quinta-feira, 29 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca


Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Março de 1972 > O Caco [General Spínola] de visita à carreira de tiro de Bambadinca. À sua direita, o Polidoro Monteiro, ten-cor, comandante do BART 2917. À direita do Polidoro segue o Coronel Costa, do CAOP 2. À minha frente [eu estou de bigode e óculos escuroso], de farda nº 2 está o comandante do BART que substituiu o 2917.

A carreira de tiro situava-se 1 a 2 Km para lá da ponte de Undunduma, indo em direcção ao Xime. Imagina os arrepios que eu e o Vacas (era o oficial de tiro) sentíamos quando havia instrução de tiro nocturno. Era um local para cacimbados. Esta foto e a seguinte, a da formatura foram tiradas em meados de Março de 1972" (PS)

Esclarecimento adicional: Em Março de 1972 houve a sobreposição do BART 2917 com o BART comandado pelo velhinho (parece que foi um termo utilizado pelo Caco) que aparece de farda nº 2 na
foto. No dia seguinte àquela ser tirada, o Polidoro foi levar-me a Galomaro, para eu ir para o Saltinho. Nunca mais o vi. Penso que regressou a Portugal com o BART 2917 em fins de Março ou princípio de Abril de 1972 (PS).


Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Março de 1972 > Visita de Spínola a uma nova companhia de milícias, formada em Bambadinca.



Guiné > Zona Leste > Bambadinca > Finais de 1971 ou princípios de 1972 > Noite de copos. Ao lado do Paulo, de bigode, de camuflado, na ponta da mesa, está o Alf Mil Machado, à civil, de óculos, a fumar, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). Era minhoto, natural de Riba d'Ave. Antes da tropa, trabalhava numa cooperativa local. Daí a gente chamá-lo "Bilocas da Cuprativa". Tinha um excelente relacionamento com a malta da CCAÇ 12. Tocava viola. (LG). "O alferes magrinho, à esquerda do Machado, já não me recordo do nome dele, mas era da CCS" (PS)



Guiné-Bissau > Bafatá > Fevereiro de 2005 > ZA> tia do Pedro, mãe dos dois miúdos. Ele, por sua vez, é filho de uma fula e de um balanta, antigo guerrilheiro, e hoje oficial superior das Forças Armadas Guineenses. A moça muito bonita é irmã do Pedro. O João e o Sado estão no lado direito.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambinca > Fevereiro de 2005 > O reencontro do Paulo Salgado com um antigo soldado do Pel Caç Nat 53, o Bubacar, o Buba . O Paulo esclareceu o seguinte:

"Cheguei a Guiné em 27 de Outubro de 1970 e regressei em 12 de Agosto de 1972 . Nunca estive com o 53 em Bambadinca. O Pel Caç Nat 53 estava e continuou em reforço da CCAÇ do Saltinho. Andámos em operações por Dulombi, Galomaro e Aldeia Formosa (...). Fui em Out de 1971 para Bambadinca para comandar a instrução da Companhia de Milícias que terminou em 24 de Dezembro de 1971, dia em que apanhei uma boleia do Spínola para o Saltinho onde fui passar o Natal. Regressei a Bambadinca no início de Janeiro de 1972 para comandar outra companhia de instrução até meados de Março, tendo regressado de seguida ao Saltinho".

Fotos: © Paulo Santiago (2006)


II parte do relato da viagem do Paulo Santiago e de seu filho João Francisco à Guiné-Bissau em Fevereiro de 2005, na semana do Carnaval....

Há um mês atrás (24 de Maio de 2006), o Paulo tinha-me enviado a seguinte mensagem que não cheguei a inserir no blogue:

Camarada

O teu blogue permitiu-me ter uma conversa cibernética com o Vacas de Carvalho. Há muitos anos, mais de 25, possivelmente, que não falava com aquele amigo. Diz-me o Zé Luis que será possível encontrar mais amigos através do teu blogue.

Como não sou grande expert nisto da Net, não sei se recebeste umas fotos que enviei para o blogue.

Manga de cumprimentos

Paulo Santiago
(ex- Alf Mil Pel Caç Nat 53, Saltinho,1970/72)

PS - O nome Cabral diz-me alguma coisa  Já li algumas "estórias cabralianas" Será que foi ele que me falou na história do cajado do Beja ? Não havia também um Furriel Duque muito cacimbado que roía noz de cola?

Lembro-me da cara do David Guimarães. As companhias do Xitole e Saltinho tinham contrato com uma avioneta que ía todas as semanas levar correio e transportar pessoal que vinha ou regressava de férias
Comentário de L.G.: Num mês o Paulo já está aqui a blogar connsco e a enviar-nos material (textos e fotos) muito interessante, fazendo-nos partilhar as emoções do seu regresso, em Fevereiro de 2005, à sua/nossa amada Guiné... Bem hajas, Paulo, pela sua generosidade e disponibilidade. L.G.
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Dia 5 de Fevereiro de 2005, Sábado

O meu amigo, Ten-Cor Rui Ferreira, ex-Alf Mil da CCAÇ 1420, de 1965 a 1967 e mais tarde Capitão Miliciano - no comando da CCAÇ 18, altura em que o conheci, estacionada no Quebo -, pediu-me para visitar o ex-Furriel Mil Carlos Solai,  daquela companhia.

Sábado fui com o meu filho, João, e o Sado ao estabelecimento comercial que o Rui me tinha indicado, propriedade daquele ex-Furriel. Fomos informados por um funcionário que o patrão estava em casa com problemas de saúde. Procurámos na morada indicada, encontrando o Solai,  lúcido, a recuperar de um AVC, que o deixou muito diminuído fisicamente.

Apesar disso falámos de uma viagem amalucada que ele, o Rui e mais dois ou três quadros da CCAÇ 18, fizeram do Quebo (Aldeia Formosa) para Bafatá com passagem pelo Saltinho, deixando-me durante três dias uma mini-moto Honda, que utilizei para andar por locais onde podia andar e também por outros onde não deveria passar...Era o cacimbo a fazer efeito.

Falámos também da viagem, que ele, Solai, fez a Portugal e da passagem pela casa do Rui, em Viseu. O João gravou na camâra uma mensagem para o Rui.

À tarde não saímos da residencial. Devido ao Carnaval fecham ao trânsito grande parte das ruas de Bissau. É só desfiles. Não é época boa para ir à Guiné.

 Dia 6 de Fevereiro de 2005, Domingo
O meu amigo Sado pediu um Land-Cruiser a um primo para irmos ao Saltinho. Às 8 horas foi buscar-me à residencial e demos início a uma jornada que me marcou profundamente.

Além do João e do Sado, ía o Pedro, um moço impecável, filho de um balanta e de uma fula, o pai guerrilheiro, hoje oficial superior das FA. O Pedro foi o nosso condutor e também cameraman. A pergunta que tinha na cabeça ao sair de Bissau era:
- Como vamos, por estrada, chegar a Bambadinca, a Bafatá, ao Xitole e ao Saltinho ?

Passamos o aeroporto. Daqui para a frente nunca tinha transitado de viatura auto. Passamos por locais, cujos nomes não me são estranhos: Nhacra, João Landim, Jugudul... Aparece uma placa a indicar Portogole, à direita.

Andamos mais uns quilómetros e uma placa indica Circunscrição Florestal do Oio, e lembro a fama desta zona no meu tempo de militar. Outra placa: Matecão. A pulsação acelera-se. Mando parar o jipe. Eu estive aqui nesta zona, talvez em Dezembro de 1972, após a ocupação do Matecão [Mato Cão, na carta de Bambadinca].

A favor da maré, utilizando um Sintex com motor de 80 CV, eu, o Polidoro Monteiro, o Vilar, o Alferes do Pelotão de Morteiros e o soldado barqueiro, descemos a toda a velocidade o Geba, de Bambadinca para o Matecão. Penso que seriam dois grupos de combate da CCAÇ 12 que lá se encontravam [no destacamento]. Os ataques eram quase diários e, por vezes, mais que um, não havia abrigos nem valas, unicamente buracos individuais, dispostos em círculo, onde cabiam os colchões.

Regressamos com a maré, tendo ficado no destacamento o Ten-Cor Polidoro (1). Abro um parêntesis para dizer que conheci vários tenentes-coronéis, mas só dois me mereceram respeito: o Polidoro e o Agostinho Ferreira, de Aldeia Formosa, mais conhecido por Metro e Oito.

Voltemos a 6 de Fevereiro de 2005. Quando menos esperava entramos em Bambadinca, por um sentido completamente desconhecido para mim. Seguimos para Bafatá. Quero ir visitar o Sanhá. Esta estrada já me é familiar, vejo uma placa a indicar a cortada para Cossé (Galomaro). O Sanhá foi cabo no Pel Caç Nat 53 e actualmente é militar da GF [Guarda Fiscal]. Está em serviço para Pirada, fico com pena por não o encontrar.

São horas de almoço, em Bafatá não há restaurantes,voltamos a Bambadinca onde o Sado conhece um. Almoçamos bife e muita cerveja. O Sado, como bom muçulmano, bebe sumo.

Voltamos à estrada e começamos a subir para a parte mais elevada de Bambadinca, dizendo-me o Sado que o quartel continua a ter militares. Peço ao Pedro para virar e parar aí uns 50 metros da porta de armas, a mesma do nosso tempo. Nenhum deles acredita que nos deixem entrar no quartel. Há um militar que se me dirige, e informo-o que estive naquele quartel em fins de 1971 e início de 1972. Será que posso fazer uma visita ? Manda-nos entrar.

Pergunto se podemos filmar e, após consulta a um oficial, autoriza que utilizemos a câmara. Visito, com o Pedro a filmar, a zona ocupada pela messe e quartos. Estou muito emocionado.

Chega entretanto um senhor à civil que me apresentam como Comandante. Muito simpático. Falamos da Bambadinca dos anos 70 e do Xime e do Saltinho. Falamos a mesma língua, diz-me ele. Despedimo-nos com um forte abraço.

O grande centro populacional situa-se agora na parte mais elevada de Bambadinca, na estrada para o Xitole.

O Sado tinha uma surpresa para mim. Manda parar o jipe e pede-me para o acompanhar. Dirigimo-nos a uma casa e eis que aparece o meu antigo soldado Bubacar, o Buba. Vêm-me as lágrimas, trinta e três anos. Estamos os dois muito emocionados. Andamos os dois a pé à beira da estrada. Ele é motorista de camião. Pergunto se há por ali mais algum elemento do 53. O Iero Seidi viveu ali mas já morreu, quem vive perto é o Mamadu Jau. Peço-lhe para o avisar, quando regressar do Saltinho, pararei ali para estar com eles. Acabamos a falar de futebol para descontrair. Despedimo-nos até ao dia seguinte.

Estamos no início da tarde de 6 de Fevereiro de 2005 e vou deixar o resto do dia para outro Post.

Um abraço
Paulo Santiago
ex Alf Mil do Pel Caç Nat 53
SPM 3948

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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

O Sado é oficial superior da Guarda Fiscal da Guiné-Bissau e grande amigo do Paulo, visita da sua casa quando vem a Portugal.

