quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10952: Humor de caserna (28): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (1): Cansada de guerra

1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos este pensamento voador, tão profundo, que tem que fazer parte da nossa série Humor de Caserna:





Vão por certo dizer que o Cifra, hoje, perdeu todo o seu juízo, está descarado, um autêntico desavergonhado, quase parecido com a menina Teresa, mas na nossa idade também temos que ter alguns momentos de boa disposição, e os leitores, ou leitoras, que vivem no mundo onde se fala inglês, vão pôr as mãos na cabeça e dizer:
- What the hell is these?

Onde se fala francês, vão fazer o mesmo gesto e dizer:
- Qu’est-ce que sont ces?

Onde se fala germânico, também farão o mesmo gesto, mas friamente dizem:
- Was zum teufel ist diese?

Onde se fala espanhol, também vão fazer um gesto parecido, e entre dois ou três “zzz”, dizem:
- Qué demonios es esto?

Os chineses, põem os pauzinhos de parte, se estiverem a comer, e dizem:


Perceberam? Não. Deixem lá pois o Cifra também não percebeu.

Nós os portugueses, encolhemos os ombros, e simplesmente dizemos:
- Que diabo é isto? Ou mesmo, este gajo está passado, “cá tem cabeça”?

Mas não, é o seu coração generoso que o obriga a escrever assim e podem reparar que não usa quase nenhuma palavra reles, ou rude, como usava o Curvas, alto e refilão, e pede que as digníssimas senhoras, queridas leitoras e visitantes do blogue do “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, ao Luís Graça, ao Carlos Vinhal, assim como os seus restantes editores, depois de lerem, o compreendam, e jura que não volta a fazer isto outra vez, a não ser que lhe peçam, mas tem que dizer o que lhe vai na alma, pois trata-se uma combatente “CANSADA DE GUERRA”. Os amigos, antigos combatentes, habituados a lutar e a verem corpos sofredores, nas bolanhas e savanas da Guiné, não lhes faz muita diferença, alguns até vão por certo rir-se baixinho, entre outras coisas.

O Cifra andou sempre a falar de guerra, e como era um razoável militar, mas um fraco, mesmo fraco guerreiro, e está farto de repetir estas palavras, mas tem que as dizer, pois eram verdade, e agora o seus olhos, depois de verem este desenho, ficou cheio de ternura, o seu coração quase que não aguentava, pois esta pobre combatente, de uma guerra, que o Cifra não sabe bem onde, perdeu tudo, pois o Cifra soube mais tarde que sempre viveu perdida na guerra, mas nunca perdeu a coragem, pois no meio da desgraça, ainda arranjou forças para guardar a sua G-3, algumas pistolas, uma granada ou duas, algumas balas avulso, tudo com a intenção de vender no mercado negro, e que com toda a certeza a vai ajudar a comprar alguma roupa, e começar uma vida em família com alguma paz.

A coragem e a força de viver, são as últimas coisas a morrer, e ela, sozinha, com parte da roupa já rota, amargurada com a sorte que o destino lhe reservou, com uma mão a encobrir o seu cabelo rapado de um lado, pelo raspão de uma granada de morteiro, que felizmente não a atingiu, usando uma luva de rede para se proteger dos mosquitos horríveis que havia naquelas bolanhas, que atormentava alguns militares, e até mesmo os guerrilheiros que por lá andavam a lutar uns contra os outros, e se queriam meter em tudo o que era o seu frágil e desamparado corpo.

O Cifra, quando escrevia estas singelas palavras, em sua homenagem, os seus dedos tremiam de emoção, e sempre que deparava com o desenho, ao vê-la ali sentada, talvez num qualquer cemitério abandonado, ficava assim a modos, com vontade de a abraçar, para a proteger, dar-lhe algum carinho, até dar-lhe um casaco de camuflado, já roto e coçado, com alguns buracos, do Curvas, alto e refilão, ou uma camisa, nem que fosse uma daquelas camisas da farda amarela, também já rotas e coçadas que usava lá na Guiné, o coração do Cifra era só bondade, queria cobri-la, passe o termo, do frio e livrá-la das pessoas que fazem a guerra e colocam outras pessoas, como esta pobre combatente, a viver neste mundo, às vezes injusto e selvagem, sem “eira nem beira”, desesperada, carente de tudo!

E depois, vêm dizer que a natureza é justa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10185: Humor de caserna (27): Recepção aos piras do BCAÇ 2927 em Bissorã, em fins de outubro de 1970 (Armando Pires)

Guiné 63/74 - P10951: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (6): A Cilinha em Bambadinca, talvez em finais de 68 ou meados de 69



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Uma foto, algo invulgar,  que me deixou agradavelmente surpreendido, recolhida  do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil amanuense, com a especialidade de contabilidade e pagadoria, especialidade essa que ele nunca exerceu (na prática, foi o homem dos reabastecimentos do batalhão: tudo o que chegava a Bambadinca, por terra, ar ou rio, e que não se  destinasse à Intendência, passava pelas mãos do Lopes, ou mesmo era dizer, era do pelouro do Lopes).

1. Na foto vê-se, acima das cabeças de um grupo de militares, a célebre Cilinha, a Cecília Supico Pinto (1921-2011), histórica fundadora e líder do Movimento Nacional Feminino (MNF), em visita ao setor L1, Bambadinca.  Ainda não descobriu em que data é que isso foi, mas  só pode ter sido no final do segundo semestre de 1968 ou no primeiro semestre de 1969. Quando estive em Bambadinca, com a minha companhia, em intervenção ao setor L1, de julho de 69 a março de 71, nunca dei conta da visita de nenhuma dirigente, metropolitana ou local, do MFN. Por sua vez, o comando e a CCS do BCAÇ 2852 foram para Bambadinca em finais de setembro de 1968, depois de dois meses en Brá. O BCAÇ 2852 foi substituir o BART 1904.

Telefonei ao camarada Lopes (, estivemos juntos em Bambadinca, de julho de 1969 a maio de 1970, ), e ele já não pode precisar em que data é que foi tirada a fotografia. Pessoalmente inclino-me mais para a hipótese de ter sido na época seca, ou seja, nos primeiros meses de 1969. Não estou a ver a senhora a andar na Guné na época das chuvas...

No lado esquerdo, vê-se um militar com os galões de major. O Lopes acha que era o major de operações Viriato Amílcar Pires da Silva que será substituído, em setembro de 1969, pelo célebre "major elétrico", o António Augusto Cunha Ribeiro.

Peço aos camaradas de então que me completem ou corrijam a legenda. 

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)

2. Comentário de L.G.:

Pela consulta do livro de Sílvia Espirito Santo (Cecília Supico Pinto: o rosto do Movimento Nacinonal Feminino. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008, p. 117), pode concluir-se que  a Cilinha esteve na Guiné em 1969, e nomeadamente em Maio:

"O tempo, o treino e o reconhecimento transformaram-na num soldado - o soldado Pinto. Teve direito a um camuflado, a uma arma e, dada 'a relevância dos actos de bravura em combate', em Bula, ma unidade do brigadeiro Henrique Calado, foi promovida de soldado Pinto a primeiro-cabo Pinto.

"Apesar de ter anunciado que não queria mais promoções, e desejava 'passar à disponibilidade' como primeiro cabo, em Maio de 1969, em Olossossato, a Companhia de Caçadores [...]  2402 nomeou-a 'Capitoa honorária'. Essa foi a patente máxima da sua 'carreira' militar' " (....).

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10950: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (1): A chegada

1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de 11 de Janeiro de 2013, que assim começa a sua colaboração no nosso Blogue:

Julgo não estar muito longe da verdade se disser que meus pais foram, talvez, dos que mais contribuíram com “carne para canhão” para a guerra colonial. Efectivamente, tendo a minha mãe dado à luz 11 criaturas (8 rapazes, dos quais 2 morreram em criança e 3 raparigas), os 6 mancebos sobrevivos vieram a cumprir serviço militar nos 3 TO’s (Angola, Moçambique e Guiné).

