segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7203: Memória dos lugares (108): A Ponte Caium e o monumento, construído por nós, e dedicado aos nossos mortos: Cardoso, Torrão, Gonçalves, Fernandes, Santos, Silva (Carlos Alexandre, radiotelefonista, natural de Peniche, 3º Gr Comb, CCAÇ 3546, 1972/74)


Guiné > Zona Leste > Piche > Destacamento de Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto de  1973. Monumento construído pelo pessoal destacado na ponte, do 3º Gr Comb, e que ainda lá está, como o comprovou em Abril passado o nosso camarada Eduardo Campos.

Situa-se no tabuleiro da ponte,  no lado esquerdo,  no sentido Piche-Buruntuma. Na foto, vê-se em primeiro plano, sentado na base do monumento, o  Teixeira, de barbas; em segundo plano, e da esquerda para a direita, o Rocha (condutor, natural da Praia da Rocha, Portimão); o Carlos Alexandre (radiotelefonista, natural de Peniche), do qual só se vê a cara; e o Manuel da Conceição Sobral (natural de Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém, ajudante de padeiro do Cristina). Ao lado do Rocha, à sua esquerda, vê-se o pequeno oratório tendo, na sua base, inscrita a legenda "Nem só de pão vive o homem"... (Não tem nada a ver com o forno do Cristina, como eu supunha...) (LG).

Foto: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Ponte Caium > Abril de 2010 > Dois monumentos de homenagem aos bravos de Caium,  constituídos por: (i) Memorial aos mortos da CCAÇ 3546 (1972/74): "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold Ap Can [Apontador de Canhão  s/r ]Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas do Leste. Guiné- 72/74"; (ii) Pequeno oratório com a legenda "Nem só de pão vive o homem. Guiné, 1972-1974". 


É espantoso como, 37 anos depois, o memorial p.d. esteja ainda quase intacto (falta-lhe a cruz que o encimava) e em razoável estado de conservação... Noutros sítios, estes monumentos deixados pelas tropa portuguesa foram vandalizados ou pura e simplesmente destruídos.  Hoje, pelo contrário, há uma tentativa para os recuperar. Estamos no nordeste, em pleno chão fula, próximo da fronteira com a Guiné-Conacri, a meio caminho entre Piche e Buruntuma.

Foto: © Eduardo Campos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) >  Destacamento da Ponte Caium > s/d (época seca, 1973 ? )> O destacamento visto da margem esquerda do Rio Caium, a sul da estrada no sentido Buruntuma-Piche. O memorial ficava a meio da ponte, do lado do lado esquerdo do tabuleiro (no snetido Piche-Buruntuma). Se lá estivesse nessa altura, não seria visível na fotografia porque estaria tapado pelos abrigos, aqui ao centro da foto (e onde ficava as transmissões, segundo informação do Alexandre que, no entanto, está examinar melhor uma imagem destas com mais resolução; à entrada do tabuleiro, estão dois camaradas que parecem ser o Cristina e o Sobral).


Nos dois álbuns de fotografia do Jacinto Cristina (sem datas nem legendas), não há uma única foto do memorial... Com toda a certeza esta foto é dos primeiros meses de estadia na ponte, ainda na época seca (1º trimestre de 1973 ou início do segundo; o memorial foi  construído, uns meses depois da emboscada de 14 de Junho de 1973,  em finais de 1973 ou inícios de 1974).


Sabemos que um novo troço da estrada Piche-Buruntuma estava em construção, a cargo da Tecnil. De Nova Lamego a Piche já se ia há muito em estrada asfaltada. Daí talvez este desvio, contornando a ponte e atravessando o rio, e que é visível na foto. Na época seca, o rio Caium ficava seco (ou reduzia-se a um pequeno lago à volta da ponte). Este rio é um afluente do Rio Coli, que fica a sul da estrada Nova Lamego-Piche-Buruntuma e serve de linha fronteiriça entre a Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri.




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > O Carlos Alexandre e o Jacinto Cristina... O Carlos, soldado telefonista, de rendição individual,  será o recordista da ponte, com cerca de 18 meses de permanência neste local (de Janeiro de 1973 a Julho de 1974)... Já estava na ponte, logo no início de Janeiro de 1973, quando o 3º Gr Comb chegou... E lá ficou, quando eles se foram embora, ajudando o seu substituto, o operador de transmissões, a adaptar-se ao lugar. Depois ainda ficou em Bissau, colovado na Engenharia, à espera de completar o tempo que lhe faltava. Lembra-se de ter encontrado em Bambadinca um antigo cabo miliciano que lhe dei instrução na metrópole e que ele muito gostaria de voltar a encontrar hioje. O regresso a casa foi só em Agosto de 1974. O Cristina e o resto da companhia já tinham partido, em Junho de 1974...(Nessa altura, já se ia de avião; recorde-se que a companhia partiu para a Guiné em 23/3/1972 e regresssou a casa  27 meses depois, em 23/6/1974).





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte do Rio Caium > Quatro camaradas, quatro amigos: Da direita para a esquerda: Jacinto Cristina (padeiro e municiador do morteiro10,, e não 81, diz o Carlos), Carlos Alexandre (operador de transmissões, natural de Peniche), Rocha (condutor, algarvio) e Santiago (1º cabo, atirador, que tomava conta da cantina)... 

Recorde-se aqui a opinião, autorizada, do nosso camarada Luís Borrega: "Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça (...) . O destacamento tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que (...) podia aguentar. No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição" (...).

Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Mensagem do nosso leitor e camarada Carlos Alexandre  (e, a partir de agora, também membro da nossa Tabanca Grande, depois de termos falado os dois ao telefone, ontem, de manhã, e de ele ter aceite o meu convite; entra com o nº 458, neste dia simbólico em que por tradição evocamos os nossos mortos queridos):


Data: 31 de Outubro de 2010 00:32
Assunto: Monumento na Ponte de Caium

Companheiro,  boa noite. Sou natural de Peniche,  trabalho nos estaleiros navais, e cumprí serviço militar na Ponte Caium como radiotelefonista entre Janeiro de 73 e Junho de 74. Estive, portanto,  com o Cristina. [Sold Jacinto António Grilo Cristina, natural de Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, membro da nossa Tabanca Grande desde Março passado].

O que me leva a dirigir-me a si, deve-se ao facto de ter entrado no blogue, da Tabanca Grande,  e ter verificado algum desconhecimento da vossa parte sobre o memorial aos falecidos do 3º Grupo de Combate (Fantasmas do Leste) que se encontrava (encontra) a meio do tabuleiro da ponte,  no lado esquerdo,  no sentido Piche-Buruntuma. Esse monumento está(va) ao lado de uma pequena capela com uma pequena imagem, que está retratada na outra fotografia [, do Eduardo Campos, Abril de 2010],  embora quase destruída,  onde está(va] inscrita a frase "NEM SÓ DO PÃO VIVE O HOMEM".

O que pretendo esclarecer é o seguinte:

 O monumento foi desenhado e realizado com a participação de quase todo o grupo e todo ele foi construído com areia,  cimento e ferro. Foi desenhado e recortado no chão, forrado a papel para não colar e cheio de cimento,  ferro e pedras. Ao ser levado para o sítio onde ainda hoje está,  partiu-se a ponta que fazia o seguimento da meia lua. Como não podia ser reparado,  optamos por fazer uma pequena escadaria e uma cruz.

Envio também uma fotografia que é bastante esclarecedora. Obrigado.

Carlos Alexandre [seguem-se os contactos telefónicos, que poderemos depois dispensar a camaradas dele que o queiram contactar].



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Carta de Piche > Localização (assinalada a amarelo) da Ponte do Rio Caium, na estrada Piche (a sudoeste)-Buruntuma (nordeste, junto à fronteira com a Guiné-Conacri), sensivelmente a meio entre as duas localidades. O Rio Caium corre para sul, sendo um afluente do Rio Coli (que separa os dois países, num largo troco da fronteira leste).



2. Comentário de L.G.:

Falei ao telefone com o Carlos Alexandre que, de resto, é nado e criado num concelho vizinho do meu. Falámos também de Peniche, do passado e do presente, e de algumas pessoas que conhecemos. Falámos de Alfragide que ele conhece bem, e onde tem um filho que trabalha numa empresa informática.

