segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8851: O nosso blogue em números (10): Três milhões de visitas em Novembro de 2011... Período de reflexão e de reorganização



Amigos/as e camaradas:

Caminhamos para os 3 milhões de visitas, a atingir previsivelmente na 1ª quinzena de Novembro de 2011. Recordo que atingimos os 2 milhões de visitas em meados de Setembro de 2010. 
Em termos de visitas, desde Julho de 2010 (em que passámos a ter estatísticas do nosso servidor, o Blogger), o melhor mês de todos foi o Janeiro de 2011 (com 97,9 mil) e o pior o mês de Agosto de 2011 (59,9 mil).
Pelo gráfico acima reproduzido, percebe-se que os meses de verão são sempre de algum abrandamento, devido às férias escolares e laborais.

É esperado que, a partir de agora, o blogue retome o seu ritmo normal, que é de 2500 visitas/dia, em média (ou sejam, 75 mil/mês).

Nos meses de verão, a produção de postes também se ressente. De qualquer modo, vai ser difícil este ano ultrapassar a produção de 2010, que foi superior a 1900 postes. Nesta altura do ano, a três meses do fim de 2011, estamos com pouco mais de 1300 postes (c. 145/mês). (*)

As razões são explicáveis: menos disponibilidade, menos tempo, de alguns elementos da equipa de editores,  e sobretudo menos material a entrar para publicação... Por outro lado, temos, felizmente, mais concorrência: outros blogues, outras páginas, o Facebook... (Muitos camaradas têm a sua própria página no Facebook, cuja manutenção diária consome muito tempo!). Duas, três, muitas... Tabancas têm aparecido no nosso "teatro de operações", o que só pode constituir motivo de orgulho para todos 
nós.

É bom lembrar que o nosso blogue vai fazer 8 anos de vida, em 23 de Abril de 2012, ao serviço da reconstituição e preservação das memórias dos camaradas da Guiné, e atingiu a simpática cifra de 520 membros, formalmente registados (vd. lista alfabética, de A a Z, na coluna do lado esquerdo)... Está, além disso, em marcha a organização, em 2012,  do nosso VII Encontro Nacional...

Em jeito de balanço, mas também de comemoração (estes números são reveladores da nossa vitalidade enquanto comunidade de combatentes e amigos da Guiné!), gostaríamos de poder contar com  as críticas, sugestões e comentários de todos/as os/as nossos/as leitores, quer pertençam ou não formalmente à nossa Tabanca Grande... 

Estamos internamente num processo de "reorganização" (repensando os  conteúdos mas também o "layout" do blogue, revendo as nossas "regras do jogo", redefinindo os papéis e a composição da equipa de editores  e do conselho de consultores,   etc.).

É uma boa altura, chegado o Outono, de conhecer melhor o "moral" das tropas... Mais: conhecer melhor (para melhor satisfazer) as  necessdidades, expetativas e preferências de quem nos visita e lê...  O blogue só faz sentido se for feito por todos e para todos, num espírito de liberdade, pluralismo, rigor, consenso, tolerância, amizade e camaradagem...
Para já, peço-vos que vão respondendo, até ao dia 10 do corrente, à nosso sondagem 'on line' (*)... A resposta é anónima, mas podem fazer-nos chegar, por mail, os vossos comentários, sinceros e frontais (ou comentar diretamente aqui) : por exemplo, as vossas razões sobre uma eventual menor assiduidade na visita ao blogue, nos últimos dois ou três meses.... 

Por outro lado, não se se esqueçam, caros/as leitores e visitantes, e sobretudo caros/as amigos/as e camaradas da Guiné,  que o blogue precisa de materiais para publicação, e de novas entradas de camaradas... Cada um de vocês pode (e deve...) trazer mais outro camarada para a nossa Tabanca Grande... não para a estatística mas para aumentar a riqueza (leia-se: a diversidade) da nossa "pool"... genética!
Um grande abraço a todos/as em meu nome, dos de mais editores e colaboradores. Luís Graça


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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 2 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8365: O nosso blogue em números (9): 78.500 visitas mensais desde Julho de 2010; mais de 500 tabanqueiros; 5,5 postes e 45 comentários, em média, por dia; uma em cada quatro visitas vem fora de Portugal...

(**) Ver pergunta ao quanto superior esquerdo:

Sondagem 'on line',  em curso (votação até 10/10/2011): 

Com que  frequência tens visitado ultimamente o nosso blogue ?
Todos os dias
Quase todos os dias
Dia sim, dia não
1 vez por semana
2 a 3 vezes por mês
1 vez por mês
Raramente
Nunca, ou hoje por mero acaso

Guiné 63/74 - P8850: Notas de leitura (282): Do Cacine ao Cumbijã, 67 Guiné 69, de Guilherme da Costa Ganança (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2011:

Queridos amigos,
Quero ser muito franco, o livro “Do Cacine ao Cumbijã”, cativa pelo ingenuidade e até pelo deslumbramento de quem regressa, pelo dever da memória, à reconstituição da formação de uma Unidade, de uma viagem marítima, de um treino operacional, tudo feito sem arrebiques, com a intenção de matar saudades na comunicação que pôde estabelecer com os seus camaradas. Só que quem lê vai ficar aturdido com os pormenores especiosos com que a obra arranca até ao súbito cansaço do autor que parece ter desfalecido quando as suas personagens estão bem vivas e a emergir num grande trauma.
É o sabor que lemos metade de um romance e temos de ficar à espera que o autor retome energia e recomece a sua comissão…

Um abraço do
Mário


Do Cacine ao Cumbijã

Beja Santos

“Do Cacine ao Cumbijã, 67 Guiné 68”, por Guilherme da Costa Ganança (Chiado Editora, 2011) é um livro singelo, supostamente um romance histórico alicerçado em personagens fictícias. Comporta uma ficha de autor, um funchalense nascido em 1945 e que depois de prestar serviço militar na Guiné entre 1967 e 1969 se licenciou em Engenharia Electrotécnica. É de presumir que Guilherme Ganança seja Gabriel Silva e tudo quanto escreve ande por portas e travessas no caminho autobiográfico. O jovem Gabriel Silva chega ao Funchal já promovido a aspirante, da Madeira regressará ao campo de instrução militar de Santa Margarida para formar uma Companhia de intervenção com destino à Guiné. Do aeroporto chega à freguesia da Lombada e apresenta-se à família, a notícia da mobilização deixa o rancho familiar transtornado. Gabriel despede-se da família e dos amigos, vai pedir ânimo à Senhora da Conceição. Toca-nos pela sinceridade.
Sai da capela, admira o vale profundo que vai beijar as águas da Ribeira da Ponta do Sol.