Guiné 63/74 - P922: Memórias do Pel Mort 4574 (A. Santos): O mauzão do Hitler de Nova Lamego


III parte da história do nossa fotogaleria... Resumindo: estás óptimo, embora de cabelos já grisalhos, para um homem que há seis anos iam morrendo (e matando a mulher), debaixo de um camião TIR... Pois, o António é um grande lutador, um excelente contador de estórias, um grande conversador, um grande depositário das memórias do Gabu... Fico à espera que ele arranje tempo e disposição para nos contar as peripécias dramáticas que ocorreram na região do Gabu nos últimos meses antes do fim da guerra e que levaram, por exemplo, ao abandono de Quanquelifá por parte das NT... Nunca esteve no mato, em actividade operacional - segundo pecebi - mas pelos seus seus auscultadores passaram
muitas notícias classificadas... Esses tempos de Nova Lamego deixaram-lhe os nervos em franja... Há uns anos atrás senti necessidade de pedir apoio psicológico, considerando-se vítima de stresse pós-traumátcio de guerra... Apesar de referenciado pelo seu médico de família, chegou á conclusão que o processo é pouco ou nada amigável: é preciso arranjar testemunhas presenciais que testemunhem as situações relatadas, etc. Conclui, em suma, que é mais fácil a um camelo entrar no buraco da agulha do que um desgraçado de um cacimbado da Guiné obetrr psicológico por parte do Serviço Nacional de Saúde ou dos Serviços de Saúde Militares, ao abrigo da Lei nº 146/99, de 16 de Junho de 1999, que veio instituir o “apoio às vítimas de stress pós-traumático de guerra”.

Nos termos deste diploma, o conceito de “deficiente das Forças Armadas” passa a ser alargado ao cidadão português, militar ou ex-militar, que seja “portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar” , quer no teatro de guerra, quer no desempenho de missões humanitárias e de paz ou de acções de cooperação técnico-militar no estrangeiro.

Ao Estado cabe a criação de uma “rede nacional de apoio” às vítimas de stress pós-traumático de guerra, em no âmbito do Serviço Nacional de Saúde e do Sistema de Saúde Militar, em articulação com as organizações não governamentais (ONG). A essa rede incumbe “a informação, identificação e encaminhamento dos casos e a necessária prestação de serviços de apoio médico, psicológico e social”. Essa rede foi entretanto criada pelo D.L. nº 50/2000, de 7 de Abril, vindo a Portaria nº 647/2001, de 28 de Junho, estabelecer os termos do respectivo financiamento. (LG)


Texto do António Santos, com data de 24 de Junho de 2006:


No dia seguinte, começou a sobreposição, que durou uns quinze dias já não recordo bem. Os transmissões e os condutores foram emprestados à CCS do BCAV 3854 para entrar na escala de serviço da mesma, assim como já era feito pelo pelotão que fomos render.

Nós, os transmissões, fomos apresentados ao Alf Mil de Trms, Pinto Ferreira, que foi um excelente chefe: confiava nos seus homens, nunca o vi valer-se dos galões... Eu fui para o posto rádio mexer em aparelhos que na especialidade nunca tinha visto, como o AN-GRC-9, por exemplo: era utilizado quase sempre em grafia, mas também era muito bom para fonia principalmente para ouvir notícias e relatos de futebol.



Guiné > O Rádio AN-GRC-9 Foto: © Afonso Sousa (2005)
Dois ou três dias depois ao chegar ao posto de rádio para mais umas lições, fui enviado para o centro de mensagens, porque o camarada Vasco, que estivera lá, não se adaptou às cifras e códigos... Fui e fiquei até receber o meu pira, sim!.. Dois meses e uma semana depois de acabar a comissão e já depois do 25 de Abril, ainda recebi rendição, exactamente no dia 24 de Julho de 1974 , portanto faz hoje 32 Anos.

A velhice lá partiu de regresso às suas vidas e nós ficámos a contar os dias e a entrar na rotina. Faltava-nos conhecer o mauzão de Nova Lamego, o 2º comandante do BCAV 3854... Tinha que ser de cavalariam, viemos depois a saber o seu nome: Martins Ferreira, de alcunha Hitler... embora o comandante, esse, é que tinha (tem) nome a atirar para o alemão, de seu nome completo António Malta Leuschner Fernandes, Ten-Cor de Cavalaria... Era um tipo completamente diferente, tinha os seus dias mas na maioria deles era bastante calmo... O Hitler berrava com toda a gente, só não berrou com o actual Coronel Marcelino da Mata, mas isso é história para mais tarde.

Após a formatura e o blá blá para os praxados, sempre os mesmos, lá fomos para um palacete com pouco tempo de construção mas vazio, sem camas, situação que se manteve por uns dias. Aí chegados apareceu o bendito do homem encarregue do SPM e aquilo é que foi um distribuir de cartas, acumuladas, situação que nunca mais se repetiu durante os dois anos que se seguiram.

Estava eu de costas viradas para a porta sentado em cima de um dos meus chouriços (saco com parte da mobilia), a ler com sofriguidão as notícias que as primeiras cartas em solo Guinéu me davam conta do meu pessoal em Portugal, que nem prestava atenção às notas de cem escudos que vinham por entre a correspondência e que eu, parvo ou talvez inocente, na resposta dizia que não era preciso enviarem dinheiro porque era tudo muito bom, a comida era do melhor e não nos faltava nada (tenho a certeza que a grande maioria do pessoal dizia o mesmo)... Então não é que acreditaram e muito raramente chegava uma notita!... E a falta que elas vieram a fazer, tanta bazuca que ficou por ser bebida... Pelo que nos tempos que se seguiram quando recebia uma, o Rei fazia anos.

Nisto ouvi uma voz que me pareceu conhecida:
- Está aqui alguém de Lisboa ? - Olhei para trás, porque de Lisboa ou eu ou o Graça, e era o Gregório Gil Gaudêncio, um amigo de alguns anos, que eu nem sabia estar por ali, pertencia à CCAÇ 3565, que foi uma companhia de apaga-fogos, fogueiras e até incêndios, e talvez o maior, em 1973, que foi construir de raíz, do nada, um destacamento em pleno Cantanhez, foi obra.

Acto contínuo grande abraço e convite a largar as cartas, pois tinha muito tempo para as ler, experiência de velhinho com 3 meses daquelas andanças... Lá fomos conhecer os cantos à cidade, leia-se, cafés e afins, beber umas cervejas, estava no início e ainda não era artilheiro com especialidade para bazucas, mas ganhei experiência rapidamente.

Nova Lamego, escrevo sempre assim, porque na época Gabu Sara era a zona administrativa, funcionava como espécie de Distrito, da qual Nova Lamego era a Capital, o administrador era Cabo Verdiano, de seu nome Salomão, embora a região do Gabu, muito mais ampla, já existisse antes dos Portugueses chegarem aquelas paragens, e é o nome actual, como todos sabemos.

Nova Lamego ao tempo era um terra pequena embora fosse considerada como a 3ª mais importante da Guiné, depois de Bissau e Bafatá. Tinha um hospital civil, um cinema, uma cadeia, uma igreja católica, e uma mesquita tudo à dimensão da terra.

Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > 1972 > No Cine Gabu, da esquerda o Gregório Gil Gaudêncio, o António e o Graça (mais tarde seu compadre, padrinho do seu filho Pedro).
Guiné > Zona Leste > Cine Gabu > O preço do bilhete de cinema era, na época, de 10 pesos... segundo o António Santos... Tal equivalia a quatro maços de tabaco, de tipo SG Filtro (que custava 2$50 cada maço)...
Foto: © Afonso Sousa (2005).

No entanto em termos militares era o inverso, ao sector L3, estavam atribuídos na época: Caop 2, Pmc, a CCS do BCAV 3854, com as suas 3 Companhias de Cavalaria (3404, 3405 e 3406), a CCAÇ Independente 3565, a CCAÇ5, 1 Pelotão de Obuses, 1 Pelotão de Rec Daimler, 1 Pelotão de Morteiros, 1 Pelotão AAA, 8 Pelotões de Milícias e, em 1973, 3 Pelotões de GE Milícias, estes treinados em NL pelos homens do então Alferes graduado Marcelino da Mata. E mesmo assim os turras escorregavam por entre os dedos do pessoal.

No dia seguinte, no local do quartel novo de NL, lá vou para o reforço, posto de vigilância que ficava no canto direito junto à estrada alcatroada e as moranças a 100 metros ou pouco mais do arame farapado ... Soube mais tarde que foi uma partida do Hitler, ele gostava de pregar cagaços aos piras, mas esta podia ter-lhe saído caro (pelo menos, moralmente), como se verifica mais à frente...
Mas tambem não é menos verdade que quem se lixa é sempre o mexilhão... Eu que não tinha nenhuma experiência de reforços, nunca antes os fizera - idem para os dois camaradas designados para o posto - chegada a hora lá fomos, os três trms, todos porreiros... Digo fomos porque entretanto convenci o Graça a fazermos os dois turnos seguidos, porque ele estava a passar um mau momento psicológico e com a companhia um do outro a coisa passava melhor...

Conversámos durante algum tempo, não me lembro hoje do quê, até que o amigo Graça adormeceu e lá fiquei sozinho a olhar para o arame e para as moranças, não fosse sair de lá algum turra, tudo isto iluminado por holofotes alimentados por um gerador... Junto ao posto tínhamos uma vala e um abrigo com uma Breda, nas paredes da vala estavam embutidos bidões, ou parte deles, com cunhetes de munições, granadas de vários tipos, enfim uma fartura a constratar com a falta de balas de G-3 na viagem de Bissau para NL (1).

No arame farpado havia aqui e além garrafas de cerveja penduradas aos pares, ainda não tinha percebido bem para quê, mas não demorou muito pois um esquilo saltou para o arame, as garrafas tinlitaram, assustei-me, saltei para a vala e agarrei na Breda pois o instinto dizia-me que aquilo não era assunto para a minha G-3... No meio disto tudo tive calma suficiente para tentar perceber o que se passava e acabei por não carregar nos botões da Breda... Mas que esteve quase, esteve!.. E pronto foi... o meu 3º cagaço! (1)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:


8 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXIV: Nunca digas jamais (António Santos, Pel Mort 4574/72, Nova Lamego)

29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXI: Os cagaços de um periquito a caminho do Gabu (A. Santos, Pel Mort 4574/72)


24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P892: Memórias de Nova Lamego com o Pel Mort 4574/72 (A. Santos)

quarta-feira, 28 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P921: A Cripta dos Combatentes no Cemitério do Alto de S. João, Lisboa (José Martins)

Texto do José Martins, extraído do III Capítulo do seu livro Refrega, ainda inédito (2000).

A CRIPTA

Procurando no dicionário a palavra cripta encontrei: CRIPTA, s.f. (gr. Kripte, lat. Crypta); subterrâneo de igreja onde antigamente se enterravam os mortos; caverna subterrânea; catacumba.
Não é que não saiba, de há muito tempo, o seu significado. O que me levou a buscar no dicionário a palavra, é que senti o inverso quando, pela primeira vez, desci à Cripta dos Combatentes instalada na ala ocidental do Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.

Não deixa de ser uma gruta subterrânea, obra da ideia e da mão do homem, para aí depositar os restos mortais dos seus camaradas, que combateram pela Pátria a partir da I Grande Guerra, e foram membros da Liga dos Combatentes.

É um lugar de paz, dentro de outro local de paz.

