quinta-feira, 8 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18390: Blogpoesia (557): No Dia Internacional da Mulher - "Mulher", por Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor do BCAÇ 3872

Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > Beldades de Fulacunda: bajudas biafadas... Pensando nas mulheres, em todas as mulheres do mundo, e em especial, neste Dia Internacional da Mulher, de todas aquelas que são (ou  foram) vítimas da Guerra, Mutilação Genital Feminina, do Casamento Forçado, da Rapto e da Violação, do Assédio Moral e Sexual, da Violência Doméstica, da Discriminação com base no género, na idade e na cor, da Intolerância Política e Religiosa, etc., etc., etc.

Foto: © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em mensagem de ontem, 7 de Março de 2018, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos este poema, a propósito do Dia Internacional da Mulher que hoje se celebra.

Olá Carlos e Luís,
Aproxima-se o Dia Internacional da Mulher. Aqui vai um apontamento. 
Celebrar a mulher é um prazer e não sabem aquelas culturas que a segregam, que a querem menorizar como individuo, a grande alegria que elas nos dão com a sua companhia e partilha. 
Há dias a Sara Tavares disse que o sorriso era a parte mais bonita do corpo humano. Como podem em certos países obrigar a esconder esses sorrisos? 

Um abraço
Juvenal Amado


MULHER 

Mostra um lindo sorriso 
Põe uma flor no cabelo 
Veste o teu melhor vestido 
Solta a rebeldia 
Grita bem alto a tua condição 

Esquece as dores nas pernas 
As mãos maltratadas 
O transporte público incómodo 
O assédio na fábrica 
Ri-te com desprezo de quem não te respeita 

Porque o teu rosto nos ilumina 
Mostra o teu poder 
Não deixes que te ignorem 
Sai para a rua 
Reclama-a como tua 

Assume-te de corpo inteiro 
Canta aquela canção em voz alta 
Celebra que este é o teu dia 
Tu és a alegria dos nossos dias 
Exige que eles sejam todos teus 

E salta para o palco da vida 
Dança como uma bailarina em pontas 
Salva-nos com a tua magia 
Mostra-nos o teu sorriso 
E transforma o cinzentismo em vibrante cor 

Juvenal Amado 
8 de Março 2018
____________

Nota do editor

Último poste da série de 4 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18377: Blogpoesia (556): "Devasso minha alma...", "Moinho de vento", e "As regras...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18389: Parabéns a você (1399): Cor Art Ref (DFA) António Marques Lopes, ex-Alf Mil Art da CART 1690 (Guiné, 1967/69)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18363: Parabéns a você (1398): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

quarta-feira, 7 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18388: Historiografia da presença portuguesa em África (112): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Há algo de original e inovador no trabalho rudimentar deste etnógrafo. Desembarcaram uns manjacos no porto de Lisboa e num ritmo de boa convivência o cientista social procurou indagar elementos sobre a estrutura social, espiritualidade, a música, a língua, o posicionamento da etnia, medularmente animista, entre os islamizados. O autor confessa que é trabalho rústico, pesquisa de poucos elementos com exceção daqueles que ele foi repertoriando noutras jornadas científicas, como a que fez nos Bijagós. Inovador na justa medida em que só anos depois é que é lançado o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e pedido aos administradores de circunscrição que fizessem inquéritos e elaborassem relatórios, documentação que, como se sabe, ainda é hoje é basilar no estudo etnográfico, etnológico e antropológico na Guiné. É uma curiosidade, mas há que reconhecer os seus méritos.

Um abraço do
Mário


Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca (2)

Beja Santos

Tem-se aqui repetidamente falado da publicação O Mundo Português, da Agência Geral das Colónias, teve a sua influência nas décadas de 1930 e 1940, apresentava-se como revista de cultura e propaganda, incluía discursos das figuras gradas do Estado Novo, artigos de divulgação histórica, pequenas reportagens e até ensaios. Figuras importantes do modernismo português como Stuart, Jorge Barradas, Manuel Lima, Bernardo Marques e Diogo Macedo emprestaram a sua colaboração ao nível gráfico.

