Logo de manhã, acompanhados do chefe da aldeia, o amigo Laurindo, fizemos um pequeno passeio a pé até à casa do chefe da aldeia, uma pessoa calma, com postura física que invejo, e com uma presença tranquilizante. Recebidos no terraço com o café da manhã, ali se foi juntando um pequeno grupo dos que iam passando. Entre eles o secretário do chefe da aldeia que, imaginem só, tem de ordenado sete dólares por mês.
Fiquei impressionado com esta disparidade salarial, sem saber o que pensar e o que dizer. Consolou-me ao menos o saber que o nome das plantas envasadas que vão ser levadas para ornamento da escola no dia da inauguração se chamam “ondas de amor”.
Logo ali ao lado, do lado esquerdo de quem desce, em terreno que estávamos pisando, fui informado que toda a paisagem que avistávamos foi o campo de batalha na invasão indonésia. E um dos presentes, guerrilheiro de então, indicava com precisão os lugares dos combates. Sentimos fortes emoções mas ao mesmo tempo uns privilegiados ao partilharem connosco estas vivências.
Rituais
Ao princípio da tarde eu e o Gaspar fomos alertados de que os “anciãos” iriam fazer um ritual da cultura timorense, e que gostariam que nós também participássemos. Trata-se de expurgar as forças negativas e de pedir a proteção dos antepassados para a nossa escola.
Claro que acedemos de imediato, até porque no dia da inauguração haverá uma
cerimónia de rito cristão: celebração da missa.
À hora indicada, lá estávamos nós na casa do sr. Bôzé, em sítio reservado para tal: o Gaspar, eu, Bôzé, mais três anciãos. Não entendi nada das preces que foram feitas, mas segui à risca o que me era pedido, com muito respeito e alguma ansiedade.
Depois do ritual cumprido saímos deste local de culto em direção à escola. Aí chegados assistimos ao segundo ritual que consiste em juntar uma amostra de cada material empregue na construção da escola (um pedaço de zinco, uma mão cheia de cimento, um bocado de madeira, etc.). Ao lado estão folhas de betel, umas moedas e uma nota, uma pinga de água e uma galinha. Trata-se de saber o futuro desta escola.
Depois de umas quantas rezas feitas pelos anciãos, foi morta uma galinha e foram-lhe extraídas as entranhas para, através da sua análise, conhecer o futuro desta escola.
Depois de nos informarem de que é um futuro promissor, e depois de examinarem o fígado da defunta, mostram-nos os seus contornos e afirmam sem hesitar “ está aqui a dizer que ainda vão construir mais escolas”.
Fiquei perplexo pois eles, sem qualquer fonte de informação sobre os projetos da ASTIL (a nossa associação) vêm de encontro ao nosso desejo de construção de mais duas escolas em zonas carenciadas, na diocese de Baucau e na diocese de Dili.
Acreditemos ou não, estamos muito gratos a estes anciãos que de esta forma nos
quiseram transmitir os seus valores culturais. Por isso também o nosso respeito e consideração. Obrigado pelo vosso empenhamento e sobretudo pela vossa amizade.
Estamos convosco!...
Timor Leste > Liquiçá > Manati > Boebau > 2024 > A Escola de
São Francisco de Assis (ESFA) , foi inaugurada em 19 de março de 2018...
Foto (e legenda): © Rui Chamusco (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
19.03.2018, domingo - Dia da
Inauguração
Um dia já passado depois da inauguração da Escola de São Francisco em Boebau, e depois de retemperadas as forças físicas, cá estamos para vos darmos as notícias ossíveis.
Antes de mais queremos agradecer todas as mensagens de congratulação pelo evento. Gostaríamos de agradecer pessoalmente, mas compreendam que nos é quase impossível.