Em 1971 a situação da Companhia Magro era a seguinte:

- Fernando de Pinho Valente (Magro), nascido a 10/05/1936 - Em serviço na Guiné como Cap. Milº de Artilharia, tendo cumprido já, entre 1956 e 1958, o serviço militar obrigatório como oficial miliciano;

- Rogério Alberto Valente Magro, nascido a 09/03/1944 - Na disponibilidade após ter cumprido serviço em Angola como Fur Milº Atirador de Infantaria, entre 1967 e 1969;

- Dálio Valente Magro, nascido a 10/12/46 - Em serviço em Moçambique como Alf. Milº de Engenharia – CENG 2686;

- Carlos Alberto Valente Lamares Magro, nascido a 17/07/48 - Em serviço em Angola como Cabo Especialista da FAP;

- Álvaro Valente Lamares Magro, nascido a 17/05/50, em serviço no HMR nº1 – Porto, como 1º Cabo Enfermeiro e já com guia de marcha para a Guiné, para onde “marchou” em Dezembro desse ano;

- Abílio Valente Lamares Magro, nascido a 06/11/51, a apresentar-se a Inspecção Militar.

Eu, o único que fazia jus ao apelido que ostentava, pois media 1,73m e pesava 53kg, e consciente dos contributos que os meus irmãos deram, estavam a dar e mais um já se perfilava para dar ao esforço de guerra, apresentei-me à Junta Militar de Inspecção com a confiança de quem podia afirmar: “Para esse peditório os meus irmãos já deram!”

Quando, com algum estrondo, me plantaram na papelada o carimbo que rezava: “Apurado para todo o serviço”, confesso que me perpassaram pela mente alguns impropérios que me dispenso de aqui relatar, limitando-me aos mais suaves e cujos destinatários eram os meus 5 irmãos, tais como: “aqueles gandas camelos andam lá no meio do mato armados em heróis do capim e estes bacanos julgam que é tudo da mesma cepa e tungas, bora lá fazer companhia aos maninhos!”

Muitas vezes ouvi falar em “carne para canhão”, mas em “ossos para canhão” é que nunca tal houvera visto!
Enfim, lá me apresentei em Abril de 1972 no RI 5 – Caldas da Rainha para frequentar o 1º ciclo do CSM, tendo depois frequentado o 2º ciclo no RAL 4 – Leiria, seguindo depois, já como 1º Cabo Milº para o QG/RML onde, passados 4 meses lá me passaram o “vaucher” para viajar até à Guiné.


Um Amanuense em terras de Kako Baldé*

1 - A chegada

Após uma viagem atribulada de 10 horas a bordo de um DC 6 da FAP - ferrugento, rangendo por todos os lados e largando abundante quantidade de óleo por um dos motores, que nos obrigou a uma escala na ilha do Sal para "afinações" - eis que dou comigo a desfrutar alegremente do agradável clima daquela que era, na altura, a Província Ultramarina da Guiné Portuguesa.

Corria o dia 28 de Março de 1973 e, para me receber, encontrava-se no requintado Aeroporto de Bissalanca o meu irmão Álvaro que por aquelas bandas já se encontrava desde finais de 1971 e que eu, ao vê-lo fardado de calções, sapatos e meias até ao joelho, logo fiquei com a impressão de ter acabado de chegar a um qualquer Clube de Golf onde iria passar uns agradáveis momentos, apesar de já me começar a irritar a presença de tanto insecto voador de bico afiado.

Logo nos disponibilizaram transfer gratuito – o meu irmão mal teve tempo de me transmitir todos os conselhos, avisos e informações que pretendia transmitir – que nos levou até ao aldeamento turístico que nos estava destinado e que era conhecido localmente pelo nome de DAG.

Durante esta curta viagem pude constatar que, naquele “paraíso terrestre”, o top-less era livre e abundantemente praticado, levando-me a concluir que: “a coisa estava a compor-se!” e que o tal DAG seria, talvez, um Departamento de Actividades Giras.

Não, não era! Era o Depósito de Adidos da Guiné. Aí nos depositaram e foi também aí que comecei a ficar adido, para não dizer outra coisa!

E mais adido fiquei quando, uns dias depois, fui mudado para as instalações militares de Santa Luzia onde me aconselharam, amavelmente, um alojamento ao qual a tropa dava o sugestivo nome de Biafra e onde pernoitavam cerca de 20 “piriquitos” por caserna e onde as baratas, imensas e de avantajado porte, tinham ali o seu habitat natural.

Cada vez mais adido, mal dormi nessa noite com tanta “bazucada”! Tinha começado a minha guerra!

As “bazucadas” eram constantes e provinham da Messe de Sargentos, ali próxima, e traduziam-se no arremesso de garrafas de cerveja vazias para cima dos telhados de zinco das camaratas em condomínio fechado.

(*) Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné

AM

(Próximo capítulo - Colocado na CSJD/QG/CTIG)
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Nota de CV:

Vd. poste de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia

Guiné 63/74 - P10949: O cruzeiro das nossas vidas (19): A minha viagem de avião da Guiné para o Porto, com escala em Lisboa (Maria Dulcinea)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Maria Dulcinea (NI), (esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira) que esteve em Bissorã nos anos de 1973/74, com data de 11 de Janeiro de 2011:

Olá Luís Graça e restantes Camaradas da Guiné:
Esta estória que vou aqui narrar não terá nada de especial, no entanto e como para mim foi mais uma das aventuras vividas aquando da estada na Guiné com o meu marido e filho, mais propriamente em Bissorã, entre setembro de 1973 e Junho de 1974, vou partilhá-la com toda a tertúlia .


A minha viagem de avião da Guiné até ao Porto, com passagem por Lisboa 

Quando chegou o dia de regressar à metrópole e após o término da comissão de serviço do Henrique em Bissorã, foi necessário preparar a viagem até ao Porto.
Após todos os preparos lá chegou o dia tão esperado e as expectativas de tudo correr bem eram das melhores, só que, nem sempre as coisas são como nós queremos e então esse dia foi uma espiral de aventuras em que os principais protagonistas foram: eu, o meu filho, três periquitos numa caixa de sapatos e à mistura uma tripulação dos aviões da TAP. Mas eu explico.

No dia 29 de Junho de 1974 o Henrique lá nos acompanhou até Bissalanca para eu embarcar num voo da TAP rumo ao nosso Portugal. A dita aventura começou logo aí porque o avião que chegou de Portugal e que nos haveria de transportar, segundo informações, quando aterrou em Bissau, ao dar a volta na pista, embateu com a asa numa vedação, sendo necessárias longas horas de espera até chegar outro avião.

Aerogare e Torre de Controle do Aeroporto de Bissalanca, hoje Aeroporto Osvaldo Vieira.
Foto: Américo Dimas em Especialista da Base Aérea 12 - Guiné 65/74, com a devida vénia

Quem esteve na Guiné deve lembrar-se de que naquela altura o conforto do aeroporto era nenhum, mas isso não me afetava não fosse o caso de estar cheia de bagagem de mão, mais um filho de três anos completamente irrequieto. O pior foi ter de aguentar os periquitos com saúde dentro da caixa. É que os danados começaram a roer os buracos por onde respiravam e eu passava a vida a tapá-los com pedaços de pão e até lencinhos tive de usar.

Nós tínhamos programado os tempos e não aquele brutal atraso. Finalmente e após várias horas de espera lá embarcamos e o avião seguiu a sua viagem com toda a normalidade. Eu relaxei um pouco, até porque o pessoal assistente era do mais simpático possível, passando quase toda a viagem a levar o Miguel até à cabina de pilotagem. Enfim estava mesmo a ser uma viagem muito agradável, até que...

Vejo um comissário de bordo andando pela coxia de braço no ar com um periquito empoleirado no dedo e a perguntar de quem era aquela ave "rara". Se houvesse um buraco enfiava-me nele, porque eu levava as aves clandestinamente, mas dentro de um avião não há como escapar e lá me acusei do "crime".