Temo-lo agora no dia 28 de Outubro de 1967 a embarca no paquete do Uíge. O Alferes Silva faz parte da Companhia 78081 comandada pelo Capitão Germano Neves. Espraia-se o autor na descrição da viagem e é feliz na descrição do jantar de despedida, já estão à beira de entrar no estuário do Geba, relata um jantar abrilhantado pelas ressonâncias de um concerto: “Os acordes, ora vigorosos, ora repousantes, desfilaram em cinco harmoniosos clássicos que arrebataram os passageiros, ao serem servidos as iguarias.

Os Capitães Rocha Leão e Alcides Faria confraternizaram à mesa do Alferes Silva e do Capelão Honório Ferraz. Enquanto saboreava uma canja à portuguesa apreciara o tema “Colas Breugnon – Abertura”, de Kabelavsky.

Momentos depois, vem uma lagosta à Parisiense e irrompeu a Sinfonia número 1 de Prokofief.

Sentiam-se os efeitos do vinho quando os espargos à Antártico acompanharam a Companhia Ligeira, de Suppé, que fez as delícias de primeira classe. Quando já todos falavam sem ouvir ninguém, voou para as mesas um peru assado à americana. Gabriel, de ouvido apurado, entrou na notalgia do concerto em dó menor de Grieg, ao escutar a subtileza dos sustenidos e bemóis.

Não acabaram sem o sabor de um Corbeille de Morangos e frutas diversas. O jantar de despedida aproximava-se do fim, tinha de acabar em festa. Ressoou uma Polca: “Relâmpagos e Trovões”, de Strauss. Festejaram de braços no ar e maças rosadas no rosto. As bebidas e os brindes desfilavam, eufóricos, no meio dos relâmpagos”.

De Bissau foram levados para o aquartelamento de Brá, daqui seguirão para Contuboel. É um período de adaptação, de descoberta, um outro camarada explica a Gabriel Silva quem eram as madrinhas de guerra e o apoio que podiam dar aos militares como retaguarda de suporte moral. Ao princípio Gabriel está reticente, depois escreve aerogramas para várias direcções. Percorrem Bissau, visitam o Pilão, chegou a hora do treino operacional. Nunca saberemos como irão de Bissau por camião até Contuboel (com muita imaginação, o autor diz que o percurso que ligava Bissau à cidade de Bafatá, não era considerado perigoso, se bem que não dispensasse medidas de segurança…). O capitão Germano já se impusera como líder, segundo o autor é um homem de grande humanismo. Em Contuboel vão fazer patrulhamentos e ter um cheirinho de guerra na região do Caresse. Tratou-se de um baptismo de fogo, a Operação Invicta moralizou a Companhia 78081.

Ficamos entretanto a perceber que há uma madrinha de guerra de eleição, de nome Raquel. Continuam as Operações na região e vão até à Bolanha de Sototo, tudo corre bem, concluído o treino operacional, chegou a hora de partirem para Bula, vão participar na Operação Bolo-rei, na região de Choquemone. Só há um ferido ligeiro, a estrela da sorte continua a acompanhar esta Companhia de intervenção.

Escoltados pelos fuzileiros, vão partir para Cabedu, entre Cacine o Cumbijã, é este o local que lhes foi atribuído. Temos uma descrição do quartel e da tabanca, como se procedia à defesa do perímetro, onde estavam as peças de artilharia, como foram cordiais logo os primeiros contactos entre o chefe da tabanca, de nome Duraman, e o capitão Germano Neves. O Capitão procura esclarecer-se da situação das forças do PAIGC na região de Cabedu, o Cantanhez está muito perto, posicionam-se nas tabancas de Catifine e Cafal, bem como em Cabanta e Catesse, os rios em torno da península de Cabedu são controlados pelo PAIGC. O Comando em Catió determina um conjunto de patrulhamentos. Apercebendo-se das inúmeras dificuldades impostas pelo terreno, Germano Neves cria um Pelotão com maior capacidade ofensiva que irá ficar conhecido como “Os Corsários”, dirigidos por Gabriel Silva, também conhecido como Grupo Especial de Comandos. Os aerogramas chegam e partem, a relação entre Raquel e Gabriel estreita-se. Há obras em Cabedu. Operação fatídica, nesse dia a Companhia 78081 perdeu o seu muito estimado Comandante na operação Alto Quilate. Acabara-se a estrela da sorte, é neste relato que o livro de Guilherme Ganança tem as suas melhores páginas.

Se até agora o autor entendia que o seu relato devia ser minucioso, imprevistamente tudo vai acelerar, ser alvo de uma inesperada síntese, Gabriel e os seus corsários ainda vão à ilha de Melo, as acções de vigilância nas matas prosseguem. Passadas umas semanas, chegou o substituto do Capitão, este novo Comandante veio trazer normalidade a uma Companhia esmorecida. Não se compreendera muito bem, a trama galopa para o final, o autor dá como encerado os capítulos desta história da Companhia 78081. E tudo termina assim: “Gabriel Silva tornara-se mais duro. Nos tempos que se seguiram muitas nuvens sombrias escondiam-lhe o azul do céu e esmoreciam a cor dos seus olhos. Mesmo assim nutria a certeza de vir a encontrar um futuro melhor. Um provir a que a sua juventude tinha direito”. O livro é apresentado como as memórias reais de um alferes salpicadas de momentos de pura ficção.

