domingo, 4 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5050: Efemérides (27): Declaração da Independência em 24 de Setembro decorreu não em Madina do Boé mas Lugajole (Patrício Ribeiro)



1. O nosso canarada e amigo Patrício Ribeiro é membro da nossa Tabanca Grande. Mais conhecido em Bissau como o verdadeiro embaixador... dos tugas, pertence à Associação Ajuda Amiga. É natural de Angola, foi fuzileiro durante a guerra colonial na sua terra e vive já há 25 na Guiné, sua segunda pátria.

2. O Patrício enviou ao Luís Graça uma interessante mensagem, da qual o Luís me solicitou a publicação com o seguinte comentário: Eduardo, O Patrício Ribeiro ("o pai dos portugueses da Guiné") tem uma tese de alto interesse: não foi em Madina do Boé que foi proclamada a independência da Guiné, como nos é historicamente contado, mas sim em Lugajole, a sudeste de Beli.

Lugajole fica na estrada Béli - Vendi Leidi (na fronteira), sob o lado esquerdo, logo abaixo de Béli... Pelo mapa (tenho o de Béli mas ainda não está 'online'), ainda é longe de Madina...

3. A mensagem enviada pelo Patrício Ribeiro é a seguinte:

A minha história… da História.

Ao ler no livro BATALHAS DA HISTÓRIA DE PORTUGAL – Guerras de África Guiné – 1963 - 1974, da Academia Portuguesa de História, de Fernando Policarpo, volume 21, na página 135, verifiquei que o autor declara… que a Independência da Guiné foi proclamada em cerimónia, na “localidade de Madina do Boé” (sic), em 24 de Setembro de 1973 (foto 1).

Num passeio, que fiz em 2005 naquela região, via Ché Ché (foto 2), na companhia de uma equipa da RTP África e do correspondente do Jornal Expresso, visitamos, acompanhados pelas autoridades locais, o local onde foi declarada a Independência, junto à localidade de Lugajole, conforme Monumento ali erguido em memória à cerimonia (foto 3), que uma queimada tinha destruído.


Fica em cima de uma colina (morro), num local muito alto, de onde se pode avistar para os lados de Beli (foto 4)… quem vem lá, a diversos quilómetros (foto 5). Aqui ficam as minhas duvidas… qual seria afinal o local da proclamação: Lugajole ou Madina?

A distância entre as duas povoações é de muitos quilómetros, assim como de muitas horas de viagem em jipe.


Fonte junto ao Quartel de Madina do Boé (foto1)

Jangada do Ché Ché (foto 2)


Lugajole: Local onde foi declarado a independência da Guiné (ao fundo o Monumento) (foto 3)

Restos do Quartel de Beli (foto 4)

Em baixo, a actual povoação de Lugajole (foto 5)


Um abraço Amigo,
Patrício Ribeiro


Fotos: © Patrício Ribeiro (2009). Direitos reservados.

___________
Notas de M.R.:

Vd. postes anteriores desta série em:


(*) Vd. também postes de:




(**) Vd. idem postes de:





Guiné 63/74 - P5049: Parabéns a você (32): Artur Conceição, ex-Soldado de TRMS da CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembem (1965/67) (Editores)

Há uns bons anos que o nosso camarada Artur da Conceição (*) (ex-Soldado de Transmissões da CART, Bissorã, Farim e Jumbembem, 1965/67), festeja o seu aniversário no dia 4 de Outubro.
Este ano fá-lo de modo um pouco diferente, porque os seus mais de 350 amigos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, se vêm associar ao acontecimento. Mais, combinam aparecer por aqui sempre e enquanto o Artur nos quiser ter como amigos.

Ao Artur desejamos uma longa vida com saúde e boa disposição, festejando os seus aniversários sempre junto de quem o ama.


O Artur é nosso companheiro desde Maio de 2007, altura em que se dirigiu ao nosso Editor Luís Graça:

Quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página... O meu nome é Artur António da Conceição... Estive na Guiné (1965/1967). Fui Soldado de Transmissões de Infantaria e Condutor Auto. Pertenci à Companhia de Artilharia 730. Estive em Bissorã, Farim e Jumbembem. A minha comissão de serviço foi de 9 de Fevereiro de 1965 a 14 de Fevereiro de 1967.

