terça-feira, 29 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9114: (In)citações (35): Museu Memória de Guiledje, em que a história é o conjunto das histórias de todos (Pepito)

1. Mensagem do nosso amigo Pepito, director executivo da AD - Bissau, que está duplamente de parabéns: por estes dias (depois de amanhã, 1 de Dezembro, é o seu dia de aniversário; por outro lado, a sua ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento comemorou, no passado dia nove, 20 anos de existência, "20 anos a inovar, agir, desenvolver"):

Data: 28 de Novembro de 2011 19:58
Assunto: Diário de Notícias-Guiledje

Amigo Luís,



Confesso-te que foi com uma grande alegria que li esta reportagem feita por um português (neste caso por uma portuguesa) cujo pai também andou pelas Áfricas de Além Mar.

Veio de Portugal e só em Guiledje teve a oportunidade de, como ela diz "...Foi lá que li a carta que Casimiro escreveu aos pais sobre a retirada de 1973...".

Se ela a quisesse ler, em Portugal, não o podia fazer. E isto porque houve uma iniciativa da AD,  associada ao nosso Blogue,  que deu no Museu "Memória de Guiledje" o qual permite aproximar povos e juntar memórias.

A alegria é tanto maior quando me lembro quanto fiquei magoado por ver alguns camaradas (que não o deixaram de ser por terem opiniões e visões diferentes) ligarem Guiledje a Aljubarrota, aludindo ao facto do Blogue ter apoiado uma visão unilateral da história por parte dos guineenses.

Afinal, hoje, é uma portuguesa que tem de ir a Guiledje para conhecer a opinião daqueles que foram contemporâneos do pai dela, e aperceber-se que, de facto, não temos por cá Nunos Alvares Pereira,  e que sempre percebemos a história como o conjunto das histórias de todos.

Recebe um abraço muito amigo e agradecido

pepito

2. Reprodução, com a devida vénia, do artigo de opinião, de Ana Cristina Pereira, jornalista do Público, publicado no DN- Diário de Notícias, de 27 de Novembro de 2011



Estilhaços do tempo:  Impossível não ficar a pensar no que terá passado o meu pai durante a guerra colonial

por Ana Cristina Pereira

"Ainda não sei se foram os soldados que se juntaram todos e abandonaram o quartel ou se foi ordem dada pelo comandante-chefe, mas uma coisa é certa: GUILEDJE ESTÁ À MERCÊ 'DELES'."

José Casimiro Carvalho não estava. Tinha ido coordenar uma operação de reabastecimento da companhia. Guiledje era o fim do mundo. Os mantimentos vinham em batelões de Bissau até Cacine. Seguiam em lanchas de desembarque médias até Gadamael. E por coluna até ali. 
A situação tornara-se insuportável. Durante três dias, o aquartelamento fora bombardeado 37 vezes. Sobre ele tinham caído 795 granadas. A cozinha fora destruída e a tropa estava impedida de formar coluna para ir buscar água. Já não tinha água e já só podia comer rações de combate. 

Guiledje dista três quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacry. O exército assentara arraiais em 1964. Tentava impedir a entrada de armamento e de víveres para o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, via "corredor da morte" ou "caminho di povo", consoante o lado da luta. 




A famosa carta enviada pelo José Casmiro Carvalho (Fur Mil Op Especiais, CCAV 8350), enivada aos pais, remetida de Cacine, em 22/5/1973, anunciando a a saída de Guileje....


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Agora, só se pode imaginar a rede dupla de arame farpado, as trincheiras a céu aberto, as trincheiras subterrâneas, o morteiro, as messes, os quartos, o posto de rádio, o posto de socorro, a arrecadação, a cantina, a cozinha… Depois da retirada de militares e civis, António de Spínola, então governador militar da Guiné, mandou bombardear o que restava.

Há uma maqueta no Núcleo Museológico de Guiledje. O lugar está a ser recuperado, muito por força da Associação para o Desenvolvimento. Para já, apenas uma sala com isso e com utensílios e textos de época. Visitam-na antigos combatentes e familiares. Às vezes, aparecem filhos ou netos de militares já mortos, à procura de pistas de um passado silenciado.



Foi lá que li a carta que Casimiro escreveu aos pais sobre a retirada de 1973. E um impressionante depoimento de João Tunes, importado do blogue Bota Acima: "Enclausurados dentro do quartel, morteirada todos os dias, com baixas quando iam buscar água a um quilómetro, comendo com uma perna fora da mesa para se atirarem para uma vala quando a primeira granada caísse, os militares de Guiledje sentiam-se mais perto de outra vida que da vida vivida. Os que não estavam malucos por lá andavam perto".


Impossível não ficar a pensar no que terá passado o meu pai durante a guerra colonial. Não combateu na Guiné-Bissau. Combateu em Moçambique, mas enquanto lá estive ligou-me várias vezes, inquieto. Suponho que para ele Guiné ainda é sinónimo de inferno.
A guerra colonial começou há 50 anos. Oficialmente, acabou há 37. Em quantas cabeças ainda ecoa?"

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Nota do editor:


Último poste da série > 9 de Outubro de 2011 >  Guiné 63/74 - P8875: (In)citações (34): Que país é este, Portugal, que faz de poetas soldados e de soldados poetas ? (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P9113: Convívios (389): O Convívio da Tabanca da Linha visto por José Manuel Matos Dinis

1. Em mensagem do dia 28 de Novembro de 2011, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), relata-nos o que viu, sentiu e deglutiu no último Convívio da Tabanca da Linha, realizado no passado dia 24.

O dia apresentou-se soalheiro e de temperatura muito agradável, como quem diz, nem quente, nem frio, e muito simpático para o convívio antecipadamente combinado, e veiculado pelo melhor dos orgãos de divulgação de convívios, almoçaradas, e outros acontecimentos de heroicidades comprovadas.

De repente, digo mesmo: súbita e inesperadamente, ouviu-se uma voz tonitoante, de comandante a impor a autoridade dos galões: seus grandes pasmados, não vêem como o Dinis come a sobremesa, que lhe levam à boca a colher cheia de pudins?

A surpresa admoestante paralisou a todos, que dirigiram os olhares para o canto do fundo da mesa, lugar onde se encontrava o distinto Comandante das tropas e das operações (com direito a que lhe levassem os doces à boca), amparado entre dois pesos mais ou menos pesados, de um lado o Mário, que não costuma aguentar-se com dislates, do outro o António, que levitava entre poesias orientais e o aroma dos primeiros cafés a serem servidos, enquanto os olhares inquietos dos circundantes se fixavam naquela espécie de última ceia, e algumas colheres suspensas deixavam cair por virtude de desiquilibrios, as adocicadas e gostosas iguarias pasteleiras, que sujavam calças, saias, ou a borda da toalha, onde permaneciam como destroços até que fossem sacudidas. Todos se aguentaram à bronca.

Todos não! Porque a minha psicóloga, imperturbável, feliz, e ciente do que gosta de fazer, ainda me trouxe à boca mais duas colheres de sobremesa, antes que o Comandante Rosales tivesse manifestado vontade de me medalhar com uma porrada, pelo que disse ser o meu comportamento mimado, mas, desconfio, apenas representava a inveja que os poderosos sentem, quando as classes exploradas vivem com alegria os pequenos prazeres da vida.