Entre Maio e Novembro de 1943 apareceu em O Mundo Português um conjunto de artigos sobre a etnia Manjaca assinados por Edmundo Correia Lopes. Encontramos no Google os seguintes elementos sobre o autor: Edmundo Correia Lopes (1898-1948), filólogo e etnógrafo, distinguiu-se como estudioso africanista, e desde cedo a cultura das colónias portuguesas despertou nele um profundo interesse. Formado em Letras, publicara já um repositório de música tradicional, fruto do seu apego à cultura popular, quando embarcou para o Brasil em 1927 e se fixou no Rio de Janeiro e em São Paulo, tendo percorrido Pernambuco, o Ceará e a Amazónia. Faleceu no arquipélago dos Bijagós, onde integrava uma missão etnográfica ao serviço do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

O estudioso propôs-se apresentar de forma resumida os dados que obtivera sobre a etnia, a língua, a vida material, a estrutura familiar, a música e a vida espiritual. Em texto anterior fez-se aqui uma síntese dos elementos apresentados sobre as origens da etnia, a língua e a vida material, vamos agora apreciar os restantes elementos.

Quanto ao clã e família, o clã é matrilinear, mas há jogo complexo de elementos que devem ter sido em conta, caso dos direitos políticos hereditários e os régulos eletivos, as relações económicas e até as classes de idade. Os Manjacos de Pecixe não caçam fora da ilha. O clã é que sucede e a representação do seu direito de sucessão está no irã, isto quanto a direito políticos e acerca da sucessão do régulo. Diz o autor que é necessário não fazer confusão entre a família e a unidade de ordem superior – o clã – embora ambas sejam de natureza matrilinear. E depois de citar o que conseguiu apurar da entrevista feita aos Manjacos que vieram a Lisboa tira a conclusão de que há necessidade de orientar o estudo dos Manjacos de modo a conhecer a organização do clã, a extensão da sua influência política, ritualística e social. E diz mais: as interdições matrimoniais não são determinadas apenas, como entre nós pelo parentesco carnal mas pelo classificatório. Os enteados tratam os padrastos como pais e portanto os padrastos não podem casar com enteados e com maior razão o não podem fazer sogro com nora ou sogra com genro, porque se tratam de pais a filhos. Tratamento de irmão estende-se aos primos coirmãos.


As fábulas e narrativas da cultura Manjaca parecem aparentar-se com a de outras culturas quanto ao uso de animais, caso da hiena, raposa, lobo, lebre, crocodilo. Tratar-se-á de moralidades espelhadas por histórias de animais, como ele narra:
“Um homem levava a corda para subir à palmeira para ir procurar coconote. Via um lagarto (crocodilo). O lagarto disse-lhe: leva-me para o mar. Tem paciência, leva-me para a água. Tem vinte dias que não como. O homem respondeu: eu levo-te e tu matas-me para me comer. O lagarto disse: não te como. Amarra-me a boca, amarra-me o pé. O homem pegou no lagarto ao colo e levou-o para o rio. Chegado ao rio, disse: arreio-te aqui. Avança mais, insistiu o lagarto. O homem avançou. O lagarto disse: arreia-me. Quando o homem o arreou o lagarto mandou que o soltasse e o homem soltou-o. E ele: agora, eu como-te. E o homem respondeu: então, faço-te bem e tu pagas-me mal? O lagarto replicou: digam os três que passaram qual é a verdade. Passou uma velha. O lagarto perguntou-lhe: se alguém faz bem não é com mal que lhe pagam? A velha preta, animal de carga desprezado pelo marido, podia confirmar a sentença diabólica do crocodilo. O mesmo se passou com um cavalo velho, agora abandonado. Só a lebre é que não partilhava de igual doutrina, manifesta incredulidade do facto do homem ter transportado crocodilo para o rio e insiste em que se repita a operação…”.
Esta história foi contada ao autor por António Pecixe, é muito conhecida no folclore Mandinga, tem várias versões.


