segunda-feira, 7 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3028: Eu, o Jorge Cabral, o António Graça de Abreu e... o Levezinho, no velho/novo Maxime, com os Melech Mechaya (Luís Graça)

Lisboa > Maxime > 5 de Julho de 2008 > Concerto dos Melech Mechaya > Aspecto do palco e de parte da assistência, calculada em cerca de 300 centenas. Foi um noite de grande festa. Os Melech Mechaya tocaram e encantaram, era a opinião (unânime) dos espectadores de todas as idades e condições.

Lisboa > Maxime > 5 de Julho de 2008 > Um aspecto geral da mítica sala do Maxime, agora sob a direcção artística de Manuel João Vieira, ex-vocalista dos Ena Pá 2000 e Irmãos Catita...

Lisboa > Maxime > 5 de Julho de 2008 > Concerto dos Melech Mechaya > A geração pós-colonial: o Nuno Levezinho, com a esposa, Cidália, e a amiga comum Marisa Jamaica (ao centro).

O Nuno Levezinho, filho do meu grande amigo e camarada Tony Levezinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), fez questão de me dizer que estava ali em representação do pai, e que o fazia com muito gosto e prazer.

O Nuno (que é a cara chapada do pai e que eu já não via há uns largos anos, e que é um gentleman como o pai) disse-me que aproveitava também para conhecer o velho/novo Maxime. E, para mais, adorava este tipo de música [, klezmer]. Na foto, acima, com a esposa, à esquerda ("a minha querida Cid"). Entre o casal, uma amiga comum, a Marisa Jamaica.


Na foto, à esquerda, o nosso Tony Levezinho, que vive hoje no seu pacato retiro, em Sagres, no Algarve, sempre à espera dos Amigos & Camaradas. António Eugénio da Silva Levezinho, o nosso Tony, o melhor de todos nós... Era/é um homem afável, amigo do seu amigo e, além disso, optimista por natureza: imaginem que se decidiu casar, com a Isabel, em 1970, a meio da comissão, aproveitando as suas férias na metrópole... Não sei se fez seguro de vida...


O Nuno mandou-me, entretanto, o seguinte mail, com as impressões do espectáculo:

"Olá, Luís. Obrigado pelo serão maravilhoso que nos proporcionaste. Foi muito giro rever amigos e memórias da minha infância, pena não ter podido cumprimentar e congratular o João. Os Melech arrasaram, trouxemos um CD, que vou mandar para o meu papá. Da próxima vamos mesmo querer autógrafos. Partilho, convosco, os vídeos que captei com o telemóvel:
http://www.steekr.com/n/50-2/share/LNK76184870aa21ebf3e/

A nossa amiga Marisa publicou também, no blogue dela, um post sobre o concerto: Butterflies & Elfs > Sunday, July 06, 2008 > Amanhecer com os Melech Mechaya

Abraço
Nuno Levezinho



Lisboa >Maxime > 5 de Julho de 2008 > Dois tertulianos que partilharam comigo o espectáculo dos Melech Mechaya, o António Graça de Abreu e o Jorge Cabral. O António também tem um filho, de 15 anos, que já toca numa banda... O filho do Jorge que é jurista, assessor no Ministério da Justiça (se não me engano), e que esteve recentemente em missão oficial na Guiné-Bissau, nos seus tempos de adolescência, também teve a sua banda... É seguramente uma geração, a dos nossos filhos, mais festiva (ou com mais queda para a música) do que a nossa, que nem sequer teve direito a adolescência...

Lisboa > Maxime > 5 de Julho de 2008 > Concerto dos Melech Mechaya > O Jorge Cabral e o Luís Graça que vieram matar saudades do velho Maxime dos primeiros anos da década de 70) e o António Graça de Abreu, que é nortenho, natural do Porto, e que fez questão de vir de Cascais assistir ao concerto dos Melech Mechaya...

A reunião da tertúlia fez-se cá fora, já que lá dentro os décibéis não permitiam grandes conversas bloguísticas... Com o Nuno, em representação do pai, Tony, pode dizer-se que a nossa minitertúlia teve um número mínimo, se não em quantidade (n=4), pelo menos em qualidade, para se reunir... Como não havia deliberações a tomar, ninguém irá questionar a legitimidade da reunião... Mesmo em sítio impróprio (ou menos próprio), dirão alguns, mais puritanos...

À última hora, os reforços que eram esperados de Matosinhos (A. Marques Lopes, António Pimentel e João Rocha) falharam... Não é caso para dramatizar e criar agora uma nova expressão: por analogia com os Amigos de Peniche, chamar-lhes Amigos de Matosinhos... Eu próprio fiz questão de, sabia e amigavelmente, os dispensar: a camaradagem não é para se usar e abusar... Temos que poupar munições e... combustível para as muitas outras batalhas que se avizinham...

Uns dias antes, a 2 de Julho, o A. Marques Lopes mandaram-me um mail telegráfico: "Luís: Não podia ser se eu não estaria no Maxime!!... Morei na Calçada da Patriarcal (onde moraram o meu pai e minha mãe, que já morreram...), acima das Escadinhas da Mãe d'Água, antes do Píncipe Real. Recordações... antes de ir para a guerra, lá, houve um gajo que me disse 'coitado, pega lá esta cautela'. E a cautela deu-me 2500$00. Era dinheiro na altura... Eu e o Pimentel vamos lá estar. Talvez o Rocha também. Abraço. A. Marques Lopes"...

O Pimentel no próprio dia veio dizer-me: "É uma pena, mas desta vez não deu. Não faltarão oportunidades. Por aí vai correr tudo bem , estou certo. Um abraço a todos"...

Fiz questão de responder aos nossos amigos da minitertúlia de Matosinhos (mini, é favor, que eles já são a maior ou um das maiores tertúlias de ex-combatentes da Guiné, com mesa maracad topdas as quartas feiras, ao almoço, na Casa Teresa): "António: Aprecio o teu gesto, na mesma. É tarde (23h) e longe (Lisboa). Haveremos de um dia reservar o Maxime só para nós... Eles fazem festas... privadas... E não deve ser muito caro... Era um ícone da noite no nosso tempo... Ainda agora o Jorge Cabral acaba de evocar estes tempos em que chegávamos aqui, a Lisboa, com um sentimento de orfandade e ao mesmo tempo uma experiência fantástica de camaradagem e fraternidade (2)... Um abraço para ti e toda a malta da minitertúlia de Matosinhos, e em especial para o Pimentel e o Rocha. Luís

"PS - Não tenho o mail do João Rocha"...


Muitos outros camaradas mostraram o seu interesse em aparecer mas, por razões de agenda, não lhes seria possível estar, sábado à noite, dia 5, às 23h, no Maxime, com muita pena deles... A todos eles, o meu grande Alfa Bravo (abraço). Cito de cor alguns deles, aqui ainda não referidos: Fernando Chapouto, Valentim Oliveira, Hélder Sousa, Luís Moreira... É também para eles que aqui deixo uma pequena amostra, em fotografia e vídeo, da nossa festa (que foi sobretudo da malta nova, mas também de alguns cotas como nós)...





Lisboa > Maxime > 5 de Julho de 2008 > Um dos temas do concerto dos Melech Mechaya... Tocado ao vivo...

Vídeo (3' 34''): ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes


Maxime: Não vem (mas devia vir) como entrada no Dicionário de História de Lisboa ( ed., lit. Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Carlos Quintas & Associados – Consultores Lda, 1994, 992 pp.). É uma instituição. Da cidade. De Lisboa. Uma instituição alfacinha. Não se poderá fazer a história da cidade e da vida nocturna da cidade sem uma referência (central) ao Maxime. Royal Maxime. O Sempre em Festa. Foi em tempos o Cabaré Português, por excelência. E de luxo. Só as carteiras grossas da elite económica, social e política do Estado Novo, mas também novos ricos do volfrâmio, os espiões alemães e ingleses, etc., lá podiam entrar...

E mais: não se poderá fazer a história da guerra colonial, ou pelo menos a sua petite histoire, sem uma referência ao velho Maxime, já da decadência, ao bar de alterne, ao uísque marado, aos espectáculos de strip-tease, ao proxenetismo, à prostituição, à noite triste dos anos terminais do Estado Novo…

Com quase 70 anos, foi em pleno Estado Novo, em plena segunda mundial e até ao final dos anos 50, o mais famoso cabaré português, Royal Maxime, intimamente ligado ao Parque Mayer. Era um cabaré de luxo, por onde passaram artistas de renome, nacional e internacional.

Sei pouco da sua história, fui cliente ocasional, como muitos outros camaradas que naufragavam em Lisboa, vindos da Guiné, despejados pelos Niassa e os Uíge e, mais tarde, pelos TAM… Ainda o frequentei por alguns tempos, enquanto durou a garrafa de uísque marado que lá cheguei a ter, a seguir ao meu regresso da Guiné, em Março de 1971. Sei que paguei os olhos da cara, o equivalente a uma entrada sazonal… Foi um primo do Tony que me guiou na noite de Lisboa... Um guia de 1ª classe... Mas o ambiente cedo me deprimiu, e nunca lá mais voltei (ao Maxime). Creio que foi nessa época que lhe veio a má fama, e a triste alcunha de “cabaré das putas” mas também de “sempre em festa”…

Recordo-me de ter passado, na Praça da Alegria, mais tarde, em 1973, com umas amigas francesas e fui deparar com um proxeneta da minha terra, que tinha sido alferes miliciano nos comandos em Angola:
- Tu, aqui ?! – disparámos, ao mesmo tempo um para o outro.

E olhando para as minhas amigas francesas, soixante-huitardes, reprovou-me a escolha do lugar, com ar de entendido na noite de Lisboa, a da má vida:
- Não, não é lugar para turistas…

Não sei que lhe aconteceu, ao velho Maxime, depois do 25 de Abril… Mais recentemente Manuel João Vieira, ex-vocalista dos Ena Pá 2000 e Irmãos Catita, tomou conta da casa e, como alguém já escreveu, devolveu a alegria à Praça da Alegria.