Mas o excelentíssimo público de leitores merece uma reportagem mais circunstanciada. Vamos lá:

Conforme a ampla divulgação prévia, foi grande o interesse suscitado na participação em mais uma etapa gloriosa, com vista ao aplacar de fomes e sedes, que a feliz iniciativa da Magnífica Tabanca, superiormente liderada pelo controverso Comandante Rosales, e excelentemente levada a cabo por este vosso humilde e guloso criado, concretizou com manifesto agrado.

A confirmar o que antecede, bateu-se o recorde de inscritos e de mastigantes, o que constitui uma exemplar prova do exercício desinteressado da política alimentar. Houve uma falta por motivos imprevistos, e outra, sem ai nem ui, provocada por um conhecido autarca que, desleixadamente, terá ficado a contrapôr estatísticas da greve. Também a esposa do Domingos não veio, mas por motivo de saúde, embora não se trate de situação alarmante. Virá para a próxima. Também por motivo de doença faltou o Vitor Balalaica, a quem fazemos votos de que vença a adversidade, e de quem esperamos poder ouvir os magnificos fados que interpreta como poucos. A ver se o nosso Segundo-Comandante (com a colaboração do Zé Carioca) se mantém atento e providencia um próximo encontro com homenagem musical. Porém, à guisa de compensação, vierem dois piriquitinhos, filhos de dois conhecidos atabancados: o António Santos (com umas barbas à Agostinho da Silva), e o nosso investigador José Martins, que tem muita matéria para publicar.

Também para publicar e testemunhar futuramente, desdobraram-se em trabalhos fotográficos os tertulianos, Miguel Pessoa (também conhecido por ser o esposo da nossa Camarada Giselda Pessoa, extraordinária de atenções e dedicação aos ex-combatentes das bolanhas guineenses; Manuel Resende, que não sendo um jovem, é uma promessa da fotografia; Humberto Reis, que apesar de acompanhado por duas indefectíveis e fidelíssimas canadianas não teve tantas oportunidades para engatilhar retratos; e o Jorge Canhão, que, com objectivas de grande calibre, ainda teve tempo para confraternizar, manducar e beber da inspiradora sangria, enquanto se batia ao prémio "o melhor fotógrafo do evento", prémio que ficou por atribuir por falta de exemplares para o empate registado (só havia um prémio). Mas o Colaço seria o justo vencedor, em caso de desempate, com uma única fotografia que me tirou.

As estrelas, como vem sendo costume, foram todos, que mantiveram um ambiente muito agradável, e juram não faltar futuramente.

Falta referir-me às especialidades que foram servidas: as entradas confirmaram-se num plano acima da razoabilidade, e foram deglutidas com gula, já que estes combatentes não registam a traumática doença da falta de apetite: croquetes, queijos, e patê de marisco, serviram de treino para o repasto; depois veio uma sopa vegetal, onde as couves marcaram presença.

O prato de peixe era bastante substantivo, pois tratou-se de um arroz de lulas, muito tenrinhas e de dimensão adequada, acolitadas com gambas e ameijoas, num conjunto que se revelou bem temperado, aromático, e muito apaladado. Foi excessiva a quantidade, e ainda sobrou.

O prato de carne apresentou um rolo de lombo de porco recheado um enchido saboroso, e vinha acompanhado de batatinhas e cebolas a aflorar de um molho sucolento que merecia mais atenções e dedicações, não fora os antecedentes terem dimuinuído a capacidade volumétrica para ingerir, pelo que voltou a sobrar.

Nos finalmentes, houve uma mesa de doces, onde se podia escolher entre farófias, pudins, mousse, maçã assada, e não tive capacidade para mais, apesar de muito entusiasmado pela variedade de paladares.

O vinho era suficientemente bom, e nem me interessou saber das castas de onde fora espremido, nem a região de proveniência, nem os outros ítens que glorificam os enólogos, como também foi suficiente para eu não ter provado a sangria ou a água cristalina, que o pior, vocês sabem, são as misturas.

Jorge Rosales - O Comandante e Tesoureiro

José Manuel Matos Dinis - O Relator

Assim se apresentavam as mesas
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9103: Convívios (381): Tabanca da Linha, Restaurante A Camponesa, Cabreiro, Alcabideche, Cascais, 24/11/2011: Fotos de José Colaço, Manuel Resende e Humberto Reis

Guiné 63/74 - P9112: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (3): A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate

1. Terceiro episódio de "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - III

A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate

Bissorã era uma vila já com bastante população em que havia alguns estabelecimentos comerciais, muito deles já abandonados, mas ainda assim com um ou outro em funcionamento (os pertencentes a libaneses), perdi a sensação de tremendo isolamento que me tinha acompanhado durante a permanência em Fulacunda, tendo em vista que a vila tinha ligações por estrada, com Mansoa, Barro, Olossato e Mansabá, para esta última através do assustadora mata do Morés, considerado um refugio do IN, daqui a que desde que fosse assegurada a necessária desminagem e segurança se fizessem colunas. Ficamos durante alguns meses em conjunto com a Companhia 1419 e aparte os patrulhamentos e observações nas tabancas limítrofes, apenas têm relevância no plano militar dois acontecimentos que vieram abalar o contingente: em primeiro lugar junto à pista de aterragem rebentou uma mina antipessoal que provocou a amputação do querido amigo Lageira – 1.º Sargento da 1419. À posteriori o 2.º Sarg Sarrico por descuido deixou rebentar no bolso do camuflado uma granada de fósforo que o queimou e estropiou bastante. Vim encontrá-lo com sofrimento tremendo já no Hospital da Estrela onde foi horrivelmente tratado, quando da minha evacuação por ter sido atingido a tiro, e já fortemente estropiado. O Sarrico veio a falecer depois com uma cirrose hepática.

As condições em Bissorã já eram mais aceitáveis, sendo que inclusive tomávamos refeições de boa qualidade num estabelecimento do exterior, e um grupo de furriéis, em que me incluía, alugou uma casa também no exterior do quartel para pernoitar e repousar. Era realizado sistematicamente pela população um tradicional mercado ao ar livre. Existiam dentro da vila, em tabancas separadas e nos arredores, diversos grupos e sub-grupos étnicos, nomeadamente fulas, mandingas, biafadas, alguns balantas e um curiosíssimo sub-grupo, os saracolés que teciam e produziam os panos azuis, que as mulheres dos diversos grupos usavam a servir de saias. Havia alguns artesãos habilidosíssímos que criavam em pau-santo belas peças das quais adquiri alguns exemplares que hoje possuo, mas o artigo para mim mais interessante é um corta papeis em feitio de punhal manufacturado a partir do bronze do invólucro das balas e do alumínio das caixas de outra munição que não me lembro já hoje e que de certeza utilizei tendo em linha de conta que andei dezenas de vezes aos tiros com todo o tipo de armamento. Junto à casa do administrador de Posto chamou-me a atenção uma viçosa horta que produzia permanentemente durante todo a ano alfaces, tomate etc. Aqui não há os períodos de inverno ou verão, basta regar todos os dias como verifiquei ser feito por elementos da população, não sei contratados como. Também aqui me chamou a atenção um enorme monte de mancarra, (amendoim) que veio depois a ser transportado para Bissau (Casa Gouveia - Sucursal local do Grupo CUF) e com o monopólio da exportação de todo o amendoim da Guiné para Portugal..