Este dia memorável para todos nós, e particularmente para as gentes de Boebao/Manati, foi vivido com muita intensidade, quase até ao limite das nossas forças físicas. Eu não sei como foi possível, em terras de montanha, tanta resistência durante quatro dias. Sei que a proteção divina nos acompanha e disso temos provas concretas; sei que São Francisco de Assis e a Senhora de Fátima estão connosco; sei que o apoio dos amigos e amigas do Projeto de Solidariedade nos dá muita força, mas sem a “mãozinha de Deus” nada seria possível e teríamos sucumbido.
A presença física de entidades importantes:
- o Embaixador de Portugal em Timor,
- o Representante da Santa Sé em Timor,
- o Diretor Regional da Educação,
- o Diretor da Escola Rui Cinati em Dili,
- a representante da Fundação Oriente,
- o gerente e sub gerente da Caixa Geral de Depósitos /BNU,
- o Chefe de Polícia do Posto de Liquiçá,
- o chefe de suco de Leotalá,
- os chefes de aldeia de Manati e de Boebau,
- a reportagem televisiva da RTTL
- e mais presenças que não consigo identificar foram para nós uma honra e um estímulo muito grande.
Fomos alvos de elogios não merecidos, que muito agradecemos, e aos quais eu respondo sempre com a frase de São Francisco que, já no final da sua
vida nesta terra, juntou os irmãos e lhes disse: “Irmãos, comecemos porque até agora pouco ou nada fizemos”.
Apraz-me relatar o entusiasmo, a participação, a colaboração de toda esta gente que tudo fez para que este dia fosse uma grande festa, com música, artes decorativas, rituais e cerimónias religiosas e pagãs que muito nos sensibilizaram. Este povo é muito agradecido. E ouvir o nosso nome sempre que encontramos alguém, sobretudo crianças, “Bom dia Tiu Rui, Bom dia Paicasa (é o Gaspar), Bom dia Painino (é o Eustáquio ou João Moniz) sabe melhor do que qualquer agradecimento.
A escola foi inaugurada, e toda a gente se pergunta: E agora, como vai ser? Quem vai garantir o seu funcionamento? Para tranquilidade de todos queremos informar que hoje já começaram as atividades. Ontem mesmo, celebramos um acordo com a professora Rita para dar aulas na nossa escola. Mais ainda informamos, que logo alguém se ofereceu para pagar o seu ordenado até Dezembro, final do ano letivo em Timor Leste.
Entretanto, enquanto por cá estivermos, eu e o Gaspar assumimos o compromisso de periodicamente ir até Boebau para darmos cursos intensivos de Português e de Música. Estas são duas disciplinas de referência na nossa escola que já estão a cativar crianças e adultos até de outras localidades.
A outro nível, estamos a angariar apoios junto das entidades competentes,
nomeadamente no Ministério da Educação e na Embaixada de Portugal, para angariar professores e apoios económicos em ordem ao começo do novo ano letivo, de modo a começar a desenvolver o currículo do Ministério da Educação. A Luta não para, continua...
Nas últimas palavras que publicamente proferi, disse:
(...) "A escola de São Francisco de Assis está inaugurada. Esta escola não é minha, nem do Gaspar, nem do João Crisóstomo, nem da Astil. Esta escola é vossa, das vossas crianças, do povo de Boebau/Manati. Cuidai bem dela, como um presente caído do céu, e que seja o local de aprendizagens e conhecimentos para vós e os vossos filhos, que vos permitam ser
melhores”. (...)
Este é o nosso grande desejo!...
Algumas fotografias documentam momentos do dia da inauguração. Compreendam que, por estas vias de comunicação não nos seja permitido partilhar todo o dossier existente. A quem o desejar daremos mais pormenores.
Obrigado mais uma vez por estarem connosco neste projeto de solidariedade. Esperamos que, tal como nós, sintam alegria e orgulho de termos sido escolhidos por Deus para cumprir esta honrosa missão. Desde Timor, um grande abraço para todos, e que Deus nos abençoe!..