Lisboa > Maxime > 5 de Julho de 2008 > Concerto dos Melech Mechaya e lançamento oficial do seu primeiro EP. O João, violinista da banda e finalista do curso de violino da Escola de Música do Conservatório Nacional, com o seu professor de violino, José Sá Machado. O João ficou muito sensibilizado e emocionado com o gesto do seu professor, que o tem acompanha do desde o 1º ao 8º ano do Curso de Violino.

Na pessoa do Prof José Sá Machado faço também aqui uma homenagem à
Escola de Música do Conservatório Nacioanal e ao seu histórico (e insubstituível) papel na democratização do ensino especializado da música. Esta escola (pública, cuja origem remonta a 1834) esteve em sérios riscos de desaparecer, com a reforma proposta pelo actual Ministério da Educação, ao tentar extinguir o ensino especializado da música no 1º ciclo bem como o regime de frequência supletivo. As escolas públicas de música (vulgo Conservatórios) ficaram assim impedidas de dar aulas ao 1º ciclo (os chamados cursos de iniciação). Por seu turno, os jovens que querem seguir outros cursos que não a música, ficariam impedidos de ter também uma boa formação musical. Como é o caso do João, hoje finalista do Curso de Medicina, a par do Curso de Violino, e que quer ser médico, e não violionista profissional.

Já foram recolhidas cerca de 20 mil assinaturas contra este despacho ministerial aavés de uma petição em linha ("on line"), de alunos, professores, encarregados de educação e amigos dos Conservatórios, contra o anunciado fim do ensino especializado da música em Portugal.

Os membros do Melech Mechaya conheceram-se no ou através do Conservatório. Esta, como muitas outras bandas, não seria possível sem o ensino público especializado da música.


Fotos: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Voltei lá onte, dia 5, para assitir ao espectáculo dos Melech Mechaya, banda de que faz parte o meu filho João, finalista de medicina, e que toca violino… O concerto pretendia também assinalar o lançamento oficial do seu primeiro EP.

O último espectáculo do grupo a que eu assistira fora no Porto, na Contagiarte, em Dezembro passado, se não me engano. Gosto do grupo, independentemente das minhas afinidades afectivas: é um grupo de jovens músicos, amadores, com a formação musical do Conservatório, que está como peixe dentro de água, nos espectáculos ao vivo, já que consegue contagiar o público com a sua alegria, o seu ritmo, a sua criatividade e a sua capacidade de improvisação....

No blogue da produtora de espectáculos Smog, pode ler-se o seguinte sobre os Melech Mechaya:

"Que se saiba nenhum dos almadenses Melech Mechaya (*) é judeu, mas isso também não interessa nada (não é preciso ser jamaicano para fazer reggae ou de Liverpool para se fazer música influenciada pelos Beatles): a verdade é que o grupo toca klezmer e que o toca muitíssimo bem!! Eles ao vivo são uma maravilha e neste EP de estreia, com cinco temas, está apenas uma amostra daquilo que eles são: festivos, inventivos, dançantes, por vezes doidos varridos, a irem à música dos judeus do centro e norte europeu como se esta fosse a coisa mais natural para quem vive na margem sul do Tejo.

"Em três temas originais do grupo - Noite Tribal, Zemerl Biffs e Fresta Fresca - e duas versões - Bulgar de Odessa (Ucrânia) e Miserlou (o tema grego que Dick Dale popularizou) -, o quinteto passa pelo klezmer e por alusões a outras músicas suas irmãs, da música árabe à música cigana dos Balcãs, com uma facilidade e uma alegria contagiantes. Não é tão bom ouvir o EP quanto é vê-los ao vivo, mas já é uma aproximação" (...).

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(*) Há um pequena imprecisão: A Banda ensaia em Almada, mas nem todos os membros da Banda são originários de (ou residentes em) na Outra Banda (margem sul ou esquerda do Rio Tejo, que inclui os concelhos de Almada, Seixal, Barreiro, Moita, Montijo e Alcochete): O João Graça, por exemplo, mora em Alfragide, Amadora. Ainda com os pais... Para saber mais sobre os Melech Mechaya, clicar aqui. (LG)

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Notas de L.G.:

1) Vd. poste de 30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3005: Minitertúlia de Lisboa, sábado, 5 de Julho, às 23h, no Cabaret Maxime (1) (L. Graça / H. Reis / Pepito /T. Mendonça / J. Machado)

(2) Vd. poste de 5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

domingo, 6 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3027: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (37): Com baixa psiquiátrica, no Hospital Militar de Bissau

"Encontrei esta fotografia num Boletim Cultural da Guiné Portuguesa de 1972. Lembrei-me logo dos meninos de Missirá educados por Lânsana Soncó,lembrei-me das tábuas com os versículos do Corão que se podiam comprar ao pé de Fá Mandinga.Em Missirá e Finete tínhamos acordado que estas aulas eram complementares às do professor da primária,foi assim que os meninos tinham uma boa parte do dia preenchido"(BS).


"Os caramôs eram muito influentes no chão fula havia escolas onde se reuniam e preparavam,caso da região de Contuboel e Sonaco.Gosto muito de fotografias em estúdio, libertam a majestade do visado,a objectiva não esconde a artificialidade da atmosfera dos cenários,faz avultar o personagem, dá-lhe o corpo inteiro.Continuo a não encontrar relatos sobre as relações entre o PAIGC e as autoridades religiosas durante a guerra.Ora, eram os caramôs quem mais viajava entre a Guiné e as escolas do Senegal e Conakry...à atenção dos histotiadores" (BS).



"O que mais surpreende quando vejo bailado moderno é a herança das encenações africanas e asíáticas.No caso dos mandingas, tudo começa com uma relativa lentidão, como que para aclimatar o espectador, que participa directamente, aplaudindo e intervindo no coro.Depois,a roupagem enche o olho,toma conta dos sentidos,quando a batucada entra no frenesim, dá-se a fusão como no espectáculo total" (BS).

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 26 de Março de 2008 (Texto revisto):


Luís, Espero que tenhas vindo retemperado das férias pascalianas. Vou descansar entre sábado e 10 de Abril, antes porém pretendo fazer o segundo e último episódio na neuropsiquitria em Bissau. Depois vou distanciar-me, os últimos meses em Bambadinca não foram fáceis, sou um militar dividido, irremediavelmente dividido pelos sonhos em retomar uma nova convivência familiar e os estudos, e o sentido do dever em prol dos meus soldados, que eu tanto apreciava. Um desconforto que virá comigo até Lisboa. Já aí tens algumas imagens do HM 241, vou enviar os livros do Baptista-Bastos e do Raymond Chandler. Recebe o abraço do Mário.



Operação Macaréu à vista > Episódio XXXVII > NA NEUROPSIQUIATRIA DO HM 241
por Beja Santos (1)



(i) Arrumações no caderninho viajante, alguma correspondência


Enquanto a Cristina estuda e lê nos lugares mais frescos nas horas acaloradas, procuro pôr alguma ordem nas notas amontoadas, quer pelas leituras dos livros emprestados por D. Violete quer pelas citações retiradas das leituras feitas no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

O caderninho viajante vai engordando, já penso em comprar outro, este está como se fosse uma lista telefónica das mais repolhudas, escrevo a definição de caramô, mais adiante refiro a obra “Contos do caramô, lendas e fábulas mandingas da Guiné Portuguesa”, de Viriato Augusto Tadeu, Agência Geral das Colónias, de 1945.

Tomo igualmente nota do seguinte: “Os caramôs, os agentes religiosos, vinham da Gâmbia e do Casamansa. Os do Futa Jalon só intervieram com maior constância depois da conquista do Gabu, em 1874. Os caramôs instalaram-se em Jabicunda (regulado de Gussará) e em Bijine (regulado de Badora)”. Numa nota ao lado, escrevo: perguntar o que é Chapa Bissau, quais os bairros do Cupelom, o que é o Bandim Alto.

Depois continuo, registando alguns apontamentos extraídos de um texto assinado por Aleixo Justiniano Sócrates da Costa, facultativo do ultramar, publicado em 1885 no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, assim: “São majestosos os temporais na Guiné. São medonhas aquelas convulsões da natureza, que, ali, grande em tudo, até nos horrores da tempestade, patenteia o seu imenso vigor e se expande em toda a sua altiva e orgulhosa beleza… Nuvens de densa negrura, ou de cor acobreada, reverberando baços e fulvos clarões, vão-se acastelando entre N e SE, correndo em direcção contínua ao vento que sibila o horrísono. Súbito, medonho ribombo anuncia que o trovão rompe a batalha. É o clarim da tempestade. Para logo os relâmpagos sulcarem ininterruptos a tenebrosa densidade do caos, e o eco medonho dos trovões, percutindo o espaço um após outro, abala a natureza inteira em tremenda convulsão”.
Guardei estas notas pela sua pujança romântica e pelo cromatismo sonoro da descrição. E o Dr. Sócrates da Costa surpreendeu-me também nas suas conclusões do que viu e viveu na Guiné: “Bem aproveitada, a Guiné pode tornar-se para nós um segundo Brasil: porque em nenhuma parte temos tanta facilidade de nos estendermos em território e domínio como ali. A Guiné é a chave de oiro que nos abre as portas do continente africano”.

O Dr. Sócrates da Costa, convém reconhecer, não tinha ilusões sobre o clima brutal da região e apelava para que o estabelecimento de colónias penitenciárias fosse transferido para a África Oriental, já que Cabo Verde e Guiné eram reconhecidamente insalubres para acolherem degradados, uma grande parte da sua população.