O Carlos vive neste momento em Coimbrã, mas continua a trabalhar na sede do Concelho, nos Estaleiros Navais de Peniche, SA, uma empresa hoje de sucesso que dá trabalho a duzentos e tal pessoas... É chefe de equipa. Já era carpinteiro naval (e com muita honra) quando foi para a Guiné. Era igualmente casado e tinha uma filha, tal como o Cristina. Pelas contas feitas ao tempo que passou na Ponte Caium, ele deve ser mesmo o recordista do lugar: um ano e quase seis meses (ou seja, entre Janeiro de 1973 e Junho de 1974)...

 Aceitou, de bom grado, o meu convite para integrar a Tabanca Grande. Depois do Cristina, é o segundo representante da CCAÇ 3546 no nosso blogue. Prometeu mandar-me uma foto actual, como mandam as regras. E outras que ainda conserva, de Caium e de Piche. Tinha falado recentemente com o Cristina e estava "zangado" com ele por não se lembrar da construção do monumento (!)... Também o Sobral não se lembrava da obra, o que lhe parece incrível... O Barroca, por sua vez, tinha uma vaga ideia... Não há dúvida que a memória humana é muito selectiva...

O Carlos foi um dos principais artífices da obra, mesmo que na sua modéstia diga o contrário. Falou-me de um outro camarada, o Barroca (alentejano,vive em Lisboa), do Sobral (que era um especialista a fazer o cimento)... Mas insiste em esclarecer, sem falsas modéstias,  que foi "obra colectiva", trabalho de equipa.  Ele era carpinteiro naval, não trabalhava com pedra nem com cimento, mas sabia fezer moldes e desenhos. A ideia até saiu bem... Tudo começou uma lata de coca-cola, uma folha de papel e lápis... Discutiu-se depois o que se devia lá pôr (os dizeres)...

Qual mármore, qual carapuça! Isto é mesmo cimento, ferro e pedras!... As letras e desenhos foram feitos a canivete, no cimento fresco...Qual empresário do pós-independência, qual benfeitor, qual carapuça!... Foi tudo à custa deles! E colocado no local à força de braço!... Em suma, com tanta inspiração como transpiração, acrescento eu...

Face à complexidade e à perfeição da obra, exigindo competências que não eram habituais encontrar-se a torto e a direito nas nossas unidades (por exemplo, desenho técnico) e partindo da errada suposição que o monumento tinho sido construído em pedra, e no pós-independência, eu próprio já tinha, com alguma ingenuidade, comentado o seguinte: "Alguém, entretanto, que nos ajude a responder às nossas dúvidas e perplexidades: (i) foi trabalho para custar bom patacão; (ii) aquele tipo de pedra (mármore ?) não era fácil de encontrar na Guiné ; (iii) será que o trabalho foi encomendado e executado na Metrópole ?; (iv) haveria alguém, nomeadamente em Bissau, com a necessária tecnologia para executar aquele tipo de trabalho ? (v) quem terá sido o "arquitecto" ; e (vi) o executante ?"...

Bem, eu imaginava alguém ligado aos mármores, à cantaria, habituado a desenhar letras, a cinzelar  a pedra... Qual quê, tudo feito com papel, cola, cimento, ferro, pedras, areão... Primeiro foi feito um molde, na terra (barro): o corpo do monumento, em forma de meia lua, foi cheio com cimento, reforçado com bocados de arame farpado (ou verguinha, já não se lembra)... As dimensões, tanto quanto o Carlos se lembra, eram mais ou menos as seguintes: cerca de 15 de espessura, 2,5 metros de altura, e outro tanto ou mais de comprimento.   O monumento, com umas centenas quilos ("mais de 200, seguramente!"),  foi depois levado à força de braço para o tabuleiro da ponte, onde depois se realizou o trabalho mais fino: o recorte das letras, os desenhos em relevo... E ali ficou, a meio da ponte, cravado no chão, a um distância de 35 cm do corrimão do lado esquerdo (no sentido Piche-Buruntuma), deixando um homem passar ou colocar-se por detrás...



Como se vê, um dos arquitectos e artífices foi um... carpinteiro naval!...Para além da concepção, aplicou-se sobretudo no desenho: letras e brasão do pelotão (3º Gr Comb, Fantasmas do Leste). Habituado que estava a trabalhar com moldes e letras, na construção naval,  a tarefa para ele não tinha segredos.  Mais difícil era cortar o cimento a canivete, para fazer as letras desenhadas. Outro colega habilidoso terá feito esse trabalho. Era preciso rapidez e perícia para que o cimento não secasse.  Foi obra "colectiva", como ele faz questão de sublinhar ("O cimento, por exemplo,  foi tarefa do Sobral, eu não percebia nada de cimento pré-esforçado").

E foi tudo planeado e executado a seguir à morte dos camaradas na emboscada montada pelo PAIGC em 14 de Junho de 1973, na estrada Buruntuma-Piche: 1º Cabo Ap. Metralhadora David Fernandes Torrão; Sold At Carlos Alberto Graça Gonçalves (mais conhecido por Charlô, devido ao seu feitio brincalhão; Sold At Hermínio Esteves Fernandes; Sold At José Maria dos Santos.  Todos eles brutalmente mortos à roquetada e cortados em quatro com rajadas de Kalash... Nessa altura, o Alexandre (como é conhecido entre os seus camaradas) estava de férias...

A partir de Agosto de 1973, o grupo começou a trabalhar a ideia de fazer-lhes uma homenagem derradeira, um memorial em que a sua memória ficasse perpetuada em cima da ponte, por muitos e bons anos... Interrogado sobre o início dos trabalhos, o Carlos aponta para finais de 1973, princípios de 1974... A obra ainda levou umas semanas. E a ideia era pintar os diversos elementos do monumento. O que não chegou a acontecer, porque entretanto deu-se fim do destacamento. Mas o brasão do pelotão (o desenho dos Fantasmas do Leste) foi muito usado nas cartas que se escreviam. Como havia vários camaradas que não sabiam nem nem escrever, o Carlos desempenhava também essa nobre função de ler e escrever as cartas e os aerogramas...

E em boa hora, neste dia 1 de Novembro de 2010, voltamos a falar da memória destes camaradas que a morte não deixou que regressassem a casa para contar, aos filhos e netos, como era a vida na Ponte Caium...

Recorde-se que, por outro lado, em 19 de Fevereiro de 1973,  também tinha morrido o Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, vítima de uma armadilha que estava a desmontar.  Ainda o grupo tinha chegado há pouco tempo ao destacamento da Ponte sobre o  Rio Caium (vd. foto ao lado, do Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav , com a especialidade de Minas e Armadilhas,  CCAV 2749/BCAV 2922,  Piche, 1970/72, que também lá penou).

Também em Março ou Abril de 1973, falecera, de acidente, o Silva, apontador de canhão s/r (que não funcionava, era só para "turra ver"). Ora, sabendo-se que o Cristina tinha ido de férias em Abril de 1973, e que nunca saía do destacamento, na altura da construção do monumento ele estava pois lá, e de certeza que também deu uma ajuda...

Sobre esta obra, devo dizer que não conheço nada semelhante, à sua dimensão ou escala, em termos de criatividade, estética e técnica construtiva, deixada pelos nossos anónimos arquitectos, engenheiros, escultores, construtores, pedreiros e carpinteiros militares no TO da Guiné.

A foto tirada pelo Eduardo Campos enganou-me, ao sugerir que o material podia ser mármore rosa, ou coisa parecida... O monumento original era da cor do cimento, afiança o Carlos Alexandre. Com o tempo, e a acumulação do pó vermelho da estrada, ganhou a cor de mármore rosa...

Foi por causa destas  inexactidões que o Alexandre viu no blogue, é que se decidiu escrever-me (e telefonar-me). E aqui fica o esclarecimento: o seu a seu dono!... E mais do que isso: os meus/nossos parabéns aos bravos de Caium, pelo exemplo não só de talento e imaginação como de extraordinária camaradagem, união, trabalho de equipa e capacidade de sofrimento !... Ponte Caium representa o que de melhor têm (e são capazes de mostrar) os seres humanos, mesmo numa situação-limite como esta.




