quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3564: História de Vida (19): Meninos Soldados (Juvenal Amado)


1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (1), Ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 30 de Novembro de 2008, com um texto destinado à série História de Vida (2).

Mais um retrato dos tempos da guerra colonial, quando a ditadura mais se fazia sentir.

Assunto: Meninos Soldados

Caro Carlos

Depois da troca de correspondência havida entre nós dois e posteriormente com o Luis e conhecimento do Virgínio Briote sobre a anterior estória, cheguei à conclusão que relatar um pouco do que foram as lutas passadas dos senhores Loureiros, merecia uma segunda oportunidade.

Se entenderes que há interesse na estória, agradeço que me digas pois eu tenho alguma documentação eleitoral daquele tempo que poderá ser adicionada à estória.

O titulo é recuperado de um escrito do Torcato Mendonça, nome que é mencionado no decorrer da estória.

Um abraço
Juvenal Amado



Juvenal Afonso no dia de embarque para a Guiné, 18 de Dezembro de 1972

Juvenal com o amigo de Alcobaça, António, da Companhia de Transportes.

Aljustrel, Juvenal, Confraria e o periquito Lourenço, no Restaurante da Morte Lenta



2. MENINOS SOLDADOS
(Em memória dos senhores Loureiros, combatentes pela paz e liberdade)

O bairro Hipólito, em Alcobaça, serve de alojamento na sua grande maioria, a operários da Crisal e Raúl da Bernarda.

Tinha talvez uns 10 anos, morava mais os meus pais e irmãos provisoriamente na casa da minha tia, após termos ficado sem sitio para vivermos, por motivos que não interessam agora.

Filho de operário vidreiro, aí comecei a moldar o meu sentimento político.

Uma madrugada ouvi bater as portas de carro, mesmo debaixo da janela do quarto, onde dormia mais o meu irmão.

Em 1960 os carros eram raros e, que eu me lembre, no bairro não havia nenhum.
As visitas não eram para nós, mas sim para a casa ao lado.

Ouvi vozes graves, alguma turbulência, o choro de uma mulher, palavras nervosamente balbuciadas, várias pessoas entram no carro e este parte.

No dia a seguir apercebo-me, entre as meias palavras da minha tia e da minha mãe, que o senhor Loureiro tinha sido preso. Deixava a esposa e filhos num total desespero.

O senhor Loureiro era operário vidreiro na Crisal.

Era por demais reconhecido por toda a gente, que os vidreiros eram firmes opositores ao regime de Salazar. A Pide prendeu muitos militantes anti-salazaristas nessa altura e o senhor Loureiro foi um deles.

A partir daí passei a viver com o terror, de que viessem buscar o meu pai também, não que percebesse o porquê, mas na minha ingenuidade, pensei que prendessem todos os que fossem vidreiros.

Mais tarde também eu fui vidreiro e rapidamente fui apanhado pela contestação que grassava no nosso ambiente de trabalho.

Em 1969 fui aos primeiros comícios, onde os candidatos da oposição (*) discursavam, num ambiente carregado de ameaças por parte da polícia politica. Quando saíamos das sessões, trazíamos panfletos, que distribuíamos pelas povoações por onde passávamos.

Assim cheguei à idade do serviço militar e ai, sabendo o que devia fazer, faltou-me a coragem. Faltou-me a coragem para fugir, não ver mais os meus pais, irmãos, amigos e os locais nos quais eu tinha crescido. O medo do desconhecido e clandestino toldou-me os pensamentos.

Embora consciente da injustiça da guerra, fui mais um para engrossar a enorme legião de jovens, atirados para a mesma.

Fomos porventura os melhores soldados do Mundo, atendendo às condições em que éramos mal treinados, armados e enviados durante dois anos para combater soldados, que não cumpriam comissões de serviço, mas sim lutavam na sua terra e só acabavam o serviço militar quando morriam, ficavam feridos, ou no caso de vitória dos seus ideais.

Nós pelo o contrário sem razão e sem ideais, éramos carne para canhão. Na esmagadora maioria éramos milicianos.

Nós. os soldados, éramos em grande parte quase analfabetos, oriundos de zonas do nosso pais que competiam em atraso com as próprias colónias. Não tínhamos qualquer noção do nosso isolamento como País no crédito das Nações.

A Guiné foi em tempos apelidada pelos Ingleses, que estiveram na região de Bolama, (**) como cemitério de brancos. Devido ao seu clima foram-se embora. Só nós oriundos de um país atrasado aguentámos.


A chegada à Guiné

MENINOS SOLDADOS, retrato superiormente traçado pelo Torcato Mendonça, fomos recebidos ao largo de Bissau para nosso espanto e desconfiança pelos pilotos da barra porque eram negros.

Olhando para as águas barrentas pensava, que nada era como havía imaginado antes. O calor era insuportável às 11 horas da noite, quando amanhecesse não sei como seria.
Sufocava dentro do camuflado, novo em folha e por isso mesmo mais desconfortável. A sede que sentíamos, seria nossa companheira durante os 27 meses de comissão.

As horas foram passando até que amanhece, as Companhias desembarcam. Os pius pius e os periquito salta, salta, são as minhas memórias daqueles primeiros momentos. Os garotos faziam o gesto de quem nos degolava. Naquela atmosfera de festa para eles, era visível a nossa atrapalhação e receio, face ao nosso destino.

Eram camionetas civis, subimos para elas com as nossa malas e sacos. Chegamos ao Cumeré já noite, véspera de Natal.

As antiaéreas fizeram fogo de batimento de zona seriam talvez 22 horas pois o IN tinha atacado alguns destacamentos próximos.

Como não sabíamos para que lado estávamos virados, pensámos que estávamos a ser atacados. Foi o nosso primeiro cagaço se assim poderei chamar-lhe.

Conclusão

Também fizeram a guerra milhares de jovens que já naquele tempo estavam conscientemente contra o regime. Não deixaram de cumprir a sua obrigação de defender-se a si e aos seus camaradas. Nesses também houve coragem, abnegação, sofrimento suor e lágrimas. Choraram os nossos mortos e maldisseram o inimigo, mas não festejaram os seus mortos. Envelhecemos rapidamente.

Hoje estou divido entre a enorme honra de me encontrar no seio dos ex-combatentes, (consciente que não passei por metade do que muitos passaram), é muito o prazer que me trazem a maioria das recordações, mas também a certeza que combati numa guerra que nunca devia ter acontecido.

O senhor Loureiro passou pelas mais diversas torturas às mãos da Pide e esteve preso muito tempo. Quando foi solto vinha doente, desnutrido e pálido. Quando recuperou, retomou o seu lugar no seu local de trabalho. Reformou-se já depois do 25 de Abril de 1974, tinha começado a trabalhar com 5 anos no vidro, numa fábrica da Marinha Grande.

Vendia ainda há pouco tempo, junto ao Mosteiro de Alcobaça, miniaturas de vidro soprado para aumentar a pouca reforma. Não ganhou nada para ele e foi a pensar em nós todos que foi preso. Num combate desigual pela liberdade e igualdade, lutou com as únicas armas que tinha, a sua razão.

Não teve direito a medalhas, mas foi sempre com orgulho e humildade que ostentou a valentia dos que souberam dizer não.

Juvenal Amado

(*) Eram candidatos das forças Democráticas entre outros, os Drs. Vasco da Gama Fernandes e José Henriques Vareda. Também se candidatava pela primeira vez o jovem estudante Alberto Bernardes Costa, hoje Ministro da Justiça.
No comício o Dr. Vareda, a certa altura do seu discurso, apontou para as filas da frente e chamou assassinos aos esbirros que aí estavam. O Teatro José Lúcio da Silva, penso que já se chamava assim, quase vinha abaixo com a enorme ovação da sala, cheia até à porta.

(**) Bolama era o sítio para onde iam os nossos camaradas descansar nas férias. Eu nunca lá estive, mas diziam que era bom. Para os Ingleses não se lá aguentarem, como se aguentariam nas outras zonas?

Periquito vai no mato, olé lé lé lé
Que a velhice vai no Bissau, olari lo lé.


Juvenal Amado
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Notas de CV:

(1) Vd. último poste da série Estórias de Juvenal Amado de 2 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3162: Estórias do Juvenal Amado (15): Adeus, até ao meu regresso

(2) Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)

Guiné 63/74 - P3563: Bibliografia de uma guerra (40): Venturas e Aventuras em África, de Cristina Malhão-Pereira (Beja Santos)

As Mulheres na Guerra




Um olhar feminino sobre a cratera do vulcão
por Beja Santos

A literatura sobre a guerra de África é predominantemente masculina, invoca-se a experiência, dela se desfia a memória, as mulheres eram pára-quedistas, estavam excepcionalmente nos hospitais. No entanto, ficaram-nos alguns relatos de mulheres que acompanharam os seus maridos nas comissões. Duas escritoras, Lídia Jorge (“A costa dos murmúrios”) e Wanda Ramos (“Percursos”) deixaram-nos relatos de grande densidade sobre o que viveram em Moçambique e Angola, respectivamente.

