Guiné > Zona Leste > Piche > Destacamento de Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto de 1973. Monumento construído pelo pessoal destacado na ponte, do 3º Gr Comb, e que ainda lá está, como o comprovou em Abril passado o nosso camarada Eduardo Campos.
Situa-se no tabuleiro da ponte, no lado esquerdo, no sentido Piche-Buruntuma. Na foto, vê-se em primeiro plano, sentado na base do monumento, o Teixeira, de barbas; em segundo plano, e da esquerda para a direita, o Rocha (condutor, natural da Praia da Rocha, Portimão); o Carlos Alexandre (radiotelefonista, natural de Peniche), do qual só se vê a cara; e o Manuel da Conceição Sobral (natural de Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém, ajudante de padeiro do Cristina). Ao lado do Rocha, à sua esquerda, vê-se o pequeno oratório tendo, na sua base, inscrita a legenda "Nem só de pão vive o homem"... (Não tem nada a ver com o forno do Cristina, como eu supunha...) (LG).
Foto: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Ponte Caium > Abril de 2010 > Dois monumentos de homenagem aos bravos de Caium, constituídos por: (i) Memorial aos mortos da CCAÇ 3546 (1972/74): "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold Ap Can [Apontador de Canhão s/r ]Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas do Leste. Guiné- 72/74"; (ii) Pequeno oratório com a legenda "Nem só de pão vive o homem. Guiné, 1972-1974".
É espantoso como, 37 anos depois, o memorial p.d. esteja ainda quase intacto (falta-lhe a cruz que o encimava) e em razoável estado de conservação... Noutros sítios, estes monumentos deixados pelas tropa portuguesa foram vandalizados ou pura e simplesmente destruídos. Hoje, pelo contrário, há uma tentativa para os recuperar. Estamos no nordeste, em pleno chão fula, próximo da fronteira com a Guiné-Conacri, a meio caminho entre Piche e Buruntuma.
Foto: © Eduardo Campos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte Caium > s/d (época seca, 1973 ? )> O destacamento visto da margem esquerda do Rio Caium, a sul da estrada no sentido Buruntuma-Piche. O memorial ficava a meio da ponte, do lado do lado esquerdo do tabuleiro (no snetido Piche-Buruntuma). Se lá estivesse nessa altura, não seria visível na fotografia porque estaria tapado pelos abrigos, aqui ao centro da foto (e onde ficava as transmissões, segundo informação do Alexandre que, no entanto, está examinar melhor uma imagem destas com mais resolução; à entrada do tabuleiro, estão dois camaradas que parecem ser o Cristina e o Sobral).
Nos dois álbuns de fotografia do Jacinto Cristina (sem datas nem legendas), não há uma única foto do memorial... Com toda a certeza esta foto é dos primeiros meses de estadia na ponte, ainda na época seca (1º trimestre de 1973 ou início do segundo; o memorial foi construído, uns meses depois da emboscada de 14 de Junho de 1973, em finais de 1973 ou inícios de 1974).
Sabemos que um novo troço da estrada Piche-Buruntuma estava em construção, a cargo da Tecnil. De Nova Lamego a Piche já se ia há muito em estrada asfaltada. Daí talvez este desvio, contornando a ponte e atravessando o rio, e que é visível na foto. Na época seca, o rio Caium ficava seco (ou reduzia-se a um pequeno lago à volta da ponte). Este rio é um afluente do Rio Coli, que fica a sul da estrada Nova Lamego-Piche-Buruntuma e serve de linha fronteiriça entre a Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri.
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > O Carlos Alexandre e o Jacinto Cristina... O Carlos, soldado telefonista, de rendição individual, será o recordista da ponte, com cerca de 18 meses de permanência neste local (de Janeiro de 1973 a Julho de 1974)... Já estava na ponte, logo no início de Janeiro de 1973, quando o 3º Gr Comb chegou... E lá ficou, quando eles se foram embora, ajudando o seu substituto, o operador de transmissões, a adaptar-se ao lugar. Depois ainda ficou em Bissau, colovado na Engenharia, à espera de completar o tempo que lhe faltava. Lembra-se de ter encontrado em Bambadinca um antigo cabo miliciano que lhe dei instrução na metrópole e que ele muito gostaria de voltar a encontrar hioje. O regresso a casa foi só em Agosto de 1974. O Cristina e o resto da companhia já tinham partido, em Junho de 1974...(Nessa altura, já se ia de avião; recorde-se que a companhia partiu para a Guiné em 23/3/1972 e regresssou a casa 27 meses depois, em 23/6/1974).