O comissário todo sorridente lá me entregou o "passaroco" e eu confessei que tinha mais dois. Só que quando ia devolver o fugitivo à caixa de cartão verificamos que havia outro fugitivo. Bem, foi uma paródia geral pois era ver o comissário, hospedeiras e passageiros andarem pelo avião de "rabo" no ar até apanharem o danado do outro fugitivo.

Eu sou franca, com tanto canseira do embarque tinha-me esquecido de pôr mais tapulhos de pão nos buracos da caixa, mas passada a vergonha, até valeu pela distração de toda a gente. Aterramos em Lisboa todos felizes e contentes .

Novamente com bagagem de mão, Miguel a tiracolo, mais os "bandidos" dos periquitos dirigi-me para a zona de embarque de ligação ao Porto. Sentei-me num daqueles banquinhos com a minha "malta" e lá ia controlando as horas de embarque, sempre de olho nos piras e no Miguel, isto claro está num ambiente desconhecido para mim e de grande movimento e com a atenção a 80% nos meus companheiros de viagem.

Eu lá ia ouvindo pelos altifalantes a ordem de embarque para o Porto, mas olhava o relógio de pulso e achava que ainda não era o meu. Até que no momento disparou um "alarme " na minha cabeça e verifico que não havia mudado a hora da Guiné para Portugal. Então levanto-me que nem uma mola com a "prole" atrás de mim e dirijo-me à porta de embarque onde nesse preciso momento estava um cavalheiro fardado de piloto e eu muito aflita lhe perguntei se era aquele o avião que ia para o Porto . Ele disse :
- Sim minha senhora venha daí que sou eu que vos vou levar no meu avião. E já agora por que é que ainda não estão embarcados? Já lá está toda a gente à nossa espera.

Mais uma vês escapamos de boa e conclui que esta viagem seria para nunca mais esquecer. Mas como dizia o Henrique: "A Sorte Protege os Audazes". Não sei onde foi buscar aquilo mas que resultou lá isso resultou.

Resta-me aqui lembrar que os meus periquitos se chamavam: Papaias, Mangas e Caju.
O Papaias era do tipo papagaio verde e com peito amarelo. O Caju e a Mangas eram todos verdes mas com uma gravata lindíssima preta à volta do pescoço.
O primeiro a morrer foi o Papaias e os últimos foram o Mangas e o Caju que viveram cerca de vinte e cinco anos e eram grandes companheiros, tanto de nós próprios como dos pais do Henrique que se habituaram a eles como se fossem pessoas da família. Valeram bem o sacrifício que passei para os trazer.

Esta foi uma estória que provavelmente só nós daremos a devida importância, mas na realidade eu achei que a devia partilhar com toda a tertúlia pois foi mais uma das aventuras que acaba por nos ligar a todos de algum modo.

Um beijinho a todos os camaradas do "Blogue Luís Graça &Camaradas da Guiné"
Maria Dulcinea Rocha NI para todos os camaradas e amigos.
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Nota de CV.

Vd. último poste da série de 9 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10915: O cruzeiro das nossas vidas (18): O meu batismo de voo, em 28 de março de 1973, num DC 6 da FAP (Abílio Magro)

Guiné 63/74 - P10948: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (2): A caminho de Bissau




1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua segunda "Carta de Amor e de Guerra" que se segue: 





CARTAS DE AMOR E DE GUERRA

2. A caminho de Bissau

Estava a gostar da viagem marítima, apesar das angústias me enovelarem os sentimentos, apesar das imagens dos meus entes queridos no cais de embarque não me saírem da cabeça, principalmente as de minha Mãe.

Chegados à Madeira, eu fui um dos muitos que saíram para dar uma volta pela cidade do Funchal. Aproveitei para inaugurar a minha correspondência de guerra pondo no correio um aerograma para a namorada.

Durante o passeio fui alertado para as más condições físicas e higiénicas em que viajavam os praças. Eu, passageiro alojado em classe turística com ar condicionado, tempo gasto a pensar mais nos meus problemas pessoais do que em qualquer outra coisa, não escalado ainda para qualquer serviço na Companhia, fiquei muito surpreendido com esta informação.

No dia seguinte, navio zarpado do Funchal, dirigi-me aos porões para confirmar o que me tinham dito. Quando descia pensei logo em voltar para trás, tão acre, pesado e gorduroso era o ar que respirava. Mas continuei e o choque que sofri com aquela miserável situação foi tão grande que, no momento, odiei todo o poder político e militar que se permitia tratar assim os seus soldados. Como é que era possível?

Num diálogo de circunstância com alguns soldados presentes percebi o seu descontentamento mas demorei pouco tempo, tal era o incómodo. Tentando disfarçar a vontade de vomitar, saí apressado e revoltado. Umas horas depois ainda sentia fortemente tais cheiros porque as partículas em suspensão no ar que respirara tinham ficado, certamente, coladas nas minhas fossas nasais. Fiquei tão marcado que, 47 anos passados, ainda me parece senti-los presentes.

A viagem que, apesar das circunstâncias, me estava a agradar ficou estragada, senti-me ultrajado como homem e como cidadão de um país cujos diversos “chefes” assim tratavam os seus soldados ao mesmo tempo que lhes cantavam hinos de louvor pela sua coragem e patriotismo!

“O Niassa atracado no cais do Funchal prenho de jovens para despejar na Guiné”
© Rumo a Fulacunda, blogue fotográfico de Henrique Cabral


Lisboa, 5/8/1965

Meu querido: (…) já quase deixava de esperar notícias de bordo (…). [resposta ao meu aerograma enviado do Funchal] As tuas palavras de hoje, meu amor, vieram colocar mais um sinal, mais um ponto positivo na minha vida que tem sido nestes dias tão monótona, tão sem interesse. Vieram acordar-me deste letargo em que mergulhei sem forças para dele sair, desde que os teus pais me deixaram.

Foram embora domingo à tarde. Parecia-me que a tua mãe ia mais bem-disposta, mais calma e mais conformada. Aqui passou o tempo mais ou menos animada, parecia-lhe, dizia-me ela à partida, que ainda estava junto de ti. Eu sentia o mesmo. Tens uma mãe encantadora, meu querido. Eu fiquei deveras maravilhada com ela, com as atenções que me dedicou. [ (*)ver nota ] É bastante justo o amor, a dedicação, a admiração que lhe votas, (…). Eu farei tudo para lhe amenizar a dor, a saudade pela tua partida. Devia ter recebido uma carta minha a participar-lhe que não ia lá passar o domingo como tinha prometido. (…) mas eu não posso, embora tenha a 2ª feira livre até às 14 horas para podermos assistir ao juramento e investidura do Presidente da República. [Em 9/ VIII/1965, Américo Tomás inicia o seu 2º mandato como PR (1965-1972).]

(…). Consegui na hora da despedida sorrir-te, pôr nesse sorriso toda a minha esperança e toda a confiança no belo futuro que havemos de ter mas, interiormente, a minha constituição física ressentiu-se com a excitação de que depois fui tomada. Já é natural o que agora me aconteceu, quando me excito, por isso evito as viagens porque experimento um mal-estar, uma indisposição horrível. (…).

Olha por ti. Não desanimes, (…) é preciso que no nosso espírito haja um apoio, uma segurança, alegria indestrutível. Tudo passará, (…). E tu regressarás. (…). Acredito-o. Haverá nestes anos muita dor, muitas saudades, momentos de desespero mas para vencermos tudo isso e o mais a que estamos sujeitos é preciso que tenhamos um ponto de apoio, qualquer coisa pela qual teremos de vencer tudo para a possuir. (…). Nós somos capazes de transformar em triunfo todas as dores, fracassos, decepções. (…), apesar de tudo e contra tudo o que se lhes oponha. (…). Com esta segurança, querido, com esta força que nos guia podem vir desgraças, desânimos, decepções que sempre fica na nossa alma uma réstia de luz, de paz e alegria, capazes de suplantar todas as dores.