Permitem-me a entrada na tertúlia ? Em que posso ajudar ?

Sou natural de Campia onde temos anualmente um convívio de todos a ex-combatentes da freguesia. Levantámos um monumento em memória dos ex-combatentes do século XX, conforme foto acima inserida.

Não tenho estado ausente desta causa, e tenho algumas obras feitas, ntre elas uma base de dados onde constam todos os que tombaram, e também os que foram condecorados, a partir da qual é possível tirar muita informação.

O ficheiro Tabela4.xls, que envio em anexo, é uma tabela criada a partir dessa mesma base e onde podemos ver algumas curiosidades. Ver por exemplo que morreram mais em combate na Guiné do que em Angola (que é 35 vezes maior).

Por hoje não mando mais nada, a não ser um grande abraço a todos os elementos da tertúlia.

Conheço dois…. o que é muito bom!!!! Mas gostava de conhecer muitos mais…….!!

Artur António da Conceição



Algumas fotografias do Artur publicadas no nosso Blogue:

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1965/67) > Estes eram meninos de Jumbembem que eu gostava de ensinar. Na fila da frente e de camisa branca está o Tomás que era esperto que nem um rato. Era o menino querido dos estica fios

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1965/67) > O que terá acontecido a estas duas meninas ??? Eram de Jumbembem, a Fili e a Djar

O Artur com o Capelão que celebrou a missa, em Brá no dia 18 de Abril de 1965, Domingo de Páscoa

Vouzela > Campia > Monumento aos Combatentes do Século XX > Inaugurado em 13 de Novembro de 1999 e dedicado aos campienses combatentes deste século. Lembra aos vindouros a participação de muitos naturais de Campia na Guerra Colonial, na Primeira Grande Guerra e em expedições a África e à India. A iniciativa inseriu-se no IV Convívio dos Combatentes e Forças Expedicionárias da Freguesia de Campia. Em 2007, realizou-se o XII Convívio. No início da cerimónia, o nosso camarada Artur Conceição no uso da palavra. Ao centro, o Capitão Álvaro Dório Correia Tavres, que esteve em Bedanda.

Guiné > Região do Oio > Jumbembém > CART 730 (1965/67) > Artur Conceição, o hortelão na sua horta onde se gabava de cultivar os melhores tomates e alfaces do CTIG.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

21 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (5): Também quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página (Artur Conceição, CART 730, 1965/67)

8 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1824: O Aeroporto de Jumbembem e os ecologistas 'avant la lettre' (Artur Conceição)

24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1989: Homenagem ao António da Silva Batista (Artur Conceição, CART 730, Jumbembem, 1965/67)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2291: Convívios (36): XII Convívio dos combatentes da Freguesia de Campia, no dia 10 de Novembro de 2007 (Artur Conceição)

8 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2335: A trágica morte do Cap Rui Romero: 10 de Julho de 1966, dia de correio (Artur Conceição)

16 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2355: O meu Natal no mato (1): Jumbembem, 1965: Os homens às vezes também choram... (Artur Conceição)

10 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3045: Convívios (72): Em Campia, Vouzela, homenageando os esquecidos da guerra (Artur Conceição / José Manuel Lopes)

12 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3049: Estórias Avulsas (17): As cadelinhas de Jumbembém (Artur Conceição)

16 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3747: Fauna & flora (9): Do macaco-cão ao macaco-fidalgo... à mesa (José Nunes / Artur Conceição)

22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4066: Humor de caserna (9): Quando os alentejanos de Jumbembem viram cair-lhes os tomates... a seus pés (Artur Conceição)

5 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4899: Convívios (157): XIV Convívio dos ex-Combatentes da Freguesia de Campia – 22AGO2009 (Artur Conceição)

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5046: Parabéns a você (31): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF, Piche e Bissau (1970/72) (Editores)

sábado, 3 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5048: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (16): Leões na Guiné em 1966!


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 16ª história, com data de 3 de Outubro de 2009:

BLOGANDO E ANDANDO

Leões na Guiné em 1966!

O título pode parecer especulativo... mas tem algum fundo de verdade.

Passamos a explicar.

Em Maio de 1966 uma equipa de futebol do Sporting Clube de Portugal visitou a “portuguesíssima Província da Guiné para homenagear a sua Filial nº. 89 – Sporting Clube de Bissau”.