A LDG Alfange no Cumbijã. Foto de que não recordo o Autor, a quem peço desculpas. Com a devida vénia.


Mas na Guiné esteve a mulher de um oficial da Armada (Comandante José Manuel Malhão-Pereira), ao serviço da LDG Alfange, que nos deixou impressões pessoais da sua vida em 1969 e 1970 ("Venturas e Aventuras em África, Bissau, Guiné 1969 – 1970", por Cristina Malhão-Pereira, Civilização Editora, 2007).

Cristina é uma jovem esposa e mãe, tem 23 anos, fala de todas a dificuldades que viveu com muita simpatia, considera que a sua geração estava inicialmente muito mobilizada para a defesa do Ultramar, todas as classes participavam sem um queixume. Chega a Bissau, a grande preocupação era arranjar uma casa, lá se conseguiu, bem como dois jovens ajudantes africanos, isto enquanto o marido se ausentava frequentemente para missões de combate.

A casa alugada estava um nojo, com a ajuda da tropa tudo se arranjou, improvisaram-se móveis, levava-se uma vida pacata, quando havia possibilidade a Cristina acompanhava o marido nas caçadas nos arredores de Bissau. Superaram os problemas de saúde, deram umas escapadelas até aos Bijagós e mais tarde a Teixeira Pinto e a Cacine.

É um relato significativo para descrever Bissau e o estado de espírito da população branca e autóctone: os medos, os tiroteios perto e ao longe, a pancadaria entre soldados, a atmosfera das lojas, os encontros sociais, as longas incertezas e esperas quando a Alfange andava nos rios.

É um relato ligeiro, nostálgico, onde há memórias divertidas e tormentosas. Depois, o casal seguiu para Moçambique, onde permaneceu de 1971 a 1975.
__________

Notas de vb:

1. O Mário Beja Santos continua a "juntar todas as peças, todos os testemunhos. (...) agora ando a escrever as memórias de uma mulher fascinante, estou a sair do Gabu, em 1958, já houve as eleições do Delgado e do Tomás, em 1961 vai haver tiroteio em São Domingos. Tenho ainda trabalho para largos meses. Mas estarei sempre convosco. Do Mário Beja Santos".

2. Vd. último poste da série Bibliografia de uma Guerra

28 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3536: Bibliografia de uma guerra (39): Nó Cego, de C. Vale Ferraz. (Cor Matos Gomes)

Guiné 63/74 - P3562: Banco do Afecto contra a Solidão (1): A última comissão do Coronel (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral: Hoje mando uma estória diferente.Nem triste nem alegre. Real sim. Convém lembrar que nem só do pão vive o Homem. Apetece-me fundar o Banco do Afecto contra a Solidão. Jorge Cabral 


2. Um Abraço para o Coronel na sua última Comissão por Jorge Cabral 


 O Coronel já passou os oitenta. Tremem-lhe muito as mãos e às vezes parece ausente. Visito-o, mas confunde-me. Refere Nampula e a mulher do Capitão... Que mulher! Nunca fui a Nampula... mas concordo. 

Aqui no Lar é bem tratado. Médico, enfermeira, dietista, hidromassagem, animação, cinema... Tem tudo, quase tudo... Pelo Natal, recebe muitas prendas, roupões, pijamas, pantufas, luvas... deixam na portaria ou mandam pelo correio. 

 Os filhos, os netos, os amigos, não o visitam. E convidá-lo nem pensar... Baba-se, entorna a sopa, não diz coisa com coisa... Fala-me de África e das suas quatro Comissões. À despedida, troca-me o nome. Desejo-lhe Felicidades. E sei, estou certo, que entendeu, o Grande Abraço que lhe dei. 

Jorge Cabral 
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 Notas de vb: 

 1. Este belo texto do Jorge, na sua singeleza, fez-me recordar a visita que fiz este ano ao outrora famoso atleta olímpico, Cor Cavaleiro. Um homem grande, robusto, que, em 1965, em Farim, quase nos 50, fazia o pino na piscina antes de se mandar para a água e, que no intervalo das marchas que forçava para Canjambari, marchava para Bissau, para a Associação Comercial esfolar uns patos ao bridge. 

Ele, que era um Mestre, repousa agora, num Lar em Oeiras... Na altura em que o visitei escrevi para mim: 

Num dia de Março de 2008 localizei-o num lar das Forças Armadas, em Oeiras. Vivo, o Coronel Cavaleiro? Ó meu amigo, o Senhor Coronel está aqui para as curvas, respondeu-lhe do outro lado do fio, o bem disposto telefonista. Quer falar com ele? Aguente aí um pouco. Sou um ex-alferes do BCav 490, estive em Cuntima. Uma voz de senhora do outro lado, o meu marido deve estar no 1º piso, sentado a ler um livro numa mesa com as cartas, à espera que apareçam parceiros para o bridge. É sempre assim, no fim do almoço. 

 E no dia seguinte em Oeiras, no IASFA (Instituto Acção Social das Forças Armadas), ainda não eram 14 horas, lá estávamos nós, o Miranda e o Raimundo do Como (os dois da Op Tridente) e eu às voltas, a subirmos e descermos escadas, o senhor Coronel esteve agora aqui, procurem-no no 1º piso. Uma sala, numa mesa ao fundo, de costas para a janela (talvez para melhor ver as cartas e as caras dos parceiros), um senhor baixo, aspecto franzino, é ele. Nada que se parecesse com o Ten Coronel que eu conhecera em 1965.  Mas era mesmo ele, o Coronel F. Cavaleiro, mais baixo uns bons centímetros e mais leve do que naqueles tempos. Sorriso gentil nuns olhos marcados de manchas, ar débil, o Coronel de pé à frente de jovens de 60 e poucos. 

 Sou o Miranda, meu Coronel, o Como, Farim, Comandos. Eu sou o Raimundo, o tipo do foto-cine do Como, as imagens que o Joaquim Furtado passou na Televisão fui eu que as fiz. Briote, meu Coronel, trabalhei poucos meses consigo, estive em Cuntima, na CCav 489 do Cap Pato Anselmo. 

 Pois, vocês têm que falar mais alto, o dedo apontado para o ouvido direito. A Guiné, bom, a Guiné foi uma doença que se entranhou em nós, Cor Cavaleiro. 

Quarenta e tal anos depois voltámo-nos a descobrir uns aos outros, almoçamos uma vez por mês, falamos da vida que levámos naquelas terras. O Coronel, que naqueles anos media para aí um metro e oitenta e pesava seguramente mais de oitenta quilos, à frente de nós era o mais pequeno e mais magro. Estou com 60 e poucos quilos, eu que pesava 80 e tal, também estou com 91 anos, é altura de ter um pouco de cuidado. Leio, jogo bridge, ando um pouco a pé, olhem, ando aqui a ver os dias escorrer. Netos? Oito filhos, netos, bisnetos, não me perguntem quantos. Sim, vi na TV a Guerra do Furtado, só não entendi porque é que não transcreveu integralmente a carta, aliás muito pequena, que nós apanhámos a um mensageiro, aquela em que o Nino dizia que já não tinha nem gente nem população para aguentar a guerra no Como... 

Guiné 63/74 - P3561: No 25 de Abril eu estava em... (7) Bissau, ouvindo vivas a Spínola, pai do nosso povo (J. Casimiro Carvalho)

Guiné > Região de Tombali > Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Março de 1973 > Envelope de carta enviada do SMP 2728, pelo ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, que passou por vários aquartelamentos do sul e do nordeste da Guiné: de três deles, guarda memórias ainda muito vivas e que confiou ao papel: Guileje, Gadamael e Paúnca (*).

Guiné > Zona leste > Paúnca > Junho de 1974 > Primeiras manifestações de regozijo entre militares das NT e guerrilheiros do PAIGC, ainda antes do cessar-fogo oficial, celebrado entre as duas partes.

Guiné > Zona leste > Paúnca > Junho de 1974 > O J. Casimiro Carvalho abraça um guerrilheiro do PAIGC.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


Depois das cartas do corredor da morte (de que saíram seis postes), publica-se mais umas tantas que o nosso ranger escreveu e enviou doutros sítios por onde passou, ainda no 2º semestre de 1973 e depois no 1º semestre de 1974... Ele estava de passagem em Bissau, quando aconteceu o 25 de Abril (**). Mas foi em Paúnca que conheceu (e confraternizou com) os seus antigos inimigos...