(…) aguardemos confiantes a hora do encontro.

(…). Beijo-te e abraço-te, meu amor querido. Só e sempre tua, N.



 Foto da mãe Belmira da Piedade, Maio/1967, pouco depois do meu regresso da Guiné
© Manuel Joaquim.


*Memória de minha Mãe:

Foi uma “moira de trabalho” na lida doméstica e na agricultura das suas pequenas propriedades. Meu pai, como carpinteiro, passava muito tempo fora e, a certa altura, partiu e foi emigrante durante 17 anos.

Analfabeta, nunca descurou a educação e a instrução dos seus três filhos. Quando herdou de seus pais incentivou o marido a vender a herança para custear os estudos dos filhos, na altura só os meus pois os manos mais novos andavam na escola primária. Assim se fez mas o dinheiro não durou muito e meu pai teve de emigrar: Lourenço Marques, Joanesburgo, Paris.

Ela ficou a tomar conta dos filhos, a cuidar da terra e a gerir as verbas mandadas pelo marido. Passados dois anos, a vida militar começou a ameaçar os filhos. Fui o primeiro a sê-lo, era o mais velho, mas adiei a incorporação dois anos, concedida por razões académicas, e o meu mano “do meio” foi juntar-se ao pai em Joanesburgo. A certa altura teve a “feliz” ideia de ir a Lourenço Marques oferecer-se para cumprir o serviço militar. Dizia ele que assim ainda poderia ir a tempo de se safar da guerra que já se adivinhava próxima e, por pouco, não o conseguiu. Teve azar, apareceu-lhe a guerra em Mueda, tendo a “sorte” de receber dela um premiozinho que foi a hospitalização por ferimentos sofridos.

Entretanto o filho mais novo chega aos 18 anos, então com o pai já em Paris e resolveu juntar-se ao pai, pois claro. E por lá ficou durante anos sem poder vir ver a mãe. Como estava com o pai, ela não se incomodava muito com isso. Mas mais um filho na tropa é que não! Já lhes bastava terem lá dois! Em janeiro de 1964 fui incorporado e a minha “mãe coragem” ficou sozinha, menos nos meses de férias de meu pai, com um filho em França e os outros no serviço militar.

Tive a sorte de ter o Pai e a Mãe no meu embarque para a Guiné mas a Mãe, um mês depois, com o marido e os três filhos dispersos, tornou a ficar sozinha! E assim ficou uns meses, com dois filhos na guerra até um deles regressar de Moçambique.

Guardo bem nítida na memória a imagem que dela levei para a Guiné: debruçada sobre o varandim do cais, amparada por meu pai e pela minha namorada, chorava e gritava de braços estendidos em direcção do navio. Situação terrivelmente dolorosa que me fez refugiar no interior do “Niassa” donde vivi a separação olhando os meus entes queridos através dos vidros, com o ruído ambiente do salão abafando totalmente o do exterior, vendo as imagens do cais como que fazendo parte de um filme mudo com centenas de figurantes e onde meus pais e namorada entravam como intérpretes, sendo minha MÃE a personagem principal.

A minha emoção, contida, amarfanhava-me. E lembrei-me das palavras de um instrutor para motivar os recrutas a empenharem-se no treino operacional: “quando embarcarem podem ter a certeza de que não regressam todos!” Olhei aquela “massa” de militares que enchiam o navio, já a afastar-se de terra, e fiquei a pensar se não seria um dos que não iriam voltar. Olhei para fora e, pensando naquelas mães que já só adivinhava ao longe, lembrei-me do João Villaret recitando na TV “O menino da sua mãe”, um poema de F. Pessoa que eu, na altura, abominava politicamente. E fiquei a perguntar-me:
- Quantos de nós se tornarão “o menino da sua mãe”?


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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10910: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (1): A separação e a partida

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10947: História da CCAÇ 2679 (59): Grande farra no Funchal (José Manuel Matos Dinis / Cândido Morais)

1. Neste episódio da série da História da CCAÇ 2679 é pré-apresentado o camarada Cândido Morais, ex-Fur Mil desta Companhia, que irá brevemente aderir à nossa tertúlia, apadrinhado por José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71) que até agora era o único contribuinte para esta narrativa.

São publicadas duas fotos e nelas inspirada sai esta história contada pelo nosso camarada Zé Dinis, que chegou ao Blogue em mensagem sua do dia 9 de Janeiro de 2013.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (59)

O Cândido Morais é a figura que nesta fotografia, com o pessoal a reluzir as "namoradas", se apresenta à direita da terceira linha, num grande plano do retrato.

Nesta fotografia do desfile, o Morais é o primeiro da direita atrás do aspirante, e não parece ostentar as divisas amarelas. Assim, este desfile pode ter sido o do final do IAO, pois o desfile para o embarque, num bailinho a passo trocado e a trocar olhares com as prostitutas que nos confortaram a noite da despedida, foi quando já se exibiam alferes e furriéis, de amarelos reluzentes.

Fotos: © de Cândido Morais (2013). Direitos reservados. Legendas de José Manuel M. Dinis


GRANDE FARRA NO FUNCHAL

Foi uma noite de grande farra no Funchal, e começou cedo, no Café Indiana, em frente à Sé, no passeio mais concorrido da cidade, onde fechámos o café Indiana, e as pessoas espreitavam para o interior, onde os furriéis, verdinhos e amarelados, serviam atrás do balcão, utilizavam a caixa do graxa, manipulavam bandejas e tiravam imperiais, tudo com muita espuma e exuberância.

A Indiana, numa foto dos anos 60, sita na cidade do Funchal, mesmo ao lado da Sé. (CV)

Depois, demandaram por um estabelecimento de serviços noturmos, requintado, com orquestra, gentis meninas, tudo abrilhantado com jogos de luzes que mentalmente preenchiam as lacunas do lugar de má recomendação. Aproximou-se o pessoal pelo declive empedrado, e tocou-se a campainha com insistência. O concierge entreabriu a porta, olhou-nos com surpresa, e pediu um momento. Passaram alguns minutos e fazíamos a farra na rua, quando o concierge reapareceu, perfilou-se na casaca negra, e apontou-nos o caminho, uns degraus acima do nível da porta.

Apresentava-se um esplendor: uma mesa comprida, pela reunião das mesas individuais, as assistentes abertas em decotes e sorrisos aguardavam-nos com evidente felicidade. enquanto dois empregados aguardavam ordens. E das ordens encarregou-se o Marino, que não pede meças a tomar decisões.

Enquanto os alarves cirandavam nas escolhas, o Marino convencia os clientes afastados do festim, com apreciável determinismo, a encarar com naturalidade a situação criada. A noite era nossa. Mas era ainda o Marino quem ordenava o serviço, champanhe, pois claro! Para começar, que a noite seria de calores.

E o cavaquinho arrancava os primeiros acordes para uma noite de gaúdio. Já havia quem fizesse a auto-avaliação física através de uns passos de dança superiormente desempenhados, que os artistas da 2679 não eram de uma Companhia qualquer.

A bem dizer, foi até entrar o dia, quando o pessoal se lembrou de defender a Pátria.

Desfilou-se na estrutura portuária, representaram os seus papéis a autoridade eclesiástica e o comandante militar. As hostes, em formatura, não os ouviram, antes procuravam localizar as namoradas, trocarem olhares de desejo e ansiedade, enquanto os imigrantes cubanos da 2679 se desfaziam em sinais e sorrisos com as elegantes e generosas assistentes da noite passada.

Só faltavam dois aninhos para o regresso e a continuação da libido.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10904: História da CCAÇ 2679 (58): Fisicamente recuperado (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P10946: Do Ninho D'Águia até África (44): O Canjura andava farto de guerra (Tony Borié)

1. Quadragésimo quarto episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 12 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (44)




O Canjura não era o Canjura Turé, esse era milícia e ajudava os militares, servindo de guia tradutor, era só o Canjura e andava farto de guerra, mesmo farto.

