1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Junho de 2011:
Queridos amigos,
É uma oportunidade ler esta obra, há muito esgotada. Estamos agora no segundo volume, recentemente dado à estampa. Vale a pena ler Diogo Neto e Silva Cunha na íntegra, bem como apreender a essência do pensamento e acção de Spínola nos primeiros anos na Guiné, está ali tudo publicado. Temos depois Carlos Fabião, Alpoim Calvão, várias operações, depois Luís Cabral e, por último, Marcelino da Mata, um dos guerreiros do Império.
Um abraço do
Mário
A guerra de África, segundo volume, por José Freire Antunes
Beja Santos
No âmbito do cinquentenário do início da guerra em Angola, volta-se a publicar o mais completo levantamento de testemunhos de personalidades que por qualquer razão tiveram uma acção relevante à volta dos acontecimentos, entre 1961 e 1974 (“A Guerra de África”, por José Freire Antunes, segundo volume, Círculo de Leitores, 2011).
Muitos dos protagonistas ouvidos neste segundo volume têm directamente a ver com o teatro de operações da Guiné: é o caso de Franco Nogueira, de Diogo Neto, de Silva Cunha, de Carlos Fabião, Alpoim Calvão, Luís Cabral e Marcelino da Mata. Como se compreenderá, dada a riqueza destes depoimentos, haverá um desdobramento dentro da recensão.
No caso de
Franco Nogueira, não é sobre o seu posicionamento enquanto defensor da política externa que aqui cabe falar, mas de uma carta que dirige a Marcelo Caetano, em Novembro de 1970, em que o assunto se prende com a libertação depois de longo cativeiro do então sargento aviador António Sousa Lobato. Referindo detalhadamente o seu comportamento íntegro enquanto prisioneiro de guerra, recusando sistematicamente a assinar qualquer documento em que se declarasse desertor ou condenasse as “atrocidades” do Exército português.
E expõe o seguinte: “Depois pretenderam obrigá-lo a assinar outro papel em que se comprometesse, quando liberto, a não se alistar mais nas Forças Armadas portuguesas. O Lobato respondeu que, quando fosse liberto, a primeira coisa que faria seria a de se apresentar às suas autoridades militares. Passado tempo, novamente voltaram a insistir: se assinasse um papel comprometendo-se a não combater mais na Guiné, seria solto. Lobato respondeu que, logo que estivesse livre, pediria às suas autoridades militares para combater precisamente na Província da Guiné. Foi sempre da maior firmeza, decisão e patriotismo; e isso em condições morais e de saúde não podiam ser mais precárias e difíceis, raros terão tido um tão alto sentido do dever e uma tão constante e sólida coragem. Penso que o sargento Lobato merece uma alta distinção militar, e que o seu exemplo deveria ser publicamente conhecido e reconhecido”.
O testemunho de
Diogo Neto é do maior interesse para o conhecimento dos meios aéreos existentes na Guiné e a evolução da guerra. Oiçamo-lo: “Na Guiné, o PAIGC desenvolveu intensa actividade antiaérea com armas 12.7, quadruplas ZPU 4 de 14.5 e canhões de 37mm sistematicamente atacadas e destruídas pelos Fiat. As armas disparavam de posições preparadas, protegidas por parapeitos, a descoberto, o que facilitava a sua localização. A maior parte dos atiradores era constituída por cubanos, cuja coragem temos de reconhecer, pois aguentavam-se firmes, agarrados às armas (…) Quando o PAIGC começou a ter mísseis Strella, a reacção da Força Aérea foi péssima. O seu aparecimento representou um agravamento neste tipo de luta, exigindo a adopção de equipamentos nas aeronaves para detecção das saídas dos mísseis, o que nunca se verificou (…) Evidentemente que foram afectadas as unidades do Exército que estavam isoladas e que dependiam do apoio logístico dos aviões pequenos e até dos próprios helicópteros. Os pilotos passaram a fazer os bombardeamentos de Fiat acima dos 8 mil pés, o que fazia com que não tivessem tanta precisão. Os aviões de transporte também já não podia voar porque eram um alvo muito fácil. A parte final da Guiné correu mal. O PAIGC tece um incremento muito grande ao nível das acções”.