Os “leões de Alvalade” efectuaram alguns jogos de futebol em Bissau com equipas locais. E também “futebol de 5” contra equipas militares.

E como soubemos desta distante história de “Leões” na Guiné?

Na nossa rotina diária depois de em casa “blogar” vamos andar para a pista de um campo de futebol, que temos a sorte de ter ao pé da porta.

Um destes dias numa conversa com um parceiro “de pista”, que sabíamos ter jogado futebol no Sporting (Lisboa), vieram à baila algumas “conhecimentos” sobre a Guiné que nos surpreenderam.

Como é que ele sabia coisas de Bissau, de Bolama e Bafatá?


Tendo em conta a nossa diferença de idades como é que o José Carlos de Jesus tinha estado na Guiné com 18 anos de idade sem ser na qualidade de militar!?

A resposta não deixou dúvidas: - Como jogador de futebol do Sporting Clube de Portugal.

Ah, tá bem!

A conversa continuou no dia seguinte e o Zé Carlos trouxe-me uma carta do S.C.P. datada de 7 de Junho de 1966, que reproduzimos em anexo.

A carta refª. 4521/66, Minº. ML, Dactº. AC. atribui um “Voto de Louvor” a todos os jogadores que fizeram parte do grupo de futebol…pela forma valorosa como desportivamente se aplicaram no decorrer dos três jogos realizados. Acompanhou a comitiva leonina o Vice-Presidente para as Relações Externas Dr. António Alexandre Pereira da Silva. Assinava a carta o Secretário-Geral da Comissão Directiva Romeu Adrião da Silva Branco.

Colhemos entretanto a informação adicional que era Presidente do Clube Guilherme Braga Brás Medeiros (1965-1973).

Alem da carta trouxe-nos também uma fotografia de uma equipa do tempo (1964-65) do Sporting Clube de Portugal.


E o que recorda o Zé Carlos da sua passagem de Guiné 40 e tal anos depois?

Recorda várias coisas.

A longa viagem do Super Constelation de Lisboa a Bissau – cerca de 9 horas – e o “choque” com o calor e humidade quando saíram do avião a caminho da cidade.

De fato inteiro, camisa e gravata bufavam que nem… leões.

Quando chegaram ao Palácio do Governador para cumprimentarem o “General” Shultz ficaram de boca ainda mais aberta por o Governador os receber de calções e camisa.

Depois recorda as Avenidas de Bissau, o mercado e militares por todo o lado. Gente, cor, bulício e…ausência de sinais de guerra.

Em relação aos jogos no Estádio de Bissau recorda muita gente, muito entusiasmo e no final algumas cenas de pancadaria entre militares da marinha e do exército.

Na equipa do Sporting não jogaram então alguns dos grandes jogadores da época por estarem já seleccionados para e equipa de Portugal que iria, dentro de poucos meses, disputar o Campeonato do Mundo de 1966, (onde viríamos a obter o melhor resultado de sempre - um 3º.lugar).

Os jogadores em causa ainda hoje são históricos e recordados pelas gentes do futebol: Carvalho, Hilário, Morais, Zé Carlos, Alexandre Baptista e Lourenço.

O Zé Carlos recorda que em Bissau, sob a orientação do treinador Juca jogaram: Damas, Caló, Carlitos, Lino, Pedro Gomes, Dani, Colorado, Figueiredo, João Barnabé, Barão e outros atletas cujo nome já não recorda.

Fora do que se passou nos rectângulos de jogo o José Carlos de Jesus (também conhecido nos “futebóis” por Zé Carlos II) lembra com particular saudade as viagens a Bolama e a Bafatá.

Para Bolama viajaram em viaturas descapotáveis (Renault Caravell) sem escolta militar.

Para Bafatá viajaram de avião (Dakota).

Lembra-se de aterrar num pequeno campo de aviação e de viajar para a cidade num carro de “caixa aberta”.

Seguiu-se um almoço memorável à base de ostras grelhadas, como nunca mais comeu até hoje.

Deixamos para o fim a invulgar e, no que nos diz respeito, nunca ouvida história do crocodilo amestrado de Bolama.

A comitiva do Sporting foi avisada de que ia ver uma “cena” única: um crocodilo amestrado que, à voz de um domador da “casa” (leia-se de Bolama) iria sair do seu charco privativo para vir até terra firme “confraternizar” com a malta. Daria até para se tirar uma fotografia com um pé em cima das costas do crocodilo sorrindo para a objectiva.