O Canjura era um africano já com uma certa idade, que andava por ali, ajudava nas obras do aquartelamento, por lá comia e andava vestido com a roupa que lhe dava o Cifra e outros militares. Fazia recados, quando era preciso limpar alguma zona, ou qualquer trabalho que não envolvesse muita força física, o Canjura era chamado. O Cifra acredita que todos os aquartelamentos no interior tinham o seu “Canjura”. Quando não ia dormir à sua morança, que estava em muito mau estado, pois não era sua mas de alguém que “foi no mato” e a abandonou, tendo o Canjura tomado posse dela, dormia debaixo de alguma viatura militar que estivesse a jeito no aquartelamento em obras.

Sabia o nome de quase todos os militares do Agrupamento a que o Cifra pertencia, pois foram dos primeiros a ocuparem o novo aquartelamento, fazia a saudação, colocando-se em sentido antes de falar, não importava que fosse soldado ou coronel, aquilo já era um vício, podia ver o Cifra dez vezes por dia, que fazia sempre a saudação, embora o Cifra lhe dissesse por um milhão de vezes para parar com aquilo, pois todos gostavam dele sem saudação, mas ele não ouvia. Perguntavam-lhe a idade e não sabia, onde nasceu e não sabia, se tinha família e não sabia, mas via-se a aflição no seu rosto, demonstrando sempre algum desespero com receio que o mandassem embora do aquartelamento, talvez já o tivessem mandado embora de outros locais. Andava farto de guerra e de fugir, isso era o que dizia ao Cifra, dizendo também que queria morrer em “chão balanta”, nem que fosse com um tiro ou numa explosão de uma granada de morteiro, mas queria ficar em “chão balanta”. Muitas vezes, quando lhe davam um cigarro, ria-se e aceitava, também aceitava cerveja e café. Na altura da refeição, lá estava à espera, às vezes com outros africanos, ele próprio controlando e não deixando ninguém avançar sem o Arroz com Pão, que era o cabo do rancho, dar ordem.


O Canjura era popular no aquartelamento, todos sabiam o seu nome e lhe davam roupa, botas, cigarros. Quando alguém não queria qualquer coisa, dizia-se: -
Dá ao Canjura!.

Às vezes andava melhor vestido que muitos militares. Um dia, nunca se soube quem mas desconfiava-se que tivesse sido alguém do comando do Batalhão de Artilharia “Águias Negras”, que estava estacionado no aquartelamento, nas instalações recuperadas do que tinha sido um antigo convento de padres de uma ordem religiosa francesa, o vestiu a rigor, com umas divisas de major, brilhantes, novas a luzir nos seus ombros. Era uma cópia, imitando o tal major “Petinga”, que era o oficial de operações especiais do Agrupamento, a que o Cifra pertencia, o tal que tinha dado uma enorme bofetada num prisioneiro, com as mãos amarradas, que caiu no chão desamparado, só porque este lhe disse que queria ser tratado como prisioneiro de guerra, e fizeram, talvez a troco de qualquer promessa de cigarros ou outra coisa qualquer, o bom do Canjura ir ao gabinete do tal major “Petinga”, bater à porta e apresentar-se, em sentido, com uma perfeita saudação.

Calculem a fúria do major ao abrir a porta do seu gabinete e deparar com o bom do Canjura, vestido tal e qual, parecendo mesmo uma cópia do major “Petinga”!
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10927: Do Ninho D'Águia até África (43): Lodo e tarrafo (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10945: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte VIII): Subsetor de Empada: atividade operacional em agosto / setembro / outubro de 1968


Tomar > RI 15 A> 1967 >  Elementos do primeiro pelotão da Companhia 1787





Guiné > Região de > Empada > 1968  >  O Manuiel Serôdio, no regresso de uma operaçãio



1. Continuação da série do Manuel Serôdio (, camarada que vive em Rennes, Bretanha, França), sobre a história da sua companhia, a CCAÇ 1787 (*)


Agosto de 1968 (continuação)

Operação "Nativo"

Situação:

A zona de Ponta Brandão e a estrada Empada-Gubia não é percorrida pelas nossas tropas desde Maio último. Dado o desaparecimento do destacamento de Gubia, é natural que o inimigo tente estender de novo a sua atividade às regiões antes controladas pelas nossas tropas, com o fim de retomar o controle da referida zona, que é bastante rica em terrenos cultiváveis.

Missão:

Patrulhar ofensivamente a área de Ponta Brandão e Binhal, montando uma rede de emboscadas neste local.

Forças executantes:  2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato nem vestígios.

Operação "Negrola"

Situação:

A região de Saucunda e Batambali Balanta costumava ser com muita frequência percorrida e patrulhada por grupos inimigos vindos de Aidará. Apesar dos revezes que o inimigo tem sofrido ultimamente frente às nossas tropas nesta região, é natural que continue a utilizar esta zona, como zona de passagem, e área de patrulhamento.

Missão:

Bater a área referida e montar nela uma rede de emboscadas, de modo a aprisionar ou aniquilar qualquer elemento inimigo que se revelasse durante a operação.

Forças executantes: 2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Ouvidos vários tiros de espingarda e pistola metralhadora no acampamento inimigo de Aidará, deparou-se um grupo inimigo de de 8 elemetos a cerca de 2000 metros. Não foi feito fogo por estarem fora do alcance das nossas armas.


Setembro de 1968

Atividades operacionais: (i) Patrulhamentos e picagem diários às estradas para o cais e Ualada, e à pista de aterragem; (ii) Montada a proteção aos barcos e aviões que demandaram Empada; (iii) Montada segurança aos trabalhadores da bolanha; (iv) Patrulhamentos conjugados com emboscadas (9)

Operação "Naperon"

Situação:

A região de Caur de Cima, Beja e Manpatá não é muito atingida pela atividade inimiga. Para isso contribui grande número de vezes, que as nossas tropas têm atingido ultimamente a citada zona, a última das quais em 12 de Agosto passado, durante a operação "Quarentão". Contudo, é natural que o inimigo tente por vezes patrulhar e percorrer esta mesma região, tanto mais que a zona mais a sul, ( cruzamento de Batambali) é caraterizada por uma forte atividade inimiga.

Missão:

Bater a área jà referida, e montar uma rede de emboscadas, de modo a aniquilar ou aprisionar qualquer elemento inimigo que se revelasse, quer durante a batida, quer durante as emboscadas.

Forças executantes: 2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato nem vestígios recentes

Operação "Nórdica"

Situação:

Estão desde hà muito, referenciados acampamentos inimigos em Aidará Balanta e Aidará Beafada. O inimigo realiza, embora últimamente com pouca frequência devido à constante ação das nossas tropas, patrulhamentos para Faracunda Balanta, Faracunda Beafada e Missirã Beafada. Os elementos civis da zona controlada pelo inimigo, cultivam atualmente o arroz na bolanha de Aidará.

Missão:

(i) Patrulhar ofensivamente a área de Faracunda Beafada e Faracunda Balanta, e montar uma rede de emboscadas; (ii) Aprisionar ou aniquilar os elementos inimigos que se revelassem durante a operação.

Forças executantes: 2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato.

Operação "Negociata"

Situação:

O cruzamento de Batambali é um ponto importante, dele irradiando as estradas para Buba, Catió e Empada. As nossas tropas, se bem que tivessem atingido as zonas próximas por duas vezes, em 19 de Julho e 28 de Agosto, desde 20 de Junho que não patrulham a área propriamente dita do cruzamento.

Esta mesma zona é frequentada por grupos inimigos, que vindos de Aidará, se dirigem a Gambine-Antuane, e vice-versa.

Missão:

Patrulhar ofensivamente toda a área da estrada Empada-Buba, até ao cruzamento de Batambali, e montar neste último local uma rede de emboscadas, aprisionar ou aniquilar os elementos inimigos que se revelassem durante a operação.

Forças executantes: 2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

O inimigo não se revelou.

Operação "Noventa"

Situação:

A região do subsetor denominada península da Pobreza, é totalmente controlada pelo inimigo. Foram jà referenciados vários acampamentos inimigos em toda a península. A área da mata de Cantora e o cruzamento das estradas de Pobreza e Caur de Baixo Balanta,, é constantemente percorrida por grupos inimigos vindos de Satecuta e Ianguê, se dirigem ao entroncamento das estradas de Gubia-Darsalame com a da Pobreza.

Missão:

Patrulhar ofensivamente toda a área da mata, e o cruzamento das estradas da Pobreza e Caur de Baixo Balanta, e montar uma rede de emboscadas, aniquilando ou aprisionado qualquer elemento inimigo que se revelasse no decorrer da operação.

Forças executantes: 2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Foi montada uma armadilha no itenerário que vem de Satecuta, no qual é muito provável a aproximação do inimigo.


Outubro de 1968

Actividades operacionais: (i) Patrulhamentos e picagem diários às estradas para o cais e Ualada, e à pista de aterragem; (ii) Montada segurança aos barcos e aviões que demandaram Empada; (iii) Montada segurança aos trabalhadores da bolanha; (iv) Patrulhamentos conjugados com emboscadas (5).

Patrulhamento com emboscadas a Caur de Baixo Balanta

Situação:

A região de Caur de Baixo Balanta é percorrida com alguma frequência por grupos inimigos vindos dos lados de Ianguê, Satecuta e Cachobar. Últimamente o inimigo não a percorre com a frequência habitual devido à contínua ação de patrulhamento efetuados pelas nossas tropas, no entanto existem na área trilhos de utilização mais ou menos recentes.

Missão:

(i) Patrulhar ofensivamente a área de Caur de Baixo Balanta, e montar uma rede de emboscadas.; (ii) Aniquilar ou aprisionar os elementos inimigos que se revelassem durante a operação.

Forças executantes: 2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato

Patrulhamento a Ponta Brandão


Situação:

A área compreendida entre Empada e Gubia, era controlada pelas nossas tropas. Com a evacuação daquele destacamento, é natual que o inimigo procure estender a sua ação para nascente, no sentido de Empada a partir de Cubisseco.

Missão:

Patrulhar a área anteriormente referida até Ponta Brandão, conjugando o patrulhamento com a montagem de emboscadas, por forma a aniquilar os elementos inimigos que se revelassem.

Forças executantes: 2 grupos de combate da Companhia 1787 + 2 grupos de combate da Companhia de Milícias n° 6

Sem contato

(Continua)
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Nota do editor;

Último poste da série > 24 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10858: Manuel Serôdio, ex-fur mil CCAÇ 1787 (Empada, Buba, Bissau, Quinhamel, 1967/69) (Parte VII): Subsetor de Empada: atividade operacional em julho e agosto de 1968

Guiné 63/74 - P10944: Agenda cultural (248): Abertura ao público do Arquivo Amílcar Cabral e realização do seminário "Amílcar Cabral: um projeto interrompido", Lisboa, Fundação Mário Soares, 2ª feira, dia 21


1. A Fundação Mário Soares, com sede na Rua de São Bento, 160, Lisboa, vai realizar um seminário sobre Amílcar Cabral, em 21 de janeiro de 2013, 2ª feira, das 11h00 às 19h15. Esta iniciativa é aberta ao público, não há inscrições prévias. O auditório da Fundação tem capacidade para 100 pessoas. A organização deste evento é conjunta, contando com a parceria do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC/UNL) e a colaboaração da Fundação Amílcar Cabral, com sede na cidade da Pria, Cabo Verde.

A partir do 20 do corrente, a Fundação vai permitir o acesso ao público do Arquivo Amílcar Cabral,  na Internet, ao fim de vários de trabalho de recuperação e tratamento do espólio (documental) do fundador e líder do PAIGC, sob a direcção (segura, persistente e competente) do dr. Alfredo Caldeira.  Até agora tem estado disponível apenas uma pequena amostra desse espólio.

É de recordar aqui que,  "ao longo da sua existência, a Fundação Mário Soares tem recebido um amplo reconhecimento público pela actividade desenvolvida, em especial pela contribuição dada na promoção de uma cultura cívica e democrática e pelo papel desempenhado na preservação, digitalização e divulgação de numerosos acervos documentais e fotográficos relevantes para a investigação e conhecimento da memória histórica comum dos países da Lusofonia".
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10929: Agenda cultural (247): Termina a 27 deste mês a exposição Álbum de Memórias: Índia Portuguesa. 1954-62, Lisboa, Padrão dos Descobrimentos

Guiné 63/74 - P10943: Estórias cabralianas (76): Não sei se por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer... (Jorge Cabral)

1. Mais um "estória do nosso alfero". Desta vez "triste", diz ele. Alfero Cabral, lembram-se dele ? Não, não é o Cabral que foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, mas um tal Jorge Cabra, que um dia foi "régulo" de Fá Mandinga e de Missirá, ínfimas aldeias de um pequeno país lusófono chamado Guiné-Bissau. 

[Foto à esquerda: Jorge Cabral e Eduardo Magalhães Ribeiro, dois camaradas patriotas, Lisboa, Monumento Nacional aos Combatentes do Ultramar, Forte de Bom Sucesso, 10 de Junho de 2011]


2. Estórias cabralianas > Mais uma incursão no futuro - Ano 2042
por Jorge Cabral

Não sei se foi por distracção ou por preguiça, mas esqueci-me de morrer. Claro que  tenho pago escrupulosamente o Imposto de Sobrevivência, mas agora resolvi aceder  ao apelo governamental “ todos os velhos devem comparecer na Central de Abate,o  que constitui um dever patriótico”.

Comuniquei a decisão à família, que ficou muito  contente, principalmente a minha bisneta Carol, que foi logo requerer mais um filho  nos Serviços de Programação Genética. Um rapagão que nasça já crescido para não dar  trabalho… 

Porém antes do dia da apresentação é preciso fazer o espólio e transmitir as memórias  que serão arquivadas. Todos os meus dez mil livros serão incinerados..e quanto às  memórias, ligar-me-ão a uma máquina que reproduzirá um resumo. Já consultei  algumas de Camaradas da Guiné. A máquina não me parece muito fiável ou se calhar  são as memórias…

Mas é obrigatório. Estive três horas ligado e depois o operador deu-me a conhecer o  resultado. Lá aparece um idílico Missirá, rodeado de cerejeiras ,junto a um riacho  onde se pescam trutas e até consegui ouvir o Branquinho ao piano.
 - Confere ? - perguntou o funcionário.
- Correcto!- respondi.

É já amanhã o dia. Sei que vou encontrar Camaradas. Patriotas….pois então!

J. Cabral [, foto à direita, em cima, Fá Mandinga, 1969]

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Nota do editor:

Últimos cinco  postes da série:


(...) Há mais de sessenta anos que conheço esta Leitaria. Fica na Avenida do Brasil e quando eu era miúdo havia lá uma vaca. Uma vaca em plena Lisboa…Quando conto,pensam que é estória, mas não é, a Senhora Margarida, vendia o leite produzido à vista do cliente. (...)

1 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10463: Estórias cabralianas (74): Danado para as cúpulas... (Jorge Cabral)

(...) – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? – perguntei-lhe um dia destes, porque habitualmente me socorro da sua memória. Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do Bart 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.
–Cúpulas ? Quais cúpulas? (...)

29 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10307: Estórias cabralianas (73): O Conde de Bobadela (Jorge Cabral)

(...) Estou no Tribunal de Mafra à espera de um Julgamento, quando uma mulher me interpela:
- É o Senhor Conde, não é?

Hesito, mas para evitar mais conversa, respondo:
-Sou sim. Como vai a senhora?
-Ai, que já não se lembra da Aurora! Eu trabalhava em casa do Senhor D.Ilídio. O Senhor Conde ia lá muito, quando estava na tropa. (...)

9 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)

(...) Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia. Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”. Resolvi pois gravar uma das minhas noites. (...)

24 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9796: Estórias cabralianas (71): Fixações etnomamárias: evocando o meu avoengo Carloto Cabral que, no séc. XVIII, crismou Quebo como a Aldeia das Mamas Formosas (Jorge Cabral)

(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10942: Blogpoesia (317): Toadas de Inverno (J.L. Mendes Gomes)

1. Em mensagem do dia 11 de Janeiro de 2013, o nosso camarada J.L. Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil e Catió, 1964/66), enviou-nos este poema para publicação em companhia de boa música:


Toadas de Inverno

Toadas de Inverno 
Num Outono cadente. 
Trovoadas acesas 
Nas eiras de pão.

Está tudo trocado. 
Chovem grãos de cevada 
Nas searas de trigo 
Escorre óleo de rícino, 
Em vez de azeite.

Nem o centeio voraz 
É capaz de crescer. 
Pendem mirradas 
As uvas sem suco.

Ardem gargantas 
Com gretas de fome. 
Nem as tetas das vacas 
Segregam as natas de leite. 

Os carros de bois 
Voltam tão tristes para casa 
Com os fueiros acesos, 
Sem nada em cima.

Apagaram-se as luzes da estrada

Campeiam fantasmas 
Pelas veredas da aldeia. 

Só falta tocar a rebate 
E chamar os bombeiros 
Que apaguem depressa 
Esta fogueira de fome, 
Enquanto a água não seca. 


Ouvindo concerto nº 1 para piano de Tschaikowsky Zehlendorf, 7 de janeiro de 2013
9h34m
Joaquim Luís M. Mendes Gomes
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10923: Blogpoesia (316): Apat(r)ia... (J.L. Mendes Gomes)

Guiné 63/74 - P10941: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (3): A morte, em 24/1/1971, do cap inf op esp Fernando Assunção Silva, 1º comandante da CCAÇ 2796, e meu amigo

1. Mensagem do Vasco Pires, que vive no Brasil, e que foi comandante do 23º Pel Art (Gadamael, 1970/72) [, foto atual, à esquerda]

Assunto: Fantasmas do fundo do baú

Caríssimos Luis Graça/Carlos Vinhal,
Cordiais saudações.

Esta semana, lendo um extrato do diário de uma autora americana, pensei que um blog de ex-combatentes possa ser um lugar adequado para também exorcizar fantasmas.

Quando cheguei em Gadamael, lá pelos meados de 1970, encontrei uma Companhia [, a CART 2478,], em fim de comissão, comandada pelo então Capitão de Artilharia Rodrigues Videira, experiente Oficial, já com várias comissões de serviço. Era generoso, e me ajudou muito com a sua experiência.

Dizia ele que a sorte do ser humano é a memória ser seletiva, e ir atenuando as experiências negativas, logo os eventos positivos sobressaem. Sábias palavras, contudo alguns fantasmas ficam lá no mais recôndito do "baú".

Quarenta anos após, é a momento ideal para relembrar os feitos de guerra e alegrias desse tempo de juventude.
- E os fantasmas? - pergunto eu.

A Companhia de Artilharia foi logo rendida por uma Companhia de Infantaria [, a CCAÇ 2796,] comandada pelo saudoso Capitão de Infantaria Fernando Assunção Silva, intrépido e carismático Oficial. Foram tempos agitados esses, talvez o PAIGC quisesse eliminar Guileje, aniquilando primeiro Gadamael.

O Capitão Assunção Silva comandou sempre magistralmente a reação a todas as flagelações, e ordenava patrulhas regulares, algumas delas comandadas por ele pessoalmente. Pois é, e numa delas aconteceu, um simples disparo de um franco-atirador atingiu-o mortalmente no peito.

Consternação, para mim, além de Comandante, amigo morto.

O remédio que usei, foi o "velho Scotch", errei na dose e virou veneno. Lembrou que ensaiei um discurso provavelmente desconexo, "apaguei", e uma mão generosa me retirou da câmara mortuária.

Naquela noite, os leais e eficientes Furriéis de Artilharia Oliveira e Krus assumiram o comando efetivo do 23° Pel art.

Se eu encontrasse hoje o Capitão Rodrigues Videira, reconheceria que ele estava certo, realmente a memória é seletiva, porém, as excepções à regra, às vezes pesam. (**)

Forte abraço

Vasco Pires [, foto acima, à direita, em São Domingos, no final da comissão, em 1972]
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Notas do editor:

(*) Fernando Assunção Silva, natural de Oliveira de Azeméis, cap inf op esp., comandante da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72), morreu em combate em 24/1/1971. Está sepultado no cemitério de Atouguia, Guimarães (Fonte: Portal Ultramar Terraweb > Mortos do Ultramar > Concelho de Oliveira de Azeméis).

A CCAÇ 2796, independente, foi mobilizada pelo RI 2, partiu para to TO da Guiné em 31/10/1970 e regressou a 5/10/1972. Esteve em Bissau, Gadamael e Quinhamel. Comandantes:  Cap inf  Fernando Assunção Silva e Cap Art  António Carlos Morais da Silva (, este último, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael).

Como escreveu o Morais da Silva no nosso blogue, “avancei no fim de Janeiro de 1971 para o comando da CCaç 2796, em Gadamael, quando da morte em combate do seu comandante, meu camarada de curso e amigo Capitão de Infantaria Assunção Silva. Fiquei, a meu pedido, no comando desta companhia até ao final da comissão em Outubro de 72” . (Vd. poste P6690).

Outras referências à CCAÇ 2796 e ao seu primeiro comandante:

(i) 22 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9936: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (9): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - VII Parte - Evolução da situação militar - Anexo IV

(...) "A  29DEZ70 a [,CART 2478,] era rendida pela CCAÇ 2796 que, nos primeiros tempos em Gadamael, foi severamente atacada pelo PAIGC, tendo sofrido várias baixas, entre os quais, o próprio Comandante da Companhia. O esforço operacional não a impediu de se dedicar à população, construindo 80 casas no Setor Norte do Aldeamento, uma Escola e um Posto Sanitário, na zona de ligação entre os dois setores do Ordenamento, para além de um Heliporto, Casernas e uma nova Reorganização do Terreno. A 1ª foto aérea dá uma ideia do Aquartelamento e das zonas limítrofes, no tempo desta Companhia".  (...)

(ii) 21 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7817: Os nossos médicos (23): Resposta de Morais da Silva (ex-Cap Art, CCAÇ 2796, Gadamael e Quinhamel, 1971/72) a Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Med (CCS/ BCAÇ 2930, Catió, 1970/72)

(...) "A CCaç 2796 foi fustigada de forma brutal nos seus primeiros passos em Gadamael numa primeira tentativa do PAIGC de, indirectamente, eliminar a posição de Guileje (o que veio a conseguir em 1973 por via directa). Sofreu baixas, incluindo o comandante da companhia (24Jan71) e nos finais de Janeiro de 1971 era uma subunidade extenuada psicologicamente. Com muito trabalho de todos, reagiu, recuperou, deixou obra feita (reordenamento, escola, posto sanitário, casernas, organização do terreno) e garantiu a posse de Gadamael, a segurança da população, o apoio logístico a Guileje e a liberdade de movimentos no seu sector. Em suma "Cumpriu a Missão". Não desmereceu do seu primeiro e valoroso comandante de companhia – Capitão Assunção Silva, dos seus restantes camaradas mortos e feridos em combate e da confiança da população que apoiou de múltiplas formas e com quem manteve relações de respeito e amizade." (...)