Falando da estrutura musical Manjaca, diz que o padrão musical é muito simples, há de certo modo uma íntima associação com a vida espiritual, as composições musicais possuem temas próximos da sacralidade, mas também entre o sagrado e o profano, as divisões do trabalho, os ritos de promoção, os requisitos e condicionalismos do casamento e os respetivos festejos. Os casamentos obrigam a grande matança de cabeças de gado e há etapas a percorrer: os pedidos de casamento realizam-se em Maio mas só em Janeiro seguinte é que os casais podem erigir a sua palhota, mesmo que vivam já em mancebia.

Falando do fanado, o autor diz que este não tem nenhuma originalidade e observa:  
“Lá encontramos o irã representado num mascarado de pele branca, barbado, cabelos crescidos que lhe caem sobre as espáduas, pequenos e mofinos olhos encarnados, da cor do manto de mangas curtas, segurando na mão a espada. Assim, pelo menos, os novos lhe pintam a máscara, designando o mascarado pelo mesmo nome que os Mandingas – Kankura. Bastaria esta aproximação para nos persuadir que se trata de uma influência dos povos centrais (Fulo-Mandingas) sobre este povo atlântico, a que devia naturalmente corresponder uma iniciação incruenta, como a dos Bijagós".
Falando dos Beafadas, população vizinha dos islamizados, que estavam a ser progressivamente islamizados, observa também que os Manjacos são muito diferentes dos Beafadas. Além de não terem atração pelo islamismo, tem ritos de passagem bastante distintos e descreve com algum pormenor a sociedade do fanado. Termina esta série de artigos dizendo que procura aproveitar o melhor do que colheu sobretudo pela originalidade e a paciência em pescar etnografia africana à beira do Tejo, não esconde que os elementos obtidos carecem de mais estudo, para maior clarificação.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 28 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18365: Historiografia da presença portuguesa em África (110): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18387: (D)o outro lado do combate (21): "Plano de operações na Frente Sul" (Out - dez 1969) > Ataque a Bedanda em 25 de outubro de 1969 (ao tempo da CCAÇ 6, 1967-1974) - Parte I (Jorge Araújo)


Citação: (1963-1973), "Combatente do PAIGC com um grupo de jovens carregadores", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43743 (2018-2-11) 

Fonte: Portal Casa Comum > Fundação Mário Soartes > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia)



Infografia: Jorge Araújo (2018)



Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do blogue, desde março de 2018



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > "PLANO DE OPERAÇÕES NA FRENTE SUL" [OUT-DEZ'69] - ATAQUE A BEDANDA EM 25 DE OUTUBRO DE 1969 (AO TEMPO DA CCAÇ 6, 1967/1974) 

(Parte I)

1. INTRODUÇÃO

Nas duas anteriores narrativas [P18346 e P18350], tivemos a oportunidade de partilhar com o colectivo da «Tabanca» o calendário do "plano de acções militares" do PAIGC, aprovado para ser operacionalizado durante o último trimestre de 1969 nas regiões do Quinara e do Tombali, situadas na zona Sul da Guiné, envolvendo a mobilização de um numeroso contingente de guerrilheiros de infantaria apoiados por uma quantidade considerável de equipamentos de artilharia pesada, incluindo peças anti-aéreas DCK.

Aos oito ataques a diferentes aquartelamentos previstos nesse "plano", os seus responsáveis militares, nomeadamente Nino Vieira (1939-2009), decidiram acrescentar mais um, exactamente ao mesmo local com que abriram as hostilidades – Buba, em 12OUT1969 – com o objectivo de corrigir os fracos desempenhos registados durante a primeira missão do seu "exército" neste "programa", depois de ela ter sido considerada de "enormes fracassos". Esta nova acção/missão, classificada como sendo um segundo ataque a Buba, ficou agendada para o dia 10 de Dezembro de 1969, com a qual se daria por encerrada esta "campanha".