Não se fica a compreender o que leva Gabriel Ganança a escrever estas memórias. Percebe-se a transição entre o jovem inocente e o combatente que endureceu. Entende-se como aquela Companhia ficou enlutada com a perda de um Capitão muito especial. Mas há muito pouco entre o Cacine e o Cumbijã, é impossível que o leitor, seja ele qual for, não se sinta defraudado por não ficar a saber o que é que os Corsários fizeram nos meses seguintes. Estamos perante um estranho romance histórico, fica-se mesmo com a ideia que o jovem Alferes se desencantou com a sua escrita e deixou-nos em Cabedu à espera que a história continue…
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8840: Notas de leitura (279): Os Anos da Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8849: Notas de leitura (281): Nha Bijagó, de António Estácio. Prefácio de Eduardo J. R. Fernandes

Guiné 63/74 - P8849: Notas de leitura (281): Nha Bijagó, de António Estácio. Prefácio de Eduardo J. R. Fernandes



Leopoldina Ferreira Pontes  (a primeira, da segunda fila, do lado esquerdo) nasceu em Bissau em 4 de Novembro de 1871. Era filha de João Ferreira Crato (natural do Crato, Alto Alentejo, comerciante na Guiné) e de Gertrudes da Cruz (de etnia bijagó, natural de Bissau). Morreu aos 87 anos, em 26 de Maio de 1959.

Do seu primeiro casamento, com José Ledo Pontes, caboverdiano, recebeu o apelido Pontes. Das suas três ligações matrimoniais tevce diversas filhos, de que sobreviveram seis filhas. A história da sua vida é interessante na medida em que acompanha também a da vila de Bissau, mais tarde cidade e capital, e portanto do seu desenvolvimento. Segundo a pesquisa efetuada pelo António Estácio,  só em 17 de Abril de 1877 é que foi criado o concelho de Bissau, tinha a Leopoldina 5 anos. Nessa altura, a população que residia na área murada era de 573 habitantes,sendo  391 nativos, 166 caboverdianos e apenas 16 europeus. Em 1872 as ruas passam a ser iluminadas  (p. 50)... Mas só em 19 de Dezembro de 1941 - tinha já 'Nha Bijagó' 70 anos - é que a capital da Guiné é transferida de Bolama para Bissau (p. 59).

Foto: Cortesia de António Estácio (2011)




1. O António Estácio, membro da nossa Tabanca Grande, teve a gentileza de mandar pelo correio um exemplar do seu último livro, Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959) (edição de autor, 2011, 159 pp., c/ ilustrações).  Trata-se de um exemplar autografado, que passará doravante a fazer parte da biblioteca da Tabanca Grande. Infelizmente, não me foi possível estar presente no lançamento do livro, em 20 de Junho passado, em Lisboa, no Palácio da Independência, de que no entanto demos a devida notícia.

O Beja Santos, por sua vez,  já aqui fez uma primeira recensão do livro, realçando a personalidade e a influência da biografada, nestes termos:

"O que havia de incomum em Nha Bijagó? Filha de um comerciante branco e de uma Bijagó, D. Leopoldina tinha uma personalidade muito forte, era constantemente ouvida pelas autoridades locais que apreciam a sua capacidade organizadora e força mobilizadora. Era madrinha de meio mundo, uma das características de qualquer mulher influente. Viam-na a atravessar Bissau para ir à missa, se bem que severa pelava-se por organizar festas, ficaram célebres os bailes que organizava em casa. Presava a comemoração de eventos e encomendava pratos típicos quando juntava a família, como o brindge (à base de carne de pato, galinha ou porco, temperado, cozido e frito), servindo-se com mandioca ou batata cozida, o arroz é obrigatório.



"António Estácio recolhe inúmeros depoimentos, é uma ternura o enlevo que ele põe neste testemunhos que atravessam décadas e que parece pôr Bissau a falar. A cidade é uma constante neste exercício monográfico sobre D. Leopoldina: a identificação dos negociantes, a listagem da gente famosa do tempo, a visita ao património da sinhara, o conteúdo dos testamentos". (...)


2. Mensagem do António Estácio, com data de 28 de Setembro último:

Luís Graça: Estimo-te bem e reitero o meu pedido de desculpa pelo atraso no envio de um exemplar do livro referente à famosa "Nha Bijagó", de seu nome Leopoldina Ferreira Pontes.

Esta tarde enviei-o pelos Correios, devendo chegar na Quinta ou Sexta-feira.

Em anexo seguem várias fotos da concorrida sessão, levada a efeito no passado dia 20.06.2011 no edifício da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), situada em Lisboa no n.º 11 do Largo de S. Domingos.

Segue o texto do prefácio  (...). A aquisição do livro poderá ser feita na secretaria da SHIP ou diretamente com o autor, através de contacto telefónico pelos n.ºs 219229058 ou 962696155.

De momento estou a ajudar na edição de uma pequena monografia intitulada "Vinte anos de experiência e de saber (1991-2011)", elaborada por Carlos Brandão de Almeida e evocativa da Associação Cultural da Terceira Idade de Sintra (ACTIS), vulgo Universidade da Terceira Idade de Sintra (UTIS), em cuja Direção exerço as funções de Secretáio.

Talvez para o ano proceda à reedição do meu livro de memórias do tempo de Liceu de em Bissau, o antigo "Liceu Honório Barreto", que frequentei de 1958 a 1964. Intitulado "Passadas" (o título é em crioulo da Guiné e significa "o que aconteceu" ou "o que se passou", tendo a sua 1ª edição sido feita em Macau no ano de 1992 e numa edição de autor.

Espero ter respondido a tudo. Despeço-me com um abração e faço votos de uma rápida recuperação.

Com amizade, consideração e estima

António J. Estácio


3. Hoje reproduzimos, com a devida autorização do António Estácio, o prefácio que foi escrito por Eduardo Fernandes, seu amigo e condiscípulo do Liceu Honório Barreto, em Bissau, e actual comentador da RDP África


Prefácio (pp. 5-7) 

Mais um trabalho que António Júlio Estácio dá à estampa, tendo como objecto uma figura marcante da sociedade guineense, desta feita “Nha Bijagó”, nome pelo qual ficou conhecida Leopoldina Ferreira.