Guiné > Zona Leste > Piche > Destacamento de Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto do memorial, em mais detalhe, com os quatro camaradas e amigos: em primeiro plano, sentado na base do monumento, o Teixeira, de barbas; em segundo plano, e da esquerda para a direita, o Rocha (condutor, natural da Praia da Rocha, Portimão); o Carlos Alexandre (radiotelefonista, carpinteiro naval, natural de Peniche, e um dos co-autores da concepção e execução do monumento),  e o Manuel da Conceição Sobral (natural de Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém).


Foto: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Já agora, o Carlos queixou-se que o Cristina nunca apareceu nos convívios anuais do batalhão, havendo muita malta que o gostava de rever e abraçar. Ele, Carlos, por sua vez já se deslocou de propósito à terra do Jacinto, que fica longe de Peniche, para lhe levar uma lembrança. O ano passado teve oportunidade de conhecer a Cristina, a filha do Jacinto, e o marido, o médico Rui Silva que ele achou um casal encantador.

Enfim, aqui fica mais um pedaço da história de todos nós... Prometi ao Carlos que transmitia de novo ao Cristina estas informações (que de resto já lhe foram dadas por ele, Carlos, ao telefone), disse-lhe que ficava a aguardar mais relatos da vida na Ponte de Caium e que  lhe desejava uma "boa estadia" na nova Tabanca, a nossa Tabanca Grande. E, a propósito, ele informou-me que a tabanca mais próxima da Ponte chamava-se Sinchã Tumane...

Pela minha parte, espero um dia destes encontrar o Carlos em Peniche para o conhecer pessoalmente e dar-lhe um abraço ao vivo.
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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 31 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7201: Memória dos lugares (84): Recepção popular dos piras da 2ª CART do BART 6523 (1973/74), em Cabuca (António Barbosa)

domingo, 31 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7202: Blogpoesia (81): Quem não se lembra?... (Augusto Vilaça)

1. Mensagem de Augusto José Saraiva Vilaça (ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914, Sangonhá e Cacoca, 1967/69), com data de 10 de Outubro de 2010:

Amigo Carlos,
passo-te um poema relacionado com a Guiné.


BLOGPOESIA

Quem não se lembra?...

Augusto Vilaça

Quarenta e quatro anos passados
continuamos irmanados
relembrando ousadias.
Foi um tempo particular
de uma era militar
arriscando nossas vidas.


Bolanhas, fulas, biafadas,
capim e morteiradas,
abrigos... flagelações...
Foram muitas caminhadas
e algumas emboscadas
sustos... palpitações.


Mas hoje estamos de pé
sem esquecermos até
aqueles que aqui não estão.
Camaradas da Guiné
vamos mostrar como é
com um abraço do coração.


O camarada
A. Vilaça
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7147: Tabanca Grande (248): Augusto José Saraiva Vilaça, ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914 (Sangonhá e Cacoca, 1967/69)

Vd. último poste da série de 18 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6868: Blogpoesia (80): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (7) (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7201: Memória dos lugares (107): Recepção popular dos piras da 2ª CART do BART 6523 (1973/74), em Cabuca (António Barbosa)

1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos, em 14 de Outubro último, excelentes e raras fotos da recepção oferecida aos piras pelo povo da região:

Camaradas,

No longínquo dia 8 de Setembro de 1973 a minha 2ª CART do BART 6523, assumiu a responsabilidade do subsector de Cabuca.

As fotos que se seguem são referentes às boas vindas com que fomos brindados pela população civil local, podendo verificar-se o ambiente festivo que ali vivemos naquele memorável dia.

RECEPÇÃO DOS PIRAS DA 2ª CART DO BART 6523










Um Grande Abraço
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
Fotografia: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
28 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7186: Memória dos lugares (83): Gadamael e as suas unidades de quadrícula (Luís Graça / Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P7200: O Soldado Africano Esquecido / Forgotten African Soldier (2): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp do Pel Caç 52 e da CCAÇ 15 (1971/73)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (, foto à esquerda, algures na Guiné, entre 1971 e 1973:


Data: 19 de Outubro de 2010 09:18
Assunto: Pesquisa Académica sobre Soldados Africanos


Meus caros camadas editores:


Reencaminho mail que recebi do Senhor Jochen Steffen Arndt, pedindo-me ajuda para um trabalho que descreve no seu mail e aqui me escuso de repetir.


Julgo que poderá ser divulgado na Tabanca Grande onde há camaradas que, por muito mais dedicados aos números e estatísticas do que eu, poderão dar uma mais concreta ajuda a este trabalho, caso, meus camaradas editores,  achem que o devemos fazer.


Com um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

2. Resposta do Joaquim Mexias Alves ao investigadorJochen S. Arndt:


Exmo. Senhor Jochen Steffen Arndt:

Agradeço o seu mail e desde já me disponibilizo para o ajudar no seu trabalho, em tudo aquilo que eu possa saber sobre o assunto.

Com efeito comandei o Pel Caç Nat 52, de soldados guineneses de diversas etnias, e depois comandei durante uns tempos a CCaç 15 que era formada por guinenenses da etnia Balanta.
De qualquer modo e como penso ser do seu interesse e do interesse do seu trabalho, vou dar conhecimento desta troca de mails entre nós aos editores do blogue onde estão reunidos diversos combatentes da Guiné, http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/, e onde há camaradas meus que o poderão ajudar bem melhor do que eu, pois têm acesso mais fácil aos números estatisticos que refere e deseja conhecer.

Fico obviamente à sua disposição.
Com os melhores cumprimentos
Joaquim Mexia Alves

3. Mensagem, de 18 do corrente, de Jochen S. AArndt, enviada ao nosso camarada Joaquim: [com correcções do português, introduzidas por L.G.]




Exmo. Senhor Joaquim Mexia Alves,


Meu nome é Jochen Steffen Arndt. Sou [assistente de investigação] e estudante no programa de doutoramento da Universidade de Illinois em Chicago, EUA. Encontrei recentemente o seu site na internet e seu artigo publicado no journal Correio da Manhã no dia 10 de Julho 2010. Este artigo foi de grande interese para mim por que trata também de soldados africanos que [fizeram] parte das forças portuguesas no ultramar. Mais especificamente foi de grande interese para mim porque estou realizando um projeto de pesquisa académica sobre soldados e [milícias] africanos que serviram com as forças portuguesas na África entre 1961 e 1974.


As questões que norteiam meu projeto são (...) (vd. poste P7192) (*).


Dado este contexto, e como o Senhor Alves serviu juntamente com tropas africanas no Pel Caç Nat 52, perto de Bambadinca, eu gostava de perguntar se estaria disposto a participar neste projecto, partilhando [comigo] as suas experiências, memórias e, talvez, seus contactos.


Por enquanto eu estabeleci contactos através do site ultramar.terraweb, com alguns veteranos europeus e africanos. Seria de grande interesse o Senhor Alves [poder] juntar-se a este projecto.

Agradeço-lhe sinceramente por [me dispensar] o seu tempo. Por favor, não hesite em contactar-me com quaisquer perguntas.


Atentamente,


Jochen S. Arndt
PhD Student
Department of History (MC 198)
913 University Hall 601 South Morgan Street
University of Illinois at Chicago
Chicago, IL 60607-7109

3. Comentário de L.G.:

Eu já dei o meu acordo de princípio em relação à colaboração dos membros do nosso blogue, a título individual,  com este investigador e com este projecto. Fazendo eu próprio parte da comunidade científico, e sendo oriundo das ciências sociais e humanas, tenho a obrigação de contribuir, também eu, para o desenvolvimento de domínios científicos como a história, e em particular, a história contemporânea (portuguesa, europeia, africana...). 

Infelizmente não tenho actualmente quaisquer  contactos pessoais com os antigos soldados guineenses que integraram a CCAÇ 12 (da qual fiz parte, entre Maio de 1969 e Março de 1971). Não me correspondo com nenhum deles nem sei onde vivem, com uma única excepção. No entanto, os seus nomes estão publicados no nosso blogue.

As informações que publicamos no nosso blogue são públicas. Naturalmente que os nossos textos e imagens estão sujeitos a direitos de autor. Mas podem ser citados em trabalhos de investigação científica ou outros propósitos desde que estes não sejam comerciais. Pedimos apenas que nos dêem conhecimento desse uso.