Recorda-se que a elaboração desta narrativa, como de todas as outras que fazem parte deste dossier, tem na sua génese o relatório "das operações militares na Frente Sul" [http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40082 (2018-1-20)], documento dactilografado em formato A/4, sem capa e sem nome do seu autor [mas que seguiremos em frente na busca da sua identificação], localizado no Arquivo Amílcar Cabral, existente na Casa Comum – Fundação Mário Soares. A esse documento base foram, ainda, adicionadas outras informações de diferentes fontes bibliográficas tendentes a ampliar a compreensão/explicação de cada ocorrência, gravadas nos dois lados do combate, instrumentos indespensáveis para o seu aprofundamento histórico.




2. AS ORIGENS DA CCAÇ 6 (COMPANHIA DE CAÇADORES N.º 6) – SUBSÍDIO HISTÓRICO

A CCAÇ 6 é a herdeira da estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ (Companhia de Caçadores Nativos [ou Indígenas], esta criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959. Quatro anos e meio depois, em Julho de 1964, mudou-se para Bedanda, por necessidades operacionais, como resposta ao pedido de intervenção dos africanos no esforço da guerra. Foi aí, em Bedanda, que em 1 de Abril de 1967, decorridos três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos, esta Unidade foi renomeada, passando a designa-ser por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"].

Esta companhia de caçadores, constituída por praças africanas de Recrutamento Local, era enquadrada por oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole, tal como as restantes que foram organizadas nessa época no CTIG, cumprindo os últimos o período da Comissão de Serviço obrigatório previsto na Lei. Quanto aos primeiros, estes mantinham-se, marioritariamente, ligados à sua Unidade de base, uma vez que um dos objectivos emergentes para a sua criação foi/era a segurança e/ou defesa das suas populações, estando implicita neste conceito a actividade operacional na luta contra os grupos da/de guerrilha armados.

Para além da CCAÇ 6, o Aquartelemanto de Bedanda dispunha também de um Pelotão de Canhões sem Recuo [PCS/R], de um Pelotão de Artilharia «obus 14 mm» [Pel Art] e de um Pelotão de Milícias [Pel Mil n.º 143] da etnia fula.

Devido à sua intensa e porfícua acção operacional realizada ao longo dos anos, com importantes resultados obtidos nas múltiplas missões que lhe foram confiadas, a Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6] viria a ser merecedora de uma condecoração atribuída pelo Governo Central ao seu Estandarte [Cruz de Guerra de 1.ª Classe], em cerimónia pública presidida pelo Chefe de Estado, Almirante Américo Thomaz (1894-1987), de homenagem às Forças Armadas Portuguesas, realizada no Terreiro do Paço, em Lisboa, no dia 10 de Junho de 1968, data que até ao «25 de Abril de 1974» era também conhecida como "Dia de Camões, de Portugal e da Raça".

Para que conste, eis a transcrição do texto que originou a condecoração tornado público na comunicação social [ex.: Diário de Lisboa, em 11 de Junho de 1968, p11; e Diário de Notícias, em 12 de Junho de 1968].





Fonte: Ultramar TerraWeb - Portal dos Veteranos dao Ultramat: Angola, Guiné, Moçambique, 1959-1975 [http://ultramar.terraweb.biz/10Jun1968_Lisboa.htm (com a devida vénia)]


3. O ATAQUE A BEDANDA EM 24OUT1969… QUE PASSOU PARA 25OUT1969 DEVIDO A SUCESSIVAS FALHAS NA SUA ORGANIZAÇÃO


Desenvolvimento da acção:

No dia 24 de Outubro [de 1969], às 17h15, as forças do Corpo Especial de Exército deviam atacar as instalações militares do campo de Bedanda com as seguintes forças, assim constituídas [apresentamos um quadro comparativo entre o 1.º ataque a Buba, em 12OUT1969, e este 2.º a Bedanda]:

Contavamos com a ajuda de 80 "povo" no transporte das munições até à posição de fogo. Devido ao número insuficiente de transportadores não pudemos concentrar no local toda a quantidade de munições necessária e muito menos distribui-la a tempo para as 3 posições de fogo, razão principal porque tivemos que adiar a missão.

