Foto de um grupo de 14 (e lista nominal dos 23) militares portugueses, do Agrupamento de Cavalaria de Fronteira, em Bobonaro, Timor Leste), que, apanhados pela guerra civil, fratricida, entre timorenses, acabaram por ficar prisioneiros do IN (desde setembro de 75 a julho de 76).
A lista nominal foi publicada pelo DP - Diário Popular, de 19/2/1976; o Diário de Lisboa, de 29 de julho de 1976, publicou, depois, uma reportagem aquando do seu regresso: "Fim de um pesadelo: sãos e salvos regressaram a Portugal todos os militares prisioneiros em Timor"... Estes nossos camaradas terão sido mesmo os últimos soldados do Império a regressar a casa, numa altura em que, em Portugal, ainda era escasso o conhecimento sobre o processo de descolonização de Timor. A Força Aérea foi buscá-los a Bali.
O IN neste caso era a Indonésia... Estes nossos camaradas estiveram detidos, a maior parte do tempo em condições infames, sem respeito pela Convenção de Genebra, um mês em Timor Leste e 10 meses na parte ocidental de Timor, indonésia, em Atapupo e, depois, também, em Atambua, no último mês...
Timor ocidental, outrora colónia holandesa, é ainda de má memória para os portugueses e timorenses, vítimas da invasão e ocupação dos japoneses em 1942/45: foi de Atambua que vieram as criminosas "colunas negras", armadas e alimentadas pelos ocupantes, e que espalharam o terror pelo território português) (*)... O militar mais graduado, deste grupo de 23 prisioneiros, era então o major inf 'cmd' António Ivo do Nascimento Viçoso, falecido com o posto de coronel na situação de reforma: em 1999, "23 anos depois", deu um entrevista ao "Público" onde falou deste duros tempos de cativeiro, e do tratamento frio, calculista, cínico, desonroso, que lhes foi dado pelos indonésios...
1. Estes documentos (que reproduzimos acima, com a devida vénia) estão disponíveis na Ephemera - Biblioteca e Arquivo de José Pacheo Pereira, a quem temos de tirar o quico, o chapéu, a boina, o barrete, o boné... por se ter tornado, não o maior "almeida" do mundo, mas seguramente o melhor: "recolhe o lixo de hoje" que nos falta para alimentar a nossa memória...
E não faz distinção entre o "lixo" de 1ª classe ou de 2ª classe, dos ricos e poderosos, ou dos fracos e pobres, das maiorias ou minorias, dos de esquerda ou de direita, de Deus ou do Diabo, dos santos e pecadores...
Estamos a falar do o "lixo" que a maior parte de nós deita fora... Ou que os nossos herdeiros consideram "lixo", quando batemos a bota... No nosso caso, de antigos combatentes na Guiné (1961/74) coisas como brasões, guiões, crachás das nossas antigas subunidades; diários, cartas, aerogramas, cartazes, fotografias, recortes de jornal; objetos pessoais ou de guerra, que trouxemos daquele território; documentos militares ou do PAIGC, etc., etc.
Porque não há conhecimento sem informação nem informação sem dados... O "lixo" de hoje, depois de tratado, é "conhecimento" amanhã. Esse, é resto, também a missão do nosso blogue, que foi criado com o propósito de "não deixarmos que sejam os outros a contar (ou a ignorar, escamotear, esquecer) as nossas histórias", que são afinal os nossos pequenos rios da memória que vão confluir para o grande rio da História...
Como a Ephemera escreve, com piada, no seu sítio, "Se o Diabo publicar panfletos vamos ao Inferno recolhê-los"... Aliás, e como diz o nosso povo (que gosta de blasfemar), "tão bom é Deus como o Diabo".
3. Com a devida vénia a esta fantástica e generosa equipa de voluntários que faz o Arquivo Ephemera, reproduzimos o seguinte nota que o José Pacheco Pereira escreveu, em 10/6/2018, sobre a documentação que lhe chegou às mãos, e que ainda está por tratar, relativa aos 23 militares portugueses prisioneiros na Indonésia, em 1975 e 1976 (quase um ano):
(...) Agradeço a Luís Manuel Barata de Carvalho (um dos 23 prisioneiros) e a José Mendes Lopes (então militar em Timor) a oferta do acervo recolhido por Palma Carlos que inclui a mais completa documentação sobre o que aconteceu aos soldados portugueses feitos prisioneiros quando da invasão indonésia.
"O acervo inclui um vasto número de fotografias sobre o quotidiano em Bobonaro onde estavam aquartelados antes da invasão, e depois em Batugadé onde estavam detidos e nos diferentes locais de detenção. Entre a documentação inclui-se correspondência pessoal e oficial, todo o processo da sua libertação, e a posterior recepção, homenagens e regularização dos seus direitos militares e civis.
"Foi um processo complexo, a que não faltou muita conflitualidade política e bastante acrimónia, mas sem o compreender e estudar não é possível analisar o processo de descolonização de Timor. (...)