A colaboração com este investigador e com este projecto é, em princípipio, feita a título individual, e tem um propósito académico. O nosso blogue (que abriu uma nova série, O Soldado Africano Esquecido / Forgotten African Soldier, inspirado no título da página do Jochen, ForgottenAfricanSoldiers.Orgmas que já tinha e tem a série Os Nossos Camaradas Guineenses, entre outras), o nosso blogue - dizia -  gostaria de poder acompanhar os progressos feitos pelo autor e sobretudo aproveitar o ensejo para expor e discutir a actual situação dos antigos militares, do recrutamento local, que integraram as Forças Armadas Portuguesas no CTIG. Na realidade, não se trata do Soldado Africano Desconhecido (que também o houve, na Guiné) mas de um Soldado Africano Esquecido.

Por outro lado, gostaríamos de ver acautelados, acima de tudo, os interesses e os direitos dos nossos antigos camaradas guineenses que venham a aceitar ser entrevistados no âmbito deste projecto de doutoramento. Esses interesses devem ser devidamente protegidos. Nomeadamente achamos que a sua identidade e local de residência (dentro e fora da Guiné-Bissau)  não devem ser revelados, de modo a proteger a sua identidade e segurança. Muitos deles já sofreram demais, foram perseguidos, discriminados, presos e até mortos.


A mediação da nossa Liga de Combatentes também pode ser útil. No entanto, é bom não esquecer que há um contencioso com o Estado Português (por causa de reparações e pensões) que poderá dificultar e até inviabilizar os contactos com os nossos antigos camaradas guineenses. Não me parece, por outro lado, que esteja muito activa a AMFAP - Associação dos Ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas, da Guiné-Bissau. Não conheço os seus dirigentes nem sequer os seus estatutos... 



No que diz respeito ao Jochen Steffen Arndt, sabemos que é alemão, ou de origem alemã, que é ainda jovem, que teve um avô no exército alemã, na frente russa, e que trabalhou em Portugal, mais exactamente em Vila Nova de Gaia, durante sete anos, pelo que fala e escreve (presumo) o português (, para além do inglês e do africânder, as três línguas que ele usa no sítio do projecto). Gosta de francesinhas, diz-nos o Paulo Salgado, e tem boas recordações do nosso país. Não sabemos as razões, pessoais ou outras,  por que decidiu entretanto continuar os seus estudos e doutorar-se em história numa universidade americana. Essas razões poderá ele ter a gentileza de nos dizer, se for caso disso. 



Fica aqui também o convite para ele integrar a nossa Tabanca Grande (e mandar-nos uma foto sua), à semelhança do que fizemos com a Tina Kramer, também alemã, doutoranda em etnologia, e que entende o português, coisa que não acontece com outro doutorando, que apoiámos, o Ten Cor da Força Aérea dos Estados Unidos,  Matt Hurle.


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Notas de L.G.: 

(*) Vd. poste de 30 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7192: O Mundo é Pequeno e o Nosso Blogue... é Grande (30): Forgoten African Soldier / O Soldado Africano Esquecido (Jochen Steffen Arndt, Universidade de Illinois em Chicago)

Guiné 63/74 - P7199: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
Acabei a recensão do importante livro do Hélio Felgas.
Segue-se Luís Cabral e a sua indispensável “Crónica da Libertação”.
Daqui salto para o fuzileiros que combateram na Guiné, levantamento feito por Luís Sanches de Baêna.
Devo estas importantes leituras ao António Duarte Silva.
Isto dá-me argumento para voltar ao meu incessante pedido a todos os confrades, que me cedam as obras que possam ajudar ao mais exaustivo inventário de tudo o que se tem publicado sobre a Guiné, nomeadamente no período correspondente à guerra (mas o próximo e o logo a seguir também contam, claro está).

Um abraço do
Mário


Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (4)

Beja Santos

A evolução dos acontecimentos militares de 1964 para 1965

No seu importante documento “Guerra da Guiné”, Hélio Felgas traça um quadro promissor para o controlo da guerrilha a partir do segundo semestre de 1964. Como se sabe, não só não houve controlo como o PAIGC adquiriu uma maior capacidade irradiante. No termo do seu trabalho, Hélio Felgas é peremptório: em 1965, a situação militar estava a melhorar substancialmente, no primeiro semestre. É facto que a presença do PAIGC na região do Boé aumentou, reavivou-se no nordeste da Província. Mas as contradições não param. Ele escreve: “O mês de Fevereiro foi aquele em que o PAIGC se mostrou mais activo, desde o início do terrorismo, tendo os seus grupos, só entre os dias 10 e 17, realizado perto de meia centena de acções de fogo”. Para o autor, as tropas portuguesas revelavam-se bem adaptadas ao terreno e a malha de ocupação militar. “A ofensiva dos bandoleiros foi não só contida como rechaçada”. Para Hélio Felgas, a situação militar na Guiné estava praticamente dominada no final de Junho de 1965. É certo que continuava a colocar minas, a fazer emboscadas e a flagelar aquartelamentos. Mas revelava falta de convicção e os grupos do PAIGC mostravam-se moralizados. O facto não é demonstrado, pelo contrário o relato prossegue contrariando a euforia das provisões: mais emboscadas entre Barro e Ingoré, entre Barro e Bijene; a base em Sambuiá estava activa, a base fora destruída e renascera; nas áreas de Binta-Guidage e Canjambari, o PAIGC aumentou a sua actividade; reacenderam-se as emboscadas na estrada Bissorã-Olossato; na zona centro-leste (confluência dos rios Corubal e Geba) a actividade das forças do PAIGC manifestou-se em ataques a tabancas em autodefesa, caso de Finete e Quirafo; o novo aquartelamento de Ponta do Inglês era flagelado sem descanso e com regularidade eram postas minas na estrada Xime-Ponta do Inglês e em Ponta Varela; no Sul, não houve quebra nas flagelações e emboscadas: Cameconde, Cacoca, Sangonhá, Ganturé, Buba, Bedanda, Fulacunda, Cachile e Cufar, entre tantos outros aquartelamentos. A partir de Maio, reduziram-se as acções ofensivas, fica-se sem saber se as chuvas foram um factor importante. O triângulo Piche-Buruntuma-Canquelifá foi severamente flagelado mas a penetração a leste manteve-se, no essencial, contida.

Hélio Felgas escreve que constava que os comandantes do Oio se tinham dirigido a Amílcar Cabral para entrar em negociações com o Governo português, tal seria o cansaço e a desilusão. Corriam igualmente boatos acerca de desinteligências entre os chefes dos grupos combatentes e os dirigentes do PAIGC. Estava a crescer o número de denúncias civis, o que certificava que a população deixara-se de bandear para a guerrilha. O autor especula sobre os factos desfavoráveis que estavam a ocorrer no PAIGC mas também não dá argumentação convincente. E o texto termina com uma laude: “Seja qual for a sua evolução, podemos estar certos que o Exército, a Marinha e Aviação saberão manter na Guiné as melhores tradições militares portuguesas”.


A luta na Guiné em 1970

Em 10 de Abril de 1970, o coronel Hélio Felgas profere uma conferência na Academia Militar intitulada “A luta na Guiné”.

Abre a sua intervenção dizendo que ali existem as condições ideais para a guerra de guerrilhas, tal a densidade do mato, a hostilidade do clima, a proliferação de rios e rias, até a humidade insuportável.
 Passando para o contexto internacional, refere que a partir de 1955 as autoridades inglesas e francesas dos territórios africanos sob a sua administração tinham autorizado a formação de partidos políticos, como veio a acontecer na Guiné francesa de então e no Senegal. Como numa onda de choque, os guineenses da nossa província, sobretudo os residentes naqueles territórios, sentiram-se inclinados a formar partidos políticos.

Depois apresentou a FLING e o PAIGC, destacando o essencial das divergências: a FLING apenas deseja a independência da nossa Guiné, o PAIGC, dirigido sobretudo por cabo-verdianos, arvora-se em libertador da Guiné e Cabo Verde. Tais rivalidades levavam a que o PAIGC não tenha formado até à data qualquer governo provisório porque, diz o conferencista, Amílcar Cabral deseja evitar invejas e descontentamentos que levariam ao enfraquecimento do partido. Descreveu sumariamente as ideologias no Senegal e na Guiné Conacri e fez um comentário às preocupações de Senghor que até 1966 tudo fizera para dificultar o deslocamento dos grupos do PAIGC no sul do Senegal.