No exterior, mais não é que um pequeno promontório encimado pela figura majestosa de um militar em sentinela, ladeado por pequenos canteiros que se destinguem dos outros circundantes, pela sua simplicidade. A simplicidade dum cemitério militar.

Na cabeceira de cada canteiro, apenas existe uma lápide encimada pela Cruz de Guerra da Liga dos Combatentes, identificando o nome, patente, teatro de operações em que esteve e data do falecimento do militar, que ali descansa.


Logótipo da Liga dos Combatentes. Foto: Liga dos Combatentes (2006) (com a devida vénia)

Mas estas campas, em formatura, são apenas a antecâmara da cripta, para onde todos serão transladados.

Junto à porta de entrada da cripta, uma lápide recorda João Jayme de Faria Affonso, no XX aniversário da sua morte (30 de Novembro de 1966), e que foi um dos fundadores da Liga dos Combatentes. A porta baixa não nos obriga a baixar a cabeça para que possamos nela entrar, somos nós que, naturalmente, nos curvamos respeitosamente perante o passado que ali vamos encontrar.

Ao descer os primeiros degraus da escada, deparamos com várias lápides evocativas de visitas ou homenagens de nacionais ou estrangeiros, a todos os que ali se encontram, no seu conjunto, ou a alguém, em especial, e que se encontra na cripta.

“AOS MORTOS DA MARINHA MERCANTE NACIONAL
HEROICA E MÁRTIR NOS SACRIFICIOS PELA GREI
10 DE AGOSTO DE 1963”

“SOUVENIR FRANÇAIS
TEMOIGNAGE DE RECONNAISSANCE
AUX ANCIENS COMBATENTS PORTUGAISES
10-NOVEMBRE-1953”

“HOMENAGEM DOS COMBATENTES FRANCESES E INGLESES
AO MAJOR PILOTO AVIADOR ÓSCAR MONTEIRO TORRES
MORTO EM COMBATE NA FRANÇA A 22-11-1917
URNA 5289”

Lá em baixo, apesar de se encontrar dentro da cidade, o silêncio é total. A configuração é de uma camarata onde, arrumada por corredores estreitos e em múltiplos beliches, se encontram dormindo o sono eterno aqueles que, devido à sua condição de combatentes, ganharam o direito de ter ali lugar.

Não há nomes, não há patentes, não há datas, apenas … números. Afinal, na morte, todos somos iguais.

Quem quiser homenagear com a sua visita algum combatente em especial, basta solicitar ao funcionário, através do nome, que após pesquisa num simples mas bem organizado ficheiro lhe indicará o número da urna, assim bem como a sua localização. Na ficha podem encontrar-se alguns elementos de caracter pessoal.

Só quem desce aquele lugar é que sente o peso da história. Sente o pulsar do patriotismo e heroísmo daqueles que, encerrados em pequenas urnas, cerram fileiras como já o haviam feito quando combatiam em França e em África, levantando bem alto o nome de Portugal.

Muitos não repousam neste local. Uns porque ficaram nas trincheiras da Flandres, nas matas africanas ou em cemitérios militares junto dos cenários de guerra (1). Outros ficaram sepultados junto às igrejas das suas terras, que os viram nascer, crescer e partir, e aonde nem todos regressaram.


Guiné > Bissau > 1966 > Cemitério onde ficaram sepultados os primeiros combatentes da guerra colonial. Há placas funerárias de militares de origem metropolitana que vão, pelo menos, até 1968. O estado de abandono do cemitério faz doer o oração, diz-nos o Marques Lopes, que esteve lá recentemente, em Abril de 2006, com o Xico Allen (LG).

Foto: © Virgínio Briote (2005)

Assim como na Batalha, ninguém sabe o nome daqueles que lá repousam, aqui, na Cripta, só os familiares e amigos, já informados, sabem onde encontrar aquele ou aqueles que recordam.

Para os outros que a visitam, aquele lugar, apenas identifica o Marechal Manuel de Oliveira Gomes da Costa, um dos oficiais que comandou tropas expedicionárias em África, Índia e em França durante a Grande Guerra. Foi transladado para aquele local, todo forrado a mármore preto, na data do centenário de seu nascimento (14 de Janeiro de 1863 - 14 de Janeiro de 1963), homenageado pela Liga dos Combatentes.

Este deve ser o local de culto a todos os Combatentes Portugueses, desde a Fundação da Nacionalidade até ao fim dos tempos ...

Para este local deveriam ser transladados os restos mortais de todos aqueles que encontraram a sua última morada nos cemitérios militares ou civis que se encontram nas terras do então Ultramar, e cujas famílias não tiveram a possibilidade de reclamar o seu “regresso a casa”, mas, sobretudo, daqueles que encontraram a sua última morada no próprio local do combate.

José Martins
8 de Setembro de 2000
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Nota de L.G.

(1) Vd. posts de

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P920: Os soldados paraquedistas tombados e sepultados em Guidage (José Martins)

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P920: Os soldados paraquedistas tombados e sepultados em Guidage (José Martins)


Guiné > Guidage > CCAÇ 4150 (1973/74) > Tabancas. Segundo informação do Manuel Rebocho (Sargento-Mor Paraquedista, na Reserva, que esteve em missão na Guiné, de Maio de 1972 a Julho de 1974), morreram 4 soldados paraquedistas, no dia 23 de Maio de 1973, durante a execução da Operação Mamute Doido, junto à tabanca de Cufeu. (... ) "Três destes Soldados [foram] enterrados, tal como um elevado número de Soldados do Exército, junto ao arame farpado, do lado de fora, do Destacamento de Guidage". O Manuel Rebocho tem feito uma campanha a favor da trasladação dos restos mortais dos seus camaradas paraquedistas e dos demais soldados do Exército. Mas até agora em vão (1).

Legenda e foto: © Albano M. Costa (2005)

Texto de José Martins, ex-Furriel Miliciano de Transmissões, CCAÇ 5, Canjadude (1968/70)

Caros Luís (Graça) e Manuel (Rebocho):

Estou inteiramente de acordo (1).Defendo esta ideia, pelo menos, desde 8 de Setembro de 2000, data em que escrevi um texto a propósito da visita que fiz ao Cemitério Militar e Cripta dos Combatentes no Alto de S. João, em Lisboa (2).

Segundo os meus registos, os soldados tombados em Guidage são ANTÓNIO DAS NEVES VITORIANO, JOSÉ DE JESUS LOURENÇO E MANUEL DA SILVA PEIXOTO, mobilizados do RCP [Regimento de Caçadores Paraquedistas] e naturais de Castro Verde, Cadima e Gião, respectivamente.

Vamos em frente! Custa menos trazer os corpos dos nossos camaradas para cá do que saber, através dos jornais, que a sua campa é devassada para utilizarem as pedras tumulares noutros locais.

Um abraço do
José Martins
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(1) Vd. post anterior

(2) Texto do livro inédito REFREGA, a inserir oportunamente no nosso blogue (LG)

Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)



Guiné > O sargento paraquedista Manuel Rebocho (Maio de 1972/Julho de 1974), hoje Sargento-Mor Paraquedista, na Reserva, e doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975").

Fotos: © Manuel Rebocho (2006)


Texto do Manuel Rebocho, Sargento-Mor Pára-Quedista, na Reserva, que foi operacional na Guiné (Maio de 1972/Julho de 1974, hoje doutor por extenso, pela Universidade de Évora, e um dos mais recentes membros da nossa tertúlia. O apelo do Manuel Rebocho merece, desde já, o meu apoio, extensivo - julgo eu - ao resto dos camaradas e amigos da Guiné. Eu ignorava completamente esta situação de abandono, puro e simples, de camaradas mortos em combate!... Só o desnorte do regime político de então e dos responsáveis das suas Forças Armadas é que pode explicar esta situação infamante... Mas para já temos de saber quantos são, quem eram, a que unidade pertenciam, donde eram naturais... É uma boa ocasião para sensibilizar a opinião pública portuguesa para o drama de toda uma geração que fez a guerra colonial e que recusa ser uma geração envergonhada, culpabilizada, esquecida, e menos ainda uma geração de coitadinhos... Reivindicamos o direito à memória e à dignidade (LG)


Meu caro Luís Graça

Embora um pouco demorado e contra o meu habitual, junto te envio as duas fotografias que me solicitaste.

Quanto à tua pergunta, se sou doutorado ou doutorando, digo-te que sou doutorado em Sociologia da Paz e dos Conflitos. A tese que defendi subordinei-a ao tema “A FORMAÇÃO DAS ELITES MILITARES PORTUGUESAS ENTRE 1900 E 1975”.

Aproveito para te agradecer, bem como ao Humberto Reis, a vossa disponibilidade para colocarem, no blogue, a carta militar de Guidage (2). Iguais agradecimentos dirijo ao Albano Costa por me ter enviado a fotografia de Guidage, tirada de satélite.

O meu interesse por Guidage tem fundamentos científicos, na medida em que concluí que as consequências negativas para as nossas tropas, durante os combates que tiveram lugar naquela zona, durante o mês de Maio de 1973, se ficaram a dever a erros grosseiros de planeamento e execução das operações militares.

Objectivamente, a morte dos quatro Soldados Paraquedistas, no dia 23 de Maio, durante a execução da Operação Mamute Doido, junto à tabanca de Cufeu, deveram-se, segundo a minha investigação, a erros que eu não admitia a qualquer dos três cabos da minha Secção. E o pior, e de todo injustificável, é que três destes Soldados forem enterrados, tal como um elevado número de Soldados do Exército, junto ao arame farpado, do lado de fora, do Destacamento de Guidage.

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Novembro de 2000 > A bolanha de Cufeu.
Foto e legenda: © Albano M. Costa (2005)
Tenho procurado apoios para a transladação dos restos mortais destes camaradas (Páras e do Exército), para os cemitérios das suas terras Natal, por considerar inconcebível este abandono, dos corpos de jovens que morreram no cumprimento de obrigações que a Pátria lhe impôs. Apoios que ainda não consegui. Mas também te digo, que não conheço a palavra desistência.

É que, para além de tudo o que se tem dito, sobre as motivações que conduziram ao Golpe Militar de 25 de Abril de 1974, uma coisa ninguém refere, mas eu sei: enquanto decorriam os combates em Guileje/Gadamael e Guidage, (lembro que o abandono de Guileje se verificou no dia 22 de Maio e estes combates em torno de Guidage, de que te estou a falar, decorreram no dia seguinte), Spínola dirigiu uma carta ao Ministro do Ultramar dizendo-lhe que não tinha meios para continuar a Guerra.

Ressalta daqui, e o Investigador não o pode ignorar ou esconder, que os combates de Guileje/Gadamael e Guidage constituíram formas de pressão de Spínola sobre o poder central para negociar a Guerra.

Então, os homens que morreram nestes combates e, sobretudo, os que ali foram enterrados, constituem-se, quanto a mim, como os grandes mártires “por Abril”. Os outros, bem os outros... Esses trataram da vidinha.

Neste sentido, continuarei a trabalhar para que os nossos camaradas tenham uma sepultura condigna. É o mínimo que eu me sinto na obrigação de fazer.

Já agora, se encontrares o Albano Costa, não te esqueças de lhe dizer que no blogue nos tratamos todos por tu.