A casa do Administrador.

A tasca do senhor Maximiano. A nossa messe em Bissorã

Rua com duas bombas de gasolina à direita


Terminado este período de aparente acalmia, mais uma vez nos deslocamos em viatura pela estrada para ficarmos localizados em Mansoa, ainda nos deslocamos algumas vezes a Bissorã com colunas de abastecimentos.

A igreja católica vista de frente.

A mesquita com os seus crescentes nos minaretes

Nesta vila onde pensávamos terminar a nossa comissão de serviço com menos tensão, veio a ser a zona de maior desgaste e com momentos mais angustiantes e onde sofremos os mais dramáticos e terríveis acidentes de guerra e onde viemos a ter as mais traumáticos situações e tropelias. Por aqui passava a estrada alcatroada que vinha de 10Km, (andava em construção – atribulada é certo - o pessoal de Engenharia envolvido era frequentemente atacado – também várias vezes fizemos a segurança aos mesmos e entramos em combate com o IN desfazendo as ferozes emboscadas feitas à estrada, que estava planeada para servir de ligação entre Bissau e Bafatà. Era também já uma vila com vida própria com alguns comerciantes, principalmente libaneses e raros portugueses um posto de Correios, onde algumas vezes telefonei para casa, a sede do Os Balantas, clube de futebol onde existia uma ampla esplanada e um cinema ao ar livre. Tinha também um administrador que aqui residia com a esposa e que eram assíduos frequentadores do cinema, o único inconveniente é que todos os filmes pareciam ser de guerra, porquanto milhares e milhares de melgas que pejavam o chão no fim de cada sessão, voavam permanentemente na frente do projector parecendo no ecrã uma enfiada de balas tracejantes.

O centro com o café e esplanada.

A Estação dos Correios

Quartel de Mansoa visto do cimo do depósito da água

O quartel era já de grande dimensão porquanto era aqui o comando de um vasto sector. Aqui chegados e instalados, veio, depois de algumas incursões dolorosas no mato sob o Comando (digamos que nos acompanhou) o verdadeiro comandante era já o Rui Ferreira, o Cap. Capador, um ineficaz que só atrapalhava, convenhamos que saía mudo escondia-se por todo o buraco que aparecia e regressava calado sendo que foi neste período que tivemos os mais duros contactos com o inimigo e tivemos diversos feridos. Foi a companhia desmembrada, sendo que ao nosso pelotão/grupo foram destinadas as funções de guarnições em destacamentos avançados, (mais uma vez o isolamento e a solidão), e que eram Braia, um bunker na estrada a caminho de Bissorã, nada existia para além do bunker e o arame farpado a toda a volta e onde foi colocada a primeira a Secção comandada pelo sensato, responsável e corajoso, José Monteiro, e Cutia em que existia dentro da cerca de arame farpado algumas moranças e onde exceptuando o refeitório tudo o resto eram abrigos debaixo de terra e cibes onde dormíamos e que ficava na estrada a caminho de Mansabá. Aqui fui colocado com o Ameixa e o resto do pelotão e onde mais tarde se veio juntar um alferes em substituição do Rui, que entretanto tinha sido ferido em combate em operação durante o tempo que permanecemos como companhia de intervenção em Mansoa.

O fortim para defesa da ponte. No chão, feito com garrafas de cerveja enterradas, pode ler-se: “Piratas do Oio 1420″.

Vista parcial da tabanca, dentro do arame farpado, e do Destacamento, onde se vê a bandeira na Porta de Armas.

Perdidos na memória do tempo os nomes dos diversos locais onde sofremos cruéis emboscadas, e procuramos e atacamos acampamentos e casas de mato do IN, apenas me marcam profundamente aquelas onde viemos a sofrer mortos e feridos.

Inscrição na parede de uma caserna.

Choveu copiosamente no percurso para o assalto a uma casa de mato, só participei nela porque ali ia o meu extraordinário grupo e era comandado pelo grande Rui, fui de chinela de praia porque nesse mesmo dia o meu Camarada Carolino (o enfermeiro da companhia) me tinha extraído uma unha arreliadoramente encravada, no meio da aterradora escuridão tropecei no fio de um fornilho que felizmente, eventualmente por causa da chuva, só rebentou o detonador o que não diminui o ânimo do pessoal, não sei exprimir o que senti. Chegamos de madrugada e ao sermos alvejados irrompemos pela casa de mato provocando a sua destruição pondo o IN em fuga desesperada com feridos e capturando diversas armas; no regresso dois elementos já longe do local dedicavam-se à pesca, obrigamo-los a acompanhar-nos para o Quartel, nunca soube de mais nada. Em nova incursão para a mesma zona somos recebidos a partir da berma de uma pequena mata por imensa metralha, no afã de desalojar o IN e porque seguia como de costume no inicio da coluna, avançámos o mais abrigado possíveis naquele sentido, pedindo eu aos dois bazukeiros, o Feijões e o Antunes, que se aproximassem da minha linha de fogo para melhor alvejarem o IN, assim fizerem o que resultou no desalojar dos mesmos mas, como ainda hoje me dói e me faz amiúde sonhar com o acontecimento, na morte de Antunes com um tiro na carótida. Foi dramática a evacuação daquele camarada transportado, aos nossos ombros, em maca improvisada até um local que o helicóptero pudesse pousar.
Pouco tempo após este acontecimento, vim de férias a Portugal, tendo regressado a Mansoa no mesmo dia que era inaugurada a primeira ponte sobre o Tejo. Acho graça a esta coincidência, para um revoltado permanente sem saber porquê.

Durante o período de férias recebi em casa, carta do meu amigo Rui onde me transmitia que uma secção do 4.º Pelotão tinha sofrido uma tremenda emboscada em que uma bazookada tinha atingido a viatura que se dirigia o destacamento da ponte de Uaque para levar a alimentação tendo morrido o 2.º Sargento Monteiro e havido diversos feridos de entre eles o mais grave era o nosso amigo Raimundo (o puto) entre a malta que era a vedeta futebolística da companhia e que faz o favor de ser um meu grande amigo. Era oriundo de uma família de pescadores da Costa da Caparica onde ainda hoje reside já em local diferente. Ficou e está completamente estropiado numa das pernas e num dos braços além do estropiamento ainda ficou amputado de parte dos dedos. Poucos dias passados e ainda de férias recebo nova carta do Rui que me comunica que o nosso pelotão tinha sofrido uma emboscada vindo o nosso amigo Augusto Palhais a ser atingido e ia ser evacuado para a metrópole. Fui visitá-lo ao Hospital onde constatei que tinha sido atingido por uma bala que lhe tirou uma vista. Este jovem, o único casado e já com um filho era a responsabilidade e ponderação que muito nos fazia falta e nos ajudava, está também entre os amigos, quase a generalidade, que se reúnem periodicamente para confraternizar. Originário de Mira – Aveiro ali se radicou.