Recorde-se aqui a opinião, autorizada, do nosso camarada Luís Borrega: "Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça (...) . O destacamento tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que (...) podia aguentar. No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição" (...).
Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Mensagem do nosso leitor e camarada Carlos Alexandre (e, a partir de agora, também membro da nossa Tabanca Grande, depois de termos falado os dois ao telefone, ontem, de manhã, e de ele ter aceite o meu convite; entra com o nº 458, neste dia simbólico em que por tradição evocamos os nossos mortos queridos):
Data: 31 de Outubro de 2010 00:32
Assunto: Monumento na Ponte de Caium
Companheiro, boa noite. Sou natural de Peniche, trabalho nos estaleiros navais, e cumprí serviço militar na Ponte Caium como radiotelefonista entre Janeiro de 73 e Junho de 74. Estive, portanto, com o Cristina. [Sold Jacinto António Grilo Cristina, natural de Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, membro da nossa Tabanca Grande desde Março passado].
O que me leva a dirigir-me a si, deve-se ao facto de ter entrado no blogue, da Tabanca Grande, e ter verificado algum desconhecimento da vossa parte sobre o memorial aos falecidos do 3º Grupo de Combate (Fantasmas do Leste) que se encontrava (encontra) a meio do tabuleiro da ponte, no lado esquerdo, no sentido Piche-Buruntuma. Esse monumento está(va) ao lado de uma pequena capela com uma pequena imagem, que está retratada na outra fotografia [, do Eduardo Campos, Abril de 2010], embora quase destruída, onde está(va] inscrita a frase "NEM SÓ DO PÃO VIVE O HOMEM".
O que pretendo esclarecer é o seguinte:
O monumento foi desenhado e realizado com a participação de quase todo o grupo e todo ele foi construído com areia, cimento e ferro. Foi desenhado e recortado no chão, forrado a papel para não colar e cheio de cimento, ferro e pedras. Ao ser levado para o sítio onde ainda hoje está, partiu-se a ponta que fazia o seguimento da meia lua. Como não podia ser reparado, optamos por fazer uma pequena escadaria e uma cruz.
Envio também uma fotografia que é bastante esclarecedora. Obrigado.
Carlos Alexandre [seguem-se os contactos telefónicos, que poderemos depois dispensar a camaradas dele que o queiram contactar].
2. Comentário de L.G.:
Falei ao telefone com o Carlos Alexandre que, de resto, é nado e criado num concelho vizinho do meu. Falámos também de Peniche, do passado e do presente, e de algumas pessoas que conhecemos. Falámos de Alfragide que ele conhece bem, e onde tem um filho que trabalha numa empresa informática.
O Carlos vive neste momento em Coimbrã, mas continua a trabalhar na sede do Concelho, nos Estaleiros Navais de Peniche, SA, uma empresa hoje de sucesso que dá trabalho a duzentos e tal pessoas... É chefe de equipa. Já era carpinteiro naval (e com muita honra) quando foi para a Guiné. Era igualmente casado e tinha uma filha, tal como o Cristina. Pelas contas feitas ao tempo que passou na Ponte Caium, ele deve ser mesmo o recordista do lugar: um ano e quase seis meses (ou seja, entre Janeiro de 1973 e Junho de 1974)...
Aceitou, de bom grado, o meu convite para integrar a Tabanca Grande. Depois do Cristina, é o segundo representante da CCAÇ 3546 no nosso blogue. Prometeu mandar-me uma foto actual, como mandam as regras. E outras que ainda conserva, de Caium e de Piche. Tinha falado recentemente com o Cristina e estava "zangado" com ele por não se lembrar da construção do monumento (!)... Também o Sobral não se lembrava da obra, o que lhe parece incrível... O Barroca, por sua vez, tinha uma vaga ideia... Não há dúvida que a memória humana é muito selectiva...