Um grande abraço do
Manuel Rebocho
__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 14 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)
Meus caros tertulianos

(2) Em 22 de Junho últim, o Manuel Rebocho escreveu a seguinte mensagem para o Humberto Reis:

Meu caro amigo Humberto Reis:

Cumpri uma comissão de serviço como pára-quedista, na Guiné, entre 1972 e 1974. Venho investigando aquela guerra que, se por uma lado foi igual a muitas outras, também é certo que apresenta algumas espeficidades muito particulares e até atípicas.


Venho agora investigando os combates em torno de Guidage, no mês de Maio de 1973. Para este estudo estou a servir-me das cartas militares que estão no nosso blogue, porém, falta uma que é muito importante: a carta que contém a povoação de Guidage,que fica por cima da carta de Binta.

Como me parece que é o meu amigo quem coloca as cartas no blogue, venho pedir-lhe que faça mais um esforço e cologue lá também a já referida carta de Guidage.

Com o abraço bloguistaManuel Rebocho


O Humberto respondeu no dia seguinte (e deu-me conhecimento do teor da resposta):

Amigo Manuel Rebocho:

Aqui no blogue funciona apenas o tu, sem postos nem títulos. Sobre o teu pedido informo-te que não sou eu que insiro o material no blogue, mas sim o Luís Graça, pois eu em termos informáticos sou um aprendiz de principiante. Julgo que num CD que já dei ao Luís, lá está a carta de Guidaje para inserir no blogue, logo que ele tenha disponibilidade para tal. Portanto, em breve o teu pedido vai ser satisfeito. Faz-me lembrar os programas da rádio dos discos pedidos. Qualquer coisa que precises é só pedir, depois logo se vê se pode ser satisfeito, ou não.
Um abraço,

Humberto Reis

Eu, por meu turno prontifiquei-me a arranjar-lhe o mapa de Guidage, com a seguinte nota (27 de Junho de 2006):

(i) Gostava de ter duas fotos tuas: uma dos bons velhos tempos e outra mais recente, para pôr na nossa fotogaleria…

(ii) Depois arranjo-te o mapa de Guidage… O Humberto Reis é que é o patrão… Entrego-mos digitalizados, eu reduzo-lhes a dimensão e ponho-os em linha (‘on line’) nas nossas páginas na Net… É uma tarefa que requer tempo e paciência…

(iii) Há dias escrevi-te o seguinte (no nosso blogue), espero que tenhas lido, já que não me respondeste: “Meu caro Manuel Rebocho: O José Casimiro Carvalho já me tinha falado em ti. Ex-combatente da Guiné e doutorado (ou ainda doutorando ?) em sociologia, estás duplamente em casa, que é como quem diz: deves sentir-te confortável na nossa tertúlia virtual. Como já cá estás dentro, faz o favor de cumprir a praxe: 2 fotos, uma estória... ou as estórias que quiseres, porque o nosso hobby era a blogoterapia... Escrevemos, contamos estórias, mostramos as nossas fotografias, investigamos, apontamos o dedo à muralha de silêncio que se faz à nossa volta, a geração que fez a guerra colonial e que a perdeu (ou talvez não, por que como diz o Leopoldo Amado, a guerra colonial é apenas uma das faces da moeda; poderemos ter perdido a guerra, mas ganhámos a paz, ou pelo menos estamos a tentar conquistá-la)...

Boa saúde, bom trabalho!
Luís Graça

terça-feira, 27 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças) (Luís Graça)



Esboço do Sector L1 / Zona Leste (Bambadinca) > Vd. legenda

https://arquivo.pt/wayback/20051231221027/http://www.ensp.unl.pt:80/luis.graca/guine_guerracolonial_historia.html

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971.

Infografia: © Luís Graça (2005)


Extractos de:

História da CCAÇ. 12: Guiné 1969/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores 12. 1971. Capítulo II. 26-28.

Documento policopiado, elaborado pelo ex-furriel miliciano Henriques, com a colaboração e a cumplicidade de muita gente, a começar pelo sargento Piça que me abriu todas as gavetas e dossiês da sua secretaria, posteriormente mandado classificar como reservado pelo comandante da unidade, Capitão Brito, e distribuído, à sua revelia, aos quadros metropolitanos da CCAÇ 12 - alferes, furriéis. sargentos e um ou outro cabo - na véspera da sua rendição individual, em finais de Fevereiro e princípios de Março de 1971...

Não creio que tenha sido nenhum crime de alta traição ou de lesa-pátria, crime cuja autoria, de resto, assumi, publicamente, quando tive o grato prazer de encontar o meu antigo comandante, em Fão, em 1994... Não foi, de resto, nenum acto heróico: o regime de Salazar-Caetano estava já a cair de podre em 1971 e o longo braço da PIDE/DGS já não podia chegar a todo o lado...

Entendi, na altura, que aquele documento, feito com seriedade e até profissionalismo, embora limitado nas suas fontes, pertencia antes de demais aos milicianos e aos soldados do contingente geral que em Maio de 1969 tinham vindo no Niassa, sob o guião da CCAÇ 2590, para dar origem à CCAÇ 12, uma das uniddaes da "nova força africana"... Pertencia a eles e aos nossos 'nharros' que deram o seu melhor na defesa daquilo que eles pensavam ser o seu 'chão', as suas raízes, a sua identidade, os seus interesses, os seus aliados (1)... Infelizmente, poucos sabiam ler português. Hoje estou infinitamente arrependido de não ter deixado uma cópia ao José Carlos Suleimane Baldé.

De qualquer modo, a sua divulgação, ontem como hoje, é - para além de um direito, o direito inalienável à memória individual e colectiva ! - é também uma homenagem a todos os combatentes, de um lado e de outro, incluindo o então capitão Brito, hoje coronel, que era um homem afável e civilizado no trato, um elogio que eu só faria a poucos militares do quadro permanente dos muitos que conheci em quase três anos de tropa e de guerra... A história da unidade foi uma encomenda dele, nas vésperas de ser promovido a major, tendo-me pago com um louvor - incómodo, para mim - dado pelo comandante do BART 2917: contradições que o império tecia!...)
(LG).


(9) Março de 1970: Op Tigre Vadio ou uma operação com sucesso à península de Madina/Belel


Esta foi porventura a mais dramática operação conjunta que a CCAÇ 12 efectuou enquanto esteve de intervenção ao Sector L1, às ordens do Comando do BCAÇ 2852 (2).

A missão confiada às NT era bater a área de Madina/Belel, no regulado do Cuor, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse.

As informações de que se dispunha era que devia existir 1 bigrupo (3) nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Coryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc). Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mambonco].

A última operação com forças terrestres realizara-se em Fevereiro de 1969, mas as NT não atingiram o objectivo devido à fuga do prisioneiro-guia e ao accionamento dum engenho explosivo que alertou o IN. Verificar-se-ia ainda vários casos de insolação (Op Anda Cá) (4).

Mais recentemente, forças heli-transportadas destruiram vários acampamentos na área de Mamboncó, reagindo o IN com mort 60 na região de Belel durante a Op Prato Verde(em 5 de Março).

Participaram nesta operação [Op Tigre Vadio] as seguintes forças:

- CCAÇ 2636 (2 Gr Comb) + Pel Caç Nat 52 (Dest A)

- CCAÇ 12 a 3 Gr Comb reforçados (Dest B)

- Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106



Guião da CCAÇ 2636 a companhia açoreana a que pertenceu o nosso camarada João Varanda (Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71).
(5)

Foto: © João Varanda (2005)

Desenrolar da acção:

Em 30 de Março [de 1970], as forças empenhadas na Op Tigre Vadio concentrar-se-iam em Missirá, iniciando às 23h a marcha em direcção ao objectivo. Por falta de trilhos e por dificuldade do terreno, muito arborizado, não foi possível fazer a progressão por itinerários paralelos, como estava inicialmente previsto, pelo que o Dest B teve de seguir na rectaguarda do Dest C.

Sancorlá só foi atingida pelas 2.45h por dificuldades de orientação dos guias, o que ocasionaria, de resto frequentes paragens no decorrer da acção.

Às 4.40h houve uma paragem de meia hora para descanso do pessoal.

Atingir-se-ia Salà às 7h e Queba Jilã às 8h, não se tendo detectado até aqui quaisquer sinais da presença ou passagem do IN e utilizando-se sempre um antigo trilho, muito arborizado dos lados, o que impossibilitava a progresso por colunas paralelas~.

Depois de um novo auto em que se entrou em contacto com o PCV, as NT atingiram o início da península onde depararam, pelas 9h, com uma extensa cortina de fogo, em frente a Madina, pelo que foi necessário pedir ao PCV novas indicações e orientação, uma vez que já não se podia cumprir o plano estabelecido para a batida a desenvolver em linha conjuntamente pelos Dest A e B.

Dada ordem pelo PCV para seguirem na direcção W, torneando a queimada linear feita pelo IN, as NT encontrariam um trilho muito batido no sentido N/S e na direcção de Belel. Seguindo o trilho, iriam detectar por volta das 14h um acampamento IN do lado direito, composto por oito moranças de colmo e 7 de adobo. O Dest A tomou imediatamente posição para o assalto enquanto 1 Gr Comb do Dest B se dispunha de maneira a cortar a retirada ou o eventual afluxo de reforços vindos de Madina e os outros montavam à rectaguarda e à direita a fim de interceptar quaisquer fugas para N.

Desencadeado o assalto com bazuca, foi abatida imediatamente a sentinela e incendiadas as barracas de colmo. Como IN reagisse com RPSH e RPG-2 enquanto iniciava a fuga para NW, foi aberto fogo de armas automáticas, dilagrama e morteiro 60.

O Dest C, instalado na rectaguarda dos grupos de assalto fez fogo cm os dois Mort 81, batendo a mata para onde os elementos IN se refugiaram. Os Gr Comb que montavam segurança à direita, viram aparecer na orla da mata vários grupos fugindo para norte, pelo que imediatamente abriram fogo, tendo uma das granadas caído no meio dum grupo de 3 elementos que não mais foram vistos. Numa rápida batida à orla da mata, encontraram-se muitos rastos de sangue que conduziam à mata onde o IN se internou.

Depois do assalto foram referenciados mais 11 elementos abatidos e nove rastos nítidos de sangue na direcção NW, além de ouvidos gritos de dor nas imediações. Na busca realizada ao acampamento, verificou-se haver numa das barracas a arder 6 armas carbonizadas que pareciam ser Pist Metr PPSH (6). Também foi vista uma bicicleta no meio do incêndio, o que vinha comprovar a utilização por parte do IN daquele meio de transporte e comunicação no “corredor do Oio”.

As 8 casas de colmo arderam completamente, tendo-se depois completado a destruição das 7 casas de adobe, assim como de todos os meios de vida existentes.

Foi impossível recolher ou capturar armamento ou munições pois o fogo ateado desenvolveu-se rapidamente, começando também a mata a arder devido ao vento que soprava.

No assalto ficou ferido o soldado Mauro Balbé (3° Gr Comb da CCAÇ 12), com um tiro no antebraço, além dum outro soldado do Pel Caç Nat 52 com um estilhaço de granada de RPG-2 no peito.