Vindo de Cutia em trânsito por Mansoa com destino ao Hospital de Bissau para ser observado pelo facto de ter dado uma violenta queda que me provocava fortes dores no peito e tive a alegria de encontrar já recuperado o meu amigo Rui que aguardava transporte para se juntar a nós, em quem notei imediatamente um sentimento de revolta e inconformismo. Então não é que, por que o Comandante do 4.º Pelotão que se encontrava ausente para Bissau e estando aquele grupo para sair com a missão de avançar para o mato para o desalojamento e eliminação de alguns focos referenciados, o Comando de Batalhão, o tinha indigitado para comandar aquele grupo ao que ele reagiu acabando no fim praticamente por ser coagido a aceitar a missão; de imediato abandonei a ideia de ir para o hospital e lhe transmiti: se vais eu também vou, assim já seremos dois a aguentar o barco! Oh diabo, voaram mosquitos por cordas; não penses nisso, nem em sonhos, se for preciso proíbo-te de ires porque sou teu superior, era um poço de humanidade e brincalhão este Rui, depois de acesa discussão com este teimoso lá verificou que não merecia a pena insistir, pelo que lá nos juntámos aos camaradas do 4º. Pelotão. Depois de diversas peripécias no atravessamento de imensas bolanhas aproximamo-nos de uma tabanca isolada na extremidade de uma pequena mata, indo como de costume na frente da coluna, avistei em fuga em elemento, pelo que impetuosa e impensadamente me lancei em sua perseguição, vindo a ser gravemente ferido quando um grupo, emboscado estrategicamente, disparou diversas rajadas de metralhadora atingindo-me duas balas que me provocaram perfuração intestinal e o esmagamento de diversos ossos da bacia que me condenaram ao estropiado que hoje sou. Felizmente não houve mais feridos, porquanto vinham ligeiramente mais atrasados e puderam abrigar-se e eliminar aquela frente de fogo.

Fui em pouco tempo evacuado de helicóptero para Bissau, vindo ao fim de 15 dias para o HMP e posteriormente para a semi-clausura do Anexo vindo a terminar no DI no largo da Graça, locais de onde guardo a mais confrangedora das recordações. E assim termina a saga africana deste anónimo labrego.

No dia 10 de Junho de 1968, ainda andava em bolandas pelas instalações hospitalares donde só saí em Março de 1972, fui condecorado com a Cruz de Guerra, assunto que não pretendia aludir mas que devido a um facto acontecido me obriga a abordar e que anexo no fim.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2011> Guiné 63/74 - P9097: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (2): A nossa estada em Fulacunda

Guiné 63/74 - P9111: O nosso fad...ário (2): Fado Tudo isto é tropa (Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

1. Mensagem, com data de hoje, do Gabriel Gonçalves (ex-1.º Cabo Cripto, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), respondendo ao nosso pedido para enriquecer a coleção de letras de fados do nosso tempo de Guiné (*)

Luís:


Já que  estamos em maré de fados (**), junto um fadinho, de que não sei quem é o autor. Também não me lembro como o aprendi, (isto já é o PDI a falar), mas  é bastante giro, pois retrata bem a nossa triste vida, na tropa! 


Já agora, dei-me ao luxo de alterar a última quadra; onde se lê : Cuidado, substituí por "azar" e para rimar : "estás a lerpar"! Achei que era mais giro. 


De resto, acho que este fado é anterior ao nosso tempo, porque fala em botas cardadas. No nosso tempo as botas já não tinham cardas! E,  pronto, espero que gostes, e se achares engraçado, podes publicar!


Um grande abraço
GG


2. Comentário de L.G.:


Meu caro Arcanjo São Gabriel... Não sei por que te fizeram santo... Talvez porque, simbolicamente, nos ajudaste a nós, operacionais da CCAÇ 12, a dar de beber à dor... Sempre foste um grande senhor e um grande camaradão... Com a tua viola e a tua bela voz, animaste muitas das nossas  noites, quer no bar de sargentos de Bambadinca, quer  também no nosso quarto (conhecido por quarto das p..., como dizia o Humberto Reis, não por elas terem autorização de  lá entrar, mas por ser o quarto da rebaldaria,  só habitado por anjos e arcanjos: eu,  o Humberto Reis, o Tony Levezinho, o Joaquim Fernandes e  o José Luís Sousa - o madeirense...)... Tenho, temos, para contigo, uma dívida de gratidão.  E mais grato estou ainda por me teres enviado esta letra de fado que tu cantavas, nós cantávamos,  nesses tempos, juntamente com outras que já recuperámos e que fazem parte do Cancioneiro de Bambadinca... Um Alfa Bravo. Luís Graça (aliás, Henriques)


3. Letras de fado > 


TUDO ISTO É TROPA


Com música de "Tudo isto é fado" (Letra: Aníbal Nazaré; Música:  Fernando Carvalho; criação de Amália Rodrigues).[Clicar no atalho para ver e ouvir vídeo no YouTube]
  
 I
Perguntaste-me outro dia
O que era a vida militar,
Eu disse que não sabia
Mas estava-te a enganar.

             II
Sem saber o que dizia,
Menti-te naquela hora,
Eu disse que não sabia
Mas vou-te dizer agora.

Refrão

Botas cardadas, mal engraxadas, sempre a marchar.
Batendo a pala, como um magala, sem refilar.
Toda a semana, numa má cama, sem ter cachopa.
Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é tropa.

              III
Se pensas tomar chuveiro,
E andar bem asseado,
Perde a esperança, companheiro,
Pois vais ser desenganado.

              IV
Quando limpas a espingarda,
Quer tenhas ou não cuidado, [azar]
Vais sujar de massa a farda,
E depois ser castigado, [ estás a lerpar].

Refrão

Botas cardadas etc etc


[ Recolha: Gabriel Gonçalves, Lisboa]


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Notas do editor:

(*) Mail enviado ontem, internamente, a todos os membros da Tabanca Grande:


Amigos e camaradas, aos que gostam e aos que não gostam de fado:

Tocava-se e cantava-se o fado na Guiné, nas noites quentes e longas da Guiné... Violas, havia sempre, pelo menos uma, ao lado da G3... Violistas, dois ou três... Guitarras eram mais raras... Não tenho ideia de visto ou ouvido alguma, ao vivo, em Bambadinca ou noutros aquartelamentos por onde passei...(Talvez houvesse em Bissau). Vozes para cantar o fado, mesmo desafinadas, havia muitas...

Numa companhia como a minha (CCAÇ 2590/CCAÇ 12) que tinha apenas 50 militares metropolitanos (os restantes eram do recrutamento local), lembro-me bem de malta que tocava e/ou cantava à viola ou acompanhado à viola...

Dos violistas, lembro-me logo do GG (Gabriel Gonçalves, 1º Cabo Cripto, lisboeta); do Zé da Ila (Fur Mil At Inf José Luís Vieira de Sousa, madeirense do Funchal); do Joaquim João dos Santos Pina (também Fur Mil At Infr, algarvio de Silves)... Todos eles tinham viola... O 1º Cabo Escriturário Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares tocava acordeão (e acho que também arranhava a viola). 

Mas o que tinha mais cultura fadista era o nosso GG, companheiro inseparável de muitas noitadas e tainadas... Depois havia mais malta de outras subunidades: estou-me a lembrar do J. L. Vacas de Carvalho (hoje, também fadista amador), do Abílio Machado (, fundador do grupo Toque de Caixa), do David Guimarães(, agora ligado ao fado de Coimbra), etc. O Álvaro Basto e o Jorge Félix, que também tocam viola, só os conheci através do blogue.

O Joaquim Mexia Alves já não é do meu tempo de Bambadinca (Sector L1) mas sei que este era fadista apreciado e requisitado no TO da Guiné... Aliás, é autor de mais fados, para além do Fado da Guiné, que ele escreveu em 2007 para todos nós, seus camaradas e amigo... É autor nomeadamente da letra do fado Montemor é Praça Cheia, com música do Manuel Maria, e que foi gravado pelo Nuno Câmara Pereira, num disco de 1992, editado pela EMI- Valentim de Carvalho. (Vou ver se recupero um vídeo que fiz em Pombal, em 28 de Abril de 2007, por ocasião do nosso II Encontro Nacional, com a dupla J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves).

Vem tudo isto a propósito de quê ? 

Do Fado, agora Património da Humanidade... O nosso modesto, discreto mas nem por isso menos valoroso contributo para a celebração deste evento (a inscrição do fado na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade, segundo decisão tomada em 27 do corrente durante o VI Comité Intergovernamental da Organização da ONU para a Educação, Ciência e Cultura, a UNESCO), poderia bem ser, daqui a uns tempos, a oferta, ao Museu do Fado, de letras de fados cantados e tocados no nosso tempo, na Guiné (com a identificação das respetivas músicas, em geral fados tradicionais ou então em voga na época)... 


 Julgo que faz falta, no Museu do Fado, um secção sobre a fado e a guerra do ultramar (ou colonial, como queiram)...

Fica então aqui o meu/nosso apelo para raparmos o fundo ao baú das nossas memórias, e desencantarmos mais letras (e eventualmente músicas) do nosso fad...ário! 

Guiné 63/74 - P9110: Se bem me lembro... O bau de memórias do Zé Ferraz (9): E aqui estou eu hoje vivo...

1. Texto do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746, Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70):   

Este Baú parece que não tem fundo... Outra memória suscitada por um comentário anterior [ respeitante à Op Lança Afiada, em que a CART 1746 foi comandada pelo Cap Neto na ausência do Cap Vaz] (*)...

Numa dessa operações de inflitração em território inimigo,  [ no subsector do Xime,] com o propósito de destruição dos seus meios de vida, entrámos por uma tabanca em que as cubatas eram de paredes redondas com um poste central que suportava o tecto, e à volta do qual havia uma parede cilíndrica que formava um silo para a bianda [, arroz]...

Descubri que,  se deitasse um granada para dentro desse silo quando explodia rebentava com o poste mestre do tecto e o peso deste,  sem suporte, arrazava a cubata. Tinha assim destruído várias cubatas, usando granadas ofensivas.

Entro nesta para fazer o mesmo e dei-me conta que só tinha granadas defensivas. Por outra parte,  do meu treino em Lamego [ no curso de operações especiais], estava bem vinculado  na minha cabeça o aviso "No caias em rotina, a rotina mata".

Ora uma explicação: o manual diz "ponha a granada na mão com a alavanca contra a chave da mão,  puxe o pino [ cavilha,] e lance a granada"... Nunca usei essa forma: agarrava na granada contra a palma da mão e a alavanca com os dedos,  puxava o pino e lançava-a então; desta forma atirava com muito mellhor direcção e efeito de foiçada.

Nessa particular altura decidi lançar essa granada defensiva como dizia o manual de instrução... Agarro na granada,  puxo o pino [ cavilha,] e,  quando abri a mão para a soltar dentro do silo,  a força da mola da alavanca contra a palma da mão fez com que a granada em vez de entrar no silo fosse bater contra a parede e cair-me aos pés...

Dizem que frente à morte [o filme da] nossa vida instantaneamente passa pela mente ... Recordo-me,  com plena claridade,  desse momento...3 segundos e morte!...

Voei,  aterrei fora de porta e, bumba,  explode a granada, e eu aqui estou hoje,  vivo!...

Acredito em milagres... Nunca falei disto com ninguém. Nesse dia nasci outra vez e nasci outra vez quando ingressei,  em 1991,  na mais antiga faternidade de homens de pensamento livre.

Um forte abraço. Zé
________________

Nota do editor:

Último poste da série >Guiné 63/74 - P9106: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (8): O meu colega do Liceu do Oeiras que fui encontrar em Mansambo e em Bambadinca...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9109: O nosso fad...ário (1): O Fado da Emboscada (CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1969) (João Carvalho / José Martins)





Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos, 1973/74) - Fado da Emboscada (*). Adaptado de O Embuçado (Música do Fado Tradição, da cantadeira Alcídia Rodrigues; letra de Gabriel de Oliveira; criação de João Ferreira Rosa) [Vd. aqui vídeo, da RTP Memória, inserido no YouTube por MikeFadoEtc em 7/8/2011]





Infogravura: © João Carvalho (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Fado da Emboscada


A história que eu vou contar,
Já há muito aconteceu,
Gatos Pretos em acção,
Na grande operação
Lacoste, em Burmeleu.


A malt' ia pela mata,
Ainda não vira nada,
Mas por mal dos meus tormentos,
Com fortes rebentamentos,
Começou a emboscada.


Logo a malta reagiu,
No meio da confusão,
Atrás deles e a correr,
A gritar e a dizer
Gato Preto, agarra à mão!.


Perante a admiração geral,
No meio da algazarra,
Enquanto os turras fugiam,
Os nossos os perseguiam,
A gritar Agarra, agarra!.


E então já à noitinha,
Quando a tropa instalou,
P'ra nosso contentamento,
Munições e armamento,
Foi o ronco que ficou.


 
 
 
  1. O João Carvalho, que foi furriel miliciano enfermeiro dos Gatos Pretos, CCaç 5  (Canjadude, 1973/74) e - e hoje farmacêutico - quando apareceu na nossa tertúlia, no princípio de 2006, começou a rebuscar o seu "baú de recordações". E nessas voltas ao passado, disse-nos que encontrara "uma pequena bandeira [, guião,] dos Gatos Pretos", tendo digitalizado e enviado uma das faces que se volta a reproduzir aqui...
 
A par dessa preciosidade, também foi desencantar letras de canções com que os Gatos Pretos (se não todos, pelo menos os metropolitanos) exorcizavam os seus fantasmas, os seus medos, as suas angústias nas noites quentes e longas de Canjadude, na região do Gabu... Entre elas, esta letra de fado - o Fado da Emboscada - com que vamos inaugurar esta nova série - O Nosso Fad...ário - destinada a recolher, de maneira mais sistemática, letras  e, se possíveis, músicas de fados... 