O ex-ministro
Silva Cunha descreve minuciosamente o seu relacionamento com Spínola. Mas surpreende o leitor desvendando um segredo bem guardado acerca das negociações decididas por Caetano, em 1974, o que no ano da primeira edição desta obra (1994) provocou algum alarido pois ratificava o que José Pedro Castanheira tinha publicado no jornal Expresso: “Aquando dos encontros entre diplomatas portugueses e dirigentes do PAIGC, em Londres, eu já não era ministro do Ultramar, era ministro da Defesa. Eu tive conhecimento dos contactos que houve, quando era ministro do Ultramar, entre o general Spínola e gente do PAIGC. Foi o caso daqueles três majores que eu conheci pessoalmente, poucos dias antes de terem sido assassinados. Esses contactos eram do conhecimento de Amílcar Cabral. Estou convencido de que eles foram assassinados por aqueles que depois preparam o assassínio de Amílcar Cabral”.
Depois de falar do seu relacionamento com Spínola e deste ter levantado o problema do colapso militar, diz ter mandado à Guiné o general Costa Gomes que quando regressou lhe afirmou que a Guiné era perfeitamente defensável desde que se mudasse o dispositivo”. Não explicou qual era a mudança do dispositivo, há uma referência no livro com a entrevista concedida pelo marechal Costa Gomes à historiadora Manuela Cruzeiro, é referido que estava previsto o abandono de todas as posições ao alcance dos foguetões e dos morteiros 120, a verdade é que não se conhece nenhuma historiografia que diga explicitamente em que consistia esta mudança do dispositivo e quais as suas consequências sociopolíticas no abandono das povoações.
Por fim, refere Silva Cunha: “Conseguimos artilharia em Israel, porque uma das coisas que se queixavam na Guiné era que a artilharia deles tinha alcance superior ao da nossa. Conseguimos os Red Eye, mísseis terra-ar individuais, na Alemanha. Não sei quem os vendia, só sei que eles nos forneciam 500 Red Eye americanos. Aí, também houve influência do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas indirecta. Esteve no meu gabinete o general Étoile, que era quem superintendia na venda dos aviões Mirage, e que nos fez uma oferta de Mirage, pondo como única condição ficarem com base em Cabo Verde. Eu disse-lhe: “Não preciso dos Mirage em Cabo Verde, mas na Guiné”. Ele respondeu: “O senhor sabe muito bem como é que isso se faz depois”. Oficialmente, os Mirage não podiam ter base na Guiné. Eu não sei se, depois do 25 de Abril, o material veio ou não”. Trata-se de um longo depoimento, abundam críticas em várias direcções, Kaúlza e Spínola são directamente visados.
Com o título “
Spínola em Bissau, as armas e a razão”, José Freire Antunes publica um conjunto de directivas secretas, foram fundamentais no início do seu mandato e incluem: a retirada de Madina do Boé, a remodelação do dispositivo à volta da Aldeia Formosa, bem como em Sangonhá e Canatanhez, retirada da companhia instalada na ilha do Como, etc. e procede a críticas, do tipo: “Dos vários relatórios da acção que tenho lido, de relatos verbais feitos por comandantes de subunidades e por praças feridos em combate, conclui que na generalidade as NT cometem erros graves frente ao IN, de que resulta: não se cumprirem integralmente as missões; um gasto exagerado de munições, um aumento desnecessário de baixas; e, em consequência, um muito sensível abaixamento moral das NT que, na generalidade, se encontram complexadas perante um IN melhor armado e manobrador”. Trata-se de um extenso conjunto de documentos que comportam diferentes orientações, chegando mesmo ao procedimento a ter para com os informadores secretos da PIDE.
A próxima recensão começará com o depoimento de
Carlos Fabião, seguramente um dos oficiais que melhor conheceu a Guiné em todo o período da guerra.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 17 de Junho de 2011 >
Guiné 63/74 - P8434: Notas de leitura (248): Eis a Guiné! Breve notícia da sua terra e da sua gente, de Fernando Rogado Quintino (Mário Beja Santos)