O Carlos foi um dos principais artífices da obra, mesmo que na sua modéstia diga o contrário. Falou-me de um outro camarada, o Barroca (alentejano,vive em Lisboa), do Sobral (que era um especialista a fazer o cimento)... Mas insiste em esclarecer, sem falsas modéstias, que foi "obra colectiva", trabalho de equipa. Ele era carpinteiro naval, não trabalhava com pedra nem com cimento, mas sabia fezer moldes e desenhos. A ideia até saiu bem... Tudo começou uma lata de coca-cola, uma folha de papel e lápis... Discutiu-se depois o que se devia lá pôr (os dizeres)...
Qual mármore, qual carapuça! Isto é mesmo cimento, ferro e pedras!... As letras e desenhos foram feitos a canivete, no cimento fresco...Qual empresário do pós-independência, qual benfeitor, qual carapuça!... Foi tudo à custa deles! E colocado no local à força de braço!... Em suma, com tanta inspiração como transpiração, acrescento eu...
Face à complexidade e à perfeição da obra, exigindo competências que não eram habituais encontrar-se a torto e a direito nas nossas unidades (por exemplo, desenho técnico) e partindo da errada suposição que o monumento tinho sido construído em pedra, e no pós-independência, eu próprio já tinha, com alguma ingenuidade, comentado o seguinte: "Alguém, entretanto, que nos ajude a responder às nossas dúvidas e perplexidades: (i) foi trabalho para custar bom patacão; (ii) aquele tipo de pedra (mármore ?) não era fácil de encontrar na Guiné ; (iii) será que o trabalho foi encomendado e executado na Metrópole ?; (iv) haveria alguém, nomeadamente em Bissau, com a necessária tecnologia para executar aquele tipo de trabalho ? (v) quem terá sido o "arquitecto" ; e (vi) o executante ?"...
Bem, eu imaginava alguém ligado aos mármores, à cantaria, habituado a desenhar letras, a cinzelar a pedra... Qual quê, tudo feito com papel, cola, cimento, ferro, pedras, areão... Primeiro foi feito um molde, na terra (barro): o corpo do monumento, em forma de meia lua, foi cheio com cimento, reforçado com bocados de arame farpado (ou verguinha, já não se lembra)... As dimensões, tanto quanto o Carlos se lembra, eram mais ou menos as seguintes: cerca de 15 de espessura, 2,5 metros de altura, e outro tanto ou mais de comprimento. O monumento, com umas centenas quilos ("mais de 200, seguramente!"), foi depois levado à força de braço para o tabuleiro da ponte, onde depois se realizou o trabalho mais fino: o recorte das letras, os desenhos em relevo... E ali ficou, a meio da ponte, cravado no chão, a um distância de 35 cm do corrimão do lado esquerdo (no sentido Piche-Buruntuma), deixando um homem passar ou colocar-se por detrás...
Como se vê, um dos arquitectos e artífices foi um... carpinteiro naval!...Para além da concepção, aplicou-se sobretudo no desenho: letras e brasão do pelotão (3º Gr Comb, Fantasmas do Leste). Habituado que estava a trabalhar com moldes e letras, na construção naval, a tarefa para ele não tinha segredos. Mais difícil era cortar o cimento a canivete, para fazer as letras desenhadas. Outro colega habilidoso terá feito esse trabalho. Era preciso rapidez e perícia para que o cimento não secasse. Foi obra "colectiva", como ele faz questão de sublinhar ("O cimento, por exemplo, foi tarefa do Sobral, eu não percebia nada de cimento pré-esforçado").
E foi tudo planeado e executado a seguir à morte dos camaradas na emboscada montada pelo PAIGC em 14 de Junho de 1973, na estrada Buruntuma-Piche: 1º Cabo Ap. Metralhadora David Fernandes Torrão; Sold At Carlos Alberto Graça Gonçalves (mais conhecido por Charlô, devido ao seu feitio brincalhão; Sold At Hermínio Esteves Fernandes; Sold At José Maria dos Santos. Todos eles brutalmente mortos à roquetada e cortados em quatro com rajadas de Kalash... Nessa altura, o Alexandre (como é conhecido entre os seus camaradas) estava de férias...