Por acaso, as forças de infantaria tinham tido muitas dificuldades e atrasado bastante a sua chegada ao local e a tomada de posição no trerreno, não se verificando portanto qualquer desajuste. 


No dia seguinte, e com a aprovação do camarada Nino [Vieira], Comandante do Corpo Especial de Exército, nos prontificamos (as forças de Artilharia) a realizar a operação e a iniciá-la à mesma hora indicada para o dia anterior [17h15].

Realmente, às 15h30 inciamos a colocação das peças e a instalação das ligações telefónicas. Às 17h00 todas as peças estavam prontas para o tiro, quando descobrimos avaria na comunicação, devido a esse imprevisto só às 17h30 iniciamos o fogo de enquadramento com uma peça de canhão 75, desde a posição de fogo do GRAD. O inimigo [NT] respondeu imediatamente, cortando a instalação em dois pontos. Só 15 minutos depois retomamos a direcção de tiro e demos por terminado o enquadramento para as [peças] GRAD.

Imediatamente as peças de canhão abriram fogo, realizando tiro indirecto desde a distância de 2.000 metros. Do posto de observação, pareceu-nos (a visibilidade, dada a hora já avançada da tarde, era deficiente) ser um tiro efectivo, cobrindo a zona indicada. 





Citação: (1966-1970), "Guerrilheiros do PAIGC transportando as peças de um canhão sem recuo [B-10]", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_44172 (2018-2-11) (com a devida vénia).

Fonte: Portal Casa Comum > Fundação Mário Soartes > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia)

Final da Parte I.

Na Parte II desta narrativa, serão abordados os seguintes pontos:

1 – Conclusão do desenvolvimento da acção e respectivos resultados.

2 – Análise crítica à actuação da artilharia.

3 – Correcção das informações obtidas posteriormente pelo PAIGC.

4 – Quadro de baixas militares da CCAÇ 6 (de 1Abr1967 a 27Abr1974).

5 – Quadro de baixas militares da 4.ª CCAÇ (de Jul1963 a Fev1967).

Obrigado pela atenção.

Com forte abraço de amizade,

Jorge Araújo.

26FEV2018.
_______________

terça-feira, 6 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18386: Memória dos lugares (375): Lourinhã, Zambujeira e Serra do Calvo: monumento aos combatentes do Ultramar




Lourinhã > Zambujeira e Serra do Calvo > 25 de fevereiro de 2018 > "Homenagem da Zambuejira e Serra do Calvo aos seus combantentes"... Monumento inaugurado em  5 de outubro de 2013 (e não em 2015, segundo lapso do nosso colaborador permanente José Martins.). Foi uma patriótica iniciativa do Clube  Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira de Serra Local.

Desconhece-se o autor do painel de azulejos que representa a partida, no T/T Niassa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, de um contingente militar que parte para África. Ao canto inferior esquerdo a quadra: "Adeus, terras da Metrópole / Que eu vou pró Ultramar /, Não me chorem, mas alegrem [-me], / Que eu hei-de regressar"... No chão, em calçada portuguesa, lê-se: "Em defesa da Pátria". Abaixo do panel, há um livro metálico com os nomes de todos  os nossos camaradas, naturais das duas povoações, que combateram no Ultramar.