Quem foi esta senhora e o que fez ela para merecer figurar em obra impressa? Isso é o que o leitor irá descobrir ao longo de mais de centena e meia de páginas deste livro que o autor intitulou “Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959).

A própria escolha do título já é em si reveladora da razão que motivou António Júlio Estácio a biografá-la! “Nha Bijagó” foi,  de facto, uma respeitada personalidade do seu tempo,  socialmente bastante influente e uma verdadeira matriarca. Abastada, mas sóbria, mulher de rígidos princípios éticos, foi, de certo modo, um modelo para os seus concidadãos.

Ao ler este livro não podemos deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta influência tiveram na costa ocidental africana, em particular nos Rios da Guiné, entre o século XVI e finais do século XIX.

Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos, nomeadamente os europeus.

Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas”, como a Bibiana Vaz, a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, entre muitas outras.

Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de André Álvares d’ Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde” de 1594 ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, para apenas citar alguns.

“Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959), é o resultado de um longo trabalho de pesquisa que António Júlio Estácio desenvolveu ao longo de vários anos, com uma enorme dedicação e até paixão, mas sempre com rigor e respeito pela verdade dos factos, a que já nos habituou. Compulsou milhares de documentos, não apenas relacionadas com Leopoldina Ferreira, mas também relativos aos principais acontecimentos que tiveram lugar no período coevo da biografada. Registou dezenas de depoimentos e deslocou-se propositadamente à Guiné-Bissau [, em 2006], para “in loco” recolher mais informações, de modo a poder complementar, confirmar ou infirmar os elementos já recolhidos. E o resultado de todo esse esforço, é este livro!

Não estamos perante uma biografia no sentido clássico do termo, isto é, um género literário em que o autor narra a história da vida de uma pessoa ou de várias pessoas de forma mais ou menos objectiva, e muitas vezes romanceada. António Júlio Estácio, preferiu manter-se “neutro” interferindo o mínimo possível na narrativa dos depoentes, limitando-se a clarificar aqui e acolá alguns aspectos contraditórios ou menos precisos e desse modo fornecer ao leitor um retrato tão fiel quanto possível dessa grande senhora que foi a “Nha Bijagó” feito através dos testemunhos daqueles que a conheceram e que com ela privaram, e ainda de documentos oficiais que atestam aspectos relevantes da sua vida.

Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, adminis-trativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro!

O autor quis,  desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colonia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de “Nha Bijagó”. Por esse motivo, este trabalho biográfico, para além de nos dar a conhecer a vida de uma grande mulher guineense que foi a “Nha Bijagó”, fornece-nos importantes informações do mundo em que ela viveu! Através dos diversos depoimentos sobre a “Nha Bijagó” recolhidos pelo autor, ficamos a conhecer não apenas os aspectos essenciais da sua vida, mas também um pouco da vida social na então colónia da Guiné e muito particularmente em Bissau, na primeira metade do século XX.

Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer!
 

Eduardo J. R. Fernandes

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de Outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8847: Notas de leitura (280): As Mulheres nas Malhas da Guerra Colonial, de Ana Bela Vinagre (Felismina Costa) 2. O Estácio mandou-me, em 28 de Setembro passado, a seguinte mensagem que reproduzo:

Guiné 63/74 - P8848: Parabéns a você (320): Carlos Alberto Prata, Coronel de Infantaria, na situação de Reforma, ex-Cap CMDT das CCAÇ 4544/73 e CCAÇ 13 (Guiné, 1973/74) e Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72)


O nosso camarada Carlos Alberto Prata apresentou-se à Tabanca Grande, em 24 de Maio último, nestes termos:

"A convite do amigo Manuel Reis, sabedor que eu fora combatente na Guiné, acompanhei-o já a 2 almoços de confraternização na Tabanca do Centro, onde me foi dado o privilégio de, além de contactar com antigos combatentes naquela antiga província e recordar locais e acontecimentos aí decorridos, ficar com uma pequena ideia desta louvável agremiação (chamemos-lhe assim) dos antigos combatentes na Guiné.

"O objectivo deste mail é apresentar-me e solicitar os vossos ofícios para que me seja dada a honra de também fazer parte da família da Tabanca Grande, o que, antecipadamente, agradeço!

"Chamo-me Carlos Alberto Duarte Prata, natural do Porto, casado, com dois filhos já homens, e sou Coronel de Infantaria, na situação de Reforma.

"Frequentei a Academia Militar, curso de 1961/65. Promovido a Capitão fui mobilizado para Angola onde cumpri uma comissão de serviço entre Maio de 1969 a Julho de 1971.  Em Maio de 1973 fui mobilizado pelo RI15 (Tomar) onde formei a CCaç 4544 que seguiu para a Guiné em Setembro de 1973, tendo como destino Cafal Balanta, na região do Cantanhês. Por determinação do General Comandante do CTIG, em Março de 1974 fui comandar a CCaç 13, em Bissorã, onde me encontrava em 25 de Abril de 1974. Regressei a Portugal em 30 de Setembro de 1974, após a entrega da Guiné às tropas do PAIGC.

"Apenas para informação devo acrescentar que em 1995 regressei à Guiné, durante 6 meses, em missão de Cooperação Militar. Aqui está pois o motivo da minha ligação aquela antiga província, as saudades dos bons e menos bons momentos lá vividos e a vontade firme de conviver com quem viveu experiências análogas." (...)


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HÉLDER SOUSA

Ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72



1. Mensagem de Juvenal Amado para o nosso aniversariante Hélder Sousa:

O Hélder vai-me perdoar esta brincadeira não tenho dúvida nenhuma. Homem de consensos, conhecedor, de conversa fácil e não menos atenta . São sempre de recordar os momentos que passei com ele, tanto nos almoços do Blogue como nos da Tabanca do Centro, onde a sua participação é sempre esperada e ansiada.

Atrevo-me a dizer que o Hélder é uma das traves mestras do bom relacionamento, moderando conflitos e não poucas vezes minorando o desgaste que certas questões provocam em nós todos.