Carta, Cumbijã, 16/3/74

Querida mãe:

(…) Mandem-me sem falta marcadores, marca EDDING 2000, 2 pretos e uma de cada cor até perfazer 10. OK? Obrigado.

(…) Já estou bom da perna, agora ando a fazer um serviço para o capitão, pois sou o único graduado que está apto para fazê-lo (fazer mapas para mandar para o Quartel General, por causa do meu jeito para o desenho). Já fui bastante elogiado pela Directora do M. N. Feminino, pois fiz desenhos em cartazes de boas vindas e levou-os para publicar numa revista. (…)


Carta, Cumbijã, 20/3/74

(…) Hoje já bebi umas 13 ou 14 cervejas, fiz uma coluna e amanhã outra, já ando estourado.

Daqui a uns 15 ou 20 dias devo ir para outro destacamento chamado Nhala, é sempre a aviar, pareço um nómada. Um beijo.

[Segue-s eum croquis, em que o nosso camarada assinala as seguintes posições: Aldeia Formosa batalhão – sede)/ Buba / Nhala / Mampatá / Colibuía / Cumbijã]

Carta, Nhala, 10/4/74

Paizinho:

Como deve ter notado, mais uma vez mudei de destacamento. Agora estou em Nhala, temporariamente. E até que não é mau, música estereofónica, de um aparelho de alta fidelidade, bons quartos, casas de banho com retretes (bacias), comida boa, bajudas, etc.. E isto em pleno mato.

Mas, é claro que tudo se paga e eu vim para aqui para fazer contra-penetrações, emboscadas e protecção à estrada… Bem, um padeiro faz pão, um tipógrafo imprime e um soldado anda com a namorada na mão e anda no mato!!


Carta, Bissau, 30/4/74

Querida mãezinha:

(…) Isto aqui anda a ‘ferver’. Os africanos andam aos montes na cidade e partem montras e há porrada. Acabou a DGS e eles andam loucos de alegria, só querem é apanhar ex-membros da extinta DGS., que estão a ser evacuados da Província.

Andam com cartazes deste génerio:

Abaixo a repressão
Abaixo a DGS
Viva Spínola, pai do nosso povo
Liberdade ao nosso povo, etc


Andam às centenas. Tropas às centenas (armadas até aos dentes) patrulham a cidade dia e noite, até dormem nas ruas com ração de combate. Parece Belfast. À noite não me atrevo a ir à cidade. É por isso que estou a escrever-lhe senão levava mais uns dias.(…)




Carta, Nova Lamego, 8/5/74

Queridos pais:

Cá estou a caminho do meu novo destino que, segundo dizem, é um local sem ataques nenhuns. Até dizem: 'Vais passar umas férias'.

Para já vim de avião até N. Lamego, que é uma cidade mais ou menos relativamente perto de Bafatá, que é a segunda melhor cidade da Guiné. E aqui tem a melhor pista de aviação (a segunda melhor) da Guiné.

O meu destino é Paúnca, situado a 50 km daqui, e para onde seguirei de coluna auto.

[Desenho do NordAtlas, avião em que viajei]

Como disse, vou para um Grupo de Combate duma companhia de pretos, durante uns 5 meses, até acabar a comissão. Ando muito optimista pois sou um dos VELHINHOS cá da Guiné e aqui sou o mais VELHO (18 meses e tal)...

'Isto é que é viajar e conhecer mundo', há-de pensar o pai, mas aqui é um calor, pior que em Bissau, e andamos sempre sujeitos. Bom, até à próxima um beijo. (...)

[No verso da carta, tipo PS ]

Chequei aqui e fui para o Bar. Logo a seguir explode um recipiente com petróleo e um soldado vem a correr a arder, parecia um archote, quase que me queimava. Acontece cada uma


Carta (dactilografada), Paunca, 14/5/1974

Maninha:

(…) Hoje passou-se uma episódio engraçado comigo (‘engraçado’, agora, claro). Vou contar-te:

Fomos fazer uma escolta a uns trabalhadores e quando chegámos ao destino fui um bocado à caça para passar o tempo. Andei por lá umas duas horas e, de repente, ouço umas rajadas de espingarda automática. A minha reacção foi logo dar uma cambalhota em frente e esconder-me atrás de uma árvore. Depois dei uma rajada para chamar a atenção dos meus homens, mas como não obtivesse resposta, comecei a chamar o soldado africano que tinha vindo comigo. Ele respondeu e eu perguntei-lhe quem é que tinha dado a rajada.
- Talvez foi alfere – disse ele e eu segui para onde estava o alferes e o resto da malta. E, realmente, fora o alferes, por brincadeira, que tinha dado a rajada. Foi uma risota, mas na altura não achei graça nenhuma.

A comida aqui não é nada má, o que só em si representa muito, não achas, queridota ? Só falta aqui electricidade durante o dia e ventoínhas (…)


Aerograma, Paunca, 20/5/74

[Remetente: José Carvalho, Fur Mil, CCAÇ 11, 'Os Lacraus']
[Croquis com as seguintes posições: Nova Lamego / Pirada / Paúnca]

Mamãe:

(...) Acabou a Polícia de Choque também ?

Ontem estive de Sargento de Piquete e fui guardar um recinto onde havia batuque. Olha, é bonito, os fulas a lutar género luta greco-romana, eles muito fortes e ao som da batucada, até vibrei.

Não tenho feito nada, é só dormir, não saí nenhuma vez para o mato pois aqui agora é raro e isso só por si vale muito. É menor o perigo que corremos (...)




Aerograma, Paúnca, 20/5/74

Paizinho:

(...) Vou pô-lo ao corrente, mais ou menos, do que se passa por aqui:

Há 8 dias fomos informados que daí em diante não podíamos fazer fogo de armas pesadas, a não ser em caso de ataque ao quartel. No mato, mesmo que encontremos um Grupo IN, só abrimos fogo se eles abrirem, e neste caso [devemos] tentar acabar com o tiroteiro, logo que possível.

A aviação não bombardeia. Quando foi formado o Governo Provsório, o presidente do Senegal, Senghor, enviou o seu avião pessoal a Lisboa para ir buscar o representante da Junta [de Salvação Nacional], e tentar um acordo prévio de cessar-fogo, do qual ficou assente [o seguinte]:

O PAIGC anulou todas as opreações de grande vulto (como a de Guileje) que estavam planeadas para o fim da época seca, ou seja, 'agora'... Portugal, por sua vez, compromoteu-se a não abrir fogo sobre guerrilheiros do PAIGC, prioritariamente... Portanto temos praticamente um cessar-fogo não oficial, que será oficializado em Londres no dia 25, entre Aristides Pereira e Portugal.

Isto está a correr pelo melhor, não acha ? Nós andamos todos contentes, se bem que isto a mim não me vai beneficiar, quanto ao fim da comissão que se avizinha.

Salário mínimo: 6000$00! Essa era boa!

Da BBC,Londres: ouvimos que um dos presos da DGS viu um agente a obrigar um preso a comer vidros partidos, entre outras torturas, antes de lhe tirar os olhos... E arrancavam unhas, etc., etc.

Nunca deixe de apostar no 75. É com o 23857. (...)


Guiné > Zona Leste > Paúnca > CCAÇ 11, os Lacraus > Junho de 1974 > O ex-Fur Mil Op Esp Casimiro Carvalho no meio de dois dos seus soldados fulas. O cessar-fogo, a confraternização dos tugas com os seus antigos inimigos e a incerteza quanto ao destino dos militares guineenses ao serviço das NT estarão na origem da sublevação dos Lacraus em data que não sabemos precisar, possivelmente em Junho ou Julho de 1974. Não há registo epistelográfico deste grave incidente, em que os soldados africanos da CCAÇ 11 se amotinaram contra os seus oficiais e sargentos...

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.


Documento dactilografado, Paunca, 7 de Junho de 1974

Informação,

Ontem, tropas brancas entraram num destacamento armado, de inimigos, começando por travar um diálogo amistoso que só contribuía para a tão desejada paz. Daí se concluiu que o PAIGC, como nós, só deseja a paz, e ficou combinado que, hoje, tropas africanas integradas nas nossas fileiras iriam também travar diálogos com elementos inimigos para melhor se entenderem e saberem as aspirações de cada um.

Hoje, portanto, 30 elementos da nossa tropa dirigiram-se a esse destacamento dentro do nosso território, mas perto da fronteira, onde encontraram uma colossal emboscada armada pelo PAIGC. Os nossos deixaram as armas nas viaturas como prova de confiança, e dirigiram-se ao inimigo ao qual apertaram as mãos e iniciaram acaloradas trocas de impressões e troca de algumas peças de fardamentos e foram obsequiados pelo pseudo inimigo com algumas latas de ração de combate com o emblema do PAIGC e galhardetes e emblemas do Partido.