Lourinhã > Zambujeira e Serra do Calvo > 25 de fevereiro de 2018 > Bolo do 35º aniversário do Clube Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira e Serra do Calvo


Lourinhã > Zambujeira e Serra do Calvo > 25 de fevereiro de 2018 > Festa do 35º aniversário do Clube Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira e Serra do Calvo > Atuação do Grupo de Caquinhos > Silvinho Pereira, ex-combatente m Moçambique, em 1968 - 1970:  natural da Serra do Calvo, e meu amigo de infância, é autor de "Diário de um combatente: nas sendas da floresta" (Lisboa, Chiado Editora, 2013, 422 pp.) (*)


Lourinhã > Zambujeira e Serra do Calvo > 25 de fevereiro de 2018 > Festa do 35º aniversário do Clube Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira e Serra do Calvo > Atuação do Grupo de Caquinhos > À esquerda, o João Pereira, outro ex-combatente,  em Angola, onde foi alf mil, entre 1969 e 1971, se não erro;  é natural da Zambujeira e é outro velho amigo.É maestro do grupo coral local.

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fica agora mais visível, o monumento, a escasso quilómetro e meio do Dino Parque da Lourinhã  (que tem sede na povoação da  Abelheira)...Seguindo da Lourinhã até à Zambujeira, mesmo no centro da povoação, fica  o Clube Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira e Serra do Calvo. O monumento fica ao lado, do lado esquerdo. Quilómetro e meio depois temos o Dino Parque da Lourinhã. Zambujeira e Serra do Calvo são terras "siamesas", física e simbolicamente ligadas, não havendo hoje qualquer "rivalidade", como no passado. (**)

Quem lá for, ao Dino Parque,  por este itinerário, pode parar na Zambujeira para tirar uma foto. Passámos por lá, no passado dia 25, almoçámos no clube local, que comemorava  justamente o seu 35º aniversário. É um clube dinâmico, que tem à frente uma mulher de armas, a minha amiga Maria Matos, empresária. É um terra simpática, de gente empreendedora, onde gosto de ir, e nomeadamente à sua festa anual. 

Conheço lá vários camaradas que estiveram na Guiné, Angola e Moçambique. Descobri agora mais um  o empresário José Correia, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 1496 / BCAÇ 1876 (Bissum, Pirada e Bula, 1966/67), que convidei para integrar a nossa Tabanca Grande.  Infelizmente não usa Internet nem tem email, como a grande maioria dos nossos camaradas de armas. 
______________

Notas  do editor:

(*) Vd. poste de  1 de setembro de 2015 >  Guiné 63/74 - P15064: Memória dos lugares (317): Zambujeira e Serra do Calvo, concelho da Lourinhã: mais duas terras que prestam uma justa homenagem aos seus combatentes

(**) Último poste da série > 1 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18274: Memória dos lugares (374): Gadamael, c.1967/68, ao tempo da CART 1659, 'Zorba' (Manuel Cibrão Guimarães, ex-fur mil, CCAÇ 1620, Bissau, Cameconde, Cacine, Sangonhá, Cacoca, Cachil e Bolama, 1966/68)

Guiné 61/74 - P18385: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXII: As deslocações do batalhão ou "os meus cruzeiros azuis do Douro": (ii) 26 de fevereiro de 1968: Rio Geba, Bambadinca-Bissau, vindo de Nova Lamego


Foto nº 51 A


Foto nº 51


Foto nº 48A


Foto nº 48


Foto nº 49A


Foto nº 49 B

Guiné > Rio Geba > 26 de fevereiro de 1968 > BCAÇ 1933 (Nova Lamego e S- Domingos, 1967/69)  > Viagem de Bambadinca a Bissau, vindo de  Nova Lamego 

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado. (*)

Assunto - Tema T032 – As deslocações do Batalhão Caçadores 1933: "Os meus cruzeiros azuis do Douro"

(i) Anotações e Introdução ao tema:

Uma parte do meu batalhão – BCaç 1933, CCS e 2 Companhias – , chegaram no navio T/T Timor a Bissau em 3 de Outubro de 1967. Eu já estava lá à espera, tinha ido a Nova Lamego em 24 de Setembro de 1967 e regressei a Bissau no dia 1 de Outubro, em serviço da minha área de especialidade [SAM].