Certo que a sua amizade faz de mim um homem melhor, não posso deixar passar esta data sem lhe mandar um forte abraço.
O único defeito é ser do Benfica mas que se pode fazer? Ninguém é perfeito.

Neste dia desejo-te muitas felicidades junto de quem mais amas.


O camarada e amigo
Juvenal Amado


2. Postal do nosso camarada Miguel Pessoa



3. Mensagem dos Editores:

Fazemos nossas as palavras do camarada Juvenal Amado (com sua licença), porque, caro Hélder, estamos reconhecidos pela tua disponibilidade, sempre atento aos problemas internos do Blogue, enviando-nos mensagens com oportuníssimas achegas, tentando, e conseguindo, ajudar-nos nesta espinhosa missão de, não agradando a todos, pelo menos agradar à maioria.

Na qualidade de "conselheiro", ou outra, contamos sempre contigo.

Caro Hélder, recebe um enorme abraço em nome da tertúlia e dos editores muito em particular.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8833: Parabéns a você (319): António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66) e Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Guiné, 1967/69)

domingo, 2 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8847: Notas de leitura (280): As Mulheres nas Malhas da Guerra Colonial, de Ana Bela Vinagre (Felismina Costa)




1. Em mensagem do dia 29 de Setembro de 2011, a nossa amiga e tertuliana Felismina Costa *, enviou-nos umas notas de leitura sobre o livro de Ana Bela Vinagre, "A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial" que acabou de ler recentemente:





A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial

Por Felismina Costa

A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial, de Ana Bela Vinagre, edição de Fonte da Palavra, é, sem sombra de dúvida, uma chamada de atenção para o tempo em que aconteceu o referido conflito e toda a sua implicância na sociedade Portuguesa da época.

A autora, faz notar as condições económicas e sociais do País, a aceitação forçada
de uma guerra que a maioria defendia por Patriotismo, incentivando os seus jovens a usar o seu brio Pátrio, como é descrito por vários testemunhos inclusos na própria obra.

Trata-se de um livro, que evidencia o marasmo do País e a pouca preparação cultural da maioria do povo, que era educado para aceitar a estagnação como algo natural e intransponível, valorizando apenas e tão só a mulher enquanto esposa e mãe, à margem do desenvolvimento e do avanço cultural, como ser limitativo. A mulher esposa, a mulher mãe, governada pelo “dono”, capaz apenas de procriar e cuidar do lar, submissa por imposição sem poder de decisão nos destinos do País, que ela, como procriadora, gostaria de ver próspero e culto. Limitada pela imposição, atreve-se a expressar-se e a manifestar-se, aos poucos, decidida a impor as suas ideias e defender os seus direitos, como ser de pleno direito nos destinos do seu País e da sua própria evolução.

Por outro lado, mostra-nos a coragem que as mulheres das décadas de 60/70 dão aos seus jovens em guerra, no apoio moral, nas palavras plenamente sentidas e muitas vezes menos bem expressas, por insuficiente cultura, mas plenas de intenção de ajudar a ultrapassar um tempo de grande preocupação e sofrimento.

A obra é uma retrospectiva das mentalidades e governação da época a que poucos tinham coragem para se oporem.
Revejo-me em toda a sua descrição, revivendo ideias e factos que reafirmo peremptoriamente, porque assim vivi o tempo descrito: exactamente assim!

Ana Bela Vinagre, apresenta-nos testemunhos de mulheres, que, numa entrega enorme tentaram ajudar os filhos de quem estavam longe, oferecendo o seu tempo e a sua hospitalidade, promovendo a sua integração e bem-estar. Testemunhos de mulheres jovens, que, mercê da sua imponderabilidade e da sua vontade, foram capazes de acompanhar os seus homens, durante as suas comissões em teatro de guerra, mulheres que acompanharam e ajudaram a ultrapassar os dias negros dos seus doentes e mutilados, de mulheres que perderam os seus familiares e que ainda hoje os recordam com dor imensa, e de mulheres enfermeiras, que arrojadamente provaram, que a coragem não é a penas apanágio dos homens e, que, como noutras situações da vida, souberam estar à altura das circunstâncias.

Refere igualmente as Senhoras do MNF, no apoio manifesto e intencional de ajudar a vários níveis, o que devia ter sido feito pelo Estado Português.

Refere o sofrimento de todos ligados directa ou indirectamente ao conflito: os familiares, predominantemente, mães, mulheres e namoradas, e a sua importância no moral dos homens em TO.

Creio que este trabalho é uma ajuda preciosa para a construção da história do nosso País, num período conturbado, como foi o da Guerra Colonial e, em que as mulheres, na retaguarda, o tentaram tornar menos penoso.

Felismina Costa
Agualva, 29 de Setembro de 2011
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8817: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (33): Um dia de Verão na Serra de Sintra (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 30 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8840: Notas de leitura (279): Os Anos da Guerra Colonial, de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (Mário Beja Santos)

sábado, 1 de outubro de 2011

Guiné 63/74 – P8846: Memórias de Gabú (José Saúde) (7): “Piriquitos” exploram o centro “nevrálgico” da urbe guineense



1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


 “PIRIQUITOS” EXPLORAM O CENTRO “NEVRÁLGICO” DA URBE GUINEENSE

PASSEIO NA “5ª AVENIDA” DE GABÚ

Suavizavam o ar com o odor de uma “penugem” que os então “piriquitos” lançavam para o infinito de um horizonte inimaginável. A “incubação nos ovos” chegava ao fim. Tínhamos avezinhas. Um esticão de asas, um apalpar no escuro, uma vertigem dos mais fracos, o vociferar dos conteúdos da guerra, o trocar opiniões sobre os estratagemas do inimigo, as emboscadas, as minas, os ataques nocturnos aos quartéis entre tantos outros motes trazidos para a discussão davam azo, na altura, a uma conversa sempre indeterminada entre aquele grupo acabado de chegar ao Leste da Guiné. Cenário: a “5ª Avenida” de Gabú - quais turistas a passearem-se por terras das grandes metrópoles americanas! -. Ao fundo da dita cuja (“avenida”), eis o grupo a abancar no bar da Pensão Mar e a refrescar-se com as aprazíveis cervejolas. Era o princípio de uma jornada por terras de além-mar. Outras fainas se seguiriam.