A partir de Agosto de 1973, o grupo começou a trabalhar a ideia de fazer-lhes uma homenagem derradeira, um memorial em que a sua memória ficasse perpetuada em cima da ponte, por muitos e bons anos... Interrogado sobre o início dos trabalhos, o Carlos aponta para finais de 1973, princípios de 1974... A obra ainda levou umas semanas. E a ideia era pintar os diversos elementos do monumento. O que não chegou a acontecer, porque entretanto deu-se fim do destacamento. Mas o brasão do pelotão (o desenho dos Fantasmas do Leste) foi muito usado nas cartas que se escreviam. Como havia vários camaradas que não sabiam nem nem escrever, o Carlos desempenhava também essa nobre função de ler e escrever as cartas e os aerogramas...
E em boa hora, neste dia 1 de Novembro de 2010, voltamos a falar da memória destes camaradas que a morte não deixou que regressassem a casa para contar, aos filhos e netos, como era a vida na Ponte Caium...
Recorde-se que, por outro lado, em 19 de Fevereiro de 1973, também tinha morrido o Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, vítima de uma armadilha que estava a desmontar. Ainda o grupo tinha chegado há pouco tempo ao destacamento da Ponte sobre o Rio Caium (vd. foto ao lado, do Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav , com a especialidade de Minas e Armadilhas, CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, que também lá penou).
Também em Março ou Abril de 1973, falecera, de acidente, o Silva, apontador de canhão s/r (que não funcionava, era só para "turra ver"). Ora, sabendo-se que o Cristina tinha ido de férias em Abril de 1973, e que nunca saía do destacamento, na altura da construção do monumento ele estava pois lá, e de certeza que também deu uma ajuda...
Sobre esta obra, devo dizer que não conheço nada semelhante, à sua dimensão ou escala, em termos de criatividade, estética e técnica construtiva, deixada pelos nossos anónimos arquitectos, engenheiros, escultores, construtores, pedreiros e carpinteiros militares no TO da Guiné.
A foto tirada pelo Eduardo Campos enganou-me, ao sugerir que o material podia ser mármore rosa, ou coisa parecida... O monumento original era da cor do cimento, afiança o Carlos Alexandre. Com o tempo, e a acumulação do pó vermelho da estrada, ganhou a cor de mármore rosa...
Foi por causa destas inexactidões que o Alexandre viu no blogue, é que se decidiu escrever-me (e telefonar-me). E aqui fica o esclarecimento: o seu a seu dono!... E mais do que isso: os meus/nossos parabéns aos bravos de Caium, pelo exemplo não só de talento e imaginação como de extraordinária camaradagem, união, trabalho de equipa e capacidade de sofrimento !... Ponte Caium representa o que de melhor têm (e são capazes de mostrar) os seres humanos, mesmo numa situação-limite como esta.
Foto: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Já agora, o Carlos queixou-se que o Cristina nunca apareceu nos convívios anuais do batalhão, havendo muita malta que o gostava de rever e abraçar. Ele, Carlos, por sua vez já se deslocou de propósito à terra do Jacinto, que fica longe de Peniche, para lhe levar uma lembrança. O ano passado teve oportunidade de conhecer a Cristina, a filha do Jacinto, e o marido, o médico Rui Silva que ele achou um casal encantador.
Enfim, aqui fica mais um pedaço da história de todos nós... Prometi ao Carlos que transmitia de novo ao Cristina estas informações (que de resto já lhe foram dadas por ele, Carlos, ao telefone), disse-lhe que ficava a aguardar mais relatos da vida na Ponte de Caium e que lhe desejava uma "boa estadia" na nova Tabanca, a nossa Tabanca Grande. E, a propósito, ele informou-me que a tabanca mais próxima da Ponte chamava-se Sinchã Tumane...
Pela minha parte, espero um dia destes encontrar o Carlos em Peniche para o conhecer pessoalmente e dar-lhe um abraço ao vivo.
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Nota de L.G.:
Último poste desta série > 31 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7201: Memória dos lugares (84): Recepção popular dos piras da 2ª CART do BART 6523 (1973/74), em Cabuca (António Barbosa)