Por isso o comando, a CCS e uma companhia operacional desembarcaram, passaram o dia nos Adidos em Brá, e às 04h00 da manhã estávamos a entrar nas lanças e nas barcaças civis rumo a Bambadinca, rio Geba acima. [Fotos já publicadas no poste anterior] (*).

Aquilo era uma confusão, pois havia que dar ‘boleia’ aos civis que queriam ir também para as suas terras e não havia outro transporte. Eram homens, mulheres, crianças, bebés, bagagem e animais domésticos. Era, como já disse, tudo ao molho em fé em Deus. [Fotos nº 51].

Eu e alguma malta – eu, alinhei sempre com os soldados e cabos condutores do meu batalhão, quase todos os furriéis milicianos e um ou outro alferes como eu. E dei-me bem, pois foram eles que me ensinaram a conduzir e assim tirei a carta lá em Bissau. E foram eles que fizeram a maior parte das festas e petiscos, para os quais eu era sempre convidado, tudo feito nas suas casernas. Tenho dezenas de fotos que são um espanto, algumas até me envergonho delas, pelo meu estado geral…

Mas correu tudo bem, apesar das piadas que eram dirigidas aos periquitos, pelos mais velhos, numa tentativa de amedrontar os mais novos, com a farda camuflada ainda limpinha, lustrosa, e hirta. O rio é medonho, os mosquitos infestam tudo, as margens de tarrafo ficam muito perto em alguns sítios, os crocodilos vão se vendo aqui e ali, e a mata que ladeia o rio é densa e nada se vê. O calor, a humidade no fim da época das chuvas é terrível, e casas de banho nem vê-las.

Os que vieram nas LDG [, lancha de desembarque grande,] parece que a coisa era bem pior, disso não me posso queixar. Estranhei que os barcos que nos transportavam eram rebocados por um pequeno barco de dois motores, tenho fotos disso. Ia a acompanhar esta coluna fluvial, uma LDM [, lancha de desembarque média,] ao largo, da qual tenho algumas fotos. Também se viu os caça-bombardeiros T6 a passar por cima numa manobra de protecção. Era tudo muito estranho.

Lá fomos comendo a ração de combate [Foto nº 48] – eu já tinha tido essa experiência, na deslocação por avião militar DC6 desde Figo Maduro até Bissau, não era uma primeira experiência. Também na recruta e especialidade já tinha tido contacto com as rações de combate.

Lá chegamos ao destino, Bambadinca, porto de rio, que voltei a visitar várias vezes, para ir ao Pelotão de Intendência nas colunas de reabastecimento. Deviam ser 12 ou 13 horas. (Voltei lá em 1984 e 1985 nas minhas viagens de visita e negócios pela Guiné. )

Então começa a faina de transportar tudo para os camiões da imensa coluna militar.

Vamos estrada acima, não era boa nem má, tinha algum alcatrão até Bafatá. Depois uma parte da coluna sai para Fá Mandinga, e o restante segue para Nova Lamego, em terra batida.

Chegamos ao cair da noite, e ficamos em sobreposição durante quase 2 semanas com o Batalhão que fomos render, era uma confusão total, cada um a procurar o melhor sitio. Eu já lá tinha o meu, pois tinha lá chegado em 24 de Setembro e tive tempo de arranjar o lugar.

No dia 25 de Fevereiro de 1968, passamos o último dia em Nova Lamego, de madrugada [, já a 26, ]  fizemos o percurso inverso[, fotos a publicadas acima, neste poste],  mas já tínhamos outro calo, os camuflados já estavam bem batidos nas pedras pelas lavadeiras lá do sítio.

Ficamos em Bissau uns 30 dias em quadrícula, aquartelados nos Adidos em Brá, e em finais de Março de 1968 lá vamos novamente para os barcos, agora fazendo o percurso Rio Cacheu acima, até São Domingos. Acho que já foi mais agradável, pois a paisagem era menos feia e medonha do que no Rio Geba [, em especial no troço do Geba Estreito, entre Bambadinca e o Xime], ou foi apenas por ser o primeiro percurso.