2. Não sabemos quem é o autor da letra. Quem quer que tenha sido, não me parece que, a avaliar pela época, tivesse conhecimento do Cancioneiro do Niassa, onde há também diversas letras com adaptações de fados conhecidos (O Turra das Minas, o Fado do Turra, o Fado do Estado Maior, etc.)...  Devia estar familiarizado, em todo o caso, com o Fado "Embuçado", tema que é uma criação de João Ferreira Rosa, que o começou a cantar por volta de 1962, e que foi no seu disco Taverna do Embuçado, 1965).

Mas a  génese deste Fado da Emboscada já aqui nos foi explicada por um outro Gato Preto, mais antigo, o ex-Fur Mil Trms José Martins (1968/70)... Tomamos a liberdade de reproduzir aqui um excerto do seu poste de 1 de Março de 2006, ainda na I Série:

(...) "FADO DA EMBOSCADA



"Este fado, com música do Embuçado, faz referência à Operação Lacoste, que foi uma patrulha [ofensiva] ocorrida em 27 e 28 de Junho de 1969, e que,  tendo partido de Canjadude, passou por Sare Andebe, Ponto Cota 70, Burmeleu, Samba Gano,  e regresso a Canjadude.

"Houve contacto com o IN no final do dia 27. Quando a patrulha se preparava para montar a emboscada, foi detectado, na zona de Burmeleu, um grupo [IN] que nos atacou e ao qual foi iniciada a perseguição. No terreno ficaram armas e munições. Após o recontro retirámos para o Ponto Cota 70, que nos garantia protecção nocturna.

"Durante a noite assistimos à passagem de guerrilheiros que,  no dia seguinte, ao voltar a passar pela zona de Burmeleu, tínhamos 'festa rija' á nossa espera". (...)


Outros dois ilustres Gatos Pretos que pertencem à nossa Tabanca Grande são o ex-Cap Cav Pacífico dos Reis e o José Corceiro a quem perguntamos se não têm conmhecimento de mais letras de fado ou outras canções do Cancioneiro de Canjadude... Sabemos, através do José Martins, que a CCAÇ 5 teve um jornal de caserna, O Gato Preto, pelo menos em 1971, ou desde 1971... e de que terão saído uns 16 números...

3. Tocava-se e cantava-se o fado na Guiné, nas noites quentes e longas da Guiné... Violas, havia sempre, pelo menos uma, ao lado da G3... Violistas, dois ou três... Guitarras eram mais raras... Não tenho ideia de visto ou ouvido alguma, ao vivo, em Bambadinca ou noutros aquartelamentos por onde passei...(Talvez houvesse em Bissau). Vozes para cantar o fado, mesmo desafinadas, havia muitas...Numa companhia como a minha (CCAÇ 2590/CCAÇ 12) que tinha apenas 50 militares metropolitanos (os restantes eram do recrutamento local), lembro-me bem de malta que tocava e/ou cantava à viola ou acompanhado à viola...

Dos violistas, lembro-me logo do GG (Gabriel Gonçalves, 1º Cabo Cripto, lisboeta); do Zé da Ila (Fur Mil At Inf José Luís Vieira de Sousa, madeirense do Funchal); do Joaquim João dos Santos Pina (também Fur Mil At Infr, algarvio de Silves)... Todos eles tinham viola... O 1º Cabo Escriturário Eduardo Veríssimo de Sousa Tavares tocava acordeão (e acho que também arranhava a viola). Mas o que tinha mais cultura fadista era o nosso GG, companheiro inseparável de muitas noitadas e tainadas... Depois havia mais malta de outras subunidades: estou-me a lembrar do J. L. Vacas de Carvalho (hoje, também fadista amador), do Abílio Machado (, fundador do grupo Toque de Caixa), do David Guimarães (, agora ligado ao fado de Coimbra), etc. O Álvaro Basto e o Jorge Félix, que também tocam viola,  só os conheci através do blogue.

O Joaquim Mexia Alves  já não é do meu tempo de Bambadinca (Sector L1) mas sei que este era fadista apreciado e requisitado no TO da Guiné... Aliás, é autor de mais fados, para além do Fado da Guiné, que ele escreveu em 2007 para todos nós, seus camaradas e amigo...  É autor nomeadamente da letra do fado Montemor é praça cheia,  com música do Manuel Maria, e que foi gravado pelo Nuno Câmara Pereira, num disco de 1992, editado pela EMI- Valentim de Carvalho. (Vou ver se recupero um vídeo que fiz em Pombal, em 28 de Abril de 2007, por ocasião do nosso II Encontro Nacional, com a dupla J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves).

Vem tudo isto a propósito de quê ? Do Fado, agora Património da Humanidade... O nosso modesto, discreto mas nem por isso menos valoroso contributo para a celebração deste evento (a inscrição do fado na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO) poderia bem ser, daqui a uns tempos, a oferta,  ao Museu do Fado,  de letras de fados cantados e tocados no nosso tempo, na Guiné n(com a identificação das respetivas músicas, em geral fados tradicionais ou então em voga na época)...  Julgo que faz falta, no Museu do Fado, um secção sobre a fado e a guerra do ultramar (ou colonial, como queiram)...

Fica então aqui o meu/nosso apelo para raparmos o fundo ao baú das nossas memórias, e desencantarmos mais letras (e eventualmente músicas) do nosso fad...ário! (LG)

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Nota do editor:

 
(*) Vd. I Série, poste de 28 de Fevereiro de 2006 >  Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)

Guiné 63/74 - P9108: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (3): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - III Parte - A emboscada na estrada para Gandembel

 


1. Em mensagem do dia 23 de Novembro de 2011, o nosso camarada Manuel Gonçalves Martins Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), dá mais um passo na narrativa das suas memórias, com o envio da parte três:





MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (3)

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné

Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (III Parte)

Retomo o assunto da Emboscada na estrada para Gandembel. Dadas as condições em que a mesma ocorreu e as consequências verificadas, merece uma abordagem especial. Ora vejamos:

- As informações tinham já localizado em Simbeli, (A) um Bigrupo IN em formação e treino de armas pesadas, nomeadamente Canhão S/R. Este facto aconselharia a tomar precauções especiais, na estrada para Gandembel. (B) Não sei se o Planeamento da Operação as referia. Na altura, a comandar interinamente a CCAÇ 798, não tive conhecimento de qualquer Planeamento.

Uma coisa parece evidente: - seria muito difícil a uma coluna auto, constituída maioritariamente por Auto-Metralhadoras FOX e GMC`s percorrer a estrada até Gandembel, sem que o IN, em Simbeli, (6) fosse alertado, tanto mais que houve necessidade de detonar à ida, uma mina anti-carro.

O extrato da carta militar da zona, visualizando as posições de Simbeli relativamente à estrada para Gandembel

O PAIGC teve tempo de escolher o local da emboscada, instalar as armas pesadas, verificar as condições de tiro, escolher as melhores posições e proteções para os atiradores, na zona de morte e finalmente até, ensaiar a retirada.

Para a Emboscada ter sucesso, dado o poder de fogo da coluna, o IN tinha que ser rigoroso no planeamento da operação. Depois, teria apenas que aguardar o regresso das NT, ao fim do dia, na certeza que regressariam, uma vez que a destruição das pontes no Rio Balana, a norte de Gandembel, não permitia a progressão da coluna.

Quando o ruído das FOX´s e GMC´s se começou a ouvir com alguma nitidez, os guerrilheiros ocuparam as posições anteriormente definidas: (C)

- A Metralhadora Pesada, utilizando o enfiamento de um trilho, varre perfeitamente a testa da coluna;
- O Canhão S/R, instalado no enfiamento do pequeno rio permite um tiro sem obstrução do arvoredo;
- Os atiradores, procuram as irregularidades do terreno e os morros da formiga, para se entrincheirar e dissimular da melhor maneira.

Restava agora aguardar que a coluna entrasse na mira das armas. Nesse instante a Metralhadora Pesada deu o sinal de ataque, abrindo fogo sobre a frente da coluna, imobilizando a AM FOX e atingindo o soldado que vinha sentado no seu exterior. Na mira do Canhão S/R imobiliza-se a terceira viatura da coluna, uma GMC blindada do Pel. FOX. Os disparos do Canhão atravessam a blindagem e atingem o apontador e o municiador da Metralhadora Pesada. O condutor da GMC protege-se debaixo da viatura que se incendeia, carbonizando os 3 militares.

Entre as viaturas anteriores seguia uma GMC da CCAÇ 798, sem blindagem que se imobiliza na zona de morte. Os ocupantes em número de 17, reagem e procuram abrigar-se para responder ao fogo do IN. Mas ao saltar da viatura, são atingidos por uma autêntica barragem de fogo. Quando conseguem abrigar-se, já estão feridos e em dificuldades. O Soldado Maçano que se abrigou atrás de um morro de formiga é atingido por um tiro e uma granada de um guerrilheiro que, do lado contrário, escolhera a mesma proteção.

Croqui da Emboscada, onde se pode ver como o IN tomou partido do local escolhido para desencadear o ataque, entre um pequeno rio e uma picada.

Mas só um terço da coluna entrara na zona de morte. As restantes forças reagem com determinação: O mato na zona da Emboscada fica destroçado, quase ceifado pela intensidade das rajadas, enquanto as armas pesadas batem a retirada do IN. O poder de fogo das NT é muito intenso mas o IN consegue retirar sem deixar baixas. (7) No terreno, provocara 4 mortos ao Pel. FOX e 1 morto e 14 feridos à CCAÇ 798, entre os quais o Alf. Pinheiro com várias perfurações.

O dia não tinha corrido bem e pior acabaria para os feridos graves se, naquele fatídico fim de tarde, o Comandante de Batalhão que regressava de Bissau não alterasse a rota para Buba. Ao sobrevoar a estrada para Gandembel, depara-se com uma viatura em chamas. É estabelecido contacto via rádio. As evacuações são pedidas directamente a Bissau, através do Piloto do DO27, o que permite a sua efectivação, antes do cair da noite e a garantia de assistência hospitalar imediata aos feridos mais graves.

No dia seguinte, manhã cedo, preparava-se em Guiledge (E) uma força para ir resgatar os corpos carbonizados que tinham ficado na GMC em chamas, quando se ouvem rajadas para o lado da emboscada.

O Comandante do Aquartelamento dirige-se ao Morteiro 81, regula cuidadosamente o tiro e várias granadas partem em direção ao objectivo.

As NT põem-se em andamento e quando se aproximam da GMC redobram os cuidados de segurança, pois o IN podia estar novamente emboscado. Mas não estava e o que encontram são as marcas, bem visíveis, do rebentamento de três granadas do Morteiro 81: duas nas imediações da GMC e uma terceira sobre o ramo de uma árvore.

Depois de recuperarem os corpos regressam sem incidentes.

A emboscada na estrada de Gandembel foi assunto tratado do lado de lá da fronteira e pelas informações ficamos a saber que o IN também teve baixas: - quando retirava, após a emboscada, uma granada de Morteiro 60 atingiu um guerrilheiro num braço com alguma gravidade; foram também atingidos, sofrendo 2 a 3 mortos, (não consigo precisar) quando, no dia seguinte, vieram “fazer ronco” junto da GMC carbonizada.

Receando que as NT estivessem a montar segurança à viatura, fizeram fogo de reconhecimento. Como não houvesse resposta avançaram e foi nessa altura que foram atingidos pelas granadas do Morteiro 81.

Na fotografia, vê-se a Delegação do MNF com a sua Presidente. Dr.ª Supico Pinto, falando informalmente com os militares, junto à enfermaria.

Passado algum tempo, os feridos, depois de tratados, regressaram à Companhia, enquanto o Alf. Pinheiro viajava para a Metrópole.

Com o intuito de “elevar o moral das tropas” visitou Gadamael uma Delegação do Movimento Nacional Feminino que deixou, como marca da sua passagem, um autografo no gesso da perna de um militar.

Entretanto, o Pel. FOX de Guiledge permuta com Pel. FOX 839, vindo de Aldeia Formosa.

O PAIGC que, se a memória não me atraiçoa, utilizou em combate, pela primeira vez, um Canhão S/R, deixou aqui um aviso muito sério: - as Minas deixaram ser, na estrada, a única arma anti-carro verdadeiramente eficaz.

(6) – Simbeli, em números redondos, distava da fronteira 1800 metros e da estrada 5000 metros
(7) - Pensa-se que, o IN retirou para Paroldade, (D) dada a existência de trilhos que se cruzavam na antiga tabanca, ligando-a, quer à zona da emboscada, quer a Simbeli.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9047: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (2): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - II Parte - Actividade militar

Guiné 63/74 - P9107: Notas de leitura (306): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2011:

Queridos amigos,
A CCAÇ 675 parecia ter uma missão impossível quando chegou a Binta, em finais de Junho de 1974.
JERO descreve parcimoniosamente uma localidade cercada, itinerários intransitáveis, vinha render uma força que não abandonava o arame farpado. O “capitão do quadrado” procede a patrulhamentos de reconhecimento que se transformaram em ofensivos, a partir de Julho dá-se uma progressiva retirada de populações afectas aos PAIGC, não há resistência a estes golpes de mão e uma presença contínua em todo o espaço da área de intervenção.
JERO é o porta-voz dessa saga colectiva, desse espírito de corpo feito do exemplo do seu comandante. Fica sem resposta a pergunta: como é que um livro desta natureza, com um relato de autêntica epopeia, esteve ignorado até agora? Cabe aos protagonistas responder.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico, o diário da CCAÇ 675, o diário de JERO (3)

Beja Santos

Estamos em Outubro de 1964. A actividade da CACAÇ 675 mantém-se imparável, sucedem-se os patrulhamentos, as batidas, requisitam a sua colaboração em operações fora da zona. As abatizes não param de aparecer nos principais itinerários Volta-se à bolanha de Santancoto, encontra-se de novo população a trabalhar na bolanha, faz-se uma prisioneira que irá ser libertada em Banhima, com propósitos de influenciar quem anda fugido. JERO continua a apontar tudo: “Em 6, apareceu no rio, em frente do aquartelamento, o cadáver de um fuzileiro que tinha caído à água por acidente, durante a noite do dia anterior, quando estava de sentinela num barco de géneros junto ao cais de Binta. O lamentável acontecimento impressionou todos, até porque talvez fosse possível tentar o salvamento do inditoso fuzileiro se os seus camaradas se têm apressado a comunicar o facto no aquartelamento”. No dia seguinte um grupo de combate volta a Canicó e descobre novas casas de mato, foram destruídas 75. A 12, teve lugar a operação mais importante deste período, fez-se uma batida à região de Mansália e Mansacunda. Foram feitas duas prisioneiras, depois a patrulha penetrou na tabanca de Mansacunda, que foi incendiada. O inimigo mantém-se muito activo, chegam a deixar mensagens intimidatórias como uma que foi encontrada na bolanha de Cufeu, quando se procedia a um reabastecimento de Guidage. O cronista resume a situação: “O moral das nossas tropas continua notável, registando-se uma acentuada melhoria física, de que é prova evidente os jogos de futebol quase diários e a fase adiantada dos trabalhos de melhoria do estacionamento e da construção da nossa pista de aterragem”.