A Guiné parecia-me apenas um sonho. Aliás, jamais me tinha ocorrido à ideia que o meu futuro militar me reservasse, como virtual conjectura, conhecer um dia a realidade da guerrilha guineense e as suas famosas bolanhas. Falava-se da Guiné como o diabo foge da cruz, recordo. A guerra naquela então província do Ultramar era terrível, afirmava-se. Traçavam-se cenários mórbidos da guerra na Guiné. A rapaziada comentava, a mensagem passava de boca em boca e nós, jovens, bebíamos as infaustas opiniões que entretanto nos chegavam. Porém, o destino contemplou-me e eu, tal como grande parte dos rapazes desses tempos, não fugi ao destino. Fui e voltei tal como parti, restando resquícios de histórias que contemporizam ainda hoje o meu calendário de vida.

Camaradas houve, e foram muitos, que já não usufruem, infelizmente, do prazer de partilhar momentos de convívio e narrar as suas histórias. Uns morreram em combate na densidade de um mato cerrado; outros faleceram numa emboscada; outros encontraram a morte em ataques aos quartéis; outros fecharam definitivamente os olhos em famigerados rebentamentos de minas anti-carro e anti-pessoal e, ainda, aqueles que morreram em momentos de verdadeira infelicidade.

Convivi com situações que me deixaram apreensivo quando em causa esteve a razão do último adeus. Momentos fatídicos, mórbidos, de camaradas que ousaram abusar do facilitismo e se deixaram cair, inadvertidamente, em princípios proibidos. Exemplifico o infeliz que encontrou a morte a limpar a arma esquecendo, entretanto, que tinha uma bala na câmara e outros em estúpidos acidentes com viaturas militares, enfim, todos, ou quase todos, temos histórias desta estirpe para contar.

Olho, atentamente, para duas fotos do meu álbum (Guiné) e revejo um passeio pela rua principal de Gabú, nos primeiros dias que ali “ancorámos”. O clique foi justamente dado em frente a uma casa onde residiam duas irmãs (se a memória não me falha), por sinal cabo-verdianas, comentava-se, que eram professoras na escola local. Vivendo momentos de uma juventude no seu auge, alguns furriéis e alferes, mormente, andavam doidos com as meninas que, por sinal, eram “boas como o milho”. Recordo que a malta andava mesmo“vidrada” de todo com aquele duo de airosas donzelas… mestiças. Parceiro? Não lhes conheci. Passemos à frente…

O grupo de turistas, todos janotas, embevecidos com a beleza natural que os rodeava, e o cheiro a África a inalar as nossas narinas, eis o grupo de “piriquitos” sentado a uma mesa do bar da Pensão Mar. Um nome que nada tinha a ver com a realidade deparada. O mais indicado, na nossa concepção, seria substituir Mar por Bolanha. O mar, lá longe, nem vê-lo. A bolanha era, isso sim, a afrodisíaca verdade constatada em terrenos circundantes. Mas aceitava-se a decisão do seu mentor.

África é, também, sumptuosa no consumo de bebidas, principalmente cerveja. O calor afirma-se como um aditivo determinante pelo prazer de consular as gargantas ressarcidas. Num convívio deveras saudável ficou uma tarde de passeio na apelidada “5ª Avenida” de Gabú, o alforge recheado de cervejas bebidas pelos “piriquitos” e um conhecimento mais profícuo de uma urbe onde as “bajudas” passeavam os seus corpos embrulhados em pedaços de pano garridos que torneavam a preceito os seus joviais e esbeltos corpos. O militar – “piriquito” – apreciava e… imaginava cenários quiçá inexequíveis de alcançar. Coisas de uma juventude irreverente.

Guiné, um país do qual guardo imensas recordações e que me levam agora, com 60 anos já feitos, trazer à estampa incontornáveis pequenas histórias intituladas “Memórias de Gabú”.


Refastelados à volta de uma mesa o grupo de furriéis ressarciam-se das cervejolas bem fresquinhas

À civil, os então “piriquitos” desbravavam o ambiente da “avenida”. Da esquerda para a direita: o Cardoso, Operações Especiais/Ranger, Eu, o Santos, Armas e Armadilhas, (?) e o Rui, Operações Especiais/Ranger



Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 – P8837: Memórias de Gabú (José Saúde) (6): A notícia infeliz do desaparecimento da menina de Gabú

 

Guiné 63/74 - P8845: O que se comprava em Bissau, com o patacão da guerra ? Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" (5) (Magalhães Ribeiro/José Colaço)


José Colaço
Amigos e Camaradas, dando continuidade a esta série, mostro-vos hoje mais seis artigos. 5 meus que comprados em Bissau antes do meu regresso em fins de 1974 e 1 do José Colaço adquirido em Bafatá.

Já vimos as peças de tapeçaria que comprei no Mercado Municipal, serviços de louça na Casa Gouveia (um deles de origem japonesa, e não chinesa, como bem corrigiu o nosso atento Camarada António Graça Abreu), e “Manga de Ronco” que nos era oferecida farta e insistentemente pelos muitos artesãos, nos Cafés Portugal e Ronda, e que eram os locais que eu mais frequentava naquela cidade, digerindo a minha sandezinha de fiambre em pão barrado com manteiga e bebendo um fresquinho e saboroso “shandy”.

Agora desses artigos, que ainda vou mantendo aqui por casa, envio fotos de uma faca do pescador e uma faca com cabo de pele, uma bolsinha em couro, 2 almofadas, 2 álbuns de fotos e 2 cassetes musicais na moda então da Janis Joplin e do duo Otis Redding e Aretha Franklin.