Devido ao ataque de abelhas, muito material e munições (principalmente o que era transportado pelos carregadores) ficaram abandonados, não tendo sido possível a sua recuperação total. Entretanto, não se conseguiu pedir mais evacuações devida à avaria dos micros do único AN/PRC-10 que nessa altura ainda funcionava, nem aliás a DO e o helicóptero com o reabastecimento de água chegariam já a localizar as NT naquele dia.

O Rádio AN_PRC 10
Imagem: © Afonso Sousa (2005) (7)

Os Dests continuaram a progressão a corta-mato em direcção a Enxalé, transportando os feridos em maca e amparando os elementos mais debilitados.

Devido à escuridão e à vegetação densa, os Dests começaram a fraccionar-se, perdendo-se a unidade de comando, enquanto o Pel Caç Nat 52 caminhava na vanguarda orientando-se pela bússola, uma vez que os guias davam provas de não conhecer a zona. A progressão tornava-se, de resto, cada vez mais penosa devido aos crescentes casos de esgotamento físico e psicológico provocado pela marcha quase ininterrupta durante uma noite e um dia, e sobretudo pela desidratação e pelo ataque de abelhas.

Pelas 22h, as várias fracções dos Dests que, embora seguissem trilho feito pelo Gr Comb que ia na frente, não tinham ligação visual ou contacto-rádio, entre si, estacionaram para pernoitar a uns 8 quilómetros do Enxa1é.

Ao amanhecer reiniciou-se a marcha, depois dos 3 Dests se reorganizarem, tendo o grupo da frente atingido o Enxalé por volta das 10h com o auxílio do PCV que orientou o deslocamento. A maior parte do pessoal, porém foi transportado de viatura a partir do cruzamento de São Belchior, depois de se ter dessedentado com água trazida em bidões.
Em resultado da acção das NT, o IN sofreu 15 mortos (entre referenciados e confirmados), 10 feridos confirmados e baixas prováveis, não sendo possível discriminar os elementos combatentes dos elementos pop.
Desta operação o Comando colheu os seguintes ensinamentos:

- A surpresa conseguida deve-se ao facto de se ter atingido o objectivo pelas 14h, hora que o IN abranda a vigilância por que sabe que as NT fazem habitualmente um alto entre as 11h (8). Outra razão foi ter-se convencido que as NT retiravam devido à cortina de fogo que havia lançado ao capim.

-Um ataque de abelhas tem pior consequências que uma flagelação, pois que naquele caso as NT entram em estado de pânico, abandonando armamento e equipamento num instinto de defesa e tornando impossível a manobra de comando.

Transcrição da Mensagem 1404/C do Com-Chefe (Rep Oper):

COM-CHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE
VADIO.
____________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 3 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XI: O Sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (2)

(...) "Colaboração dos fulas com as NT

Os fulas, que são a maior etnia do sector, desde o princípio da guerra que se têm mostrado fiéis as NT mas a sua colaboração é profundamente influenciada por vários factores.

Apontam-se como factores positivos: (i) o tradicional respeito dos fulas às nossas autoridades;(ii) a rivalidade existente entre a etnia fula e as restantes etnias da Guiné, especialmente os mandingas e os balantas;(iii) e ainda a hostilidade dos chefes fulas em relação ao PAIGC.

E como factores negativos:(i) a ausência de um sentimento de nacionalidade;(ii) a islamização;(iii) o receio do potencial IN;(iv) e sobretudo o estado de regressão em que a etnia fula se encontra (em virtude da estrutura tribal em que vive, da poligamia e economia de autoconsumo que pratica, da vida contemplativa que adopta, da perda de qualidades de trabalho, etc.).

Mas duma maneira geral a população fula do sector (e em especial a dos regulados de Xime e Badora) tem prestado colaboração activa as NT, aceitando a autodefesa, alistando-se voluntariamente no Exército e nas forças militarizadas, combatendo o IN e resistindo aos seus ataques. Embora não haja uma fronteira étnica definida, o fula mostra grande apego ao seu chão donde não quer ser desenraizado.

(2) vd. post de 29 Junho 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969)

(3) 1 bigrupo= 50/60 homens. Vd post de 10 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXXVI: Um bigrupo, quantos homens eram ?

(4) O relatório da Op Nada Consta será publicado em breve. Nela participou o nosso camarada Beja Santos, na altura comandante do Pel Caç Nat 52. O seu prisioneiro-guia estava confiado à guarda dos homens desta unidade, destacada em Missirá. Nesta operação realizada em Março de 1970, a Op Tigre Vadio, o comandante das forças terrestrs também foi, prática, o Alf Mil Beja Santos. Esta era, de resto, a sua zona de acção e era de Madina/Belel que, quase sempre, vinham as forças de guerrilha atacar Missirá e outros objectivos das NT...

(5) Vd. posts de:

22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIII: Notícias da açoreana CCAÇ 2636 (Bafatá, Contuboel, Saré Bacar, Pirada)

19 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXC: CCAÇ 2636 (Bafatá, 1970/71) (6): Mimos do PAIGC em Mansomine

(6) Mais conhecidas, entre as NT, por costureirinhas.

(7) Vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)

(8) Vd. post de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(...) A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra (...).

Guiné 63/74 - P917: A nossa caserna virtual (David Guimarães)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 1997 > A nossa antiga caserna... Antigas instalações dos oficiais (à direita) e dos sargentos (à esquerda). A messe de sargentos ao fundo, do lado esquerdo. Eram excelentes instalações hoteleiras, para a época e por comparações com outros outros aquartelamentos. No CTIG, a regra geral era a bunkerização (por ex., Mansambo, Guileje). Por estas novas instalações passaram, pelo menos desde 1968 até 1974, os oficiais e sargentos das CCS de três batalhões - BCAC 2852 (1968/1970), BART 2917 (1970/1972) e BART 3873 (1972/1974)- e diversas unidades adidas, como a CCAÇ 12, o Pel Caç Nat 52, o Pel Caç Nat 53, o Pel Caç Nat 54, o Pel Caç Nat 63, o Pel Daimler 2046, o Pel Daimler 2206, o Pel Mort 1192, o Pel Mort 2106, o Pel Intendência 2189 e tantas outras unidades de que já não tenho registo, além de pessoal em trânsito pela Zona Leste... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor primário local, em 1997)


Um texto do David Guimarães, datado, de vésperas do 10 de Junho, mas que não perde actualidade... Já tinha sido, de resto, divulgado por e-mail através da nossa tertúlia:

Bom dia, camaradas...amigos:

Ai, sim, sim. O Briote tem razão e toda a razão (1)... e o termo será esse mesmo blogueterapia, eu não saberia dizer assim, aprendi o termo, pois vem da área da Saúde e é isto mesmo...

Todos de igual modo fomos tratados numa situação adversa, em tenra idade, por um conflito que não procurámos e aconteceu-nos.... Talvez com quota parte de culpa, talvez, mas as saídas eram poucas... A tua paz será total, Briote, quando conseguires reconciliar-te com um povo que combateste mas muito mais chorando, quem sabe um dia, naquela terra onde sofreste... Mas nunca ao povo lhe quiseste mal no íntimo, nem tu, nem eu e decerto nem ninguém... De tal forma é assim que hoje viajamos para lá de cabeça levantada e lá vemos sorrisos a acolher-nos, os homens que como nós andaram na luta do outro lado de então e a que chamávamos IN...

Duvido que na altura em que lá andávamos, tivéssemos a noção de que lado estava a razão. Fomos demasiadamente enxofrados nas ideias para que a guerra fosse possível. Muitas vezes pensei que estava a defender a Pátria... Um dia destes alguém me dizia:
- Ex combatente, nós éramos todos uns putos a dar ordens uns aos outros...

E é verdade... O objectivo era chegar ao fim da comissão e vir embora: antes de ir só haviam três alternativas: (i) sair de Portugal (sujeito a algo complicado e com duas interpretações: não concordar com a guerra ou fugir à guerra por medo); (ii) ficar e dizer não à guerra (ser preso); (iii) ou então ir e tentar vir vivo...

Todas estas situações se passaram... A maioria foi a última, que foi ir à guerra e regressar com a medalha de "missão cumprida", e quantas vezes comprida demais... Hoje tenho a nítida sensação de que se está noutra fase. Milhares de pessoas bem intencionadas, que viveram e sofreram uma guerra, vão até junto do antigo inimigo fazer jus aos papéis que tantas vezes apanhamos no mato:
- Não lutamos contra o povo Português mas contra o Colonialismo!

Hoje verifica-se isso, pois somos lá de braços abertos recebidos... Eu fui, outros foram e recentemente a expedição à Guiné do Marques Lopes, Allen, Casimiro e companhia novamente pôde testemunhar isso... Foram recebidos de braços abertos e nenhum ódio sobrou de parte a parte (2)...

Tenho só um lamento a fazer, mas é assim a vida: ainda há um ou outro Português - são poucos -, que pensa que teve razão e que hoje julga herói... É pena, mas enfim o direito à opinião é lícito... Aquilo que menos esses Portugueses queriam, era a democracia, esta mesmo lhe dá a possibilidade de falarem alto e dizerem-se extremistas e outros tantos que são racistas... Ainda bem que são poucos, embora jovens, o que é preocupante. Gostaria de pensar que não sejam eles as vozes dos pais : esconfio que se ouvissem um tiro eram capazes de se sujar - mas enfim... até na televisão têm direito a entrevistas e a mostrarem-se guerreiros...

E agora surge-me a pena de estar a 300 Km daquele monumento, em Belém, onde muitos lá estarão, pois é a vida. Estarei aí lado de quem lá estiver em espírito. E segue o abraço bem forte daquele homem que, como vocês, sabe e soube viver em caserna - e mais, até gosta dela mesmo...

Pois no mural [que é o nosso blogue] tantas coisas já estão escritas na ânsia de informar bem, escrever o que se passa e sempre em linguagem simples, contando a verdade e só a verdade sem vanglória nenhuma. Linguagem de caserna que só quem nela viveu e vive entende... Dormimos em beliches, e não há problema que nos banhos se use detergente mais forte... É caserna, a nossa caserna onde embarcamos um dia, uma caserna muito bem arquitectada pelo Luís, que douto - não se esqueceu e bem que ontem era o Furriel Miliciano Henriques da CCAÇ12 - era assim e hoje é assim também na nossa caserna... A caserna que afinal ele tão bem soube arquitectar - disso decerto estamos todos agradecidos... e disso tenho a certeza... A caserna onde todos se conhecem, todos se entendem e de onde já muitos vêm até á parada e convivem...

Perfilho essa ideia: uma reunião desta força, uma companhia serena onde todos se comunicam e onde nos conhecemos pelo verbo, pela fotografia e alguns já pessoalmente... Será um encontro e para outros um reencontro, materializando o verbo, a fotografia e encurtando estes 30 ou 40 onde um dia quiseram que andássemos todos juntos... E sim, quantas vezes descalços já, porque palmilhávamos quilóemtros e quilómetross, utilizávamos as G3 naturalmente e muitas vezes já pronta a disparar com bala na câmara, granadas de mão (defensivas e ofensivas), morteiros, bazucas, peças de artilharia e carros de cavalaria, armadilhávamos, faziamos a logistica às populações, entrávamos nos planos de reordenações, ensinávamos nas escolas e ainda sobrava um tempo para escrever para casa e tomar uma cerveja e fazer as leituras e ouvir as nossas músicas... quantas vezes proibidas...