Em toda a história mundial parece que é a primeira vez que se dá um golpe de Estado neste género (na Metrópole) e antes mesmo de um cessar fogo oficial, dois inimigos armados juntos no campo de batalha a confraternizar, como aconteceu nestes últimos dias.

Pessoalmente digo que ando até emocionado com estes momentos tão importantes na vida da minha Nação e para um futuro melhor da Juventude Portuguesa que tombou e tombaria no campo da honra em defesa de um ideal fascista, que felizmente, devido a um punhado de valentes idealistas, foi derrubado e desestruturado completamente, com a integral ajuda e apoio do grande povo português. “O POVO É QUEM MAIS ORDENA…”.

Amanhã está prevista a visita aqui, a Paunca, de elementos do PAIGC (armados), o que significará mais uma etapa a favor da paz e do conhecimento dos ideais de ambas as partes. Sinto-me em grande euforia por ver chegar o momento tão desejado por todos os jovens portugueses que aqui lutaram, que aqui perderam a vida e que aqui viram morrer companheiros de luta e das horas de ócio… “Quantas lágrimas derramadas aqui e além mar”, mas o fim aproxima-se

Amanhã, segundo está previsto, virão os nossos inimigos e eu irei vê-los e… talvez, quem sabe ?, abraçá-los, por que eles melhor do que eu lutaram por um ideal, por um chão que era deles, e sobretudo eram soldados como eu, uns obrigados outros por idealismo

[Assinado]
UM MILITAR COM ESPERANÇA

Carta, SPM 5668, Paunca, s/d (carimbo ilegível) [8/6/1974]

Olá, mãezinha:

(….) Hoje veio aqui um grupo do PAIGC em 2 viaturas russas, armados até aos dentes e mais uma vez houve troca de saudações e cumprimentos, já nem se fala em Guerra! Que coisa!...

Passo os meus dias na cama, donde me levanto às 11 horas ou meio dia, e quando me levanto antes é para ir até ao café comer um bife com mostarda, pão e uma cerveja (19$00) que sabe pela vida HUM! HUM!...

(…) Já não faltam 25, nem 24, nem 23, nem 22, nem 21, nem 20, já só faltam 19, DEZANOVE!!! É muita ridagem (?) para um homem só. Mas um Ranger aguenta firme, com coragem e decisão, pois não é no fim que se desanima, não é ? 15,28 valores não se conseguem a dormir.

Os doces souberam-me pela vida e os chocolatinhos também. Jarama Nani, muito obrigado em língua fula.

Quando eu for embora só quero uma feijoada de chispe até cair para o lado e na outra refeição um frango assado só para mim. Ah! Leão, que vais matar saudades da vida caeira.

Vou ensinar-lhe algumas frases em fula:

No Pinda - Bom dia
No Nhaluda - Boa tarde
No Kirda - Boa noite
Fanko - Calou, cala-te
Tenko - Quieto
Mussa - Dói
À Nani ? - Entendido ?
Parte - Dá
Jaur - De nada
Anko à Babá - És um burro
Jango - Amanhã
Fabjango - Depois de amanhã
Anki - Ontem


IV [Parte]

Ouvi dizer por alto que a minha companhia avai embora em fins de Setembro, mas não sei ao certo e também ouvi dizer que vamos sair daqui de Paúnca dentro do mês de Agosto, para outro local que até pode ser Bissau, mas a minha situação é só de aguardar notícias.

Agora estamos num país estrangeiro - República da Guiné-Bissau - reconhecido por 80 países e agora pelo nosso também. Andamos todos contenets com esta situação e que queremos agora é ir embora. Os africanos já entregaram o material de guerra todo, que está a ser encaixotado para seguir para Bissau e a seguir vamos nós! Que melhor fim de comissão podia esperar ? (...)


Carta, Paúcna, 10/6/74

Querida mãezinha, começo já por falar naquilo que me enche a cabeça e o coração.

Outro dia forças nossas foram a um acampamento inimigo, dentro do nosso território, mas pertíssimo da fronteira. De ambos os lados não se abriu fogo e cumprimentaram-se e trcaram-se impressões. Entretanto, ficou assente que no dia seguinte iriam lá também elementos africanos ao nosso serviço para se encontrarem, inimigo com inimigo, trocando tiros por cumprimentos e palavras de amziade... Chegaram a trocar, até, peças de fardamento e foram obsequiados com emblemas do PAIGC.

Regressaram com o propósito de receberem alguns elementos inimigos, dentro do nosso quartel e no dia seguinte cá compareceu o comissário d PAIGC com mais 8 soldados armados, os quais, depois de algums palavras com população e militares, almoçaram connosco em grande confraternização.

Depois de tantos anos de luta até parece impossível, mas é verdade, já não há inimigos, mas sim amigos para a conquista da paz, a tão desejada paz.

Eu que os odiava, abracei-os, antevendo que, se todos farem gratos como eu, o meu irmão e milhares como ele virão a beneficiar. Esperamos entretanto que as conversações acabem para sabermos o resultado. Mesmo sem o cessar-fogo já não se ouvem tiros, penso que em nenhuma guerra se viu isto, inimigos de há dois dias a almoçar na mesma mesa e a rir.

Oh! Mãe, como eu desejava este momento!!!

Acerca de eu ter tido ou não problemas aqui, pode estar descansada que corre tudo às mil maravilhas (...).

Tenho um cinturão de guerrilhero do POIGC, um cantil e um saco de campanha, são recordações do princípio do fim da guerra. E tirei umas dezenas de fotografias deste tão histórico momento. Até há um pormenor importante, esses guerrilheiros e o comandante deles falaram do desejo de paz à população, debaixo da bandeira portuguesa. Depois eu mando as fotos (...).

Carta, Paúnca, 30/6/74

[Destinatária: Ana]

Olááááá!...Já não recebia correio seu há já muito tempo, lembra-se quando eu dizia 'Gosto mais da Ana que dos meus pais' ? Bem, isso já passou, mas só agora dou o valor (...).

Já vai para os 7 meses que saí daí e quse que não dei fé do tempo passar, pois basta não haver guerra que as preocupações acabam (...).

Tenho um macaquinho sagui e o sacana é espero que se farta! Eu às vezes compro rebuçados (drops) e ponho em cima da mesinha de cabeceira (...).

Agora é só tomar banho à chuva, é uma alegria, nem que sejam 4 da manhã, se chove levantamo-nos e.. chuva! (...)

ACerca do ataque que mencionou, realmente parece que houve qualquer coisa, mas sem consequências, mas não se sabe se foi o PAIGC (que se tem mostrado muito amistoso para connosco) pois parece que há agora aí outro partido qualquer, ou era um grupo de rebeldes do PAIGC que ignoraram a ordem de cessar fogo, pois nós até passamos agora por Eles armados e ningém abre fogo e já não fazemos patrulhas. Já cá estou há quase 2 meses e nem uma fiz.

Tenho encontrado cá muita malta do Porto e arredores, até o que eu vim substituir é do Porto. Ele deve aparecer por aí, é um camaradão, tratou-me muito bem, quando cá chegou e interessou-se em me ambientar com o sistema daqui.

Acerca do Ranger, pois claro, nunca se perde a calma, a esperança, não se desanima, não se perde o APETITE e ombros largos, força e peito feito, não faltam, sou ou não sou Ranger (15,28 valores ???. E já não faltam 50, só faltam 49 dias.

Carta, Nova Lamego, 11/8/74


Olá, como devem reparar já não estou em Paúnca, agora encontro-me aqui em N. Lamego, que já é um centro mais comercial e onde me sinto mais seguro, pois estou no meio de brancos...

Vou explicar como é que me encontro aqui: fui nomeado pelo comandante de companhia para acompanhar todo o material de guerra existente em Paúnca até N. Lamego (Batalhão) onde ficarei até a companhia ir para baixo. Deduzo que esse mesmo material deve ficar entregue ao Batalhão que tratará da sua evacuação para Bissau, depois (ou melhor, entretanto) seguiremos em avião militar para Bissau onde me juntarei à minha companhia, para seguir para Portugal em fins de Setembro (já está assegurado o embarque para Setembro, só se houver alteração ou atraso do barco - Niassa), onde, FINALMENTE, estarei com vocês para sempre e até poderei gozar férias com o papá.

Ontem cheguei aqui, encontrei cá amigos, entre eles um vizinho daí e depois de jantar fui ao cinema (AO CINENA!!) ver o Ciccio Ingrassia e o Franco Franchi - 002 e o Cérebro Electrónico... Foi um fartote de rir, ri-me até partir a moca! Há tempo que já não via cinema...

Hoje de manhã fui conferir o material todo, fiz guias de entrega e depois fui dar umas voltas, regressei ao quartel, fui descansar até à hora do almoço (ovo, salsichas, batata frita e arroz), depois fui descansar com ventoínha, ouvir boa música (pareço um paxá)... Há pouco levantei-me e vim escrever (cumpro a minha obrigação), pois sei que tenho correio lá em Paúnca, mas ainda não o recebi.

Estou num café a beber um whisky, juntamente com um cabo que está sob o meu comando, que até é um gajo porreiro. Estou com muita responsabilidade (centenas largas de contos). Só uma Berliet custa 400 000$00 e tenho uma à minha responsabilidade (Quem eu vir a mexer-lhe, participo logo sem rodeios). (...)

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. o relato da história (conturbada) do nosso militar, o ranger J. Casimiro Carvalho:

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

[Depois da saída de Guileje e de Gandembel] (...) "Fomos para o Cumeré tirar outro IAO . Eu fui para Prabis com mais 12 homens, outros foram para Quinhamel ou Bijemita (??). Depois fomos para Colibuia-Cumbijã, e aí fui destacado para rendição individual, sendo transferido para Bissau a fim de tirar estágio de Companhias Africanas, e durante esse estágio deu-se o 25 de Abril.

"Fui então para Paunca, CCAÇ 11 – Os Lacraus, onde me mantive até ao fim da minha comissão. Não sem antes levar um susto de morte, pois os militares africanos da CCAÇ 11 sublevaram-se. Quando eu estava a dormir, ouvi tiros, vim em calções com a Walther à cintura até ao paiol. Quando lá cheguei, eles estavam a armar-se e a disparar para o ar e eu, quando os interrogava pelo motivo de tal, senti o cano de uma arma nas costas, ordenando-me que seguisse em frente (até gelei)… Juntaram todos os quadros brancos e puseram-nos no mato… assim mesmo.

(...) "Caminhámos muito, de noite, desarmados, e fomos até um acampamento de guerrilheiros do PAIGC, contámos a situação e eles mandaram um punhado deles a Paunca. Gritaram então lá para dentro:- Têm 5 minutos para se entregaram e restituir o quartel aos brancos ou destruímos tudo! - Eles, os fulas, entregaram-se.

"No fim, já de abalada, fomos ao paiol, juntámos todas as granadas e explosivos, e eu fui encarregado de os fazer explodir , ao redor de uma enorme árvore. Que cogumelo de fogo, impagável !" (...)

Vd. também:

29 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3376: Álbum das Glórias (48): Paunca, CCAÇ 11: Maio de 1974: a rendição da guarda (J. Casimiro Carvalho)

25 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3354: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão

(**) Vd. postes anteriores da série de

22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3498: No 25 de Abril eu estava em... (4) Agrupamento de Transmissões, Bissau (Belarmino Sardinha)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2963: No 25 de Abril eu estava em... (2): Gadamael e a vontade de lutar do PAIGC também era pouca (Anónimo, Alf Mil Op Esp)

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3560: História da CCAÇ 2679 (8): Três apontamentos (José Manuel Dinis)


1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 30 de Novembro de 2008:

Carlos, ou Virginio, camaradas,
Aqui vai mais um molhinho de estórias, coisa pouca, mas de boa vontade. Faltam-me retratos e outras narrativas, para tornar mais abrangente esta história. Parece-me que a inércia vai tolhendo a minha malta.
Ainda assim, antes a inércia, que o reumático.

Para o pessoal da Tabanca Grande, aquele abraço.


O Banana

Para além de mim, vêem-se, de joelhos, o Nuno, Trms; o Gonçalves e o Abreu. Esta fotografia reporta-se a outra acção, estranha à relatada.

Algures na região do Corubal, caminhávamos em patrulha, à procura do IN, ou dos seus sinais, na realidade, sem vontade para qualquer encontro, mas deambulávamos na mata, porque era a nossa sina.
Sob o calor intenso, contornávamos árvores, pisávamos terrenos onde, com facilidade, era possível colocar e dissimular minas. De facto, sob a mata densa, o solo apresentava-se atapetado de folhas, e as irregularidades eram constituídas por novos arbustos e pela proliferação de ramos rasteiros, ou raízes afloradas, que que poderiam provocar tropeções e dificultavam a progressão.

Do ponto de vista do IN, algumas destas margens que patrulhávamos frequentemente, demarcadas, dariam bons campos de minas contra a nossa presença. Aliás, de sentido contrário, algum tempo antes, um furriel do BART fora vítima de si próprio e da inexperiência e ficara sem um pé, não longe dali, porque instalara um campo de minas no início da comissão, tendo feito o registo na embalagem de um maço de tabaco. Antes do regresso mandaram-no levantar os engenhos, com as dificuldades naturais de os identificar com segurança, face às alterações da natureza em quase dois anos e à dissimulação a que ele procedera na instalação.

O que deveria ter ficado assinalado em carta, muito bem referenciado, era uma área a evitar pelas NT. Assim desprotegido, movido pelo respeito a uma ordem, o desgraçado foi vítima de mais um acidente, mas poderia ter sido pior, pois o grupo que o acompanhava andou num campo de minas.

Mas não, nunca nos aconteceria cair nessas armadilhas traiçoeiras, o que não evitava, de quando em vez, de pensar no assunto.
O passeio pedestre, todavia, não iria acabar sem qualquer percalço. Um militar foi acometido, tudo o indicava, de um paludismo galopante. Totalmente desfalecido, não aguentava prosseguir pelo seu pé. Improvisou-se, então, uma maca: cortaram-se dois ramos, que atados a um pano de tenda, permitiram carregá-lo. Porém, as dificuldades do terreno, quando era necessário agachar-mo-nos para passar na densidade das ramagens, o calor a desgastar quem o carregava e a dificuldade de agir bem caso de encontro com o IN, aconselhavam a pedir a evacuação, enquanto o enfermeiro, via rádio, trocava impressões com o médico.

Que não, não seria possível a evacuação por indisponibilidade de héli, mas após diligências óbvias, referiram que devíamos procurar um local com visibilidade, uma clareira, estender a tela reflectora e transmitir a posição, que uma Dornier sobrevoaria o local e deixaria cair uma injecção.

Assim foi, numa clareira estendeu-se a tela , ficaram o doente, o enfermeiro, o Trms, o alferes do BART e eu, enquanto o pessoal dos dois pelotões montava segurança a coberto da mata. Algum tempo depois, roncando no ar, aproximou-se a aeronave. A bordo, vinham, o Drácula, o Major de Operações, o médico e o Leite, que comandava a Companhia. Sobrevoou-nos e baixou na nossa direcção, tendo lançado um saco de juta com o medicamento.

Depois voou sobre as árvores, elevou-se em volta larga, para voltar a picar sobre nós, a saciar a curiosidade a bordo. Quando desenhava a terceira manobra de aproximação ao solo, já tínhamos criticado a insistência anterior como susceptível de suscitar a curiosidade do IN, no caso de se encontrar ali perto, pelo que podíamos vir a ser surpreendidos, situação agravada pela dificuldade do grupo na deslocação. Inspirado por essas conjecturas, pedi o banana que servia de contacto com o piloto e transmiti, em obediência ao impulso, que mandaria abater o avião, se não se retirassem imediatamente do local.

Bem dito e bem feito. Rumaram a Piche.

Só depois fiquei a pensar nas possíveis consequências draculianas. Se me chamasse, teria oportunidade para me defender e justificar, expondo aquele raciocínio, que se me apresentava coerente. Mas se me desse a porrada sem querer saber de razões? Só me restava aguardar.

A boa notícia era quenão dormíamos no mato.
Regressámos ao aquartelamento sem sem outras surpresas. Fui para o banho, dirigi-me à messe para o jantar, onde não estava o Drácula, e ninguém me chamou ou fez qualquer observação a propósito do dia e da D.O.
No dia seguinte também não. Suponho que o piloto terá arranjado qualquer razão para regressar, sem me comprometer nem denunciar.

A Lepra

Em duas viaturas, saímos pela estrada de Nova Lamego, de onde nos dirigimos na direcção nordeste, penetrando numa mata onde nunca estivéramos, nem era conhecida por alguma actividade IN. Uma região de ninguém, onde nos deslocávamos com ajuda de um guia, através de uma picada quase imperceptivel, pela falta de uso, com os rastos das viaturas só avistáveis de quando em quando, cobertos de ervas e folhas caídas, ou dissimulados desde as últimas chuvas. O nosso destino era uma aldeia de leprosos.

Connosco seguiam dois enfermeiros com medicação para distribuir, ou para eventuais tratamentos. A nossa missão era conduzi-los ao local com protecção. Impressionava-me a ideia e formulava cenários tenebrosos e dantescos. Fazia um filme de perseguições, com os habitantes revoltados pelo isolamento e nós, em coridas desencontradas e tolhidos por medos, em tentativas de fugir ao contágio aterrador. Preveni o pessoal sobre a missão e o que poderíamos encontrar, mas que não haveria cuidados especiais, salvo, relativamente a pessoas com chagas. De qualquer maneira, a discrição e o afastamento poderiam ser bons conselheiros.

Entre os autóctones ter-se-ia estabelecido como norma, que os individuos afectados pela lepra, na falta de assistência adequada, deveriam instalar-se naquela aldeia para evitarem a transmissão da doença a terceiros. Parecia-me ser assim. Digamos, que se tratava de um ostracismo comummente aceite, um lugar de exílio em resultado da enfermidade.

Imaginei que aquelas pessoas pudessem manifestar alguma revolta, ansiedade ou curiosidade. A revolta pela condição e isolamento. Ansiedade, como sentimento natural que resulta da esperança na salvação, na aquisição da normalidade. E curiosidade, como resultado da nossa presença, já que os contactos com o exterior seriam naturalmente escassos.

Afinal, fiquei muito surpreendido. A aldeia tinha aspecto físico, normal de qualquer tabanca. Viviam em famílias, que não sei se teriam sido ali constituídas ou para ali deslocadas por força da afectação de alguém. O comportamento foi muito sereno, parecia até que, conhecedores da doença e da possível propagação, evitavam contactos com estranhos, embora não tenha sabido se o faziam com esse nível de consciência, mas evidenciavam desinteresse pela nossa presença. Inclusive, as poucas crianças.

Vi indivíduos com os dedos parcialmente desaparecidos nas mãos como nos pés, mas cicatrizados. Não vi chagas. Sentados, ora isolados, ora em pequenos grupos, nas sombras, olhavam-nos silenciosos. Denotavam um sentido de espera e indiferença.
Era, sobretudo, uma pequena comunidade, pricipalmente de velhos, de onde a alegria tradicional da miudagem andava arredia.

O Tereza

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgílio Sousa

O Manuel Fernando Ramos Tereza foi um bom soldado, cumpridor, com boas qualidades físicas e morais, de trabalho e humildade. Não foi um mobilizador - do Foxtrot, obviamente um elemento que espalhasse alegria e boa disposição, alguém com iniciativa, mas sempre correspondeu às solicitaçóes, contribuindo para o sucesso colectivo, discretamente e sem comprometer. No mato manteve sempre a atitude adequada, sem estrilhos, sem medos que tolhem, antes, com aquela atitude de confiança que também galvaniza.
Foi assim que cumpriu a comissão na Guiné, eficiente e solidário. Sem necessidade de se impor pela exuberância, impôs-se pela solidariedade e eficácia...
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3477: História da CCAÇ 2679 (7): Quotidianos (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P3559: Estórias do Zé Teixeira (31): Aquele Minuto (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Mais uma estória do nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, enviada em mensagem datada de 1 de Dezembro de 2008.


Aquele Minuto!

... Saí de manhã até à Bolanha de Beafada (bolanha dos passarinhos), a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os picadores que iam à frente a tentar detectar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Deixei a bolsa de enfermeiro na 1.ª viatura e seguia atrás dela.

Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projectado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim. Deduzindo que eram estilhaços – pensei - desta não escapo [...]


(Do meu diário 31 de Julho de 1969)


Aldeia Formosa 1968 > Cemitério de viaturas destruídas – na primeira da foto foram-se duas vidas. 

Buba 1969 > Uma coluna de Aldeia Formosa para Buba, trilhando já parte da nova estrada em construção, às portas de Buba.

Buba - O depósito de água e uma das casernas adaptada para outras funções.

Buba 2005 > A minha caserna transformada em escola. Ali mesmo junto à porta tinha a minha tarimba.

Buba 2005 > Outra caserna/escola em Buba 

Buba 2005 > A capela católica num Domingo de manhã no momento da celebração da Missa. 

Buba 2005 > A estrada ao lado da pista de aviação, agora transformada em zona de habitação.
 
Buba 2005 > As primeiras casas de Buba, para lá do cimo da pista.

Fotos e legendas: © José Teixeira (2008). Direitos reservados.

Ainda o sol se escondia para lá da floresta, naquela manhã de 31 de Julho de 1969, já a coluna de mantimentos partia de Buba para Aldeia Formosa. Coube-me a missão de acompanhar o Grupo de Combate que na frente, fazia a picagem do caminho em busca das minas traiçoeiras, muito habituais naquela zona. Chovera bastante nos dias anteriores, pelo que o terreno estava enlameado e cheio de poças de água, para mal dos picadores que viam a sua missão mais complicada e riscos acrescidos a quem ousasse pisar tal terreno.

Era meu hábito sempre que via um soldado branco em cima das primeiras viaturas da coluna, obrigá-lo a descer pelo risco que pesava sobre estas de poderem pisar uma mina não detectada pelos picas. Nesse mesmo dia obriguei o Franklim, o Rádiotelegrafista de serviço, a saltar da primeira, bem contra a vontade dele. Aos africanos, normalmente civis, apenas deixava um aviso, que nunca fora, até então, correspondido.

Enquanto os picas iam à frente, eu seguia atrás da primeira viatura, religiosamente em cima do rodado, não fosse o diabo tecê-las.

Dá-se uma avaria numa das viaturas da retaguarda e a coluna pára por uns minutos. Os picas seguiram em frente, criando um espaço limpo de minas. Logo que houve ordem de marcha, a coluna acelera a marcha obrigando a tropa a apressar o passo.

Para que havia eu de correr se logo ali na primeira viatura – a rebenta minas – carregada de sacos de areia e bebidas, havia lugar para mim !

Se o pensei, de imediato o fiz, sentando-me ao lado do condutor em assentos construídos de sacos de areia. Em cima da viatura seguiam quatro civis africanos, bem lá no alto.

Umas centenas de metros à frente, já bem dentro da tristemente célebre bolanha dos passarinhos, dei comigo a interrogar-me: - Tu que não deixas os teus camaradas viajarem nas viaturas da frente, vais instalado logo na rebenta minas ao lado do condutor . Este pensamento empurrou-me para o chão e lá continuei eu a correr à frente da viatura. Não andei cinquenta metros, quando ouço um grande estrondo, mesmo ali, e sinto-me voar em direcção à mata. Uma chuva de projécteis não identificados caem em cima das minhas costas, com alguma violência. Angustiado pensei : - Desta não escapo, ficando a aguardar sinais de dor que teimavam em não chegar. Passei então a mão à procura de sangue quente, mas apenas encontrei pequenas pedras e lama.

Já respirava de alívio, nesta fracção de minuto, quando vejo cair à minha frente, um, dois, três africanos, os que vinham lá em cima da viatura e foram projectados pelo ar. Um deles, ao levantar-se, trazia o olho esquerdo pendurado. O sopro tinha-lho arrancado da órbita ocular. Estava estranhamente confuso. Pudera! Um olho a ver-lhe os pés, o outro a olhar em frente !

Só então verifiquei que a viatura de onde tinha saltado, pisara uma mina AC nada restando do assento onde estivera por momentos sentado.

Não me é fácil, passados mais de trinta e nove anos transcrever o que senti naqueles momentos. Sei apenas que as pernas tremiam como juncos verdes batidos pelo vento e recusavam-se aceitar o peso do meu corpo, quanto mais andar. O coração parece que queria rebentar com o peito. Mas... havia um ferido e eu era o enfermeiro mais próximo. A bolsa de enfermagem estava na viatura sinistrada e podia haver, havia mesmo, mais minas .

Recordo-me que vi chegar um africano meu ajudante, saquei-lhe a bolsa, lavei muito bem a órbita do olho sinistrado, que não tinha sinais de estar ferido, apenas saltara da órbita pelo sopro de ar provocado pela explosão, coloquei-o com jeitinho no sítio, protegi-o com uma compressa e ala para Buba, rumo a Bissau. Tive a alegria de cerca de meio ano depois encontrar o africano ferido, em Bissau, feliz da vida sem problemas de visão.

No local do acidente a saga continuou. Primeiro foi o Franklim que se protegera atrás de um atrelado. O condutor da viatura saltou ao ouvir o estrondo lá na frente, deixando a viatura destravada. Esta recuou um pouco e o atrelado passou por cima da perna do Frank. Valeu-lhe o lamaçal em que estava deitado. A perna enterrou-se na lama e não sofreu nem uma pisadura.

A viatura sinistrada, carregada de bebidas foi um convite ao fartar vilanagem da tropilha. Cada um safou-se como pode. Eu só saquei duas garrafas do Verde da minha terra. Em poucos minutos ficou vazia. Seguiu-se a retirada da viatura do caminho para a coluna seguir caminho.

Mesmo ali no meio da confusão estava uma mina AP, comodamente escondida que se deixou pisar por toda aquela gente e por mim, possivelmente. Rebentou debaixo de um pneu do atrelado da segunda viatura, (o tal que tentara esmagar a perna do Frank), quando a coluna se pôs de novo em marcha.

Dois dias depois, numa coluna a Nhala, foi localizada mais uma mina no local.

Também na guerra, houve momentos de sorte.
Deixo-vos com o primeiro parágrafo do meu diário desse dia:

Vi a morte à minha frente. Deus pela sua infinita bondade, não permitiu que fosse ainda a minha vez de deixar o mundo.

Zé Teixeira
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 25 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3093: Estórias do Zé Teixeira (30): Uma Vida que Deixei Fugir (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Vd. último poste de José Teixeira de 22 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3342: O meu baptismo de fogo (15): Estrada de Buba-Aldeia Formosa, 22 de Julho de 1968 (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P3558: As Boas-Festas da Nossa Tabanca Grande (1): Está na Hora (Santos Oliveira)



1. Mensagem de Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66: com data de 2 de Dezembro de 2008:

Assunto: Boas-Festas

Nesta época que se aproxima, a solidariedade interior parece acordar e dizer-nos, baixinho: ESTÁ NA HORA!

Pois é! Está na hora de recordarmos tudo o que de bom recebemos uns dos outros e de nos alegrarmos e partilharmos o que de melhor existe dentro de cada um de nós.

Para Vós, em particular, e para todos, os meus desejos de tudo quanto de excelente a vida tem para dar. O resto, as Festas, são a parte visível.

Ficar-vos-ia grato se fizessem chegar, estes meus Votos de Boas Festas, a toda a nossa Comunidade da TABANCA GRANDE.

Que tudo vá bem com todos Vós, meus Amigos.
Votos, do
Santos Oliveira

2. Comentário de CV

A equipa editorial agradece e retribui ao Santos Oliveira os votos formulados.

Aos restantes caríssimos tertulianos, aqui fica um repto para todos, para que enviem mensagens de Natal alguma imaginação para serem publicadas nesta série.

Lembro que há duas séries, Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e até ao meu Regresso (*) e O Meu Natal no Mato (**), onde podem relatar os vossos Natais passados na Guiné.
Como acho que os Natais passados naquela terra de África, fossem no mato ou em Bissau, marcaram igualmente todos nós, cada um deve escolher a que melhor se adaptar a si.
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Notas de CV

(*) Vd. último poste da série de 2 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1396: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (11): 1969, na Missão do Sono, em Bambadincazinho (Luís Graça)

(**) Vd. último poste da série de 24 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2379: O meu Natal no mato (12): Mansoa, 1971: Uma de caixão à cova... para esquecer o horror (Germano Santos)

Guiné 63/74 - P3557: Controvérsias (16): Eu, Jorge Félix, ex-Pilav de helis, a Op Lança Afiada e a honra da nossa Força Aérea



Caderneta de voo do ex-Alf Mil Pilav Heli Alouette III, Jorge Félix (BA 12, Bissalanca, 1968/70), membro da nossa Tabanac Grande, com indicações do serviço prestado nos dias 12 (primeira foto, em cima), 13, 14 e 15 de Março de 1969 (segundo foto a contar de cima), no decurso da Op Lança Afiada (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 8 a 18 de Março de 1969) (*). Infelizmente a qualidade das fotos é fraca.

Fotos: © Jorge Félix (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do José Félix, de 1 de Março de 2008:

Caríssimo Luis Graça:

Segue um texto e duas fotos da minha caderneta de voo. Uma grande caminhada inicia-se com um passo ...Um abraço

Jorge Félix (**)


2. A Operação Lança Afiada e o apoio aéreo
por Jorge Félix

Depois de lhe ter escrito, e ao lê-los, fiquei a saber ter estado na operação Lança Afiada (Junto fotos da minha "Caderneta de registo de serviço aéreo de piloto" dos dias referenciados).

A única lembrança daqueles dias que passei pela ZOPS de Bambadinca era de um enxame de abelhas que tinha entrado e saído por um Heli.

No dia 12 de Março (1969) isto é bem evidente: "Os ataques das abelhas continuavam a mostrar-se mais perigosos que as flagelações IN".

Ao ler logo a seguir na vossa narração, "cerca das 13H15, num helicóptero insistentemente pedido" , fico sem palavras, ... e não entendo o que se quer dizer por "insistentemente".

Os helis não saíam por o pedido ser mais ou menos "insistente". Se estavam disponíveis, podiam andar noutras operações, saíam conforme a gravidade das pessoas a evacuar , como se lembram classificadas como "X" e "Y".

Nesse dia, tirando 45 minutos de viagem de Bs [Bissau] para Bambadinca, voei cinco horas e quarenta e cinco minutos (5:45 H) na Zops de Bambadinca a fazer TGER - Transporte Geral e TVES - Evacuações. Em qualquer parte do mundo, num teatro de operações, é muito tempo. Como se pode ler nos registos, o tempo da viagem Bambadinca para as Zops era de 15 minutos.

"A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra". (Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas) (***).

Lido à distância deve ter sido muito trabalho, apesar de tudo: "A deficiência do apoio aéreo em reabastecimentos, evacuações e recomplementos levou a fazer mensagens e a focar o assunto no RELIM [Relatório de Informações sobre a Actividade Operacional".

Não tive conhecimento disto mas a esta distância dá vontade de rir. ....

Dia 13 Março 1969

"Neste dia houve uma reunião em Bambadinca com Sua Excia, o Comandante-Chefe e o Exmo Comandante da Zona Aérea que disseram ao Comandamte da Operação [ Coronel Hélio Felgas,] estar a ser excessivo o esforço pedido à FA [Força Aérea]. Expondo-se como esses meios estavam a ser empregues.

Por outro lado Sua Excia deu Directivas sobre a recolha do arroz IN. Ficou ainda estabelecido não proceder a quaisquer recompletamentos, excepto de oficiais e sargentos, a fim de aliviar os meios aéreos". (...)


Como podem ver no registo, nesse dia voei quatro horas e quarenta e cinco (4:45) no teatro das operações mais uma Viagem de cinquenta minutos para Bissau. Talvez aqui para aliviar ...

Constato que o Heli que levo para Bissau é o 9275 e tinha andado a voar no 9279. É natural que este Heli 9275 tivesse que fazer manutenção, não me recordo.

Depois disto e ver a minha Caderneta de Voo, o que se segue e está por vós escrito não tem sentido:

"A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;
- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;
- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;
- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);
- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;
Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações." (...).


O héli trablhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau: DEVE SER CORRIGIDA ESTA [ÚLTIMA] "PASSAGEM"...


Dia 14 Março 1969

Conforme Caderneta de Voo, voei no Heli 9272, durante duas horas e quarenta (2:40),

Dia 15 de Março 1969

Seis horas e quarenta e cinco, (6:45 h) e sessenta aterragens, são os números desta dia da minha Lança Afiada, .. com 40 graus à sombra ....

Dia 16 Duas horas de voo, cinco aterragens, um DESP entre Bambadinca-Bafatá.

Dia 1 de Março de 2008

São 2:32. Será que os meus registos vão dar outra leitura à Lança Afiada ?

2. Comnetário de L.G.:

A tua mensagem só agora foi publicada, por que estava em stand by, à espera de melhores dias, ou seja, de oportunidade editorial... Bastou alguém (o Torcato Mendonça) falar na mítica Op Lança Afiada, para eu me lembrar dos teus justíssimos protestos...

Fica, pois, registada no nosso bogue a tua ira contra os senhores da guerra (ou o senhor) que escreveram (ou escreveu) o relatório da Operação. Eu não fui, juro-te, pelo que não posso atender ao teu pedido de correcção do original, com muita pena minha... Este relatório, transcrito em quatro partes, na I Série do nosso blogue, consta da história do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (**).

Ainda bem que trouxeste contigo (e guardaste) a tua preciosa caderneta de voo, se não ainda poderia aparecer por aí alguém a jurar que tu nunca foste piloto de helis nem nunca estiveste na Guiné, na BA12, Bissalanca, nem muito menos sobrevoaste o Rio Corubal que o PAIGC considerava seu, região libertada...

Como eu já escrevi em tempos, esta operação (uma montanha que pariu um rato, se pensarmos nos magros resultados obtidos em face dos meios mobilizados...) terá azedado ainda mais as relações (que não seriam as melhores) entre o então Brigadeiro Spínola, Com-Chefe, e o comandante do Agrupamento de Bafatá, o então Coronel Hélio Felgas (falecido este ano, com o posto de Major General, na reforma) (****).

Naquela como noutras guerras dá sempre jeito a táo portuguesa teoria do bode expiatório, para explicar os nossos insucessos... A Força Aérea foi alvo de críticas por parte do Cor Hélio Felhas, que era, ao que parece, um homem frontal, e que defendia a teoria da "guerra total"... Ele já não está cá para se explicar nelhor, mas há malta, no nosso blogue, que esteve na Lança Afiada (por ex., o Paulo Raposo, da CCAÇ 2405; o Torcato, da CART 2339, não tenho a certeza, acho que estava de férias)...

Sem qualquer propósito de desencadear mais uma polémica, gostaria, por fim, que comentasses estes dois parágrafos do relatório do coronel (Ponto "9. Ensinamentos colhidos"):

(...) "A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade. Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra" (...). [ O raio do heli gastava mais numa hora do que tu ganhavas em dois meses.]


________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

(**) Vd. postes de:

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

15 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2645: Fórum Guileje (6): Antes que se esgote... Gandembel (Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Av Al III, BA12, Bissalanca, 1968/70)

18 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2660: Notas de leitura (10): Jorge Félix, o nosso piloto aviador, fala do livro do Beja Santos e evoca o Alf Mil Brandão (CCAÇ 2403)

20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2864: Mitos (1): As aeronaves e os pilotos do PAIGC (Jorge Félix)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2683: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (9): O Jorge Félix e o Prisioneiro

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3259: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (6): Alguns esclarecimentos (Jorge Félix)

10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3292: Controvérsias (3): O acidente de helicóptero que vitimou Pinto Leite (J. Martins / J. Félix / C. Vinhal / C. Dias)

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)


(***) Sobre a Op Lança Afiada, vd o relatório das NT, já reproduzido na I Série do nosso blogue:

Total dos efectivos empregues (n=1291) na Op Lança Afiada, que decorreu durante 10 dias: a) Militares: 36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; b) Milícias: 106; c) Guias e carregadores 379. Comandante: Coronel Hélio Felgas (****).

Vd postes de:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(****) Vd. postes de:

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2981: Hélio Felgas, com Spínola, em Bambadinca (Jaime Machado)

25 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2985: Homenagem ao meu professor da Academia Militar, Hélio Felgas (António Costa, Cadete aluno nº 11/650, Curso ART 1964/67)

Guiné 63/74 - P3556: Controvérsias (14): O Silvério e outros capitães, milicianos ou do QP, que desertaram a meio da comissão (Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Na foto, o ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, conivendo com a população local... A seu colo uma criança que bem poderia ser órfã de pai... Por analogia, poderia falar-se de companhias orfãs, na Guiné, devido ao facto de ter perdido - por razão ou outra - o seu capitão original... Houve companhias com três, quatro e até mais comandantes... Assunto controverso a merecer aprofundamento e debate... (LG)

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1- Comentário de Luís Graça ao poste de 2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Alberto, estás um mestre: em duas pinceladas desenhas uma personagem e um contexto, e contas uma história com a tensão dramática q.b. E, sempre claro, conciso e preciso, sabes, com rigor e magia, falar de emoções que nos eram proibidas... Os nossos medos, a nossa angústia, a nossa culpa, os nossos ódios, a nossa solidão... muitas vezes sublimados pelo álcool, o sexo, o jogo, os comportamentos de risco e de bravata...

Quantos capitães, sobretudo milicianos (mas também do QP), não pensaram, no seu íntimo, seguir os passos do Silvério ? A maior parte não desertou... Mas quem, deles, se atreve a atirar a primeira pedra contra o Silvério, os Silvérios que, nas férias, foram para a França ou para a Suécia, não tendo regressado à Guiné ?

Não sei se haverá muitas histórias dessas, de companhias órfãs, que ficaram sem o seu capitão, a meio da comissão ou até mais cedo...

Sei que muitas companhias, na Guiné, tiveram mais do que um comandante, algumas até três e quatro capitães... Havia outros recursos menos dolorosos, mais cómodos, do que a vergonhosa (para a família...) deserção: a psiquiatria, a cunha, o compadrio, a corrupação, a golpada, etc.

Já aqui falámos de algumas dessas companhias: a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Torcato Mendonça; a CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) do Sousa de Castro... Haverá muitas mais...

O que não deixa de ser motivo de interrogação e inquietação: porquê tão elevada taxa de turnover (rotação) de capitães, milicianos ou do Quadro Permanente, na Guiné ?

Eis um bom assunto para a nossa série Controvérsias (*) ... Talvez o Jorge Picado (que foi até agora o único capitão miliciano, se não me engano, a dar a cara e a contar a sua história de vida) (**), queira e possa abordar este tema-tabu, escaldante, incómodo (***).

Alberto, vamos ter livro! Parabéns! Esta é uma das histórias que vou pôr na nossa antologia, quando um dia tivermos que fechar o blogue...

Luís
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3531: Controvérsias (14): PAIGC/FLING, Tite/São Domingos...(Carlos Silva)

(**) Vd. poste de 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

(...)Apresentámo-nos na EPI em Mafra no dia 25 de Agosto pelas 8H(?), devidamente fardados como constava das normas e de imediato, num dos corredores do Claustro bem perto da Porta de Armas(?), procedeu-se à formatura onde foi feita a chamada – para conhecimento dos possíveis desertores, que creio não ter havido – tendo sido dada a voz – pelo Ten do QP que nos comandava – de “apresentação a doentes(?)”, com a respectivamente formatura uns passos em frente.

Para meu espanto – não sei qual foi a reacção dos restantes – logo se adiantaram alguns que, creio, seguiram quase de imediato para a consulta externa em Lisboa. Não sei quantos se safaram ou quantos regressaram, mas sempre guardei a imagem dum, que deve ter sido um bom actor – pelo menos amador no teatro da Academia de Coimbra – cuja face mais parecia ter sido revestida por “uma máscara de desvairado”. Uma coisa é certa, obteve os resultados que queria na Psiquiatria, pois livrou-se de tais sacrifícios pela Pátria. Estou a falar dum tal… oriundo da Figueira da Foz e mais não digo…

Não posso precisar se fui o único – logo o 1.º – do meu COM de ART, mas creio que sim e apenas citarei os nomes daqueles de que me lembro.

Começarei logicamente pelos 3 colegas Agrónomos, que tivemos o mesmo TO por destino.

- O Ilídio Moreira, do curso de agronomia anterior ao meu, foi Cmdt duma CCaç (Geba) dum BCaç sedeado em Babadinca de 1970-72;

- O José Maria Queiroga (o tal que estava nas mesmas condições quanto ao emprego), do meu curso, foi chefiar a EAFB (Serviços Agrícolas) de 1970-72;

- O António Clemente da Costa Santos, igualmente do meu curso, na REPACAP do COMCHEFE de 1970-72;

- O João Cupido, de Mira, e que passou a ser meu colega nas viagens a casa aos fins-de-semana, deixando-o à sua porta e apanhando-o lá ao Domingo à noite no regresso a Mafra, cujo destino também foi a Guiné como Cmdt da CCaç 2753 , onde teve um brilhante Alf Mil que conheci nas margens do RCacheu e não mais me esqueci (mesmo desconhecendo o seu nome, até ao encontro de Monte Real. Gratas recordações, podes crer, Victor Junqueiro);

- Tenho uma vaga ideia de que havia um Morais, assim para o gordinho e ar e espírito bonacheirão que teria desertado já em Moçambique (?).

- Um Ten MIL que tinha continuado na vida militar e vinha do Quartel da GNR que existia perto das Janelas Verdes, cujo destino desconheci;

- Os 3 jovens Alf Mil (ou graduados em Ten?) já com uma comissão e voluntários para seguir a carreira, respectivamente Fernandes (o Cap da famosa expressão do “Verão Quente”, “as armas estão em boas mãos”), Caimoto que também foi para a Guiné e um 3º de que não sei o nome;

- Havia ainda um Nascimento que, creio, usava óculos.

Pronto, são estas as minhas recordações concretizáveis dos camaradas do CPC.

A esta distância, sem qualquer elemento de referência, nem sei quantos éramos, mas o sentimento que guardo sobre a disposição, o (des)interesse, a resistência manifestada à execução da preparação militar que nos era ministrada (analisado agora até me parece que era ou foi um contra-senso) e a quezilência para com os instrutores, posso afirmar que era maioritária. (...).

(***) Vd. também poste de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2098: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): Proposta retirada (João Tunes / João Bonifácio)