Do Dr. Sócrates da Costa passei para o registo de korá, que ouvira em Bambadinca, lembrava-me uma harpa eólica pela melodia obtida, e então escrevi o que retirara de uma monografia de António Carreira: “Instrumento com caixa de ressonância constituída por metade de um cabaço grande, coberto de pele de cabra, bem seca e esticada. Uma haste encaixada no cabaço, serve de braço. Ao longo dele estendem-se cordas de nylon que são alteadas por um cavalete de madeira, colocado na caixa de ressonância. Com korás, os jograis mandingas executam números de música de alto valor compositivo - música melodiosa, bonita e habilmente tocada”. Acrescento uma outra nota ao lado da página : “Perguntar ao comandante Teixeira da Mota onde ficava a Sociedade Agrícola do Gambiel. Apurar se o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa possui os Anais do Club Militar Naval referentes a 1909”.

Leio e respondo depois ao Pires, enviara-me um aerograma com data de 23 de Abril. A notícia mais importante era de que a partir do passado dia 15 fora suspensa toda actividade operacional de natureza ofensiva na Guiné, o comando em Bambadinca, em alternativa, ordenara patrulhas de contacto junto das tabancas do sector, o Pel Caç Nat 52, bem como a CCaç 12, desdobrava-se pelas tabancas em autodefesa, sobretudo em Badora, Joladu e Xime.

O Pires não sabia o que é que se estava a passar com o termo dos patrulhamentos ofensivos, falava-me de dias passados em Demba Taco, Amedalai, Sansacuta ou Bricama. A seguir, e sem nenhuma explicação por parte dos nossos comandos, a guerra recomeçara e intensificara-se não com grandes flagelações ou emboscadas mortíferas, mas com minas e roubos junto das populações.

A outra notícia prendia-se com a previsível partida de alguns dos nossos soldados e a chegada de outros. Era assim a rotina: umas vezes havia emboscada na missão do sono do Bambadincazinho, outras vezes eram as patrulhas nos Nhabijões ou em Samba Silate. O Pires referia ser igualmente previsível a partida das companhias sediadas no sector L1, havia a informação da chegada de um novo batalhão lá para finais de Maio.

Na resposta, informei-o que dentro de dias iria para o hospital, coisa de pouca monta, esperava regressar a Bambadinca em meados de Maio, tinha assumido o compromisso de dar aulas aos soldados básicos da CCS, interrogava-me agora se teria sentido tal tarefa com a tropa em vias de partir. Falei-lhe das cerimónias do meu casamento e do batuque organizado por Cherno.

Noutra correspondência, informei o comandante Teixeira da Mota de que se falava de um revés político muito grande com o massacre de vários oficiais na região de Canchungo. Dava-lhe igualmente a informação do que se estava a passar no sector de Bambadinca, encontrara oficiais de Bafatá e Nova Lamego que referiam o recrudescimento da guerra em todo o Leste, o PAIGC estava dotado de moderno equipamento, controlava cada vez mais território, nós víamos em Bambadinca que o PAIGC não se atemorizava com os patrulhamentos que fazíamos no Geba. Aliás, estavam intensificados os ataques às embarcações em Ponta Varela, procurava-se minar o moral dos transportadores que se afoitavam no Geba estreito. Escrevi igualmente à minha Mãe e a Ruy Cinatti, mas a ambos omiti que iria ser internado na neuropsiquiatria, muito em breve.

(ii) A consulta e o internamento


Era um médico afável, tinha uma voz tranquila e um olhar meigo. Leu atentamente o diagnóstico do David Payne, para o fim tinha o sobrolho carregado, explicou-me que com base naquela informação eu dava sinais de um grande desgaste, que o quadro de insónias podia descambar numa desordem grave, à cautela seria internado durante uns tempos, com os tranquilizantes ou ansiolíticos em breve poderia voltar retemperado para a guerra. “Não se apoquente, é compreensível que com a enorme pressão com que tem vivido dê sinais de depressão e nervosismo. Vai repousar muito, procure não dar atenção às doenças dos outros. Entra amanhã de manhã na enfermaria, dentro de três, quatro dias voltaremos a conversar”.

Mesmo ciente da situação, a Cristina não escondeu que se sentia penalizada, achava um preço demasiado alto para este casamento. Prometeu ir visitar-me regularmente, confiava que o prazo de uma semana iria ser cumprido. E começou a falar no seu regresso, nos exames, na procura de casa, na nova vida que nos aguardava. Estava triste mas confiante.

Apresentei-me no HM 241, deram-me um pijama e alguém conduziu-me até ao primeiro cabo Morais, certamente o zelador daquele serviço. Dias mais tarde, dir-me-á à queima-roupa: “Sou maqueiro por acidente, do que gosto de fazer é proteger algumas meninas coristas do Parque Mayer”. Logo me apercebi que tinha mudado de universo, ali a hierarquia tinha outro significado, o primeiro cabo Morais cuidava de gente muito frágil, falava sem hesitações, com voz sacudida, para que percebêssemos onde estava o poder, ali quem obedecia eram os doentes, gente com horas para levantar e deitar, tomar a pica no rabo, engolir comprimidos, deambular nas proximidades, tomar banho, almoçar, voltar aos comprimidos, ter uma hora para visitar os outros doentes, receber visitas, deitar ou escrever, jantar, ingurgitar mais comprimidos, a noite e o sono anunciam-se por uma luz de azul fosco.

Entrámos numa enfermaria de três camas, foi colocado na do meio e apresentado aos meus dois colegas, o capitão Oliveira, oficial de informações, e o furriel Alves, com a especialidade de sapador. Vale talvez a pena introduzir a atmosfera em que os três perturbados iriam viver.

O capitão Oliveira era licenciado em Filologia Germânica, professor algures no Norte, entre o Porto e o Minho, homem de gestos calmos, voz igualmente branda, com grande sentido da resignação, manifestamente culto. Feitas as apresentações, equacionámos os nossos padecimentos. O que levara o capitão Oliveira até ali? Vou tentar reconstituir a sua argumentação: “Oiça, eu creio que há aqui uma tramóia muito grande. Nada justifica este internamento, tal como foi feito até é vexatório, parece que eu sou maluco, não sei lá muito bem como é que vou ser olhado quando regressar à minha unidade, onde toda a gente me respeita. Um dia pedi uma evacuação Y, veio um helicóptero, asseguro-lhe que usei dos bons modos, atravessei a pista, vinha a guiar um jeep, entreguei um aerograma para pôr no correio em Bissau, sou filho único, às vezes esqueço-me de escrever ao fim do dia, a minha mãe é diabética e tem tensão elevada, não lhe quero provocar mais sofrimento. Você não pode imaginar o charivari que esta minha atitude provocou. O tenente aviador parecia possesso, exigiu falar ao comandante, chamou-me doido, nunca tinha visto uma coisa assim, como se um filho único não tivesse direito a uma fraqueza e quisesse que a sua santa mãe recebesse notícias a tempo e horas. O comandante parecia uma besta, gritava comigo e exigiu que eu fosse ao médico.

Disseram-me dias depois que desta vez o escândalo seria abafado, o médico, um gajo simpático, pediu-me mais autocontrolo, respondi-lhe que me sentia bem, em consciência voltaria a fazer o que tinha feito, como acabei por fazer. Para você ver o que é que a puta da guerra faz às pessoas, talvez uns quinze dias depois esqueci-me de novo de escrever à minha santa mãe, repeti a evacuação Y e expliquei que para além do aerograma eu precisava de mudar de ares, trabalhava a um ritmo vertiginoso, toda a gente me pedia papéis, eram relatórios de situação, eram documentos sobre a evolução da guerrilha, a preparação de operações, tudo caía sobre mim. Ainda hoje estou para entender a desumanidade deste internamento, só porque pedi duas evacuações Y porque tenho dificuldades emocionais e sou filho de uma mulher completamente só”.

Eu não sabia o que é que havia de responder ao capitão Oliveira, sentia agora que tinha entrado numa esfera mental diferente, não me passava pela cabeça que fosse possível pedir uma evacuação Y para mandar um aerograma, ainda por cima a história era repetida, dava largas à imaginação sobre o tipo de distúrbio que sofria o capitão Oliveira. E depois daquelas duas evacuações Y entendi que não devia agravar o irracional que submergia naquela enfermaria falando no expediente a que recorreram um médico e um comandante de batalhão para eu poder ter vindo a Bissau casar-me.

Voltando-me para o furriel Alves à espera de uma narrativa menos acabrunhante, fiquei a saber que há explosões que não deformam o corpo mas corroem o espírito. Lá para os lados de Farim, o furriel Alves recebeu a incumbência de desactivar umas granadas de morteiro, falou-me também de um fornilho, desceu da viatura e na picada accionou um sistema de várias minas anti-pessoais. Sentiu que tinha subido às nuvens, aterrou chamuscado, apalpou-se e o milagre estava à vista: nem um dedo ficara fracturado, é verdade que a partir daí entrara numa agitação, nada o repousava, a ânsia de falar era enorme.

Estava ele a contar-me todas estas manifestações quando o capitão Oliveira interrompeu à bruta: “Porra, oh Alves! Cale-se uns momentos, você fala pelos cotovelos, essas minas que você pisou entraram-lhe em qualquer ponto da cabeça, você fala sem descanso, está insuportável, não percebo que medicamentos é que lhe dão, cada dia está mais agitado, você é chato, endoideceu e quer endoidecer os outros”. Pareceu-me que o capitão tinha alguma razão. Eu já tinha vestido o pijama, o Alves falava-me com a cara em cima da minha, deu-me um encontrão no ombro, penso que ele queria fazer-me entrar na sua realidade para que eu compreendesse o seu corpo em turbilhão: “Olhe, alferes, a todo o momento seguro os meus dedos, procuro um espelho para ver se está tudo no sítio, obedeço ao médico, tomo os medicamentos todos, não percebo para quê, não paro de falar, não consigo dormir, o dia é todo igual, estou sempre desperto, não me sai da cabeça aquela explosão, já não sei se desmaiei ou se vivi um sonho, estou muito contente de não ter perdido nada, mas o que estou a viver agora lembra-me o que ouvia dizer as velhas lá da minha aldeia, parece que tenho o diabo no corpo, quero constantemente falar, quero companhia, tenho raiva a quem fecha os olhos depois de tomar os comprimidos. E quando esse cabo convencido que é um doutor, que não passa de um sacanão, entra aqui aos berros para dar a injecção no rabo só me apetece estrangulá-lo”.