Bem hajam, e bem hajas, Luís, todos nós por nos lermos uns aos outros e de que maneira. O Luís por, sem tempo enfim, continuar a ser um timoneiro que nos fez a casa e agora, ainda por cima, vai colocando o que escrevemos no mural... Obrigado...

Um abraço,
David Guimarães, em véspera de 10 de Junho
____________

Notas de L.G.

(1) Vd. pots de 10 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P861: Os nossos (des) encontros do 10 de Junho

(2) Vd. dfe 16 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXI: Do Porto a Bissau (16): Encontro com o IN (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P916: A propósito da carta do Beja Santos a Alcino Barbosa (Carlos Vinhal, CART 2732, Mansabá)

Texto do Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art, de minas e armadilhas, CART 2732, Mansabá (1970/72):

Camaradas,

Depois de ler a Carta a Alcino Barbosa, da autoria do nosso camarada Mário Beja Santos (1), não posso deixar de fazer algumas considerações.

Depois de ler alguns dos os textos que compõem o já valiosíssimo Blogue do nosso Luís, concluo que da guerra da Guiné pouco conheço. Estive 22 meses no mato, mas pelas estórias que me chegam, acho que estive num hotel de 5 estrelas e os contactos que tive com o IN, mais não foram que quezílias entre má vizinhança..

Mais, a guerra vista e sentida por aqueles que fizeram parte de Companhias Nativas (tropas especialistas ou não) foi diferente daqueles que, como eu, fazendo parte de companhias do continente e/ou Ilhas, teve poucos contactos com os autóctones. O carinho com que falais dos vossos nharros é comovedor. A maior parte de vós tem isso em comum e eu sinto-me um pouco estranho.

Não conheci muitos militares tão aguerridos como o camarada Beja Santos, pelo pouco que ainda li dele, mas sei que havia militares graduados (e não só) que, talvez tendo uma visão e percepção particulares daquela guerra, actuavam como se de si próprios dependesse a solução da mesma. Comandar, ou mandar, sempre foi complicado e sempre acarretou responsabilidade e custos de ordem moral. À primeira vista, Beja Santos demonstrou no passado alguma distanciação em relação ao militar Alcino Barbosa, de quem nunca mais soube, e ao senhor Jesuíno Inácio Jorge, a quem nunca visitou. Coisas que ainda pode resolver.

Gostava que o camarada Beja Santos ou algum de nós, com lucidez e distanciamento suficiente, fizesse uma análise ao nosso comportamento colectivo na Guerra Colonial, enquanto jovens militares. Cumprindo o serviço militar obrigatório, foi-nos imposta uma guerra da qual não quisemos ou não conseguimos fugir.

Deixo a minha ideia à consideração geral, principalmente àqueles que, por mais formação ou especialização, lhe queiram dedicar algum tempo.


Carlos Esteves Vinhal

Leça da Palmeira/Matosinhos
Telemóvel 916032220

Comentário de L.G.:

1. Carlos: Obrigado pela tua interessantíssima questão (ou questões).

2. Não há duas guerras nem duas classes de guerreiros: tirando a "guerra do ar condicionado", só havia uma guerra, um único teatro de operações, e todos nós - tropa-macaca, branca ou preta, e tropa especialista - e a fizemos e sofremos, fomos actores e fomos vítimas...

3. Eu tenho muito respeito pelos militares das unidades de quadrícula que viveram 21 meses ou mais em estado de sítio, em muitos casos... Muitos deles têm mais marcas, no corpo e na alma, do que a malta nas unidades ditas de intervenção...

4. A questão que levantas e que pões ao Beja Santos, é um desafio, delicado mas estimulante, e que não uma resposta única: por que é que alguns de nós, muitos de nós, milicianos e soldados do contingente geral, nos batemos galhardamente contra o PAIGC, "contra a nossa própria guerra"... Posta a coisa em termos ainda mais crus: por que é que os oficiais e sargentos milicianos se substituiram, durante muito tempo, aos oficiais e sargentos do quadro permanente...

5. Vamos discutir estas questões, se assim o entenderem, com serenidade e honestidade intelectual, mas sem ressentimentos nem espírito de polémica, porque isto é fracturante... De qualquer modo, não há tabus entre nós, espero bem... (LG)

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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P904: SPM 3778 ou estórias de Missirá (3): carta a Alcino Barbosa, com muita intranquilidade (Beja Santos)

Vd. também posts relacionados com este episódio da mina com emboscada, ocorrido em 16 de Outubro de 1969:

24 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P905: A morte na estrada Finete-Missirá ou um homem com a cabeça a prémio

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá'

Guiné 63/74 - P915: Saudação ao Beja Santos e aos 'baixinhos' de Dulombi (Paulo Raposo)

Olá, baixinho Beja Santos.

Oh tempo, dá sinais de ti, rapaz, e aparece, contamos contigo [no dia 1 de Julho de 2006, no Grande Encontro da 2ª Incorporação, de 10 de Abril de 1967, do Curso de Oficiais Milicianos, EPI, Mafra]

Os baixinhos do Dulombi que continuam em excelente forma física, mas apanhados do clima, assim como tu.

Leonel de Carvalho e Madaíl vão para a Alemanha ver a bola, escreveram, no entanto, que muito lamentam não estarem presentes.

Um forte abraço do
Raposo



O Rei Almançor de Montemor
Paulo Lage Raposo
Alf Mil Inf
BCAÇ 2852 / CCAÇ 2405
Guiné 68/70

Telefone 266898240
Herdade da Ameira
7050 Montemor O Novo

PS - Este rádio segue em claro pois o cripto mais uma vez apanhou outra cadela ontem à noite e diz que lhe dói muito a cabeça. Já não tenho mão naquele desgraçado.

segunda-feira, 26 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

Gui´né > Zona Leste > Sectro L1 > Bambadinca > O Ten Cor Polidoro Monteiro (1), comandamte do BART 2917, o Alf Médico Vilar e o Alf Paulo salgado "vendo a dentadura do crocodilo"... Foto tirada possivelmente "em inícios de Dezembro de 1971 no Mato Cão", após ocupação da zona com vista à construção de um destacamento (com a missão de proteger a navegação no Geba Estreito). As condições eram péssimas, diz o Paulo. "Atrás do Comandante, nota-se um mosquiteiro. Não havia valas, unicamente uns buracos individuais,com a dimensão dos colchões".

Foto: © Paulo Santiago (2006)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Finais de Março de 1972. "Perto da foz do Cantoro, minutos antes de um terrível ataque de abelhas" (PS).

Foto: © Paulo Santiago (2006)



Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 (?) > "Noite de copos em Bambadinca. Estou de camuflado, o Alf Machado à civil. Penso que os soldados são da CCS [do BART 2917]" (PS).

Foto: © Paulo Santiago (2006)
Guiné-Bissau > Jugudul > Fevereiro de 2005 > O Paulo Santiago, à esquerda, com o Ten Ká da Guarda Fiscal e o Sado, oficial superior da mesma força e "meu grande amigo". Foto tirada junto à rotunda, em Jugudul.

Foto: © Paulo Santiago (2006)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Fevereiro de 2005 > Com os meus antigos soldados Bubacar e Mamadú, estando abaixado o filho do meu soldado Iero Seidi, já falecido.

Foto: © Paulo Santiago (2006)

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Texto do Paulo Santiago (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Bambadinca, 1970/72), actualmente residente em Aguada de Cima, Águeda, um dos melhores sítio do mundo para se comer leitão...

Luís:

Vou procurar descrever a minha visita à Guiné, feita juntamente com o meu filho João Francisco. Era para ter sido feita em 1998, devido à guerra teve de ser adiada.Esteve progamada para várias datas juntamente com alguns camaradas da CCAÇ 2701, mas chegava a hora e por qualquer motivo havia adiamento. Em Janeiro de 2005 convidei o João, tinha 20 anos,para ir comigo. Acedeu e marquei viagem para a semana de Carnaval.

Em 4 de Fevereiro, após uma noite mal dormida,imaginando o que iria encontrar,embarcámos às 8 horas no voo da TAP com destino a Bissau. Gosto pouco de andar de avião, mas aquelas horas de voo passei-as muito bem.

Quando começou o sobrevoo da Guiné a emoção começou a apoderar-se de mim...tinham-se passado 33 anos. Quando assomo à porta do avião sobe-me às narinas aquele cheiro de que tinha tantas saudades. Como gosto daquele aroma e como o tinha guardado no meu intimo. Na pista tinha à minha espera o meu amigo Sado,oficial superior da Guarda Fiscal, que por motivos de saúde vem várias a Portugal, dando-me o prazer de ficar em minha casa e que trata a minha mãe por avó.Dirigimo-nos à sala de desembarque, onde está uma senhora, vim a saber da segurança,com um papel com inscrição Santiago. Tinha sido um pedido da Residencial Coimbra onde iríamos ficar. O Sado e a senhora encaminharam-nos pela saída diplomática. Senti-me importante. Havia dois carros para nos levarem: um da Residencial e outro do Sado. Vim no da Residencial e o meu filho com o Sado.

Durante o percurso corria-me um filme na cabeça, passado nos anos de 1970/1972. Acordo, está ali o Poilão de Brá e toda aquela confusão, que não existia no nosso tempo de jovens, que é o Mercado de Bandim. Chego à Residencial Coimbra, na casa Nunes e Irmão, perto da Catedral, oferecem-me um Gin, mas quero é ir para a rua, ver pessoas, ver locais.



Guiné-Bissau > Bissau > 2001> Restaurante Lusófono, junto ao Aeroporto de Bissau... Em primeiro plano, o Dr. Vilar, à esquerda, e o David Guimarães. O Dr. Vilar foi alferes miliciano médico do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e, como tal, também foi médico do pessoal da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).

Foto: © David J. Guimarães (2005)


Vimos para a rua, o Sado foi para o serviço, venho eu e meu filho. As pessoas cumprimentam-nos (Boa Tarde),e eu emociono-me,estou num País estrangeiro e cumprimentamo-nos como se eu estivesse aqui, em Aguada. A Língua que nos une é um bem valioso.

Passamos em frente à Catedral, ao antigo edifício dos CTT, ainda com estas iniciais, ao ex-BNU, ao local onde existiu o Bento, agora edifício da Televisão, chegamos ao porto onde desembarquei do Alfredo da Silva. Regressamos passando pelo sitío onde ficava o Pelicano, o Pintosinho, flectimos para passar junto à Amura, regressando à Residencial para beber calmamente um Gin Tónico.

À noite, com o meu filho, fomos jantar a um restaurante em frente ao Grande Hotel, ruas sem luz, as pessoas a darem as Boas Noites, sem sentirmos qualquer insegurança.

Foi assim o meu primeiro dia em Bissau após Agosto de 1972. Continuarei a contar-te, em próximas mensagens, os restantes dias.

Um abraço
Paulo Santiago

(ex-Alf Mil Pel Caç Nat 53, 1970/72)

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Nota de L.G.

(1) Sobre o Polidoro Monteiro, vd. posts de:
18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVIII: Estórias cabralianas (4): o Jagudi de Barcelos

(...) Dos quatro Comandantes de Bambadinca que conheci, apenas o Polidoro Monteiro me mereceu consideração. Dos outros nem vou dizer o nome, e de dois a imagem que guardo é patética (...) (Jorge Cabral]
29 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1)
(...) No ano passado esteve connosco o Major (Coronel Aposentado) Anjos de Carvalho... Vamos ver se este ano vem também o [major de operações] Barros e Bastos... O Polidoro Monteiro e o Magalhães Filipe já faleceram. O Polidoro Monteiro, sim, operacional, como tu dizes e bem, sempre o foi...
"Quanto ao Vilar fácil será encontrá-lo, Psiquiatra Marques Vilar, vais dar a ele [em Aveiro]...Poderei arranjar a direcção dele, fica descansado" [David Guimarães].
26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6)
(...) Um dia o Comandante do BART 2917, já na sobreposição, apareceu no Xitole. O Luís Graça e o Humberto Reis conheciam-no. Era o Tenente Coronel Polidoro Monteiro... Conto-vos uma peripécia passada com ele. Perguntava eu, bem perfilado, ao Polidoro Monteiro:
- Meu comandante, a nossa missão é ir ensinar o caminho a esta gente...Proponho que ensinemos o início dos caminhos por onde passamos tantas vezes....Resposta:
- Vai-te foder, seu caralho, quero que lhes ensinem a toca....Deu em riso, como é evidente... [David Guimarães]

Guiné 63/74 - P913: Empada 1969 ou as duas Guinés (Zé Teixeira, CCAÇ 2381)

Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2005 > O reencontro do Zé Teixeira com o Keba (à esquerda)... À direita, o Xico Allen, com quem o Zé Teixeira viajou em 2005, e que também tinha estado em Empada, embora já nais tarde (1972/74). De óculos, e vestido de azul, o Braima, que foi ajudante de enfermeiro do Zé Teixeira. A guerra dividiu a família do Kebá. Ele tinha 3 mulheres com vários filhos. Duas ficaram da banda de lá. Ele fixou-se em Empada com a outra esposa. Em dada altura fugiu para o mato e tentou, em vão, recuperá-las... Viveu o resto da guerra num pesadelo. (LG)

Foto: © José Teixeira (2006)


Texto enviado pelo José Teixeira (ex-1º cabo enfermeiro Teixeira, da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70):

Luís

Saúde, paz e felicidade para ti e para os teus.

Fui buscar um texto à história da minha Companhia que, creio, poderá dar uma visão realista da situação política, social e económica da Guiné resultante da evolução da guerra, no ano de 1969.

Os dados populacionais referenciados foram possíveis, creio eu, devido ao facto de os militares da minha Companhia se terem revoltado contra o Chefe de Posto, por este ter castigado o Kebá, por falta de pagamento de imposto do "pé descalço" e ter sido substituido pelo Comandante da Companhia, Capitão Moutinho Santos. (História já aqui contada no blogue) (1). Houve assim acesso aos dados registados sobre a população civil.

Um antigo combatente que viveu o drama de Guileje falava-me há tempos das zonas vermelhas, isto é, das áreas marcadas no mapa a vermelho, onde era vedada a penetração das nossas forças e, se por acaso ou erro lá fossem parar, deviam de imediato avisar o Comando-Chefe, pois o risco de serem considerados IN era elevado.
Situação resultante da partilha do terreno nos primeiros tempos da guerra, em que os régulos eram convidados a aderir às nossas posições ou a tornarem-se IN com as consequências que adivinhamos.

Quer dizer, havia duas Guinés, a nossa e a dos outros. Quem está de acordo comigo ?
Já agora gostaria que alguém me explicasse melhor esta história.

Um abraço
Zé Teixeira
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INIMIGO

Para melhor se compreender a actual [fins de 1969] situação do IN na região de Empada, torna-se necessário, ainda que sucintamente, estudar a evolução do desenvolvimento da subversão desde o seu início, até hoje. Para isso foi lida e estudada toda a documentação existente na Unidade, além de serem ouvidos os elementos da população de há muito radicados em Empada e que foram protagonistas ou pelo menos testemunhas dos factos.

Assim, logo que eclodiu o terrorismo através de vicissitudes e peripécias várias - destruição de nossa parte, das tabancas que apoiavam o IN; destruição das tabancas que nos apoiavam, por parte do IN - , os campos foram–se a pouco e pouco extremando, refugiando-se a população que nos era favorável em Empada e arrebantando o inimigo para fora do nosso alcance as restantes populações, as quais se refugiaram e organizaram nas zonas da Península da Pobreza, Dassalame, Aidará, Cã Beafada, e Cã Balanta.

Constatando-se que a área do sub-sector coincide em linhas gerais, com a do posto Administrativo de Empada, fácil nos é apreciar, recorrendo aos arrolamentos existentes, antes da subversão, verificar a situação desfavorável em que ficamos.

Assim, segundo dados de 1963 o número de contribuintes era de 2.388 e o total de habitantes com mais de 16 anos era de 8.827. Actualmente existem do nosso lado 437 contribuintes, sendo o número de habitantes, das condições anteriorenente expressas, de 1.354. Verificamos assim que apenas 1/7 dos contribuintes e 1/7 da população ficaram controladas por nós. Por outro lado, embora a área efectivamente patrulhada pela Unidade seja de 1/3 da área total, verifica-se que o IN, se refugiou nas zonas agricolamente ricas e onde pode facilmente subsistir e apoiar outras regiões.

Numa segunda fase, coincidente com a estadia da CCAÇ 1423, o IN procurou a todo o custo desalojar a população que apoiava a tropa (1) forçando-a, ou ir para o mato, ou a procurar refúgio em Bolama ou Bissau. Os ataques de grande violência sucediam-se causando vítimas entre a população civil que chegou a pedir às autoridades para se refugiar em Bolama.

Num dos ataques chegou a penetrar na povoação, sendo repelido com duas perdas. Para isso muito contribuiu um 1º cabo que com a bazooka calou 3 metralhadoras ligeiras. Num outro ataque o IN apresentou-se com canhões sem recuo, morteiros médios, metralhadoras de 12.7 mm, metralhadoras pesadas e ligeiras em grande profusão, cercando a povoação a cerca de 100 m do arame farpado, tendo sido repelido com perdas, embora tivesse causado danos consideráveis.

Simultaneamente com estes ataques e flagelações constantes a Empada, o IN organizou-se fortemente nas regiões já referidas, criando uma organização politica-administrativa suficientemente forte para controlar totalmente a população, doutriná-la e mentalizá-la, enquanto abria escolas, embora de nível baixo, e procurava dar à população uns rudimentos de assistência sanitária, com estabelecimento de enfermarias que, embora de fraco valor intrínseco, não deixavam de constituir elementos preponderantes de uma propaganda insidiosa.
Para melhor compeensão do grau de doutrinação alcançado pelo IN sobre a população, transcreve-se passagens do relatório da Operação Tipóia, realizada em Abril de 1966, última em que à zona de Pobreza foi mandada apenas a Companhia de Empada [ CCAÇ 1423, 1966/68 ?], reforçada com a milícia, tendo sido cercada, deixado um morto não recuperado e só conseguindo regressar graças a appoio aéreo:
(i) A princípio, 4 elementos inimigos atacaram com pistola metralhadora, avançando a peito descoberto;
(ii) depois de mais tiros de P.M. por parte do IN, ainda mais próximos pelo cantar e bater de palmas, concluimos que o cadáver do nosso soldado devia estar nas mãos dos bandoleiros;
(iii) o In foi calculado em cerca de 100 elementos, divididos em grupos que actuavam em diferentes posições;
(IV) o IN insultou sempre as NT com a frase "Tuga - filhos da p...;
(v) pareceu-nos que o IN em Ianguê se encontrava preso de um forte e estranho fanatismo que o leva a lançar-se contra as NT sem qualquer receo da morte.


Fonte: Extractos de HU - História da Unidade: CCAçÇ 2381 -Os Maiorais [ Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70]. Cap. II. Pag. 29-30.
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Nota do J.T.:

(1) A história do Kebá que revi em 2005 é um exemplo concreto. Tinha 3 mulheres com vários filhos. Duas ficaram da banda de lá. Ele fixou-se em Empada com a outra esposa. Em dada altura fugiu para o mato e tentou recuperar as outras duas e seus filhos, mas estas não quiseram vir com ele, pelo que ele voltou e vivia num pesadelo. Era meu ajudante na enfermaria, mas recusava-se a sair para o mato, aliás, nunca aceitou pertencer à Milícia.

Vd. post de 12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXII: O meu diário (José Teixeira, enfermeiro, CCAÇ 2381) (18): Empada, Novembro/Dezembro de 1969
Comentário de L.G:
Houve muitos dramas parecidos com o do Kebá no início da guerra. Há tempos, um médico guineense também me relatou uma história parecida, que envolveu um seu tio materno, de etnia beafada, que vivia justamente em Empada: a esposa ficou do "outro lado", ou seja, na zona controlada pelo PAIGC; ele ficou do "lado de cá", ou seja, na zona controlada pelos tugas... Acabou por arranjar outra família; o mesmo se passou com a sua esposa... Curiosamente, e por razões compreensíveis, nunca quis ser milícia, tal como o Kebá...

Guiné 63/74 - P912: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (12): A morte de um pai

Guiné > Bissau > 1969 > O pai do Paulo Raposo, de férias, no Grande Hotel... Em Setembro desse ano, o nosso camarada estava em Galomaro quando recebeu a terrível notícia de que o seu pai acabava de falecer em Lisboa. Igualmente o nosso camarada Victor David (também na altura Alf Mil da CCAÇ 2405) passou, durante a sua comissão, por esta dura provação, a de perder o pai.

Foto: © Paulo Raposo (2006)


XII parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. 35-38 (1).


O regresso a Bissau

Aterrámos em Bissau como uma pedra. Dizem que são as melhores aterragens, pois as más são aquelas que nós não sentimos. É como as granadas e os tiros: os que nos são destinados, não os sentimos. Aberta a porta do avião, saímos sem pressa.
O calor e a humidade eram tantos que parecia que estávamos a entrar numa casa de banho onde alguém tivesse acabado de tomar um banho muito quente. Desta vez, não fui para o Grande Hotel, mas antes para uma cama que o João Saldanha me arranjou em casa dele.

Apresento-me no Quartel General e, por razões de que já não me recordo, perco a ligação aérea militar para Bafatá. Era um Dakota que fazia esse serviço. Como não havia outro transporte tão cedo, peço ao Alferes Bobone, que estava a tirar o brevet, para me levar a Bambadinca, que eu lhe pagava o tempo de vôo do Aeroclub, que era barato.

O Bobone era Chefe de Gabinete do Brigadeiro Spínola, portanto só me podia levar à hora do almoço, que, em Bissau tal como em toda a África, tinha a sesta como complemento. Fui almoçar a casa dele, pois ele tinha lá a mulher, e seguimos para o aeroporto, aonde nos aguardava o instrutor, que também seguiu.

O avião era um Auster, avião de três lugares, forrado a lona. Lá fomos, eles à frente e eu atrás, a ver se tudo corria bem. Voamos alto para não termos surpresas e, como o avião é lento no ar, parecia que estávamos parados. Ao fim de meia hora aterrámos em Bambadinca na pista de terra batida. Tudo bem.

A chegada de um meio aéreo, numa terra aonde não acontece nada, é sempre um acontecimento. Fomos para o bar tomar one for the road. Depois das contas feitas e das despedidas, o Bobone meteu-se no Auster para regressar, mas o motor não pega. Que se passa?