(iii) 24 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6638: Lista alfabética dos 24 capitães que morreram em campanha no CTIG, dos quais 10 em combate, todos comandantes de companhias operacionais (9 Cap QP, 1 Cap Mil) (Carlos Cordeiro)

(...)
- FERNANDO ASSUNÇÃO SILVA : Cap Inf / Cmdt CCaç 2796 / Combate / 24 de Janeiro de 1971 (vd. poste P3451, de 13/11/2008). (...)

(iv)  Ficha de unidade: elementos recolhidos pelo  José Martins (vd. poste P3451, de 13/11/2008)

Companhia de Caçadores n.º 2796

Unidade Mobilizadora: Regimento de Infantaria n.º 2 – Abrantes

Comandantes: Cap Inf Fernando Assunção Silva e Cap Art Carlos Morais da Silva

Divisa: Gaviões

Partida: Embarque em 31 de Outubro de 1970 – Desembarque em 10 de Novembro de 1970

Regresso: Embarque em 5 de Outubro de 1972

Síntese da Actividade Operacional:

(i) Após uma curta permanência em Bissau, seguiu em 27 de Novembro de 1970, para Gadamael e assumiu a responsabilidade do respectivo subsector em 1 de Dezembro de 1970, em substituição da CArt 2478, ficando integrada no dispositivo e manobra do BArt 2865 e depois do BCaç 2930.

Em 1 de Fevereiro de 1972 foi rendida pela CCaç 3518, tendo seguido para Quinhamel, por fracções, em 24 de Janeiro de 1972 e 2 de Fevereiro de 1972. Em 22 de Fevereiro de 1972, rendendo a CCaç 2724, assumiu a responsabilidade do subsector de Quinhamel com destacamentos em Ponte Vicente da Mata, Ome e Ondame, colaborando na segurança e protecção das instalações e das populações e ainda nos trabalhos dos reordenamentos de Blom e Quiuta, na dependência do COMBIS.

Em 5 de Setembro de 1972, foi rendida no subsector de Quinhámel pela CCaç 3326, recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

(História da Unidade (Caixa n.º 87 – 2.ª Div/4.ª Secção, do AHM)

O José Martins diz que o cap inf op esp Fernando Assunção Silva, faleceu por ferimentos em combate em Tamabofa (sic). Não encontro este topónimo na carta de Cacoca (que inclui Gadamael). Não seria
Talaiá (, a nordeste de Gadamael Porto) ? Ou Iambambuli (?), a sudeste, junto à limnha de fronteira ?...

Guiné 63/74 - P10940: (Ex)citações (207): Festejando a entrada do nosso seiscentésimo grã-tabanqueiro, Abílio Magro, natural de Fronteira, um dos seus 6 filhos que a família Magro ofereceu à ditosa Pátria amada para servir em África (Angola, Moçambique e Guiné) ...

1. Dois comentários do 600.º (e bem humorado) membro da nossa Tabanca Grande, o último "pira, Abílio Magro (*), ao poste P10935 (*)

Camarada Carlos Vinhal,

Agradeço o teu post de apresentação e aproveito para informar que o título de sexycentésimo não me soa nada mal.

Aproveito também para lembrar aos grã-tabanqueiros que é norma, mesmo no mais "mixuruca" dos supermercados, a atribuição de uma lembrança àqueles que atingem números assim redondinhos (também aceito cheques).

Entretanto,  quero corrigir a distribuição do pessoal da Companhia Magro que saíu errada na O.S., talvez por minha culpa na formatação do texto enviado.

Então era assim em 1972:

Disponibilidade - Rogério Magro
Moçambique - Dálio Magro
Angola - Carlos Magro
Guiné - Fernando Magro + Álvaro Magro
Caldas da Rainha - Abílio Magro

Feitas as devidas correcções, com o meu pedido de esculpas, passemos ao trabalho.

Quanto à assessoria informática, eu sou apenas um "curioso" que anda metido nisto dos bytes há bué de tempo, como autodidacta, não me sentindo, no entanto, nenhum expert na matéria. Faço umas coisitas, é verdade, e é o meu principal hobby, mas não sei se estarei à altura de assumir tamanha responsabilidade. Estou, isso sim e com todo o gosto, inteiramente disponível para dar a ajuda que me for possível, se para tanto tiver engenho e arte. E acreditem que o digo com toda a sinceridade porque eu "gosto mesmo disto, carago!". Isto é: informática na óptica do programador. Mas fica desde já o aviso: sou completamente amador!.

Quanto a fotos é que a coisa, para já, está fraca, por um lado porque a minha impressora deixou de "sacanear" e através de telemóvel a "coisa" não funciona lá muito bem e, além disso, os meus irmãos, cá como lá, estão dispersos - Viseu, Lisboa, etc. 

O meu irmão Fernando, o mano velho, escreveu em tempos um livro "Memórias da Guiné" (***) do qual possuo um exemplar e penso enviar-vos alguns excertos mais tarde, porque hoje "bai dar o Puorto, carago!"

Um grande abraço.
Abílio Magro


PS - Em tempo:

Felizmente regressamos todos sãos e salvos, uns mais cacimbados que outros, e cá continuamos todos, agora troikados e também uns mais que outros. A nossa mãe faleceu em Dezembro de 1971, enquanto o 5.º filho navegava com destino à Guiné. O nosso pai é que viu todos partir e, felizmente, também os viu regressar. A dada altura já todos nós o tratávamos por Comandante.

AM

2. Comentário de L.G. (**):

Abílio, ainda não tive ocasião de saudar a tua entrada, jovial, bem humorada, nesta "caserna virtual" onde, como sabes, pelas regras em vigor, se pode falar de tudo menos de "política, religião e futebol"... 

Isto quer dizer, que eu não vou comentar as (muito menos revelar as minhas) emoções do jogo de futebol de ontem, entre Benfica e Porto, que - dizem - dividiu mais uma vez o país ao meio... Eu, como sou mouro, de ADN,  mas morcão de coração, só posso estar, nesses dias, em Vila de Rei, que é o centro geodésico de Portugal...  

Quanto ao resto, és bem vindo e aparecido. Deixa-me tirar o quico à tua ditosa e amada família que tantos filhos machos deu à Pátria, esforçada na guerra, ingrata na paz.  Para já, vocês, os Magro, passam a figurar no Livro de Recordes da Tabanca Grande. Seis combatentes em África é obra. Temos também aqui um outro alentejano, o José Luís Vacas de Carvalho, que esteve comigo em Bambadinca, e que teve vários irmãos militares, mas julgo que menos que vocês. Os Vacas de Carvalho são uma família numerosa e conhecida de Montemor-o-Novo.

Bom, espero que tragas os manos da Guiné, o Fernando e o Álvaro, até ao nosso blogue. Vamos fazer 9 anos de existência e até ao dia 23 de abril de 2013 temos uma campanha em curso para "recrutar" mais 25 "periquitos"... Conto com a tua militância bloguística. As alvíssaras virão depois.
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Notas do editor:

(*) vd. poste de 13 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia

(**) Último poste da série > 14 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10937: (Ex)citações (206): Festejando a chegada do "pira" José Sousa Pinto, meu contemporâneo em Teixeira Pinto, 1972 (Mário Bravo)

(***) Fernando Valente (Magro) é também blogador,  autor do blogue *Portugal e o passado", donde retirámos os seguintes elementos de identificação:

(i) Nasceu a 10/05/1936 em Arouca;
(ii) É Engenheiro Técnico de Construções Civis;
(iii) Prestou serviço na ex-colónia da Guiné como Capitão Miliciano de Artilharia, entre 1970 e 1972;
(iv) É membro da Associação Portuguesa de Escritores;
(v) Autor das seguintes obras: - Menina do Meu Pensar - A Canção Arábica - Memórias da Guiné - Um Olhar Abrangente - As Aventuras de Robin dos Bosques

Da Docweb, retirámos mais os seguintes elementos bibliográficos:

Memórias da Guiné / Fernando Magro. - Lisboa : Polvo, 2005. - 84 p. ; 20 cm