Nesse fim de mês e até 6 de Novembro, um dos pelotões da CCAÇ 675 parte para o Oio, trata-se de uma operação que mobiliza outros contingentes, vão procurar limpar a estrada Farim-Mansabá, onde há muitos meses não actuava a nossa tropa. JERO escreve: “No dia de Todos os Santos, em pleno mato, tivemos missa celebrada pelo capelão do batalhão. Frente a um altar, armado em cima de um caixote de medicamentos, e de uma caixa de munições, ajoelham homens de camuflados rotos, sujos de lama, com barbas de três dias”. As operações prosseguem, segue-se um golpe de mão a Dabicunda no Oio, que teve lugar no dia 22 de Novembro. Não se encontrou resistência, incendiaram-se as moranças. Binta, entretanto, conhece melhoramentos depois durante todo o mês se fizeram bem-feitorias: refeitório para os soldados, arrecadação de géneros e paiol, concluiu-se a pista de aterragem. Humor não falta, há imaginação na toponímia nos arruamentos principais que sofreram beneficiações. A artéria principal, da caserna dos soldados até à casa que serve de messe de sargentos, tomou o nome de Avenida Capitão de Binta; junto ao porto surgiu a Avenida Marginal; transversal à artéria principal surgiu a Avenida 4 de Julho – Lenquetó; junto ao posto de socorros surgiu a tabuleta Largo Tomada da Pastilha…

Chegámos a Dezembro e no dia 8, dia da mãe, JERO escreve: “Tudo o que sou, melhor que tenho em honestidade, em carácter, em integridade, em pureza, devo-a à minha querida Mãe. Por si tenho uma verdadeira adoração. Pela vida fora, o seu exemplo, a sua maneira de ser, nortearão o meu procedimento no meu lar, se Deus permitir que eu o chegue a formar, e procurarei ser tão bom pai como me acostumei, desde menino, a ver no meu lar os meus. Num dia como este, em que todas as mães sentem à sua volta todo o carinho dos filhos, cá de longe, rendo-lhe o preito da minha estima, da minha admiração.” Mas combateu-se a sério neste mês de Dezembro, que teve uma jornada fatídica, findava o ano. A CCAÇ 675 fez uma batida a Sanjalo, houve contacto com o inimigo que emboscou e provocou alguns feridos. Durante um patrulhamento junto à mata de Confandinto, capturaram uma manada de 250 vacas, o inimigo não gostou e voltou a atacar com granadas, espingardas e “longas”, a manada dispersou-se e assim acabou o sonho de ter uma “ganadaria” em Binta. Procedendo a um balanço dos seis meses em Binta, JERO fala em 51 o número de acções de fogo, as forças do PAIGC vão retirando da zona, atacam cada vez mais à distância, começam agora a colocar engenhos explosivos nos itinerários.

Imagem parcial do mapa correspondente à área de intervenção da CCAÇ 675, que permaneceu em Binta entre 1964 e 1966, vem incluído no diário de JERO, primeiro volume, tem a escala de 1/100 000 (+ ou -)

A população muda de atitude, quando a CCAÇ 675 chegou a Binta não havia praticamente ninguém, ou estavam refugiados no Senegal ou na órbita do PAIGC, vivendo em casas de mato. Agora, havia a registar 70 pessoas que se acolhiam à protecção da tropa. Depois de um Natal inesquecível, num tempo em que a companhia já estava dotada de biblioteca, funcionavam em pleno as aulas regimentais isso construía a capela, num patrulhamento à região de Buborim, em 28, no regresso uma mina rebentou debaixo de um Unimog que se transformou num autêntico braseiro, morreu o furriel Mesquita. JERO escreve: “As palavras não poderão dar uma ideia pálida dos momentos que se viveram no dia 28. Ele ficará assinalado como um dia trágico que não se esquecerá jamais”.

No início de Janeiro de 1965, partem para Sambuiá, é uma grande operação conjunta, irá participar com a CCAÇ 487 e o pelotão de morteiros 980, competindo-lhes destruir os objectivos principais (Sambuiá, Sambuiadim, Malibon. Fica registado no diário: “Sambuiá, com todas as suas centenas de moranças e com os seus mitos de inexpugnabilidade, arde violentamente, subindo para o céu, altíssimas chamas alaranjadas que dão tonalidades fantasmagóricas às faces dos homens da 675 (…) Soube-se no dia seguinte da tragédia acontecida ao Pelotão de Morteiros 980 que, antes do local do desembarque, sofreu um acidente de consequência gravíssimas, por se ter virado o bote de borracha em que seguia rebocados pela vedeta de guerra. Caíram à água todos os ocupantes do bote, em número a duas dezenas, morrendo afogados 8 homens que não conseguiram livrar-se do material que lhes dificultou os movimentos”.

Estamos já em Fevereiro, a grande ofensiva sobre Sambuiá mudou o estado de espírito das populações refugiadas no Senegal, querem voltar. Começam a estabelecer-se contactos. As forças do PAIGC resolvem reagir e ataque Guidage furiosamente. No dia 21, pelas 21 horas, Binta é atacada a morteiro da outra margem do Oio, mas a grande distância. A CCAÇ 675 monta emboscadas, todas elas sem contacto.

Patrulha-se a região do rio Buborim, encontra-se a tabanca abandonada, foi novamente destruída. Um grupo inimigo tentou pôr-se em fuga, teve 11 baixas. JERO anota: “O pessoal tem sido submetido a uma vida duríssima, a que tem correspondido generosamente, estando no entanto já nos últimos tempos a acusar o esforço despendido, manifestando um certo cansaço. Com a cedência de um grupo de combate à guarnição de Guidage, ficaram apenas dois grupos de combate em Binta, o que devido à defesa nocturna do estacionamento que é muito fatigante, diminui acentuadamente o nível operacional da companhia”. JERO volta a fazer uma resenha sobre a actuação do inimigo, refere as melhorias na pista de aterragem, considera que continua elevado o moral das tropas, estão todos perfeitamente ambientados à vida dura: “No estacionamento todas as horas estão preenchidas, com horas para trabalhar, sem tempo para fazer asneiras ou até pensamentos derrotistas”.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9094: Notas de leitura (305): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (2) (Mário Beja Santos)