Ligamos para Bissau via rádio, e o chefe instrutor do Aeroclub, entre muitas coisas, diz para vermos se os cabos que ligam os borries da bateria estavam bem apertados. É claro que não, estava um solto. Foi apertado e lá seguiram. Spínola deve-lhe ter puxado as orelhas pelo atraso.

Um dos nossos passatempos nos períodos de pausa era contar histórias. O Bobone contou que um dia Spínola sentou-se na sua mesa de trabalho e com o braço, atira tudo o que estava em cima da mesa para o chão. Depois respira fundo e diz:
- Vamos trabalhar.

Coitado, era o peso da responsabilidade e era o feitio de quem se preocupa. Foi por esse seu feitio que mais tarde o apanharam. Não era uma pessoa fria. Spínola era sem dúvida um bravo. Os pilotos de heli não gostavam de voar com ele.
Se ele via uma aldeia, mandava o piloto descer, fazia uma alocução à população e seguia. Não se importava se a aldeia era controlada por nós ou pelo inimigo. Almeida Bruno passou as passas do Algarve com ele por causa destas incumbências.

No funeral do Brig. Nascimento, no Cemitério dos Prazeres, o Brig. Spínola aguentou estoicamente a carga de água que caíu, aquando das cerimónias. Não vacilava.

Novamente no Leste

Estamos em junho. Regressado à rotina de Tabancas em Auto Defesa, chega o primeiro correio e nesse correio vem uma carta de meu pai e outra de minha mãe muito estranha, que diz:
- O teu pai está melhor.

Esta era portanto a segunda carta de minha mãe, pois por capricho de destino a primeira ficou para trás. Sigo de imediato para Bafatá, o único local de onde se podia telefonar para Lisboa.

Depois de longa espera, consegui falar com a minha mãe. Naquela época pedia-se o número, e as centrais manuais iam pedindo sucessivamente o número até ao destino e, por fim diziam "está ligado".

A minha mãe contou-me então a triste história. Meu pai, passados dias após a minha partida, teve um acidente vascular cerebral. Entrou em coma e veio a falecer ao fim de três meses. Eu julgava que não era coisa que não me podia acontecer, e ainda hoje acho que é mentira.

A nada assisti. Era Setembro, e eu estava na altura em Galomaro, juntamente com uma companhia de paraquedistas. O Major Pardal dirige- se a mim, passa-me a mão pelas costas e diz-me:
- O teu pai acabou de falecer; o Brigadeiro Nascimento mandou um heli buscar-te, reservou o lugar do Governador na TAP e tens na repartição de pessoal uma licença para seguires viagem.

Uma rápida vinda a Lisboa

Devo gratidão a todos estes amigos. Foram horas muito difíceis. Chego a Bissau no heli e vou para o Grande Hotel, para embarcar para Lisboa no dia seguinte. À noite vou jantar com o Francisco Ramos. Eu, que não sou de muitas falas, não me calo durante o jantar.

Era uma realidade que eu não queria aceitar. A viagem de avião foi um martírio. Da tristeza para o que ia e de alívio por folgar durante um tempo o buraco da Guiné. Chego a Lisboa e vejo a minha mãe toda vestida de preto, como nunca a tinha visto. O funeral já se tinha dado. Vou para casa e esta parecia vazia. Ainda assisti à Missa de 7º dia na Igreja de S. Nicolau. A Igreja ficava por cima da casa comercial que o meu pai tinha na Rua da Prata. A Igreja estava repleta, embora a família não estivesse completa. Passados dez dias estou de regresso àquele inferno.

Ao Alferes David, [igualmente da CCAÇ 2405], passados meses, sucedeu-lhe a mesma coisa. Perdeu o Pai em circunstâncias idênticas. Houve muitos casos destes.

Novamente o regresso

Mais uma despedida no aeroporto e uma viagem sem história, toda feita de noite, com a habitual escala em Cabo Verde.

Regresso de novo à rotina de Tabancas em Auto Defesa.

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Nota de L. G.

(1) Vd. post de Guiné 63/74 - P889: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (11): Férias em Portugal

(...) "No aeroporto outra vez as despedidas, mas já não íamos para o desconhecido, já sabíamos o que nos esperava. De novo a família e os amigos de sempre a despedirem-se de nós. Vim depois a saber que depois de eu entrar para o avião, pois naquela altura assistia-se a tudo do varandim do 1º andar do aeroporto, o meu pai ficou agarrado a uma coluna, a chorar como uma criança.

"A viagem de regresso nada tinha de alegre. Dormi até chegarmos a Cabo Verde, de madrugada, para uma escala do avião. Comandava o avião o comandante Simões, visita de sempre da família amiga Simões de Almeida e Palma Carlos, relações que já vinham do tempo dos meus avós" (...).

Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá' (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Finete-Missirá > 1969 > O Fur Mil Reis (à esquerda) e o Alf Mil Carlão (à direita), do 2º Gr Comb da CCAÇ 12 vistoriando os restos da viatura (Unimog 404) em que seguia o Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, quando accionou uma mina anticarro, no dia 16 de Outubro de 1969, por volta das 18h00, na zona de Canturé (entre Finete e Missirá: vd. carta de Bambadinca, de 1/50.000).

Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006)

Eis como esta acção da guerrilha foi ficou relatada nos documentos classificados que temos em nossa posse:


(i) História da Unidade: BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Bambadinca: Batalhão de Caçadores 2852. 1970. Cap. II. 112. Documento reservado

Em 16 [de Outubro de 1969] , IN não estimado emboscou no lado direito da estrada Finete-Missirá, próximo de Canturé, uma coluna de reabastecimerntos do pel Caç Nat 52, compotso por 15 elementos, simultaneramente ao accionamento de mina A/C, causando 1 morto e 3 feridos graves às NT. O IN sofreu 1 morto quando provocava assalto.

(ii) História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 16.

Registe-se ainda a intervenção do 2º Gr Comb [do Alf Mil Carlão e dos Furriéis Mil Reis e Levezinho] que, com o Pel Rec Inf da CCS [do BCAÇ 2852], foi em socorro duma coluna do Pel Caç Nat 52 que em 16 [de Outubro de 1969], já ao anoitecer, caíu numa emboscada com mina A/C comandada, no itinerário Finete-Missirá, próximo de Canturé, sofrendo um morto e três feridos graves.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Finete, regulado do Cuor > 1969 ou 1970: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60, mais conhecido por o puto (na foto, de pé, de cachimbo; era de facto um puto, com 16 ou 17 anos...).

Foto: © Luís Graça (2005)

Comentário de L.G.:

Lembro-me ainda muito bem deste fatídico acontecimento, que causou emoção em Bambadinca, até porque integrei a coluna de socorro que partiu daqui, atravessando o Rio Geba e a bolanha de Finete. Tudo se passou quase à nossa frente. O local da emboscada estava inclusive ao alcance dos nossos morteiros. Na altura ainda não havia obuses em Bambadinca, mas apenas um esquadrão do Pel Mort 2106 (espalhado, de resto, pelos ouytros aquartelamentos do Sector L1: Xime, Mansambo, Xitole, Saltinho).

O Beja Santos já me facultou cópia do relatório desta acção que ele próprio elaborou, na sua qualidade de comandante do Pel Caç Nat 52. Na carta ao Alcino Barbosa (1), há um pequeno conflito de datas: o Beja Santos diz, primeiro, que foi a 16 de Outubro de 1969, e depois, certamente por lapso, refere-se sempre a 15 (1); as nossas fontes dizem que foi a 16...
De qualquer modo, era voz corrente que o Beja Santos, conhecido entre os seus camaradas milicianos como o "tigre de Missirá", tinha a cabeça a prémio no regulado do Cuor... Exagero ou não, o próprio Beja Santos reconhece publicamente este facto no último post que inserimos (1):

"A 15 de Outubro devíamos ter regressado mais cedo. O Comandante local do PAIGC, Corca Só, já me tinha ameaçado de morte, tendo mesmo deixado um bilhete na estrada. Saímos tardíssimo de Finete, o sol a cair a pique, como acontece nos trópicos" (...).
Não foi a 15, mas sim a 16. O Corca Só não levou para Madina/Belel o escalpe do Beja Santos. E isso é o mais importante: ele hoje está vivo e entre nós, partilhando connosco as alegrias e as tristezas de um tempo e de um espaço que nos coube em sorte, nos nossos verdes (e loucos) vinte anos...
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Nota de L. G.:

Guiné 63/74 - P910: Os nossos (des)encontros do 10 de Junho (Fernando Chapouto, CCAÇ 1426)

Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > O Fernando Chapouto, residente em Bobadela, ex-furriel miliciano da CCAÇ 1426 (1965/67), que passou pela zona leste, a noroeste de Bafatá: Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda... É, além disso, um cruz de guerra.

Tem um página pessoal donde se retiram os seguintes elementos biográficos, relativos à sua comissão na Guiné: (i) Partida para a Guiné no Niassa em Agosto de 1965; (ii) Em Outubro de 1965 está em Camamudo; (iii) Em Dezembro de 1965 passa por Banjara; (iv) em meados de 1966 está destacado no Geba; (v) em Março de 1967 está em Cantacunda; (vi) Em Maio de 1967 regressa à metrópole no Uíge.

Há um outro nosso tertuliano que pertenceu a esta unidade, a CCAÇ 1426 (1965/67): é o Belmiro Vaqueiro, também ex-furriel miliciano, residente em Bragança. Há um ano atrás, publicámos aqui uma mensagem do Belmiro Vaqueiro : vd. post de 26 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXII: CCAÇ 1426 (Geba, 1965/67): Presente!, de que se destaca aqui um excerto:

Foi com muita emoção que vi o excelente trabalho publicado na Net acerca dos bravos da CART 1690. Curvo-me perante a memória dos caídos em combate cujo historial desconhecia. É que eu percorri todos esses locais e ainda tenho bem presente os momentos vividos em Cantacunda e Banjara. Fiz parte da Companhia de Caçadores nº 1426 com sede em Geba (1965 a 1967), companhia que que pelos vistos foi rendida pela CART 1690 nos primeiros dias de Maio de 1967 (...).
A CART 1690 foi a companhia, com sede em Geba, a que pertenceu originalmente o nosso camarada A. Marques Lopes.

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2006)

Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > Sérgio Pereira e Lema Santos, em amena conversa, tendo ao meio o organizador do encontro da nossa minitertúlia, o Hugo Moura Ferreira. Diz o Chapouto: Recordar é viver... Este ano fomos poucos. Para o ano iremos mais, se Deus quiser. Mas é bom conviver com alguém que nos toca na mente e no pensamento e com quem, há muitos anos, palmilhámos o mesmo mato e as mesmas bolanhas, partilhando o mesmo sofrimento (...)

© Fernando Chapouto (2006)

Lisboa, Belém, 10 de Junho de 2006 > Em frente ao Forte do Bom Sucesso e do Memorial aos Mortos dos Ultramar> Da direita para a esquerda: Sérgio Pereira, Fernando Chapouto, Hugo Moura Ferreira, um camarada não idnetificado, o Fernando Franco e um antigo combatente da Guiné. Legenda do Fernando Chapouto: "Uma demonstração de unidade... e a prova de que não há racismo entre nós".

© Fernando Chapouto (2006)