Pela primeira vez na vida arrependi-me de ter vindo casar a Bissau sem ter previsto que me ia meter num internamento tão estranho, sabia o que era a insónia, a ansiedade, o abatimento, sentira os efeitos do Vesperax quando viera em Janeiro tratar-me em Bissau, tivera a alegria de um dia, em casa dos Payne, ter acordado com a sensação de que houvera uma grande vitória. Agora sentia-me afundado, incapaz de cooperar com dois seres mergulhados num pesadelo, com a mente obscura, e, como iria ver mais adiante, os dois em conflito e prontos para se atacarem. Não está longe o dia em que o Alves agrida o Oliveira com uma cadeira de plástico e o Oliveira ameace o Alves com uma faca romba.

Entrou o 1º cabo Morais e restabeleceu a ordem, tonitruante. Tomei a primeira injecção, mais comprimidos de Tryptizol 25, afundei-me na almofada, ainda vi chegar uma lavadeira que trazia roupa do capitão Oliveira, este sorriu-lhe e pediu com voz ciciante que tirasse a blusa pois queria massajar-lhe os seios. Adormeci com o Alves a imprecar, chamando-lhe obsceno e falso doente.

Vou acordar trôpego e vagante, demorei tempo a perceber onde estou mas bastou nova gritaria entre o Oliveira e o Alves para tudo ficar esclarecido. O pior veio depois, quando fomos para um pequeno refeitório onde comi o primeiro frango cozido, intragável, com couves e batatas, também intragáveis. Para minha surpresa, os meus colegas de quarto acalmaram-se e consegui ler. O primeiro cabo Morais entrou a meio da tarde para informar: “Amanhã vêm primeiro as senhoras do Movimento Nacional Feminino, uma hora depois as senhoras da Cruz Vermelha. Os três vão estar deitados, com o lençol para cima, as mãos fora da cama, bem esticadas. Livrem-se de atacar as senhoras!”.

O primeiro dia na neuropsiquitria do HM 241 prosseguiu com a hora da visita aos doentes, noutras enfermarias, noutros andares. Aprendi que os doentes se comparam, se perderam uma perna deploram aqueles que perderam duas, o mesmo se dirá de uma mão ou um olho. Durante uma hora os doentes que podem cirandar vêem chegar os helicópteros com os feridos, lançam interjeições, chegam a lacrimejar quando chegam feridos chamuscados, estropiados. O que estou a aprender é que se comparam perdas e danos, ver os outros a sofrer traz lenitivo para o próprio sofrimento. Outra coisa que aprendo é andarmos à procura de patrícios, gente da proximidade: “Olha, chegou gente que caiu numa emboscada em Binar, Pirada, Buruntuma... Está lá em cima um sargento de Catió que se queimou todo quando fazia fogo com o canhão sem recuo... Vamos ver aqueles dois soldados que vieram do bloco operatório, ficaram estilhaçados, da cabeça aos pés, numa emboscada de rockets, junto do rio, perto de Gadamael...”. Procuro abstrair-me, os comprimidos fazem o seu efeito, durmo profundamente. Vai ser assim durante oito dias completos.


(iii) De Baptista-Bastos a Raymond Chandler


No meio destas andanças, li o primeiro romance de Baptista-Bastos, “O Secreto Adeus”, da colecção Novos Romancistas, da Portugália Editora. Fui aterrar na redacção do conceituado jornal “Notícias da Manhã”, Álvaro Moreira fazia crítica cinematográfica, de onde é afastado por emitir opiniões que desagradam ao proprietário do cinema. É a redacção na sua plenitude, com as pequenas notícias, a necrologia, o desporto, o noticiário internacional, as querelas entre jornalistas conservadores e vanguardistas, a alteração dos costumes que se anuncia no dealbar dos anos 60.

"Eu lia o romance de estreia de Baptista-Bastos e questionava se o livro não tinha sido apreendido à saída da tipografia: uma redacção de jornal onde disputam nacionalistas, liberais, socialistas e comunistas; gente que lê obras impossíveis de encontrar nas livrarias,obras muito «avançadas«;descrição de relações de engate óbvio e fácil; uma redacção onde se entrecruzam todas as dificuldades do regime e da sua censura; obra incómoda e de desencanto,onde desponta,do imobilismo, uma burguesia que se vai revelar determinante na década seguinte, para os destinos de Portugal..Capa de João da Câmara Leme,Colecção Novos Romancistas, Portugália Editora,1963" (BS).


É provável que este romance seja autobiográfico, sabia que Baptista-Bastos era cinéfilo, já tinha lido os seus ensaios sobre cinema, ele é igualmente jornalista, trata-se necessariamente de uma obra arrojada, todos os seus colegas vão sentir-se aqui revistos nos personagens criados para esta redacção de “O Secreto Adeus”. Álvaro Moreira é um jovem que está a perder as ilusões nos ideais, na genuinidade na vida de relação, no que pode dar às mulheres, na mentira política, no jogo do rato e do gato com a censura. É esta a sua força, denunciar e escapar à repressão da censura, é este o secreto adeus ao desencanto de um tempo em que tudo parece imóvel e vamos crescendo.

"Nº135 da Colecção Vampiro,tradução de Ruth Belger, uma capa assombrosa de Lima de Freitas.Finalmente, leio de fio a pavio uma aventura de Philip Marlowe,é mentira que este detective da Califórnia seja brutal,ignaro,pistoleiro da série negra, pelo contrário investiga com elevado sentido prático,sabe ouvir,nunca desvaloriza a real complexidade dos casos,é directo na análise dedutiva.Aqui, trata-se de um desaparecimento que Marlowe descobrirá encobrir um crime que leva a outro.Chandler é um grande mestre,nunca mais irei largar a sua preciosa companhia" (BS).


É a primeira que leio uma obra integral de Raymond Chandler, um escritor do romance policial por acidente, um intelectual que recorreu ao detective Philip Marlowe para descobrir uma receita imaginativa de decifrar o mistério e o crime sem precisão de criar regras complexas para a resolução dos problemas. Escreve bem com regras simples, é uma narrativa na primeira pessoa cheia de economia, com elevado sentido da justiça, sem subserviências.

Desta feita, no romance A Dama do Lago, Marlowe é contratado por Derace Kingsley para desencantar a sua desaparecida esposa, a infiel e imprevisível Crystal, há um mês sem paradeiro. Marlowe contacta um antigo namorado de Crystal, é envolvido fortuitamente noutra história com um vizinho desse namorado, segue para o lago Puma onde vivera o casal Kingsley. Aqui conhece Bill Chess, também ele abandonado pela sua mulher, Muriel. O corpo de Muriel vai aparecer no lago, na autópsia descobre-se que fora assassinada. Contrariando as evidências, Marlowe segue a pista do antigo namorado de Crystal, este também vai aparecer assassinado.

No desfecho final, este detective pragmático e polido revela um criminoso enraivecido que se aproveitara de outro crime, com outros objectivos. “A Dama do Lago” tem muito pouco a ver com o romance policial problema de solução mirabolante, mas, manipula com mestria as grandes linhas de análise detectivesca. Percebo o sucesso de Marlowe e o prestígio de Chandler que escapa aos enredos rebuscados de Ellery Queen ou S.S. Van Dine.

E assim vou passar uma semana na neuropsiquitria do HM 241, aqui recebo as visitas da Cristina, assisto à crescente tensão entre o capitão Oliveira e o furriel Alves. O psiquiatra, sabe-se lá se astuciosamente, dar-me-á alta dizendo que estou recuperado, dos meus desgastes, o perigos tinha passado. O tragicómico de tudo isto é que me sinto mesmo retemperado, sou forçado a interrogar-me sobre as doenças da mente, como o estado de guerra as pode precipitar, como podemos superar a dor mental, enterrar o sofrimento, regressar àquilo a que chamamos normalidade. Um dia, sem nenhuma resposta quanto ao que fui fazer na neuropsiquiatria do HM 241, levo a minha mulher ao aeroporto e parto para a última etapa da guerra.
Última, dolorosa, inesquecível.

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Nota de L.G.


(1) Vd. poste de 27 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2990: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (36): Um memorável batuque, em Bissau, na Mãe de Água, em honra da Cristina

Guiné 63/74 - P3026: Convívios (69): Pessoal do BCAÇ 3832, no dia 31 de Maio de 2008 na Covilhã (Germano Santos/Belarmino Sardinha)

1. Mensagem de Germano Santos de 1 de Julho de 2008

Este nosso almoço realizou-se no passado dia 31 de Maio na Covilhã, no Restaurante do Turismo Rural de Santa Iria, no lugar da Senhora do Carmo.


BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73) cuja divisa era: Excelente e Valoroso


Foto 1> Chegada do pessoal ao Complexo do Turismo Rural


Foto 2> Entrada no Restaurante, com o ratas o Ex-Capitão Leal e outros


Foto 3> O Feliciano, o Conceição Mendes, etc.


Foto 4> O Abrantes, o Helder e outros


Foto 5> O Formiga, o Zé Manel, o Henrique, o Pratas, o Dionísio, etc.

Fotos e legendas: © Belarmino Sardinha e Germano Santos (2008). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Pede-se aos camaradas que queiram ver os Encontros/Convívios das suas Unidades publicados no Blogue, o favor de enviar no máximo 4 a 5 fotos devidamente legendadas e acompanhadas de um texto onde descrevam o evento. Acontecem sempre coisas engraçadas como por exemplo encontrar um camarada que não se via há muitos anos e um sem número de peripécias que dão significado a estes convívios.

sábado, 5 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

1. Mensagem de Jorge Cabral, que foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, autor da série Estórias Cabralianas (*)

Querido Amigo,vou fazer os possíveis para lá estar dia 5 [, no Maxime]. Sobre o meu Regresso já escrevi – estória 9, "Má chegada, pior partida"…, 19 de Abril de 2006. Volto porém ao tema e mais uma vez falo de mim… O Branquinho que tenha paciência, mas umbigo por umbigo, falamos sempre a partir do nosso.

Há tempos, mandei um apontamento que tu transformaste em estória, sobre a minha ida a Belel, no qual me interrogava sobre a razão de me terem mandado sem o Pelotão. Curiosamente, o Jaime Pereira, Ex-Alf Mil da CCaç 12, que alinhou nessa operação, e que pelos vistos não leu o meu relato, respondendo a uma dúvida, acabou por esclarecer, que fui como guia dos Páras (1). Guia eu? Mas o que é que não fui na Guiné?

Junto fotografia do Jovem Aspirante Cabral, com uma farda emprestada. Belo rapaz! Esteve em exposição na montra da casa onde foi tirada, mesmo defronte da Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas. Claro que fez sucesso e provocou paixões… Outras estórias que hei-de contar… um dia.
Abraço Grande
Jorge

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(1) Com autorização do Jaime, anexo o e-mail recebido (**)


2. UM PENOSO REGRESSO (***)
por Jorge Cabral

No princípio de Julho de 1971 o meu Pelotão [ o Pel Caç Nat 63,] foi substituído em Missirá, pelo 52, do Wahnon Reis. Eu ainda lá permaneci, mas foi então que se iniciou o meu Regresso. Estava ansioso? Alegre? Triste? Não sei. Apreensivo, sim! Conseguiria ressuscitar o estudante teatreiro, cinéfilo e literato? Por onde andariam agora os amigos das Tertúlias. Que livros liam? De que falavam? E elas, elas, elas?

Ao ir para a Tropa rompera os vínculos. Praticamente não escrevera a ninguém. Que lhes iria contar? Como narrar o olhar do Malan, quando pisou aquela mina em Salá?

Fiquei mais três aborrecidas semanas em Missirá. E calculem que, com vinte e seis meses, alinhei ainda numa operação. Dois mortos, para jamais esquecer… Depois seis dias vazios em Bambadinca. O meu Pelotão estava na Ponte do Rio Undunduma e eu para ali, desalinhado sem saber o que fazer… Claro, logo de manhã…… tasca do Zé Maria [ a saída de Bambadinca, no cruzamento para Bafatá].

Finalmente foi marcada a data do meu embarque no Xime. A noite anterior passeia-a com o Pelotão e até de madrugada recordámos, prometemos, celebrámos… Essa foi a minha verdadeira despedida. A noite do Adeus!

No dia seguinte, o Branquinho acompanhou-me ao Xime. E lá parti rumo a Bissau.

Queria voltar de barco, ciente que precisava de pôr a cabeça em ordem. Mas não, vim de avião. Numa anterior colaboração, relatei a chegada – o ralhete do Pai, e a tristeza da Mãe.

Em Lisboa procurei os antigos Amigos. Uns haviam fugido, outros faziam perigosas “comissões” no Museu Militar, no Ministério do Exército, no Quartel General… Queriam eles lá saber da Guiné ou da Guerra…

Por mim sentia-me perdido, invadido por um sentimento de orfandade… Então desanuviei… estagiando entre copos e carinhosas damas, que até compreendiam a angústia do combatente.

Ritz-Clube, Fontória, Maxime, Nina, Cantinho dos Artistas… Cá, como lá, em Roma, fui sempre Romano.

Estágio concluído com distinção, acabei por assentar.

Da Guiné esqueci muito, mas não os inquebrantáveis laços de Fraternidade.

Iguais, nunca mais estabeleci com ninguém!

Jorge Cabral

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Notas de L.G.:

(*) Vd. o último poste > 20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)

(**) Email de 20 de Maio de 2008, enviado pelo Jaime Pereira ao Jorge Cabral:

Caro amigo Jorge Cabral:

Estive de férias e só hoje foi possível responder ao teu Email.

O Beja Santos não conhece nada das nossas vidas comuns…
Encontrei-o casualmente num restaurante da Rua de S. Paulo, próximo do local onde trabalho, a falar com uns Guineenses sobre a nossa zona de guerra. Meti conversa, disse-lhe que tinha estado na CCaç 12 entre 1971 e 1973, falámos sobre o Blogue do Luís Graça e não entrámos em pormenores.

Estive de facto pelo menos duas vezes em Missirá, onde fui sempre muito bem tratado por ti e pela tua malta…

Lembro-me que, da primeira vez, fiquei uma noite em Missirá a guardar as bajudas e as mulheres grandes do teu pessoal, enquanto o teu pelotão saiu num patrulhamento, creio que para a zona de Mato Cão.

Da segunda vez recordo-me que o BB [, major da CART 2917, Bambadinca, 1970/72,] me mandou reforçar a tua tropa com o meu pelotão porque havia indicações de que o bi-grupo de Madina/Belel ia retaliar sobre Missirá do ataque que a minha companhia e a dos páras tinham feito sobre o seu aldeamento, uma semana antes.

Deves por certo recordar-te desta Operação a Madina/Belel porque nos encontrámos no objectivo, tu a servir de guia aos páras e eu integrado na CCaç 12 e fizemos juntos o percurso de regresso via Enxalé.

Nesse dia se não tivéssemos tido o apoio dos T6 e a bolanha estivesse sem água, grande parte do pessoal da CCaç 12 tinha lá ficado…

Mas a primeira imagem que guardo de ti é do meu dia de chegada a Bambadinca… Tinhas tomado o teu banho fula no pavilhão dos oficiais, tinhas vestido um camuflado lavado que por certo foi retirado de uma das gavetas do armário do pessoal da CCaç 12, estavas deitado na cama que me estava destinada, com o pingalim a bater nas botas, olhaste para mim e para o Sobral e disseste:
- É o destino, periquitos, vieste para à Guiné, mas é o destino…

Recordar é viver… Vamos realizar o almoço da CCaç 12 em Lamego, no dia 31 deste mês de Maio. Se desejares ir, manda-me um Email…

Um grande abraço

JAIME PEREIRA


(**) Vd. último poste desta série > 4 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3021: Os nossos regressos (6): Regressei a olhar para trás...(Santos Oliveira)

Guiné 63/74 - P3024: Dicas para o viajante e o turista (6): Ecoturismo em Iemberém, no Cantanhez (Pepito)

Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da Semana > 5 de Maio de 2008 > "A aposta num turismo ecológico e responsável no Parque Nacional de Cantanhez é uma das prioridades para o desenvolvimento desta região do sul da Guiné-Bissau.

"De há dois anos a esta parte têm vindo a ser concretizada a construção de uma série de infraestruturas de acolhimento que permitem às pessoas que demandam estas paragens, instalarem-se de forma agradável, em casas que recuperam a forma de habitat tradicional e que garantem condições de higiene e limpeza.

"Gradualmente o número de turistas tem vindo a aumentar, sendo de assinalar a reserva já feita para este ano para a passagem do Natal e Ano Novo de um grupo de 7 pessoas"... Na foto os bungalows (em português legítimo, bangaló...) contribuídos em Iemberém no âmbito de um projecto de ecoturismo no Cantanhez.

Foto e legenda: Cortesia de: ©
AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do nosso amigo Pepito:

Luís

Não te esqueças que, tal como a AD é do Blogue, todo o pessoal da Tabanca Grande é da AD.

Claro que teremos o máximo prazer em apoiar a vinda da malta de Cacine (*).

(i) Podemos fazer a reserva para eles em Bissau (no site da AD estão as ofertas e preços que é natural que mudem com a subida do gasoleo, etc. e tal)

(ii) Asseguramos alojamento e comida em Iemberem (em Cacine não há nada) aos preços em vigor no ecoturismo:

- Bungalow de 2 camas: 15.000 CFA por dia
- Bungalow de 4 camas: 25.000 CFA por dia
- Casa de passagem: 5.000 CFA cada cama por dia
- Refeição: 2.500 CFA por refeição

(iii) Eles terão de alugar um carro em Bissau (nós podemos apoiar) para irem ao sul e estarem à vontade (**).

abraços e boas vindas ao pessoal
pepito
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 4 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3020: Notícias da CCAÇ 799 (Cacine, Cameconde, 1965/67) (Arménio Vitória)
(...) "Assunto - Pedido de informação sobre viagem a Cacine

Caros amigos:

"Sou um dos muitos militares que cumpriu a sua comissão na Guiné, mais propriamente em Cacine.

"Organizamos regularmente os nossos encontros e sempre vem à baila o desejo de alguns em se deslocarem a Cacine. Por este facto já por várias vezes fiz algumas diligências tentando encontrar soluções e preços, não tendo até aqui sido muito feliz na procura. Apenas uma organização – o Hotel Rural de Uaque – me respondeu mas não fiquei muito convencido.

"Verifiquei agora que acabam de fazer uma deslocação ao Sul da Guiné em que todos estes problemas logísticos – transportes, alojamento, alimentação – tiveram de ser resolvidos. Daí este meu mail. Será que me podem indicar alguém que, tendo esta experiência, me possa ajudar a estudar a questão de uma eventual deslocação de um grupo que estimo ser de cerca de 20 pessoas a Cacine?" (...)


(**) Vd. postes anteriores desta série sobre dicas:

6 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2508: Guileje: Simpósio Internacional (1 a 7 de Março de 2008) (16): Dicas para o viajante (Vitor Junqueira)

15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1281: Dicas para o viajante e o turista (5): em Bissau, procurem os poetas (Paulo Santiago)

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1259: Dicas para o viajante e o turista (4): Um cheirinho a alecrim & rosmaninho (Luís Graça / Jorge Neto)

8 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1258: Dicas para o viajante e o turista (3): transportes colectivos: o táxi, o toca-toca e o candonga (Luís Graça / Sofia Branco)

7 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1255: Dicas para o viajante e o turista (1): A experiência e o saber do Vitor Junqueira

Guiné 63/74 - P3023: Convívios (68): Pessoal da CART 6250/72, 28 de Junho de 2008 na Maia (José Manuel Lopes)


José Manuel Lopes
Ex-Fur Mil Op Esp
CART 6250 (Os Unidos de Mampatá)
Mampatá
1972/74

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Lopes de 1 de Julho de 2008:

Desta vez os organizadores foram o Escurinho e o Raul Moreira da Maia, o local a casa deste um sítio muito agradável.

Logo pela manhã começaram a chegar, carregando os merendeiros e as arcas com as bebidas.


Foto 1> Foto de família tirada ainda pela manhã, assim os que chegaram após o meio-dia não ficaram no boneco.

Foto 2> À chegada de cada elemento se repetem os abraços e os sorrisos abrem-se, ninguém consegue esconder o que lhe vai na alma.

Foto 3> Este ano foi o ano das surpresas, apareceu o velhinho enfermeiro Teixeira que nos precedeu em Mampatá e deixou todos ansiosos por lá voltar, depois do relato da sua visita aquela sua e nossa terra. Também apareceu um Pirata de Guileje. Ambos confraternizam com uma bajuda que nunca falta à festa.
Foto 4> Dois enfermeiros que estiveram am Mampatá e que pelo trabalho desenvolvido lá deixaram amizades sem conta. O Teixeira e o Carvalho.

Fotos e legendas: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.

Para o ano o encontro será nas Medas, Gondomar em casa do Carvalho.
José Manuel Lopes

Guiné 63/74 - P3022: Tabanca Grande (78): Luís Dias, ex-All Mil da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro (1971/74)




Luís Dias (1)
Ex-Alf Mil
CCAÇ 3491
Dulombi e Galomaro
1971/74


1. No dia 3 de Julho, recebemos do nosso camarada Luís Dias uma mensagem com o seu contributo para a série Os Nossos Regressos, de que está encarregue o nosso camarada Virgínio Briote, e as fotos da praxe para a nossa fotogaleria.

Caro Luís

Apoiando a iniciativa que a Tabanca Grande está a levar a cabo e relacionada com o tema do "Regresso", junto te envio o meu regresso à metrópole para, caso o entendam, fazerem a publicação no blogue. Junto também duas fotos, como é da praxe, e que ainda não tinha enviado, uma tirada na Guiné e outra recentemente.

Um abraço
Luís Dias

2. Deste modo fica oficialmente apresentado à Tertúlia o Luís Dias que tem um blogue dedicado à sua Companhia, a CCAÇ 3491, em http://wwwccac3491guine7174.blogspot.com/.

Dizia o Luís Dias no seu primeiro contacto com o nosso Blogue:

Caro Luís Graça & Camaradas da Guiné:

Dou-lhe os meu parabéns pelo vosso excelente blogue e pela oportunidade que dão aos ex-combatentes da Guiné de poderem confraternizar, trocar ideias e informações sobre momentos tão importantes da sua vida e que passados tantos anos ainda hoje os revivemos com uma certa paixão. (...)


Aconselho o nossos tertulianos a visitar o Blogue da CCAÇ 3491, porque tem lá bons artigos e fotografias publicados. É bom acedermos as páginas dos nossos camaradas, porque todos temos algo para comunicar e receber.

Da nossa parte contamos sempre com a colaboração do Luís Dias, sem prejuizo do seu trabalho na Página dedicada à sua Companhia.

Para ti Luís, um abraço dos editores e da tertúlia em geral.
CV
_______________

Nota de CV

(1) Vd postes do Luís Dias de:

19 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2967: O caso do embaixador português em Bissau (1): Protestos (Luís Dias)

16 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2952: In memoriam (4): O meu amigo Alferes Farinha dos Santos (Luís Dias)

30 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2901: O Nosso Livro de Visitas (15): Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3021: Os nossos regressos (6): Regressei a olhar para trás... (Santos Oliveira)

Tenho alguma dificuldade em dar um contributo que tenha algum interesse de divulgação. Foram momentos estendidos pelo tempo, que se amalgamam em contraditórias alegrias e profundas desilusões.
Não entendo que possuam estatuto de serem publicados. Entretanto assim se passou.



O meu regresso não foi interessante nem romântico


Fui mobilizado no regime de rendição individual, com destino ao Pel de Morteiros 912.

Oito dias no N/M Manuel Alfredo, a magicar sobre a Guerra que ainda não conhecia e levando sob Comando noventa praças que foram distribuídas por Cabo Verde e a maioria para Bissau.


Não fui abrangido no tempo de regresso conjunto, por um escasso mês (o Pelotão regressou aos 22meses), pelo que fiquei órfão dos meus Camaradas.

O Cmdt do BCaç. 1860, Ten.Cor. Costa Almeida, tudo fez para que continuasse sob as suas Ordens no Bat. que Comandava em Tite. Porém o CEM entendia que já tinha decorrido demasiado tempo de permanência pela Ilha do Como, por Cufar e Tite (Zonas de intervenção activas), pelo que havia que me dar descanso.
Sinceramente, era-me penalizante ter tempo para pensar no Passado, Presente e desconhecer o Futuro.
Fiquei em Bissau, a aguardar e a "construir" o tempo de embarque. Uma verdadeira "seca". A ansiedade matava-me lentamente. Sem acção militar e sem mais nada para fazer, Bissau foi um tormento, ou um pesadelo…

Como as Rendições individuais normalmente se prolongavam no tempo em mais 4 a 6 meses (aos 28 a 30 meses), requeri o meu regresso na data do final de Comissão (24 meses) sendo a viagem paga a minhas expensas. Deste modo, obtive a aprovação e fui "corrido" do alojamento por conta do Estado.
Regressei, extremamente ansioso e, recordo-me, sempre a olhar para trás. Não se me afigurava a minha partida como real.


Com o Sr. Taufic Saad no avião para Lisboa

No mesmo avião um velho conhecido, o Senhor Taufik Saad, que tentou, insistentemente (sem sucesso), que aceitasse o seu convite que me formulara tempos antes, para reconstituir e dirigir a sua equipa de Segurança Pessoal que tinha no Líbano. Apenas queria o meu "método de organização", que nem sequer precisava de me expor, etc, etc. O vencimento era mesmo tentador, mas não pude e nem queria aceitar porque, alegava, estava cheio da Guerra, não tinha aceite as condições do Exército, mesmo com as benesses que oferecia (eram também do seu conhecimento) e a minha Família me aguardava para constituir um Lar.
Lá se ficou no Aeroporto de Lisboa com a oportunidade de emprego. Nunca mais soube dele e tenho imensa pena.

Promovido no DGA

Apresentado no DGA, fui conduzido ao Oficial de Dia, um Tenente, que, com a minha Guia de Marcha na mão e para meu espanto me interpelou deste modo:

- O nosso Sargento não acha que tem as divisas ao contrário?. Mesmo em sentido (que já não fazia sentido nenhum) não resisti a olhar para os ombros. Que não, as Divisas (de Furriel) estavam correctamente colocadas, disse. Ele, muito sério, ordenou que o seguisse. Atravessámos a parada na diagonal, ele abriu uma porta, entrou (era tudo escuro, muito escuro) e mandou que eu também entrasse e…fez-se luz conjuntamente com um grande grito de Parabéns, colectivo, de camaradas, Oficiais e Sargentos.

Chorei como um velho, mas tive uma festa única, em todo o tempo de tropa, também por não ter que pagar nada. Impuseram-me uma nova Boina Preta já com o Emblema Ranger (a que usava tinha o de Artª) e umas divisas igualmente novas correspondentes ao meu fardamento (fundo preto).

Recordo-me que recebi esta honra das mãos dum Sarg Ajudante, por ser o mais velho na idade, segundo os oficiais presentes. Ali mesmo fui informado da minha promoção no CTIG, um mês antes (que desconhecia por completo), mas que os papéis e a OS (Ordem de Serviço) não estavam de acordo. Fiquei perplexo.
Só que, por isso, teria de ficar pelo DGA até à resolução do problema.
Uns dias depois, nada resolvido, fui chamado ao Cmdt e informado do pagamento de 8 dias de Sargento acrescidos do diferencial de um mês do que deveria ter auferido no CTIG.
…Dinheirito saboroso!...

Fiquei expectante e a minha preocupação aumentou com a informação de que para não se criarem outros problemas, a Guia de Marcha do CTIG (que indicava Furriel Miliciano) seria a que apresentaria na GNR cá da Terra.
O que queria era vir embora e assim se fez.

O meu regresso não foi interessante nem romântico… mas a Vida continua até aqui e agora.

A todos, o abraço, do

Santos Oliveira
__________

Adaptação e substítulos: vb

(1) Fernando Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf.ª, Como, Cufar e Tite, 1964/66

(2) Artigos relacionados de:





Guiné 63/74 - P3020: Notícias da CCAÇ 799 (Cacine, Cameconde, 1965/67) (Arménio Vitória)



Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Cacine > Viagem de Cananima a Cacine, através do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > O pescador, natural dos Bijagós, que nos levou, na sua canoa senegalesa, motorizada, na viagem de ida e volta. É um dos dirigentes da Associação Quitapesca de Cacine. Em Cacine não há qualquer estrutura hoteleira. Também não há viagens regulares no Rio Cacine, que é muito largo neste ponto.


Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso visitante Arménio Vitória, com data de 2 de Julho:

Assunto - Pedido de informação sobre viagem a Cacine

Caros amigos

Sou um dos muitos militares que cumpriu a sua comissão na Guiné, mais propriamente em Cacine.

Organizamos regularmente os nossos encontros e sempre vem à baila o desejo de alguns em se deslocarem a Cacine.

Por este facto já por várias vezes fiz algumas diligências tentando encontrar soluções e preços, não tendo até aqui sido muito feliz na procura. Apenas uma organização – o Hotel Rural de Uaque – me respondeu mas não fiquei muito convencido.

Verifiquei agora que acabam de fazer uma deslocação ao Sul da Guiné em que todos estes problemas logísticos – transportes, alojamento, alimentação – tiveram de ser resolvidos.

Daí este meu mail. Será que me podem indicar alguém que, tendo esta experiência, me possa ajudar a estudar a questão de uma eventual deslocação de um grupo que estimo ser de cerca de 20 pessoas a Cacine?

Desde já os meus agradecimentos e os meus cumprimentos
Arménio Vitória


2. De imediato foi lançado um SOS a alguns amigos e camaradas no nosso blogue com experiência de viagens à Guiné:

Amigos e caramaradas: Alguém quer (e pode) dar uma ajuda ao Arménio Vitória, que estve em Cacine ? Eu fui a Cacine, em Março de 2008, mas fui à boleia... Ou melhor: fui através da melhor agência de viagens e de organização de eventos que se chama AD - Acção para o Desenvolvimento... Claro que o meu exemplo (e de outros amigos e camaradas, convidados para participar no Simpósio Internacional de Guileje) não seerve, proque tive/tivemos tratamento VIP...

De Bissau a Cacine, serão mais de 300 km... Julgo que no tempo das chuvas é praticamente impossível lá chegar por terra... Não há outro transporte... Mesmo no tempo seco, há um série de problemas logísticos para lá se chegar... a começar pelo transporte, o alojamento, a alimentação... As estruturas de apoio ainda são muito incipientes. Mas os nossos amigos da AD - Acção para o Desenvolvimento, que estão a apoiar os projectos de eco-turismo no Cantanhez, podem dar umas dicas...

Este mail é também dirigida a alguns dos nossos camaradas com mais experiência de viagens à Guiné (por terra e por ar...). Um Alfa Bravo (abraço). Luís

PS - Arménio: já diz-me qual era a tua unidade, e em que altura estiveste lá... E ficas convidado para integrar a nossa Tabanca Grande, ou sejam, a malta que está registada no nosso blogue e colabora regularmenet com fotos, histórias, etc.


3. Mensagem a seguir, do Arménio:

Desde já agradecido pela informação e pela presteza no seu envio.

Estive em Cacine/Cameconde integrado na C Caç 799, comandada pelo então Cap Silva Viegas, de 1965 a 1967.

Terei muito gosto em participar nesta ideia que acho interessantíssima, embora a minha colaboração não tenha grande valor: sou um “esquecido militante” só tendo vagas memórias daquilo por que passei. Não é doença, felizmente, é feitio… ou defeito!

No entanto como estou a organizar o encontro da minha Companhia que se realizará daqui a uns meses, aproveitarei para pedir o contributo de quem tenha jeito e queira escrevinhar umas coisas e fornecer fotografias.

Desde já um grande agradecimento pelo blogue; é com grande gosto que o leio atentamente, já que através dele recordo e às vezes vivo momentos extraordinários que passei na Guiné. Companheirismo, amizade, entreajuda, foram sentimentos que nas situações extremas que ali vivemos adquiriram um significado que não é descritível e que é bom recordar de vez em quando. O vosso blogue proporciona isso.

Um abraço
Arménio Vitória

Guiné 63/74 - P3019: Blogoterapia (60): O arco-íris é lindo por que tem sete cores diferentes (João Dias da Silva)

1. Mensagem, com data de ontem, enviada pelo nosso camarada João Dias da Silva, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4150, Cumeré, Bigene e Guidaje, 1973/74 (1):

Luís, co-editores e restantes camaradas, em especial o Alberto Branquinho e o Henrique Cerqueira (2).

Os postes P3011 (do Branquinho, com fotos de despojos humanos) e P3017 (em que o Henrique discorda da sua publicação), bem como os teus (Luís Graça) comentários, levam-me a tecer algumas considerações, sem o mínimo propósito, adianto já, de iniciar ou alimentar qualquer polémica:

Não concordo com a maior parte do que o Henrique escreveu e não posso estar mais de acordo com a opinião do Luís, sem maniqueísmos, até porque, como em tudo na vida, as coisas não são tão lineares assim. E não concordo porque não se limpa uma casa varrendo o lixo para debaixo dos tapetes ou, dito de outro modo, porque uma catarse só se faz se "agarrarmos o touro pelos cornos", se enfrentarmos tudo e todos sem deixar de fora ou esquecer nada nem ninguém.

Aliás, já o escrevi aqui, a propósito de uma outra troca de opiniões, que estava convencido que 34 anos constituiriam um período de tempo suficiente para que as questões fossem abordadas de forma mais racional. Verifico, como então tinha verificado, que assim não é e que muitos de nós ainda não conseguiram enterrar muitos dos seus fantasmas, infelizmente para eles, penso eu, porque isso deve ser muito doloroso. Atrevo-me mesmo a dizer que dificilmente poderão desfrutar em pleno de muito do que é dito/escrito/mostrado no nosso blogue. E digo isto sem quaisquer moralismos ou numa posição de sobranceria e muito menos de recriminação, porque percebo e entendo muito bem a situação, pois passei por ela (neste aspecto os meus primeiros anos pós-regresso da Guiné foram complicados, mas felizmente ultrapassados).

Por outro lado, não há meias verdades nem meias informações: ou se diz tudo ou não se levanta apenas a ponta do véu. A informação correcta e total nunca fez mal a ninguém. Estou convencido que muitos dos problemas por que passam as gerações mais novas prendem-se com o facto de não tendo quem as informe (alguns dos que têm a obrigação de informar, formando, retraem-se por convicção ou... por incompetência), vão procurá-la onde não devem e, sobretudo, às escondidas. E isto é válido para qualquer área.

Já que falei em jovens, e mesmo parecendo que está fora de contexto, acrescento que a minha (nossa, no fim de contas) geração tem muito de que se penalizar por ter "dourado a pílula" em relação à educação dos filhos, o que lhes trouxe ou tem trazido problemas de vária ordem para encarar e ultrapassar as dificuldades que a vida lhes (nos) vai pondo à frente.

Por último, e digo-o com a maior das sinceridades, o que mais me chocou foi a última frase do Henrique – "... se ainda estiver admitido neste blogue ..." –, porque o direito a discordar e a manifestar, de forma elevada, obviamente, a discordância é inalienável e intocável e confunde-se com a própria dignidade da pessoa humana.

Se, por mera hipótese, tal acontecesse neste blogue, nada mais era necessário para que de um momento para o outro toda a credibilidade, consideração, respeitabilidade e transparência iriam por água abaixo. O arco-íris é bonito porque é composto por sete cores diferentes!...

Um abraço para todos

João Dias da Silva

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2812: Tabanca Grande (66): João Dias da Silva, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 4150 (Guiné 1973/74)

(2) Vd. poste de 3 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3017: Blogoterapia (59): Fotos chocantes de "despojos humanos" (Henrique Cerqueira)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3018: Os nossos regressos (5): Refazer a vida (Carlos Vinhal)



Carlos Vinhal
Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá
1970/72



Refazer a vida

Se a última noite passada em Mansabá tinha sido um desassossego, a última passada em Bissau, não lhe ficou atrás.
O pessoal todo alvoroçado, adivinhando as poucas horas que faltavam para o regresso.

O dia aprazado para o embarque era 19 de Março (Dia do Pai) de 1972, às 16 e 30h, o local de partida o Aeroporto de Bissalanca. Quantos pais estariam naquele momento ansiosos pela melhor prenda que jamais iriam receber, o seu filho de volta.

No início de Março, já a CART estava acantonada nos Adidos, Bissau tinha sido, mais uma vez, fustigada com foguetões enviados pelo PAIGC. Desta feita a zona atingida foi a do Aeroporto. Logo os mais afoitos se esforçaram em recolher notícias sobre possíveis estragos nas pistas, não fosse o diabo tecê-las e nós termos de ficar mais uns tempos em Bissau. Tudo bem, felizmente. As metralhas cairam longe do objectivo.

Fevereiro de 1972> A última foto em Bissau


O último dia

Voltemos ao dia 19 de Março, dia de todos os útimos acontecimentos, começando pelo pequeno-almoço.

Por sorte, tocou-me o último Sargento de Dia à Companhia, começado no dia anterior e que terminaria assim que abandonássemos as instalações dos Adidos.
Em princípio tudo estava programado para correr normalmente, não fosse um acto de indisciplina por parte de um dos nossos militares que resolvendo antecipar a peluda, achou que já não devia seguir a disciplina imposta, mas necessária.

O Sargento de Dia à Unidade, deu-me instruções para ocupar determinadas mesas que estariam destinadas à CART 2732.
A malta começou a entrar e alguém resolveu sentar-se a uma mesa que não nos estava destinada. Fiz-lhe ver que deveria ir para junto dos seus camaradas entretanto já devidamente sentados, ao que ele se negou. Repeti-lhe mais uma vez a ordem e porque a desobediência continuasse, perdi a cabeça e levei-o para junto dos colegas ao empurrão.
Gerou-se alguma confusão, hoje reconheço que a minha atitude foi excessiva, mas na hora fiz-lhe ver que até ao último minuto a ordem e a disciplina eram para se cumprir.

No princípio da tarde lá fomos transportados para o Aeroporto, não ouvindo desta vez pelo caminho, como no longinquo dia 17 de Abril de 1970, os miúdos a gritarem: “Periquito vai pró mato...”

Procurámos em vão, na pista, o abençoado avião, mas nem sinais dele. Logo veio a notícia de que o vôo estaria atrasado cerca de duas horas. - Mais duas horas na Guiné. Não podia ser.

Os relógios que por ali marcavam a passagem do tempo, reuniram-se para fazer greve de zêlo, trabalhavam sim, mas de acordo com as leis vigentes, ou seja, cada hora com sessenta minutos e cada minuto com sessenta segundos. Quais maus funcionários públicos, não se compadeciam com as urgências de cada um, a Lei é para se cumprir escrupulosamente.

De quando em vez procurava-se no céu um pontinho que fizesse adivinhar a esperada aeronave, da qual nem sabíamos a cor.

Ao fim de uma eternidade chegou o nosso transporte que após despejar quem trazia, começou a engolir as nossas malas. Pelas 18,30h chegou a nossa vez de voar.

O regresso

Com o último olhar, despedimo-nos da Guiné e dos seus rios, das suas tabancas, da sua beleza natural, dos seus perigos, trazendo as suas gentes no coração. Mais do que nunca nesta hora, a lembrança dos camaradas que não puderam partilhar estes momentos de felicidade, por terem falecido durante a Comissão, vieram à lembrança, fazendo libertar uma lágrima teimosa.

Para a esmagadora maioria dos militares da CART seria a primeira viagem de avião, mas o nervosismo do batismo de vôo, diluiu-se no nervosismo próprio de quem estava ansioso pelo regresso. Os TAM estavam equipados com os majestosos Boeings 707 320C. Serviço de bordo impecável em nada diferente do das carreiras comerciais, excepção feita aos assistentes de bordo que eram militares, como não podia deixar de ser.


Boeing 707 320C dos TAM
Foto retirada do site do Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, com a devida vénia

Confesso que nunca vi um Boeing andar tão devagar, veio primeiro a noite antes que se avistasse Lisboa. A malta a bordo era um misto de emoções, uns muito alegres outros nem por isso e alguns vinham como que anestesiados, não acreditando numa oferta daquelas. Para lá tinham ido num porão do Ana Mafalda, mal instalados e mal comidos. Para casa traziam-nos num luxuoso avião, servidos com todos os requintes.

Às voltas por Lisboa

Pelas 23,30 horas de Portugal, na noite fria de 19 de Março de 1972, poisa em Figo Maduro a nossa aeronave trazendo de volta homens cheios de esperança para recomeçarem uma vida interrompida há já tanto tempo.

Algumas centenas de pessoas esperavam os militares continentais, já que os madeirenses só no dia seguinte voariam para o Funchal.

Eu já sabia que não teria ninguém à minha espera. O meu camarada e ainda hoje amigo, Dias, residente nos arredores de Vila Nova de Famalicão, tinha-me prometido boleia até casa, mas na hora verificou que a família apenas trazia de reserva um lugar para ele. Para compensar levava-me as malas, ficando eu assim livre desse incómodo.

Faltavam no entanto os últimos procedimentos militares.
Após alguns momentos junto dos familiares, fomos transportados, a monte, em camionetas Morris, quem não se lembra delas, com a caixa equipada com um banco corrido de cada lado, tapada com uma lona, mas aberta atrás e à frente, apanhando o vento daquela fria noite lisboeta, para o Hospital da Estrela. Bom começo para quem vinha do tórrido calor da Guiné, mas que importava, já não precisavam de nós saudáveis.
Fizemos alguns exames para despiste de alguma coisa mais complicada, acho eu e, já a madrugada ia alta, nos puseram a caminho do RAL1, pois faltava saldar as contas com a Tropa. Ainda bem porque eu estava tesinho que nem um carapau seco e nem dinheiro tinha para vir para casa.

Tentei ficar com o cartão de militar, mas como o sorja me ameaçou não me pagar se não o entregasse e o dinheiro era importante para mim naquela situação, rendi-me à evidência.
Deram-me umas massas correspondentes ao vencimento até à data de passagem à disponibilidade, 11 de Abril de 1972. Bem bom, pensei, quase um mês pago para não fazer nada.

Passadas umas horas, cada um começou a ir para seu lado. Os de Lisboa desapareceram, os de fora que tinham família, também e vejo-me praticamente só em Lisboa, alta madrugada, não sabendo sequer para onde era o norte. Um taxista que passava, em busca de alguma corrida mais compensatória, perguntou-me de onde era e como eu dissesse ser do Porto, interessou-lhe o cliente. Demos umas voltas para ver se aparecia alguém para completar o carro, mas ao contrário, encontrámos um outro táxi já com três camaradas que vinham para a zona de Santo Tirso e que procuravam um quarto elemento. Descartei-me do meu motorista de ocasião, mudei de táxi e... EN1 fora nos pusemos a caminho da Cidade Invicta.

Estava uma madrugada húmida com vestígios de ter chovido. Para quem se lembra, a EN1, apesar de ser o principal eixo Norte-Sul, era uma estrada má, com muitos buracos, onde se perdia imenso tempo a escolher os mais pequenos na tentativa de poupar a mecânica dos automóveis. Como é dos livros, em tempo de chuva os buracos engordam.

Para se fazer uma ideia do tempo que se demorava a fazer o Lisboa-Porto, saímos da capital pouco passava das cinco horas da manhã e chegámos à Ponte Luís I um pouco antes das 11.
Para facilitar a vida aos meus camaradas que continuavam viagem, fiquei ao fundo da Av. dos Aliados.

Finalmente na santa terrinha

Respirei fundo. Que estranho, as pessoas andavam nas suas vidas completamente descontraídas, as mulheres eram todas tão bonitas. Eu ainda fardado, olhar estranho, mirando tudo e todos, sorvendo sofregamente aqueles momentos, exibia na manga do blusão um dístico com a palavra Guiné e por cima do bolso esquerdo a Medalha Comemorativa das Campanhas da Guiné, mas ninguém reparava em mim. Apetecia-me gritar:- Vejam, sou eu, acabo de chegar da Guiné. - Que se danem.

Procurei a praça de táxis. Ali estava, no mesmo sítio. Em Portugal, naquele tempo poucas coisas mudavam. Estava tudo bem.
- Para a Rua D. Nuno Álvares Pereira, 799, Matosinhos, se faz favor.

Entretanto começou tudo a ficar mais familiar. As ruas, as casas, as pessoas... Chegados, pedi ao motorista do táxi para esperar um pouco, subi o pequeno lance de escadas que me levava ao pequeno pátio e bati à porta. O meu coração não cabia dentro do peito. Quem viria abrir? Oxalá fosse ela. A porta abriu, apareceu a madrasta que me disse que a Dina não estava, porque tinha ido a casa de uma irmã que havia casado uns meses antes.

Desci as escadas desiludido, triste e magoado. Toda a gente sabia que eu chegava naquela manhã. Incompreensível a sua atitude. Nem parecia dela.

Com semblante carregado pedi ao homem que me levasse para Leça da Palmeira. Chegados junto à Igreja, pedi para me deixar ali, paguei e percorri as poucas centenas de metros que me separava de casa. Confesso que a esta distância não me lembro de me ter cruzado com alguém conhecido, o que é improvável. Sei que não troquei palavra com ninguém. Ao dobrar a esquina da minha rua, vejo ao fundo, junto à nossa porta o meu pai que deve ter passado ali a manhã toda à minha espera, para que eu visse que ele já estava refeito de uma crise cardiovascular de que tinha sido vítima no mês anterior. Disso viria a falecer anos mais tarde.

Depois de um efusivo abraço, entrámos em casa. Apareceu logo a minha mãe que estranhamente chorava... porquê se eu já ali estava, definitivamente são e salvo? Segundos depois apareceu a razão do meu viver, que esteve escondida todo o tempo que eu dediquei aos meus pais.

Ainda hoje lhe digo que a alegria de a ver na companhia dos meus pais, à minha espera, foi menor que tristeza que senti quando em sua casa me disseram que estaria em casa da irmã. Ninguém compreendia como vínhamos tão fragilizados psicologicamente daquelas terras. Não se admitiam jogos nem brincadeiras naquelas horas do reencontro com a vida dita normal. As provações foram tantas... os reencontros tão difíceis...

Passados os primeiros dias em que tive ocasião de rever todos os amigos e refazer a minha vida social, a ordem era ver como estava a minha situação profissional.
Quando fui incorporado já era funcionário público, embora em regime de Assalariado de caráter permanente, pelo que tive de ver como estava a minha situação. Consultei o Chefe que informou que o meu lugar me aguardava e que continuava a ganhar 1700 escudos mensais, o mesmo que ganhava quando fui para a tropa. - Qual quê? Como me vou casar? Tenho 24 anos, três dos quais perdidos como militar.
Foi-me prometida promoção condigna e futura integração na carreira correspondente às funções que exercia.

Voltei ao trabalho no dia 17 de Abril de 1972 e fiquei a saber que tinha sido aumentado em 900 escudos. Com 2600 escudos já dava para casar desde que a futura esposa desse uma ajuda.
Mais tarde, em Janeiro de 1973, fui integrado na nova categoria, tendo novo aumento e o caminho aberto para progredir profissionalmente, como veio a acontecer.

Em Agosto do mesmo ano de 1972 dissemos ambos o sim que se mantém após 36 anos já volvidos.

Dediquei parte da minha vida a servir o Estado. Fi-lo entre 1966 e o ano 2000, sendo que entre 1969 e 1972 o fiz, usando uma farda e uma arma.
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2008> Guiné 63/74 - P3015: Os nossos regressos (4): Dois anos perdidos naquela terra, quente, húmida e vermelha...(Torcato Mendonça)