Também enviada pelo José Colaço, junto fotos de uma máquina fotográfica da marca” Franka Solida Record”, que ele comprou em Bafatá, MADE IN GERMANY US ZONE, na casa Gouveia, mais conhecida em 1965 pela loja das manas libanesas “as gémeas” e que ainda hoje funciona a 100% (a máquina claro). O Colaço diz que a guarda como relíquia devido ao sistema de fole, que lhe faz lembrar aqueles fotógrafos das feiras das fotos “à la minute”, em que o fotógrafo enfiavam a cabeça num saco de pano escuro e a máquina estendia um fole frontal, enquanto o fotógrafo dizia para os clientes uma célebre frase, ainda hoje usada pelos mais antigos: “Olha o passarinho”. Clique e já estava.
Caso vingue a ideia que um nosso Camarada César Dias lançou no segundo poste desta série, de se programar uma mostra destas peças num dos nosso encontros anuais, podem contar com estes meus.


Para todos um abraço,

José Colaço/Magalhães Ribeiro


Faca de pescador e faca com cabo de pele
Bolsinha de senhora


Almofadas decorativas

Álbuns de fotos de origem japonesa
Cassetes musicais


Máquina fotográfica ” Franka Solida Record” (propriedade do José Colaço)

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Notas de MR:


Vd. também anteriores postes sobre esta matéria em:



Guiné 63/74 - P8844: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Os Bravos do 13.º Pelotão sob o Comando do Furriel Montana

1. Em mensagem do dia 28 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos estas boas memórias da sua guerra.


Memórias boas da minha guerra - 24

Os Bravos do 13º Pelotão sob o Comando do Furriel Montana

Parada actual do ex-GACA 3 (Grupo de Artilharia Contra Aeronaves)

Para quem prestou um pouco de atenção ao assunto da formação dos Pelotões, sabe que eles eram organizados conforme a chegada dos mancebos ou militares. Preenchia-se o 1º Pelotão, depois passava-se para o 2º e daí para o 3º etc., etc..

Desta forma, os últimos a chegar integravam o último Pelotão. Assim, por coincidência ou não, tínhamos os mais pacatos (e obedientes) e mais interessados nos primeiros e os arrastados e contrariados, a chegarem “à força” (alguns com dias de atraso) no último pelotão. Tive essa experiência, logo na recruta em Santarém.

No Verão de 1966, no GACA 3, em Espinho, quando se organizava mais uma incorporação de mancebos, verificámos que os “restos” ficaram para o 13º Pelotão. E como não havia mais que 12 Aspirantes, este Pelotão foi comandado pelo Furriel de Cavalaria, José Montana.

Como as exigências do programa da recruta se baseavam na “Ordem Unida”, o trabalho era focado essencialmente nessa preparação. Aliás, as apreciações da tutela vinham sempre após o desfile no Juramento de Bandeira.

Ora, está-se mesmo a ver que o Furriel era mais experiente que os Aspirantes. Daí que o seu 13º Pelotão acabasse por dar muito mais nas vistas. Apanhou com os tais “retardados” ou “inadaptados” mas com a sua experiência e o apoio dos seus Cabos Milicianos rapidamente dominou a situação.


O Geninho

Um dos seus recrutas era o “Geninho” que, devido à baixa estatura, andava à civil, por não existirem, no quartel, fardas para... crianças. Parecia um miúdo da escola primária. Tinha 1,37 de altura. A espingarda Mauser, pousada, com a coronha no chão, a sua frente, dava-lhe pelos olhos. O curioso é que ele era um jovem socialmente bastante desenvolvido e de trato muito agradável. Quando o mandaram embora, ele lamentava-se dizendo:
- Vou triste, porque eu até gosto disto e gostaria imenso de servir a minha Pátria.


O Coiro

O Carlos Costa, que levou logo o apelido de “Coiro”, por ser de Paredes de Coura e por não se “mexer para nada”, apresentou-se com quatro dias de atraso. Alegou que no Domingo não havia carreira para Viana do Castelo, na Segunda chegou atrasado à paragem do autocarro e na Terça deixou-se adormecer.

- Mas tu pensas que isto é uma brincadeira, ou quê? - gritou-lhe o Montana, para o amedrontar.

O “Coiro”, achou muita piada à observação e riu-se, ao mesmo tempo que respondeu:
- Olhe que, por aquilo que vejo aqui, eu não estava a fazer falta alguma. Falta, falta, fiquei eu a fazer lá em casa, para ajudar o meu velho a tratar do gado. Oh Senhor Chefe, há-de dizer-me como vou para a baixa, porque eu tenho um problema aqui nas cruzes e não posso vergar-me muito.

O Montana, não esteve com meias medidas, mandou-o logo para a enfermaria, a fim de se ver livre dele rapidamente.


O Mangualde

O Fernando Mangualde era meu vizinho. Já era casado e tinha 2 filhos. Logo que me viu lá no quartel, veio dizer-me:
- Trata da minha situação, junto dos teus amigos que fazem Sargento Dia, porque tenho que ir trabalhar todos os dias, para sustentar os meus meninos e a minha Rosinha.

O certo é que compreenderam a situação e ele passou a andar desenfiado e a trabalhar em Lourosa.


O Gonçalves

Parecia um indivíduo normal. Todavia, dava a ideia de que “não batia bem da tola”. Na hora de executar os movimentos da arma, na Ordem Unida, ele não ligava ao que se lhe dizia quanto aos movimentos, espreitava para o lado e punha a arma na posição final como via nos outros. Ora, como ele não progredia, foi mais um que o Montana despachou para... “tratamento psicológico”.

Um dia, já estávamos na cama e o Gonçalves fez questão em vir agradecer-nos ao quarto, o facto de o termos ajudado a livrar-se da tropa. Veio de táxi, directamente do Hospital Militar do Porto e seguia para a sua terra, perto de Vila Real. Ficámos de boca aberta.

- Como é que este morcom se safou? – Perguntou o Nora.

Ele ouviu e respondeu logo:
- Os médicos eram uns nabos. Então não é que eles me perguntaram quantas patas tinha uma vaca?

E logo eu, curioso, perguntei:
- E que é que você lhes respondeu?

- O que havia de responder? Disse logo que tinha três. Não, ia dizer-lhes que tinha quatro?!