Passando para a luta armada, o orador declarou sem hesitação uma relativa ineficácia da actividade militar do PAIGC. Mas logo alertou: “Não podemos confiar na eterna inaptidão do inimigo para o combate”. Procurando desdramatizar, observou que a situação na Guiné é geralmente mal avaliada na metrópole, havendo a tendência para se considerar muito pior do que na realidade está. A mensagem de optimismo continuou com a declaração de que é totalmente falso que o PAIGC ocupe realmente e em permanência qualquer parcela da Guiné.

Chegando às conclusões, este oficial superior que fizera duas comissões na Guiné resumiu assim a situação militar, até 1970: o inimigo executa incursões de surpresa em quase todo o Sul, na faixa fronteiriça do Norte e em parte da região entre os rios Cacheu e Geba; o inimigo esforça-se, sem qualquer êxito, por se infiltrar no sector dos Fulas; fazendo base em território estrangeiro, flagela as nossas povoações e aquartelamentos fronteiriços, embora quase sem nos causar baixas.
E concluiu sossegando a assistência: “O PAIGC jamais poderá ganhar militarmente a guerra, a não ser que empregue, meios, forças e tácticas diferentes”.

Não nos restam comentários a fazer, para além de se realçar a importância do livro publicado em 1967 e cuja leitura poderia ter sido bastante útil a todos aqueles que ali combateram e que praticamente tudo ignoravam sobre o evoluir da guerra.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7194: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7198: O Soldado Africano Esquecido / Forgotten African Soldier (1): O que podemos fazer pelos nossos antigos camaradas guineenses ? (Carlos Silva / Luís Graça / Paulo Santiago)



Guiné > Saltinho > Pel Caç Nat 53 > 1971 > O Alf Mil Paulo Santiago, de bigode e barrete fula na cabeça, ladeado, à sua direita, pelo 1º Cabo Verdete, e à sua esquerda pelos Sold Samba Seidi, bazuqueiro, e Abdulai Baldé, um dos seus fiéis guarda-costas. O Paulo é autor, entre outras, da série Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos, de que se publicaram até agora 17 postes, salvo erro. Tem, além disso, a experiência de instrutor de milícias, em Bambadinca.




Foto: © Paulo Santiago (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.




1. Comentários ao projecto Forgotten African Soldier (*):




(i) Carlos Silva:


Já expliquei ao nosso amigo Jochen todas essas dificuldades que o Luís Graça aponta e mais algumas. Espero que ele compreenda agora.


Mesmo a sugestão do Luís Graça de reencaminhar para a AD,  tenho dúvidas que resulte, pois só se for que o Pepito consiga alguns contactos com antigos combatentes do PAIGC.


Dos nossos,  presumo que seja muito difícil, mesmo aqui no nosso País.


Quantas entrevistas é que o Luís Graça consegue ou conseguiu, até hoje,  dos soldados da CCaç 12 a que ele pertenceu ? Já conseguiu alguma?


Para mim, já expliquei ao nosso amigo Jochen que o projecto é excelente mas muito arrojado para o levar por diante. Espero que tenha bom êxito.


Aqui em Bissau 2 eu contacto com muita malta e já assisti pessoalmente a negas dadas por eles a pedidos de entrevistas.  Eu estava ao lado deles. Com isto não quero dizer que não haja alguém que alinhe. Falo com dezenas e trabalhei/trabalho para dezenas. Sou muito conhecido em Bissau 2 e na Guiné.


(ii) Luís Graça: 


Tens razão, Carlos, os obstáculos são muitos. Tu conheces, e melhor do que eu, o terreno, a actual Guiné-Bissau, a realidade da diáspora, o processo de diabolização dos guineenses (fulas, manjacos, e outros) que foram "colaboracionistas"... Não conheço o Jochen, nem sei se é americano de origem... Não me parece em todo o caso um daqueles americanos com uma visão etnocêntrico do mundo, e que nada sabe de geografia... Pelo menos, viveu em Portugal, conhece Portugal...


Quanto à ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, dirigida pelo nosso amigo Pepito, é a única que eu saiba que tem trabalho feito na preservação da memória da guerra colonial / luta de libertação. Com o apoio da televisão comunitária TV Klelé, foram feitas entrevistas, gravadas em vídeo, a talvez uam dúzia (ou mais) de antigos guerrilheiros do PAIGC que combateram no sul, e nomeadamente em Guileje. Essas entrevistas, em geral, são feitas em crioulo.


(iii) Paulo Santiago:


Carlos e Luís, não queiram já pôr o Jochen perante um imenso mar de dificuldades. A tarefa a que se propõe é complicada, mas é exequível, penso eu. Claro que só posso falar de ex-militares do Pel Caç Nat 53 com quem contactei em 2005 e 2008 e sabendo onde moram na actualidade (são apenas meia dúzia).


Já troquei vários mails com o Jochen, e no último disse-me andar a tentar contactar a AMFAP (Associação dos ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas) (**), em Bissau, da qual não tenho contacto. se tiverem esse contacto,  ele agradece. Ele não quer entrevistar ex-guerrilheiros do PAIGC,apenas ex-militares das NT, mas está muito interessado em falar com um dos meus mais fiéis guarda-costas que em 1998/99 andou com o Ansumane Mané.


O Jochen já me pôs o problema dos cuidados a ter quando chegar à fala com esses ex-militares, como isso  poderá ser encarado pelas autoridades da Guiné-Bissau. Dei-lhe a minha perpectiva.


Fora do contexto, o Jochen tem grandes saudades das francesinhas que comeu durante a sua estadia no Porto


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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 30 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7192: O Mundo é Pequeno e o Nosso Blogue... é Grande (30): Forgoten African Soldier / O Soldado Africano Esquecido (Jochen Steffen Arndt, Universidade de Illinois em Chicago)


(**) Selecção de notícias na Net relacionadas com a Associação de Ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas (AMFAP), da Guiné-Bissau:


(i) Ex-militares guineenses das FAP querem dialogar com Lisboa


NL - Notícias Lusófonas, 29-Apr-2004


A Associação de Ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas (AMFAP) da Guiné-Bissau entregou uma carta na embaixada de Portugal em Bissau em que pede uma reunião com representantes do Ministério da Defesa português, disse hoje fonte oficial.


O encarregado de Negócios da missão diplomática portuguesa na capital guineense, João Queirós, indicou que a carta foi entregue pelo presidente da Associação, Regino Veiga, em representação dos milhares de ex-combatentes guineenses que combateram ao lado das tropas portuguesas na guerra colonial (1963/74).


Segundo fontes oficiais, cerca de 15.200 alegados ex-combatentes reivindicam uma pensão do governo português pelo seu envolvimento no conflito na então província portuguesa da Guiné.


João Queirós esclareceu que a carta, recebida também na presença do adido militar adstrito à Embaixada de Portugal em Bissau, coronel João Araújo, seguirá para o "competente destinatário", neste caso, o Ministério da Defesa português.


O diplomata português, sem adiantar pormenores, assinalou ter-se limitado a receber a carta das mãos de Regino Veiga e que, no acto, ficou vincada a necessidade de as duas partes manterem "canais abertos de diálogo".


Fonte do Ministério da Defesa guineense confirmou hoje à Lusa que a questão será abordada na reunião anual dos ministros das Defesa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP - Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste), marcada para fins de Maio em Bissau.


Liga dos Combatentes portugueses apoia guineenses que serviram no exército colonialpublicado




RTP > 18 de Março de 2008


Gabú, Guiné-Bissau, 18 Mar (Lusa) - A Liga dos Combatentes (LC) de Portugal ofereceu hoje 6,7 mil euros aos membros da Associação de ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas da localidade guineense de Gabú, a 206 quilómetros leste de Bissau.


O dinheiro, entregue numa cerimónia simbólica pelo presidente da LC, o major-general Carlos Manuel Camilo, vai ajudar na construção de um poço e na compra de bombas de águas para a agricultura, utilização doméstica e alimentação dos animais na localidade de Oukmaundé, a primeira localidade onde colonos portugueses viveram quando chegaram à vila de Gabú, no século XV.


(...) Presente na cerimónia de entrega do cheque simbólico doado pela Liga dos Combatentes de Portugal, o régulo (autoridade tradicional) de Oukmaundé, Moreira Dauda Embaló, disse que o gesto significa que "afinal Portugal não esqueceu os seus combatentes".
 
"Dignificação é o primeiro passo para o reconhecimento daqueles que deram tudo pela causa portuguesa", afirmou Moreira Embalo, que espera outras iniciativas em prol "daqueles que serviram à Pátria lusa durante a sua juventude".
 
Já no final da cerimónia, Mussá Seidi, um antigo soldado que serviu no exército colonial.  disse à Lusa que "a ajuda e a festa foram bonitas, mas o melhor mesmo era receber um documento oficial de reconhecimento de Portugal".
 
O velho agricultor Mussá Seidi assumiu assim uma das mais antigas reivindicações dos ex-soldados do exército colonial, ainda sem resposta das autoridades portuguesas. (...)

(iii)  Liga dos Combatentes - PASSADO, PRESENTE E FUTURO > Arquivo de notícias > 20OUT2007 - A Liga dos Combatentes de Portugal assinou um protocolo de cooperação com o Instituto de Defesa Nacional (IDN) da Guiné-Bissau, que prevê, entre outras questões, a dignificação dos locais onde se encontram sepultados militares portugueses mortos em combate.(...)
 
(...) "f. Promove acções que se traduzam no aprofundamento de relações com a Associação de Combatentes da Liberdade da Pátria (ACLP), Associação dos Deficientes das Forças Armadas da RGB (ADFA/RGB) e Associação de Ex-militares das Forças Armadas Portuguesas (AMFAP).

Guiné 63/74 - P7197: Convívios (281): 6º Encontro da Tabanca do Centro, em Monte Real (Jero/Miguel Pessoa)



1. Com o texto do nosso Camarada José Eduardo Oliveira (ex-Fur Mil Enfº da CCAÇ 675 – Binta -, 1964/66) e fotografias de Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav da BA 12 – Bissalanca -, 1972/74, hoje Coronel Pilav Ref), damos conta do último e animado convívio da Tabanca de Centro.


6º Encontro da Tabanca do Centro, em Monte Real
Apresentaram-se na Pensão Montanha às 13H30.
Poucos mas bons e… cá com um fastio!!!
Agostinho Gaspar, Armando Cristóvão, Belarmino Sardinha e Antonieta, Carlos Cruz, Joaquim Mexia Alves, JERO, Luís Rainha e Dulce, Miguel Pessoa e Giselda disseram “presente” ao encontro de 27 de Outubro.
Tantos quantos uma equipa de futebol mas sem “banco”… Disseram “presente” mas não conseguiram comer todo o “cozido à Monte Real” que a Dª. Preciosa lhes pôs na mesa.

É verdade que faltaram alguns bons garfos (José Dinis, Vasco da Gama, António Graça de Abreu, Juvenal Amado, etc.) mas perdemos (sem apelo nem agravo) o “desafio”: Dª. Preciosa 1 travessa e meia de retorno / malta do 6º. Encontro - quase “zero”.
Instalou-se algum desânimo do “grupo dos 11” de tal maneira que se está a pensar num leitão à moda da “Boavista” (Leiria) para no mesmo local (Monte Real) recuperarmos algum do prestígio perdido…
Foi difícil encarar os vizinhos das mesas circundantes quando a travessa e meia do cozido foi recolhida à cozinha!

Mas vamos ao relato das conversas tidas e ouvidas. O Joaquim Mexia Alves esteve no seu melhor. E o Belarmino Sardinha não lhe ficou atrás. Pelo meio – o fotógrafo de serviço Miguel Pessoa – teve alguns apartes de grande nível.
Isto passou-se do lado direito da mesa. Na parte da esquerda - não duvidamos do nível das conversas - mas não “chegámos” lá acusticamente falando. Vamos portanto ao relato resumido do que ouvimos.Marcelo Rebelo de Sousa, que JMA tratava por tu, foi protagonista de um “desaguisado” na marginal de Lisboa para Cascais.
Foi há um bom “par de anos”, (durante um período de férias da Guiné em que JMA esteve por Lisboa), e Marcelo falava “de cátedra” da “guerra da Guiné”. Na curva frente ao Mónaco o Joaquim mandou parar o carro e saiu para apanhar o comboio e assim evitar males maiores.

Como não podia deixar de ser a Guiné, Gadamael, Spinola e Almeida Bruno foram tema de conversas cruzadas mas consensuais. O tema “política” também veio à baila com muitos e variados comentários em relação a Sócrates (não publicáveis), Presidente Cavaco e outros candidatos à Presidência.
Manuel Alegre ocupou algum tempo da discussão mas as conclusões também não são publicáveis. Depois falou-se do “voto útil” e de Fernando Nobre, um candidato credível para alguns, mas a quem as sondagens atribuem pouco mais de 5%.
Antes do regresso “às origens” falou-se dos Doces Conventuais em Alcobaça (de 18 a 21 de Novembro) e do leitão da Boavista que poderá “aterrar” em Monte Real em 24 (4ª.feira) ou 26 de Novembro (6ª.feira). Será uma data a combinar em futuro próximo.No regresso a Alcobaça ouvi na rádio e depois da televisão que as negociações sobre o orçamento de 2011 - entre Governo e PSD - tinham dado em nada…
Já no meu maple preferido – preparado para descansar um pouco das “emoções” do 6º. Encontro – lembrou-me do José Marcelino Martins, especialista de Santos e Padroeiros. A quem é que nós devemos “pedir” para esta malta que nos governa (ou desgoverna) ganhar “juízo”? Isto é pôr os interesses do País acima dos interesses eleitorais e/ou partidários!Até lá… haja saúde… e coza o forno!
JERO
Nota: Pedimos aos atabancados o favor de se pronunciarem, rapidamente e em força, sobre a data do próximo encontro, bem como da sugestão das "vitualhas" a deglutir..
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

27 de Outubro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7182: Convívios (197): Tabanca de Pitche e Arredores (Hélder Sousa/Luís Borrêga)

sábado, 30 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7196: Blogoterapia (166): Um abraço fraterno neste ultrapassar dos 2,1 milhões de visitas (Torcato Mendonça)

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 28 de Outubro de 2010:

PARA VOCÊS, CAROS AMIGOS EDITORES O MEU ABRAÇO FRATERNO DE PARABÉNS PELO BLOGUE "LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ" TER ULTRAPASSADO OS 2,1 MILHÕES DE VISITAS.

Gentes, jovens de juventude interrompida e não vivida, feitos homens duros à pressa
Foto de Torcato Mendonça


A letra maiúscula não é grito. É saudação amiga e agradecida, como muitos o devem estar, pelo Vosso Trabalho, pelo tempo gasto, dado, oferecido e, quantas vezes a aturarem casmurros (eu por exemplo) neste dar a conhecer combatentes, gentes que um dia de suas terras partiram e por outros mundos andaram, uns voltaram e outros não. Penso que ninguém voltou inteiro, ninguém voltou igual ao jovensito que partiu.

Gentes, jovens de juventude interrompida e não vivida. Gentes, jovens, feitos homens duros à pressa a verem, a viverem o que nunca deviam ter visto ou os fizeram ver. Gentes, jovens, feitos homens duros de aço em que as lágrimas, mesmo as de raiva secaram e, mesmo assim amaram e amam um Povo que com eles viveu o quotidiano ou, por força de opção de parte desse Povo os combateram por uma liberdade... liberdade que eles na sua Pátria também não conheciam.

Vidas.Vidas vividas e sofridas, vidas que muitos quiseram esquecidas e, sem disso se aperceberem, voltaram a trazer ao seu presente, voltaram a desatar nós de memória ou a empurrarem para o presente espuma dessa memória outrora vivida.

Isto era um abraço e virou ladainha. Vocês conhecem-me e vou teclando e pondo letras em bicha de pirilau conforme SINTO.

ABRAÇO e caminhem, porque não caminhemos, para os 3 Milhões. Contribuamos pela amizade dos Povos, pelo fim da xenofobia e racismo, pela Liberdade e Fraternidade e pelo estreitar das Desigualdades.

Nada mais, de tanto que havia a dizer... tanto!

Abraço do Torcato
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 7 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 – P7096: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (23): Os Filhos d'um Deus Menor

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7195: Blogoterapia (165): A geração da guerra (Joaquim mexia Alves)

Guiné 63/74 - P7195: Blogoterapia (165): A geração da guerra (Joaquim mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 29 de Outubro de 2010:

Meus camarigos editores
Aqui, a pensar sozinho, saiu-me este escrito que vos envio.

Como sempre fica à vossa disposição para dele fazerdes o que quiserdes.

Um abraço forte e amigo do
Joaquim



A GERAÇÃO DA GUERRA

Lentamente as feridas vão fechando, a pele vai-se unindo, vamos passando cada vez mais creme hidratante para ver se não ficam cicatrizes, e vamos olhando para as maleitas à espera que não deixem marcas.

A cauterização é lenta, nalguns mais difícil, ou porque as feridas são mais profundas, ou porque tem um feitio mais “hemofílico”.

Curiosamente o tratamento de choque, a sanação das feridas, o acalmar das dores, faz-se normalmente à volta da mesa, em encontros preparados para o efeito.

É realmente curioso percebermos a importância da “mesa” no desenvolvimento das relações humanas.

As festas de família, fazem-se à volta da mesa.
As chegadas e as partidas, fazem-se à volta da mesa.
As alegrias e as tristezas, fazem-se à volta da mesa.
Os encontros e alguns desencontros, fazem-se à volta da mesa.
Negócios, combinações e até vigarices, fazem-se à volta da mesa.
Mesmo na religião, o Mistério central do cristianismo, se fez à volta da mesa, na Última Ceia.

Também a nossa Tabanca Grande, apesar dos escritos e das leituras, sente necessidade de uma vez por ano se reunir à volta da mesa, e como aos atabancados parece pouco apenas uma vez por ano, arranjaram maneira de constituir outras tabancas para se reunirem mais vezes… à volta da mesa!

Aspecto do V Encontro da Tertúlia, em Monte Real, Junho de 2010, organizado por Joaquim Mexia Alves
Foto de Manuel Carmelita

Mas regressemos ao inicio do texto, e às feridas que vão sendo curadas e às vezes até quase esquecidas.

Não é fácil esta coisa de falarmos da guerra, sobretudo porque há muitos que não nos entendem, nem compreendem a nossa linguagem, pelo que, estes encontros à volta da escrita e sobretudo à volta da mesa, são sem dúvida o maior e mais permanente bálsamo para as nossas feridas.

E depois ficamos a pensar que realmente a nossa geração passou por muita provação, por muitas dificuldades.

A verdade é que, sem envolver a politica no assunto, esta geração foi chamada a lutar em territórios longe de suas casas e a dar o melhor de si, dos seus anos, voluntária ou forçadamente, em circunstâncias a maior parte das vezes adversas, ou para ser mais correcto, em circunstâncias abaixo de qualquer nível de humanidade.

E é também verdade que a última geração da guerra, levou ainda com uma “revolução”, (não discuto politica aqui neste nosso espaço), que veio alterar toda a sociedade em que vivia, e que assim obrigou a uma nova adaptação mesmo em cima do seu regresso da tal guerra, da qual ainda andava a curar as feridas.

Mas esta geração, ou melhor, estas gerações da guerra, eram e são tenazes, não só por tudo aquilo que passaram, mas pela necessidade que sentiram de continuar a lutar por uma vida melhor.

É ver a quantidade daqueles que vindos da guerra voltaram aos estudos e se licenciaram em cursos superiores.
E aqueles que deitaram as mãos ao trabalho e se especializaram em tantas áreas e até alguns que se tornaram empresários de sucesso merecido.

Quando hoje vemos tanta depressão já em jovens, tanta indecisão em prosseguir carreira e trabalho, tanta dificuldade em decidir e decidir bem, temos que perceber forçosamente que o cadinho das dificuldades nos revestiu de uma força e capacidade interior, que é marca indelével destas gerações.

Não tivemos a vida facilitada, nem pelo estado, nem pelos pais, (pois nesses tempos a educação era espartana), não tivemos as portas abertas a tantas oportunidades, passámos verdadeiramente as “passas do Algarve”, e no entanto, ou provavelmente por causa disso mesmo, não desistimos e continuámos a lutar.

Pois é, a realidade é que a Pátria, ou melhor o Estado, não nos deve apenas o sacrifício das nossas vidas na guerra, deve-nos também e apesar de tudo, o termos continuado a lutar e termos construído as bases, tantas vezes mantendo-as com tanto esforço, para que tudo continuasse a existir.

E somos nós ainda que nos preocupamos e tentamos ajudar aqueles que da nossa geração da guerra, por tantas e tantas razões que não lhes podem ser assacadas, se arrastam pela vida, esquecidos do Estado que os mandou para a guerra, e agora quer enjeitar as suas responsabilidades.

Mas ainda fomos mais longe, pois perante a “impossibilidade” de um relacionamento sério e honesto por parte do nosso Estado com aqueles com quem lutámos, somos nós que, colocando de lado feridas e dores, vamos estabelecendo com eles bases de uma nova amizade, cimentada muito mais no que nos une do que naquilo que nos divide.

E é assim também, verdade seja dita, que vamos curando as nossas mágoas e purificando as nossas memórias.

E não, não estou a querer fazer comparações com as gerações de agora, ou com aquelas que passaram antes de nós, (os tempos eram e são diferentes), mas apenas a constatar uma realidade que a todos nós toca sem dúvida, e que nos ajuda a percebermos que mesmo que não nos reconheçam, a nossa dignidade e a nossa hombridade está muito acima da homenagem hipócrita e feita apenas para nos tentar calar.

Escrevo o que escrevo e à medida que o vou escrevendo sinto-me bem, mais em paz comigo mesmo, e chego à conclusão que não preciso dessas tais homenagens ou benesses que vêm de uma qualquer concessão para calar vozes e passados incómodos, o que eu preciso realmente é de vós meus camarigos, e de todos aqueles que querem perceber que:

Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!


Monte Real, 28 de Outubro de 2010
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 3 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7074: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (12): Tempo presente, A honra aos que lutaram

Vd. último poste da série de 29 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7189: Blogoterapia (164): O Blogue está a sofrer uma mutação evolutiva de qualidade / Sinal de maturidade é virmos aqui contar o que nos vai na alma (Carlos Filipe / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P7194: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
O relato de Hélio Felgas impõe-se na aridez no que foi a nossa desinformação na Guiné. Independentemente do registo ser apologético e em muitos casos descuidadamente contraditório (o autor diz que 1964 se saldou pelo enfraquecimento do PAIGC e acaba por escrever o contrário) ninguém mais trouxe a público este acervo informativo que os nossos comandos deviam ter prezado, pondo à nossa discussão.
O que não aconteceu.

Um abraço do
Mário


Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (3)

Beja Santos

1964, as grandes mudanças operadas do teatro de operações

O livro “A Guerra na Guiné”, de Hélio Felgas, que comandara o BCaç 507, é um documento do maior interesse, como se procura demonstrar com os dois textos anteriores. É muito curioso como o autor considera que 1964 é um ano de viragem e fatal para o PAIGC. Curioso, na medida em que 1963 foi abertamente descrito como de supremacia relativa do PAIGC que se revelou cheio de iniciativa quer na região Sul quer no Oio, provocando rapidamente uma destabilização em toda a região. Ele considera mesmo, falando de 1964, que ao findar o ano a situação estava quase dominada pelas tropas portuguesas e que, sob o aspecto militar, a vitória do PAIGC nunca estivera tão afastada. O que se vai ser contraditado pelo relato que se segue.

Referindo-se ao primeiro semestre de 1964, diz que a actividade de guerrilha ao Norte do Geba foi intensa, houve a destruição de pontes, a região ficou a ferro e fogo, Bigene, Bissorã; Mansabá e Cuntima foram profundamente afectadas, seguindo-se outras regiões como Canjambari e Udasse. Era uma mentalidade agressiva que parecia não poder ser sustida. O troço Mansabá-Bafatá, de uma grande importância económica (para escoar a mancarra e as madeiras) ficou inoperante. Falando do mês de Abril, o autor refere-se a uma actividade frenética na área de Farim, com minas, flagelações e emboscadas. Como se veio a comprovar, a população local mostrou-se dividida, um elevado número da população apoiou as forças portuguesas, uma fracção menor passou-se para a guerrilha. Este espírito ofensivo alastrou para o Sul, para Enxalé e Xime. Como o assunto me diz directamente respeito, ali passei cerca de 15 meses, cito o que o autor diz; “Ao norte de Bambadinca, os bandoleiros atacaram em Abril a tabanca em autodefesa de Missirá, tendo sido asperamente repelidos pela população nativa. Tal como Cutia, Missirá passaria a ser uma das tabancas que melhor representam na Guiné a vontade dos nativos em se defender do terrorismo.