Foi com esta expectativa elevada que os “leões” de Lisboa se aproximaram do charco das terras de Bolama.
O “domador”, empunhado um comprido pau com um pedaço de carne na ponta, pediu silêncio e aproximou-se do “poiso da fera”.

O charco, de água esverdeada e viscosa, permanecia calmo…

O “domador” arriscou mais uns passos e, de repente, o crocodilo apareceu e saltou (ou pareceu saltar).

Foi um cagaço monumental.

Domador e seus convidados fugiram a sete pés (ou mesmo mais… ).

A malta da bola não deixou os seus créditos por pés alheios e sprintou rapidamente para bem longe do charco.

O crocodilo ouviu das boas e a sua mãe não escapou de algumas graves ofensas verbais à sua honra!

As viagens de regresso a Bissau e mais tarde a Lisboa decorreram dentro da normalidade.

À distância no tempo o Zé Carlos II recorda com saudade os seus 18 anos e a viagem à Guiné.


Mas o crocodilo “amestrado” de Bolama e o cagaço colectivo da comitiva dos “leões de Alvalade” ocupam, nas suas memórias africanas , os “flashes” mais nítidos das recordações de há quarenta e tal anos atrás.

Devemos ao Zé Carlos II a evocação dos “Leões na Guiné” em 1966.

Alguém na nossa Tabanca Grande se lembra destes futebóis longínquos?

E do crocodilo de Bolama?

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 – P5047: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (7): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas


1. Continuamos a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 7º poste desta sua série, continuando os postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995 e P5027.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

Rotinas perigosas

Passados oito dias, sobre a terrível morte do nosso Camarada Fur Mil Tomé, fomos rendidos pelo 3º. Pelotão e seguimos para Geba. Aí todos nos perguntavam como tinha acontecido a morte do Furriel Tomé, ao que nós respondíamos que não tínhamos visto, e que apenas sabíamos que tinha caído numa armadilha.

O nosso 1º Sargento tinha abordado os Oficiais e Sargentos dos outros destacamentos próximos, para saber se eles colaboravam no pagamento das despesas do envio do seu corpo, para a Metrópole, e todos concordaram em ajudar.

O meu pelotão, como não podia deixar de ser, também concordou unanimemente em participar. Não me lembro quanto me tocou a mim.

Foi pena esta amostra de solidariedade e camaradagem não ter acontecido também com o soldado condutor, que faleceu, por afogamento, num despiste de uma viatura à entrada da ponte sobre o rio Geba. A viatura caiu ao rio tendo o infeliz condutor ficado preso e submerso, resultando ainda deste infeliz acidente vários feridos, com maior ou menor gravidade. Os restos mortais deste nosso Camarada, ficaram enterrados no cemitério de Bafatá.

O tempo em Geba era passado em passeios às voltas pela Tabanca, jogos de futebol e deslocações, de vez em quando, até Bafatá (quando é claro não haviam operações).

Em meados de Julho o IN atacou Sare Banda, por volta das dez horas da noite, já alguns soldados estavam deitados. Tivemos que nos levantar rapidamente, agarrar no equipamento necessário e saltar para cima das viaturas.

A coluna arrancou a grande velocidade e, quando nos aproximamos de Sare Banda, apeamo-nos das viaturas e desligamos os faróis. Com os olhos de “gato” atilados (como vulgarmente lhe chamávamos), avançamos à frente das viaturas com todas as precauções, porque ainda se ouviam alguns disparos.

O nosso capitão mandou então lançar algumas morteiradas nas direcções de onde o IN atacava a população, mas como não se levou o prato de assentamento do morteiro, o 1º Cabo tinha medo de segurar no dito tubo durante os disparos, pelo que, tive de ser eu a pegar-lhe e explicar-lhe como se devia fazer.

Conforme o tubo se ia enterrando com os sucessivos disparos, eu mudava-o de lugar e continuamos a enviar morteiradas, enquanto penetrávamos em Sare Banda. Montamos a segurança necessária em volta do arame farpado, enquanto o nosso capitão se inteirava da situação. Viam-se moranças incendiadas e alguns feridos. Tudo se calou à ordem do capitão.

Ao romper do dia fez-se o reconhecimento em volta do arame farpado, vendo-se apenas uns rastos de sangue nas redondezas e vários cortes no arame farpado.

Além disso, só constatamos alguns feridos ligeiros entre a população.

Findo o reconhecimento regressamos a Geba.

Três ou quatro dias depois de Sara Banda ter sido atacada, o meu Pelotão e uma Secção do 3º Pelotão, sob as ordens do Furriel Vaqueiro, saímos de Geba em diversas viaturas, e seguimos em direcção a Sara Banda, onde nos apeamos e fomos reforçados com uma Secção de Milícia de Sara Banda.

No dia seguinte, ainda cedo, arrancamos na direcção de onde tinham sido detectados rastos do IN. Seguimos até à bolanha e, depois de a atravessarmos em Sare Dembel, viramos para a esquerda. O mato era cada vez mais denso e de alto porte. Uns quilómetros à frente os guias e a milícia pararam.

Como eu ia logo atrás perguntei o que é que se passava, ao que eles me responderam que haviam visto uma armadilha. Depois de se tomarem todas as precauções e medidas de segurança, o capitão incumbiu-me da missão de ser eu a levantar a armadilha, em virtude de o furriel de Minas e Armadilhas do meu Pelotão, ter morrido em Junho.

Mandei distanciar todo o pessoal e fiquei sozinho, a armadilha era constituída por uma granada defensiva, que estava camuflada dentro da vegetação e com acesso difícil. Assim, tive que rastejar de costas, por debaixo dos ramos, até lhe chegar, muito lentamente. Virei-me com cautela, agarrei a granada e, ao mesmo tempo, a respectiva cavilha de segurança saltou. Como eu tinha a alavanca presa com a mão, não houve problema algum. Ainda tive algum receio ao introduzir a cavilha no seu lugar, mas, logo que o consegui, foi só enrolar o fio em volta da granada e metê-la no bolso.

Continuamos a marcha e um quilómetro ou dois adiante, outra armadilha foi avistada numa zona de fraca vegetação, no meio de uma grande clareira e mais uma vez o capitão ordenou que eu a desmontasse. Desta vez tudo foi mais facilitado, em virtude de o local se encontrar desprovido de vegetação e a granada estar instalada numa cova, no meio do capim, que ali era muito rasteiro. O fio encontrava-se elevado por meio de duas ganchetas, dum lado e do outro da picada, tive que agarrar na granada, enrolar o fio em sua volta e metê-la no outro bolso.

Comecei a pensar que estava sempre pronto para todo o serviço.

Continuamos a marcha sem encontrar sinais do IN, até que surgiram pegadas frescas e bocados de fruta deixados na picada. Entramos novamente no mato denso, pelo meio de árvores de grande envergadura. Quando todo o pessoal estava dentro da mata paramos, foi instalada a segurança, e fizemos uma pequena reunião com o capitão, o alferes e os furriéis, sobre as cautelas a tomar em virtude dos rastos avistados, porque sabíamos que o IN deveria estar por perto.

Estávamos nós ali reunidos em pé, no meio da picada, eu de frente para os restantes e eis que surge um elemento do IN, a uns trinta metros numa curva, em direcção a nós. Farda amarela, chapéu redondo da mesma cor, uma arma a tiracolo e com a cabeça baixa fixando o solo.

Quando eu tentei tomar posição de tiro, para lhe apontar a minha arma, o capitão e os outros como estavam à minha frente, ficaram surpresos e sem reacção, porque não sabiam o porquê da minha atitude. De repente o elemento IN desapareceu no meio do mato, penso que eles nem o viram.

Disse eu então: “Um terrorista”.

O capitão mandou-me disparar uma bazucada.

Continuamos o nosso avanço em direcção de onde ele havia surgido, que era a nossa direcção para Sinchá Jobel, da qual estávamos já muito perto. Quando desfizemos a curva, seguia-se uma grande recta, mas nem sinais do IN. No final da recta o capitão mandou a secção do Furriel Vaqueiro ficar para trás, emboscada no mato, para nos proteger se o IN viesse atrás de nós.

A uns cem metros aproximadamente, haviam umas grandes palmeiras e água corrente, pelo que aproveitamos para matar a sede, encher os cantis e descansar um pouco à sombra das mencionadas árvores.

Em frente havia uma grande clareira e em volta desta muitas bananeiras. O capitão estava a falar com os guias sobre qual a melhor direcção a tomar. Eu desloquei-me mais para a frente.

O IN, sem o sabermos, estava um pouco à frente das nossas posições, num pequeno declive espiando-nos, e ao aperceberem-se de quem era o nosso comandante (porque um guia inadvertidamente pronunciou o seu posto), lançou duas granadas de mão, uma na direcção do capitão e outra na minha, iniciando o ataque com rajadas de metralhadoras.

O nosso pessoal respondeu de imediato com disparos de G3 e morteiradas, durante uns dez minutos aproximadamente e o IN retirou sem deixar rasto.

Do nosso lado registaram-se dois feridos ligeiros, atingidos por estilhaços das granadas, um soldado da Milícia que estava junto ao Capitão, que ficou ferido num braço, e um soldado dos nossos que estava junto a mim. Felizmente, a mim, valeu-me estar a passar junto a uma árvore de grande porte, que me protegeu do rebentamento e dos estilhaços.

Comunicou-se com o Furriel Vaqueiro, para avançar ao nosso encontro e continuamos na direcção de onde vieram os disparos, uma grande clareira onde se viam muitos rastos no capim. Passamos a clareira e entramos numa bolanha profunda, como a água nos dava pelo peito, os mais baixos seguiam agarrados a uma corda, que tínhamos levado connosco. Mais uns quilómetros e avistamos as viaturas à nossa espera.

Regressarmos então a Geba, sem mais nada acontecer.

Mais uns dias de descanso, passeios pela Tabanca, jogos de bola, comer uns petiscos com umas cervejas a acompanhar e ir até Bafatá, visitar os meus conterrâneos - os irmãos Teixeira -, sendo que o mais velho, tinha uma drogaria em frente ao quartel e o mais novo, que tinha sido proprietário do restaurante “A Transmontana”, estava casado com a professora - D. Armanda Chaves -, da minha freguesia.

1 - Tampa Superior
2 - Tampa de Papelão
3 - Tampa da espoleta
4 - Eixo do percursor
5 - Mola
6 - Percussor
7 - Leather circlet
8 - Ranhuras de encaixe
9 - Corpo de conexão
10 - Pavio
11 - Segunda espoleta
12 - Detonador
13 - Primeira espoleta
14 - Parafuso
15 - Pino
16 - Alavanca
17 - Vista interna

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Imagens: © Wikipédia (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

Guiné 63/74 - P5046: Parabéns a você (31): Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF, Piche e Bissau (1970/72) (Editores)

Neste dia 3 de Outubro de 2009, está de parabéns, por somar mais um ano à sua curta vida, o nosso camarada Hélder Sousa (*) (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), a quem, por este meio, toda a tertúlia vem dar o testemunho da sua alegria, associando-se não só ao Hélder, mas a toda a família e amigos mais próximos.

Prometemos marcar encontros sucessivos nos próximos anos, neste mesmo dia e local, assim ele nos continue a considerar seus amigos e camaradas.


O Hélder Sousa, entrou na nossa Caserna virtual em 10 de Abril de 2007, assim:

Sr. Professor e camarada da Guiné:

Peço desculpa de entrar desta maneira no seu (teu) endereço mas penso que é desta forma que se contacta o blogue.

Sou leitor assíduo do Luís Graça & Camaradas da Guiné, desde finais de Fevereiro, altura em que encontrei, comprei e li o livro Diário da Guiné do António Abreu e, através da informação lá disponibilizada, tomei conhecimento do blogue.

A Guiné sempre provocou em mim um misto de atracção e de nostalgia mas não me tinha dado ao trabalho de procurar coisas que afinal estão por aí e já há bastante tempo e com bastante qualidade.

Chamo-me Hélder Valério de Sousa, vivo actualmente em Setúbal, fui Furriel Miliciano de Transmissões, do STM, cumprindo a comissão de serviço na Guiné entre 9 de Novembro de 1970 e 10 de Novembro de 1972, tendo estado cerca 7 meses em Piche (contemporâneo do BCAV 2922) e o resto da comissão ao serviço do Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné.

Das minhas leituras do blogue devo começar por dizer que concordo inteiramente com os estatutos do mesmo. Penso até que só mesmo com enquadramentos colectivos com essa abrangência e ao mesmo tempo com esses compromissos, se pode criar e manter uma ampla plataforma de entendimento onde as diferenças se assumam mas se respeitem.

Não estou ainda a fazer um pedido formal para ser aceite como membro da Tertúlia porque não tenho ainda cumprida uma outra condição para ser membro e que se prende com as fotografias. Tenho que resolver essa lacuna pois tenho que procurar as fotos antigas e essas andam guardadas em algures.

Sendo assim, então qual o motivo deste contacto? Simples, como está previsto o almoço/convívio em Pombal (e não no, conforme recomendação expressa), a pergunta é se, não sendo membro, se pode participar e, caso sim, se se deve enviar a comunicação para o editor do blogue (para poder testemunhar que embora não sendo tertuliano de facto, já tem contacto preliminar no sentido de se efectivar) ou para o organizador do almoço (Vítor Junqueira).

Saudações e até breve.
Hélder Sousa


É caso para dizer que o nosso camarada Hélder foi atraído pelo estômago e ficou preso pela camaradagem reinante na Tabanca.


Nem sempre temos a oportunidade de neste dia homenagear os nossos progenitores, mas desta feita temos a sorte de possuir uma foto do senhor Ângelo Ferreira de Sousa, pai do Hélder.

Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1.º Cabo n.º 816/42/5.

Foto editada por CV

O Helder Sousa no seu quarto em Bissau... Sinais dos tempos: um poster do Che Guevara, um ícone da juventude da época

Hélder Sousa, Fur Mil Trms TSF, algures na Guiné no exercício das suas funções

Bissau > Hélder Sousa, no quarto. Na mesinha de cabeceira, os inseparáveis livros

Na foto, Hélder Sousa com os camaradas Fernando Roque e Nelson Batalha

Fotos: © Hélder Sousa (2008). Direitos reservados.

Nesta foto tirada no III Encontro Nacional, pareço acusar o Helder de algo, apontando-lhe o dedo, mas ele aponta para a sua esquerda indicando talvez o verdadeiro culpado

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Será o meu companheiro Inácio o verdadeiro culpado? Que estarão os dois a conspirar?

Foto: © José Armando F. Almeida (2008). Direitos reservados.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2272: As nossas (in)confidências sobre o Cupelom, Cupilão ou Pilão (Helder Sousa / Luís Graça)

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2438: História de vida (10): O Último Adeus ou as peripécias da minha partida no N/M Ambrizete (Helder Sousa)

6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2509: Estórias de Bissau (15): Na esplanada do Pelicano, a ouvir embrulhar lá longe (Hélder Sousa)

19 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2556: Estórias de Bissau (16) : O Furriel Pechincha: apanhado ma non troppo (Hélder Sousa)

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2828: Convívios (56): CCS/BCAV 2922, Piche, Buruntuma, Canquelifá (Helder Sousa)

10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3430: Bibliografia de uma guerra (36): No ocaso da Guerra do Ultramar, de Fernando Sousa Henriques. (Helder Sousa)

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3871: Em busca de... (65): Pessoal de Copá, 1ª Companhia do BCAV 8323/73 (Helder Sousa)

23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)

4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3981: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (1): Aprender a ser solidário

13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4025: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (2): "Conta-me como foi" ou há mesmo coincidências

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4095: O trauma da notícia da mobilização (5): Depoimentos (Magalhães Ribeiro/Hélder Sousa/David Guimarães/Juvenal Amado/César Dias)

22 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4235: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (3): Recordar aos poucos ou circuncisão espectacular

10 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4316: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (4): A bazuca em rajada

29 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4436: O poder aéreo no CTIG: uma pesquisa de Matthew M. Hurley, Ten Cor, USAF: tradução de Miguel Pessoa (4): Alguns comentários

7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4474: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (5): Os meus livros

15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4531: A Tabanca Grande no 10 de Junho (13): Tertuilianos éramos mais de 30… (Hélder Sousa / Xico Allen)

17 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4544: Blogoterapia (107): Olhar, pensar e sentir a Guiné - Ontem e hoje (Hélder Sousa)

27 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4593: Controvérsias (22): As influências dos grandes mestres (Hélder Silva / José Brás)

11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4811: Informações adicionais ao Poste 4800 (Hélder Sousa

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5026: Parabéns a você (30): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69 (Editores)