Chico Perna

Outro caso de referir, foi o do Francisco Oliveira, conhecido por “Chico Perna”. Tinha uma perna mais curta dois dedos que a outra. O Montana disse-me:
- Não sei o que vou fazer com este gajo. Já lhe disse para ir à enfermaria arranjar uma consulta para o mandarem embora e ele ficou ofendido. Diz que é um homem igual aos outros.

Como eu conhecia o Francisco e a sua humilde família, fui incentivá-lo a ir-se embora. Naquele tempo, um indivíduo saudável que se livrasse da tropa, era um “caso de lotaria”. Pois o Chico Perna, todo resmungão, não abdicou da sua teimosia em continuar na tropa. Porém, o Montana não contou com ele para o desfile. Falou com o “Sargento das Hortas” e pô-lo lá a tratar dos porcos e das galinhas até ao Juramento de Bandeira.

Quando regressei da Guiné, 34 meses depois, perguntei pelo “Chico Perna” e disseram-me que estava preso em Elvas, por ter andado à pancada com um Cabo Miliciano.

Os bravos do 13.º Pelotão

O dia do Juramento de Bandeira

Foi um sucesso.
Familiares, namoradas e amigos dos militares acotovelavam-se à volta da rede para poderem ter uma visão total do desempenho do seu ente querido. Ao som da fanfarra, os Pelotões desfilavam, por sua ordem numérica, de norte para sul e entravam na grande parada, de fronte das casernas. Mais que todos os galões exibidos, botas engraxadas, metais reluzentes e discursos inflamados, foi muito apreciada a entrada do último - o 13º Pelotão. É que o Furriel Montana, fez-se atrasado propositadamente e vinha atrás do seu Pelotão, em passo normal, a vê-lo desfilar e a executar todas as manobras “automaticamente”, assinaladas com o bater certeiro da bota direita no chão, apresentando-se na sua posição final, ao lado dos outros, voltado para o Comando e em posição de sentido, aguardando a sua ordem.

Então, já no seu lugar, o Furriel Montana faz a continência e, no meio de um silêncio sepulcral, grita em voz sonante:

-Vooossa Seenhoriiia, meu comaaandaante, dá liceeença?

- Siiiimmm – ouviu-se, também por toda a parada.

Então assistiu-se a uma enorme ovação, emotiva e carregada de admiração, sem dúvida causada pela “cagança” demonstrada pelos “Bravos do 13º Pelotão”.

Silva da Cart 1689

Nota: Mais tarde, informaram-me que o Montana, que não chegou a ir à guerra, veio a ocupar um lugar importante num organismo público da Capital, talvez devido ao seu currículo, de onde se destacavam os louvores que foi acumulando na preparação dos nossos militares.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8810: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (23): O mergulhador do Funchal

Guiné 63/74 - P8843: Cancioneiro de Bedanda (2): O soneto do artilheiro do 17º PELART, que termina com um sábio e genial conselho contra a loquacidade nacional: Findo, p'ra não obusar...




O "soneto do artilheiro", da autoria dos Fur Mil Art Machado e Fereira



Fonte: "O Seis do Cantanhês",  nº 1, 1973 (?)... Jornal mensal (só saíram dois números)...


1. Não conheço ninguém do 17º Pel Art que deve ter estado em Bedanda por volta de 1972/73...  Descobri agora, num exemplar do jornal de caserna "O seis do Cantanhez", milagrosamente salvo pelo António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 6, Bedanda, 1972/73),  este cantinho dedicado ao "dezassete"... (Leia-se: 17=3  secções + obus 14)

Pois, camaradas e amigos da Guiné, vejo que a malta do 17º PELART era rapaziada que tinha coragem para dar e vender. Não sei se a artilharia era a aristocracia do exército (não me meto - estou proibido - nessas polémicas intestinas). De qualquer modo, o coice da coisa, o clarão do obus, o silvo, o trovão... era qualquer coisa  que fazia acelerar as pulsações do infante... Senti-las passar e silvar por cima da cabeça é uma experiência inesquecível: a princípio, uma gajo sente-se acagaçado, mas no fim o coração é invadido por um estranha e inebriante tranquilidade quando elas [, as granadas de obus,]  fazem calar as armas do inimigo... Sobretudo no mato, quando um gajo não tem buraco para enfiar os cornos...

Em contrapartida, o que lhe sobrava em sentido de humor era capaz de lhes faltar em talento... literário. Não se pode ter tudo, ou não se pode ser bom em tudo: mesmo assim a dupla Machado & Ferreira (onde é que vocês param, rapazes ?) deixaram-nos um  soneto,  pouco canónico é certo, mas bem humorado, e seguramente digno de figurar na antologia do(s) nosso(s) cancioneiro(o). 

Devo dizer-vos que adorei o último verso, um conselho (prático e terapêutico) para muita gente que neste país usa e abusa, todos os dias, do seu "tempo de antena", e que tem um problema de "incontinência verbal"...

Pois aqui fica, contra o desvario da loquacidade nacional, a advertência do artilheiro de Bedanda:

- Findo, p'ra não 'obusar'...

E eu também me fico por aqui... Não quero 'obusar', mesmo que às vezes me dê uma enorme vontade de 'obusar'... Durmam bem, artilheiros de todo o mundo! (LG)

PS - Não se pode falar da nossa heróica artilharia no TO da Guiné, em geral, nem do 17º PELART que esteve em Bedanda, em particular, sem chamar à colação o nosso doutor Amaral Bernardo e a sua famosa foto do obus 14 a fazer horas extraordinárias... (ou a faturar, como queiram).


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > A famosa e feliz foto do ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2007: a saída do obus 14, de noite. 

Legenda: "Foi tirada com a máquina rente ao chão. Bedanda tinha três. Uma arma demolidora. Um supositório de 50 quilos lançado a 14 km de distância... Era um pavor quando disparavam os três ao mesmo tempo... Era costume pregar sustos aos periquitos... Eu também tive honras de obus, quando lá cheguei"... 

Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2007). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor: