cercada de pântano. Ao sul, a vila é limitada pela praia que na baixa-mar se descobre numa grande extensão e deixa exalar um cheiro infecto devido à decomposição e putrefação de limos, plantas, animais, lixo e várias imundícies intimamente misturadas com a lama.
Vários produtos, tais como o couro, borracha, amêndoa de palma, armazenados nas próprias habitações dos negociantes, exalam um cheiro infecto. Os poços e nascentes que existem na povoação contêm águas estagnadas, as quais repetidas vezes são utilizadas pelos habitantes da vila para usos culinários, devido ao desleixo das autoridades competentes. Finalmente, encontra-se por toda a parte, tanto intra como extramuros, depósitos de lixo. 

Tais são, em resumo, as poderosas causas geradoras de tantas e tão variadas moléstias que se manifestam na vila. A influência desses poderosos factores, auxiliado pelo clima, é assaz sensível aos recém-chegados. Os tripulantes dos navios de longo curso que demandam o porto de Bissau é raro que durante a sua permanência de 15 a 20 dias fiquem incólumes da perniciosa influência das emanações do porto, pois apesar de cheios de vida e rubor nas faces, apresentam-se profundamente anémicos, sendo preciso, quase sempre, baixarem ao hospital. É o que repetidas vezes tenho observado desde 1879”.

Seguidamente, os seus comentários direcionam-se para fábricas e depósitos de substâncias alteradas, nos seguintes termos:

“Há duas fábricas para clarificar a cera situadas nos extremos da vila, as quais amiudadas vezes foram por mim visitadas. Uma dessas fábricas, na data em que escrevo o presente relatório, foi removida para outro ponto afastado.

O comércio da ilha consiste principalmente na cera, couro, amêndoa de palma, arroz, borracha, etc. Estes produtos são acondicionados pelos seus proprietários em quartos contíguos ou nos armazéns sitos no pavimento inferior das habitações. O couro, a borracha e a amêndoa de palma, algum tempo depois de armazenados, exalam um cheiro nauseabundo. Se a pólvora é removida para o paiol da fortaleza para evitar a explosão e os desastres que ela pode causar, por que razão não se pratica o mesmo com os produtos acima apontados, especialmente com os couros e borracha, que pelas suas exalações produzem constantes explosões perniciosas sobre a salubridade dos habitantes da vila?”.

Os próximos comentários vão incidir sobre o mercado e o açougue:

“Há dois lugares onde se notam quotidianamente ajuntamentos do povo com variados produtos à venda a que se dá a denominação de mercado ou feira.

Um destes mercados é destinado exclusivamente aos Bijagós e tem lugar ao Norte e o outro aos Papéis, a Sul e extramuros. Nestes dois mercados permuta-se o arroz, feijão, carne de porco ou de vaca, leite, galinhas, lenha, mandioca, milho, batata e vários outros produtos cuja aparição na feira está dependente da estação apropriada. Não havendo vigilância alguma sobre a higiene destes dois lugares, apresentam-se eles frequentes vezes imundos.

Quanto ao açougue, para o consumo público foram abatidos durante o ano 118 cabeças de gado vacum e 404 de suínos, não tendo sido nenhuma inutilizada por serem de boa qualidade mas a Câmara Municipal não possui casa para este fim e permite que em qualquer porta ou rua se exponha a carne à venda. Urge, pois, que se proceda à construção de uma casa destinada a açougue”.

Não menos importante é o que o Dr. Damasceno Isaac da Costa nos diz sobre as habitações:

“Na vila, as casas correm de norte a sul e são todas cobertas de telha de barro; na maioria térreas, há algumas assobradadas; os pavimentos inferiores destas últimas servem ordinariamente para armazenar couros, arroz, amêndoa de palma, amendoim e outros produtos, cujas exalações são altamente nocivas à salubridade pública. À excepção de algumas, na maioria as casas são mal divididas e ventiladas, húmidas e algumas vezes até imundas por servirem de pocilgas aos porcos e outros animais domésticos que vivem com confraternidade com os racionais.

Ruas propriamente não existem, à excepção da central denominada S. José; as que porém têm tais denominações não passam de becos.

As cubatas dos grumetes que vivem extramuros são todas construídas de taipa e cobertas de colmo e conquanto algumas são espaçosas não possuem se não duas portas sem nenhuma outra abertura para a entrada de luz e ventilação. O colmo, porém, cobre mal algumas destas casas ao que dá lugar a que os abrasadores raios de sol tropical penetrem nelas e as iluminem. Em torno destas habitações existem grandes depósitos de lixo e imundícies. As cubatas dos Papéis que servem na ilha são arredondadas; as suas paredes construídas de taipa têm a altura de 1,5 metros e o tecto é composto de paus de mangue e a coberta de colmo é piramidal, cuja base repousando sob as paredes fica o vértice olhando para o céu.

A capacidade da cubata assim construída pode ser calculada em 4 metros de diâmetro; é dividida em 4 a 5 compartimentos para a residência de 8 a 10 pessoas.

A reunião destas cubatas constitui o que no país se denomina morança.”

Como se vê, é bem estimulante a leitura deste relatório. Vão seguir-se outros aspetos bem impressivos como a alimentação, a limpeza das ruas e dos cemitérios, o estado dos hospitais e apresenta-se mesmo uma relação das plantas medicinais. E pede-se ao leitor que esteja atento às considerações gerais por ele tecidas.

(Continua)


Aguarela de Edgar Silva, datada de 1994, a sede do BNU na Rua Augusta
Por amável deferência do Arquivo Histórico do BNU.


Homenagem em casa do Dr. Vieira Machado pelos corpos diretivos do BNU, 1972
Imagem cedida pelo Arquivo Histórico do BNU, agradece-se a deferência. 

Francisco Vieira Machado foi figura determinante do BNU mas foi igualmente um esteio da política colonial.

Em 1934, então Subsecretário de Estado das Colónias, ao prefaciar o catálogo da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, não se escusou a um claro ponto de vista ideológico:

“Há através da História de Portugal uma Ideia, ou antes, um Ideal, que decerto enraíza na própria essência da alma e no carácter dos portugueses, tal é o vigor com que se formou a persistência com que renasce: o Ideal da formação dos Impérios.

Esboçado e vago na organização do Infante, mais preciso sob a ambiciosa vontade de D. João II, ganha a primeira expressão real e perfeitamente enformada com Afonso de Albuquerque. E o primeiro esforço imperial da parte portuguesa despende-se no sonho de formação de um grande Império Asiático com guardas vigilantes em Aden, Ormuz e Malaca.

Desfeito com a morte do grande político e guerreiro, o plano tão audaz e inteligentemente iniciado, logo outro grande português – e esse tão desconhecido, tão caluniado, tão incompreendido por mais de três séculos de História, D. João III ! – nos lança para a formação do Império Sul-Africano. E o novo sonho, do novo rumo que o Ideal português procura, nasce esse portentoso Brasil, descoberto, colonizado, povoado e engrandecido por gente portuguesa.

Num vale escuso da História, invadidos nas organizações políticas e nas almas, pelas ideologias de 1789, aleados do sentido da nossa grandeza e da nossa missão pelo falso esplendor de novas ideias, perdemos o Brasil e o rumo imperial da nossa nação nas Colónias.

Passam-se longas dezenas de anos – quase um século.

Uma geração de escola, que em si guardava as mais ricas virtudes de Portugal, levanta de novo a ideia colonial, lança-se para África, ocupação pacífica, e refaz e fixa as novas fronteiras imperiais.
Depois deles outros seguiram o seu esforço heróico.

E novamente o sonho do Império – desta vez o Império africano – ganha forma e encontra o velho Ideal português.

Estamos novamente no caminho do Império”.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19511: Historiografia da presença portuguesa em África (150): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19534: Parabéns a você (1581): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador do BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19531: Parabéns a você (1580): João Carlos Silva, ex-1.º Cabo Especialista MMA da FAP (1979/82)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19533: Memórias de Gabú (José Saúde) (78): O paludismo. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem. 

Falemos de uma doença conhecida pelos camaradas

O paludismo

Neste incessante vaguear por caminhos já estreitos que a mente, por enquanto, vai sendo benévola para que possamos escalpelizar a nossa passagem pela Guiné, acontece, agora, falar sobre o paludismo. Um tema que, aliás, nos foi comum.

O paludismo é tão-somente uma doença provocada ao ser humano através de picadelas de uma determinada variedade de mosquitos que por terras guineenses eram “mato”. Julgo que numa triagem que porventura ousemos efetuar ao enormíssimo contingente militar que pisou aquele solo, raro terá sido o camarada que não conheceu a enfadada moléstia, ou porque o paludismo lhes fustigou o físico, ou porque camaradas que viviam por perto terão sido atacados com tal malazenga.

A doença, em si, é também conhecida como malária. As causas que o paludismo provoca interferem com febres altas, dores de cabeça, vómitos, fraqueza muscular, tosse, problemas renais e hepáticos, alteração do sistema nervoso central de entre outros problemas, assim como a implícita chancela de gravidade que pode levar à morte.

As estatísticas são explícitas quando referem que milhares de pessoas morrem por ano tendo como causa principal o paludismo. Aliás, acrescesse que a maioria das mortes ocorridas são de crianças que vivem no continente africano.

Mas será que existem mecanismos para abreviar a propagação da doença? Claro que os há! Basta, por exemplo, tratar a água estancada em pântanos que se constituem como os locais ideais para o seu habitat natural e onde estes insetos proliferam.

Sabe-se, por outro lado, que existem vacinas que visam prevenção no desenvolvimento do mal. Não sendo especialista na matéria, isto é, sou leigo, e humildemente confesso, diz-se que uma vacina considerada capital para o aniquilar o paludismo estará ainda por descobrir. Por conseguinte, a definitiva cura para a maleita persiste.

A cédula pessoal deste velho combatente regista dois casos de paludismo: o primeiro contraído em Gabu; o segundo em Beja em finais de 1970. Este último foi-me diagnosticado por um médico amigo que me visitou quando me encontrava acamado no leito da minha cama e logo me pôs ao corrente do meu estado de saúde.

Neste contexto, sinto-me minimamente à-vontade para debitar narrativa sobre as condicionalidades que o conhecido paludismo me provocou. Sei que vi a coisa preta. Os arrepios de frio e o mal estar geral deixaram-me o corpo quase inerte. Depois, com uma santa paciência lá me ergui e prossegui o meu caminho. Ficou, porém, a malvadez da experiência.

Na Guiné a ansiedade do “mal” deixava o combatente de rastos. Presenciei camaradas entregues a uma luta corporal que impunha apertadas restrições. O “mal” não era fácil combater e um dia, tal como atrás referi, calhou-me conhecer essa efémera e tenebrosa doença.

Asseguram os especialistas na matéria, que o paludismo, vulgo malária, é uma doença transmitida pela picada de mosquitos pertencentes ao gênero Anopheles.

Recorrendo a dados da Organização Mundial de Saúde, observa-se que cerca de 200 milhões de criaturas foram detetadas como portadores da doença e que derrapa, infelizmente, para cerca de 700.000 mortes por ano. A praga é de tal modo agressiva que os médicos travam árduas lutas para minorar as estratégias de contaminação.

Recordo a nossa espontânea deliberação para protegermos a “carcaça” da praga de mosquitos que nos nossos “poisos” não davam tréguas ao combatente que requeria o merecido descanso, isto é, dormir sob a proteção dos famosos mosquiteiros que, em princípio, salvaguardavam inesperadas picadelas destes inoportunos “terroristas”.

Uma curiosidade: quando cheguei à Guiné e me fixei nas exíguas instalações do Quartel General (QG ), “Biafra” como a malta apelidava o pomposo alojamento, vi, desde logo, que muitas das camas das camaratas eram dotadas com os pomposos mosquiteiros.

Lembremos, então, a guerrilha travada com estes inusitados inimigos, leia-se insetos, que não davam pausas a homens cujo propósito era, naturalmente, salvaguardar o corpo de outros ferrões maiores que o IN, sempre à espreitava, impunha no terreno.

E assim vamos dissecando memórias de uma guerra onde conhecemos variadíssimas situações de calamidades, e de pânicos, sendo o paludismo uma “arma de arremesso” que visava um ataque cirúrgico a camaradas que caíam numa emboscada desses proféticos “bicharocos”.



Um abraço camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

19 DE FEVEREIRO DE 2019 > Guiné 61/74 - P19509: Memórias de Gabú (José Saúde) (77): Pequena biografia da Guiné-Bissau. Viagem pela história. (José Saúde)