A sul do Geba, as coisas também não estavam famosas. Prosseguiram as flagelações a Bedanda, Buba e pela primeira vez o PAIGC apresentou-se com o morteiro 82. Nos ataques a Cabedu e Fulacunda também fez a aparição a metralhadora pesada Goryunov. A marinha de comércio e as embarcações militares passaram a ser flageladas: no canal do Geba, Fulacunda, Cumbijã. As tropas portuguesas desenvolveram um grande esforço para reabrir a estrada Guileje-Campeane (mais tarde abandonada). Hélio Felgas vai referindo graves desaires sofridos pelo PAIGC, pondo ênfase na ilha de Como. Ele escreve: “Quando a operação foi dada por finda, o PAIGC já não se revelava, apesar dos nossos soldados cruzarem as matas em todos os sentidos. Muitos bandoleiros haviam sido mortos e algum material lhes fora apreendido. Mas a maior parte conseguira fugir da ilha, apesar da vigilância dos nossos navios de guerra (será interessante depois compararmos este relato com o que escreve Luís Cabral em “Crónica da Libertação”. Ninguém podia ter a pretensão de ter limpo a ilha de terroristas nem de evitar que os fugidos regressassem novamente logo que as tropas saíssem. O resultado final foi francamente favorável para as forças portuguesas que, mais uma vez haviam mostrado ao PAIGC serem capazes de desalojar os seus grupos, fosse de que área fosse. Além disso, como prova da nossa soberania, construímos em Cachil um aquartelamento e aí deixámos uma guarnição com a missão de patrulhar a ilha.

Ao findar o semestre, diz o autor, a actividade das tropas portuguesas tinha sido notável. Em Bula e Binar houve forte oposição à expansão do inimigo. Mas nas entrelinhas o autor não deixa de revelar os avanços do PAIGC: ofensiva a leste, sobretudo na área Bambadinca-Xime-Xitole. A documentação apreendida dava conta de enxurradas de material canalisadas para o Oio, região do Xime, em todas as bases do Sul tinha melhorado substancialmente o armamento. O autor refere a nova orgânica militar do PAIGC e que se veio a revelar ser verdade após o congresso de Cassacá que se realizou ao tempo da batalha do Como.

Tínhamos chegado à era Arnaldo Schulz. No segundo semestre a actividade do PAIGC tinha diminuído, diz o autor, mas de modo algum desaparecera a guerrilha. Mas o relato desse apaziguamento é contraditado pela disseminação de acções, centradas no Oio e na região Sul. Hélio Felgas escreve: “Mantinham-se os boatos sobre a provável criação de novas bases inimigas no interior da Província. Uma delas seria entre Barro e Ingoré, para o grupo que actuava na área Bissorã-Bancolene e que era comandado por Mamadu Indjai, filho do famoso auxiliar do pacificador Teixeira Pinto, Adbul Indjai. Outra base seria a criação entre Có e Pelundo, na área de Bula e Teixeira Pinto e seria entregue ao “Gazela” que para isso deixaria Biambi sob o comando de Braima Darame. Em breve se verificaria serem verdadeiras estas notícias”. O espantoso deste relato que fala permanentemente de um enfraquecimento do PAIGC é de incluir sempre uma descrição dinâmica do inimigo: novos campos de treino na República da Guiné, as frequentes visitas de Amílcar Cabral a esses campos, a chegada de viaturas para facilitarem os transportes nas fronteiras da República da Guiné, o aparecimento de enfermarias. Por essa época um grupo tentou afundar a jangada de João Landim, reacenderam-se as acções na área Bula-Binar. Em Novembro, o PAIGC retomou a iniciativa e pelas descrições de Hélio Felgas foi somando revezes. Em Madina do Boé tudo se embrulhou para as posições portuguesas, aos poucos a iniciativa passou a ser a do PAIGC flagelando sem parar Madina e Béli. Para o autor, as forças portuguesas alargavam cada vez mais a sua rede de ocupação, criando crescentes dificuldades aos guerrilheiros. A fazer fé no que se veio a viver na era Spínola, este alastramento trouxe enfraquecimento e uma maior vulnerabilidade às posições portuguesas. O autor tece louvores ao estoicismo dos militares, à sua capacidade de adaptação, à melhoria das condições de vida das populações autóctones, ao papel desempenhado pelo Movimento Nacional Feminino e à criação das companhias de milícias, dizendo mesmo: “A manutenção dos soldados nativos nas fileiras e o recrutamento das milícias conduziram a uma situação curiosa e pouco conhecida. É que na Guiné há hoje mais militares nativos que metropolitanos. A imensa maioria dos nativos não nutre qualquer idealismo político que nos seja favorável. O que eles pretendem é um emprego. E foi a falta de emprego, aliada a promessas sedutoras ou ameaças terríveis que obrigou muitos nativos a deixarem-se aliciar. A inexistência de desertores, seja entre os soldados, entre os polícias ou entre as milícias, é prova segura do que afirmamos”.

Este relato está a chegar ao fim. Quanto mais se lê, mais se torna intolerável a impreparação e o desconhecimento do que andámos a fazer, foi insultuosa a falta de informação que nos acompanhou nas nossas comissões militares, do princípio ao fim. Ora pessoas como Hélio Felgas procuraram dar informação, mesmo que apologética e deformada. Informação que nos sonegada, sabe-se lá porquê.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7188: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (1): Carta ao meu querido amigo Fodé Dahaba

Vd. último poste da série de 27 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7183: Notas de leitura (162): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7193: Estórias avulsas (43): Memórias de uma noite terrível em Canquelifá – 1971 (Francisco Palma)


1. O nosso Camarada Francisco Palma, ex-Sol Condutor Auto da CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), enviou-nos em 30 de Outubro uma dramática estória da sua (nossa) guerra:


MEMÓRIAS DE UMA NOITE TERRIVEL EM CANQUELIFÁ - 1971
Na noite de 2 de Fevereiro de 1971 em Canquelifá, com a CCAV 2748, em que estávamos reforçados com dois pelotões da CART 3332, sofremos um ataque em que arderam cerca de 40 tabancas, todas junto ao nosso Comando.
O IN tinha assentado base sobre uma zona onde tínhamos montado 12 fornilhos, qual deles o mais forte, com granadas de morteiro e de obus 14 cm (ferrugentas), gasolina, cintas de barris em chapa de ferro, jerricans rotos, garrafões de vidro e tudo o que estilhaçava, e era despejado nos inerentes buracos.
Os disparos deles era intensíssimos, com balas tracejantes e outras, além de toda a espécie de armamento, roquetes, canhão sem recuo, morteiro de 82 mm, etc. de tal modo que nem podíamos levantar as cabeças de fora das valas.
FOI UM VERDADEIRO INFERNO.
Quando o Fur Mil de Cav António Freire accionou os fornilhos, o chão estremeceu violentamente e só nessa altura podemos ripostar. O Fur Mil Luís Encarnação no abrigo nº 9, com o morteiro de 60 mm, “meteu” dois “supositórios” na "mouche", sobre o Comandante IN (que na altura envergava a bandeira do PAIGC e outra que, supostamente, seria a da futura Guiné livre), ficando este sem metade da testa e o seu ajudante com as entranhas ao ar livre.
Passados 2 horas (?) recebemos mais 4 foguetões de 122 mm, que causaram alguns feridos ligeiros entre a população.
QUE ARRAIAL CAMARAMIGOS - como diz o Camaramigo Fernando Belo.
ESQUECER COMO?
O Fur Mil MA Luís Encarnação que tem melhor memória que eu, por favor corrija se falhei aqui alguma "deixa".
Falou-se que a tropa IN tinha sofrido imensas baixas, mas nós só encontramos 4 "esticados" e as nossas tropas, graças a Deus, não sofreram qualquer baixa.

Um abraço,
Francisco Palma
Sol Cond Auto da CCAV 2748/BCAV 2922 (DFA)

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Nota de MR:
Vd. poste anterior desta série em:
28 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7046: Estórias avulsas (97): O Largo do liceu, em Bissau, onde moravam as enfermeiras pára-quedistas (Miguel Pessoa)