Nunca tivemos qualquer situação de perigo, e tudo correu bem.

Não cheguei a fazer a viagem de regresso em directo [, de Nova Lamego,] para o T/T Uíge, pois já estava em Bissau, a minha missão tinha acabado dois meses antes e fiquei encostado, primeiro no 600 em Santa Luzia, e depois nos Adidos.

Estas foram as deslocações feitas por mim em conjunto com o meu Batalhão. Junto algumas fotos, mas falta ainda muita coisa para digitalizar.

Virgílio Teixeira

Em, 29-01-2018
______________

Guiné 61/74 - P18384: (In)citações (117): Devaneios com sustentação na História (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

Península Ibérica
Com a devida vénia a Infoescola


1. Em mensagem datada de 5 de Março de 2018, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66) enviou-nos este artigo de opinião para publicação:


Devaneios com sustentação na História

Amílcar Cabral teria sido um líder bem-aventurado, se tivesse começado por pugnar, junto da ONU e das instituições da Comunidade Internacional, a agregação da Galiza a Portugal, em troca da independência da Guiné!...

Pela facilidade com que pôs todas essas instituições do seu lado, fez da guerra o seu caminho.
A principal razão avocada: Portugal era ocupante ilegal da Guiné, havia mais de 500 anos!
Nem de facto nem de direito, senhor PAIGC (antigo), meu e nosso IN, antes de 1974.

A Guiné, abrangendo os futuros Senegal, Casamansa, Guiné-Conacri, Gâmbia e Serra Leoa, tornaram-se portugueses de direito, entre 1445-1974, pela Bula Manifestis Pontifex, de 8 de Janeiro de 1445, do Papa Nicolau V.
A Santa Sé foi detentora e geriu os poderes de Direito Internacional, até à Sociedade das Nações e à actual ONU, terminados com a fundação desta, após a II Guerra Mundial.

Continuemos a evocar a História.

Andava o nosso rei Afonso V, o Africano, a marchar por Castela com o Exército Português, encorajado a dar batalha aos “reis católicos” Isabel e Fernando, na sua ânsia pela dilatação do Portugal europeu, mas teve de pedir reforços ao filho, Príncipe João (futuro rei D. João II), para se poder apurar o vencedor da Batalha do Toro. O príncipe foi resolver habilmente a batalha a seu favor, os beligerantes chegaram a “capítulos” e o Rei Fernando permutou a Galiza com a desistência de Afonso V do seu expansionismo.

A Rainha Isabel não concordou, desautorizou o marido, mandou defender a Galiza e mandou os seus melhores capitães fazer guerra de corso aos interesses portugueses nos mares da Guiné, objectivada ao seu enfraquecimento.
Em reacção, D. Afonso V reiterou o pedido de reforços ao príncipe que, em vez de mandar tropas, mandou uma lição política e estratégica ao pai: “Desista da Galiza; o futuro de Portugal está traçado no mar”.

O Príncipe D. João desempenhava a regência e assumia a gestão dos assuntos da Guiné, desde os 19 anos. O PAIGC teve o Nino Vieira, o Arafan Mané, o Pansau Na Isna, etc. mas não teve o exclusivo dos iniciados aos 19 anos…

E, para pôr termo a essa guerra de corso e ficar com a Guiné, Portugal teve de deixar a Galiza e de reiterar a desistência da sua expansão à Espanha.

A independência da Guiné seria ética, justa, se Portugal recebesse a Galiza em troca. Mas o prejuízo sobrou só para Portugal.

Assim, se houvesse moral nas relações internacionais ou se ela não estivesse sujeita a tantas contingências e avarias, Amílcar Cabral sentir-se-ia obrigado a aplicar o seu talento diplomático e o seu poder de sedução junto da ONU e das instituições da Comunidade Internacional, nesse sentido.

Se Cabral tivesse de recorrer à guerra, seria um justum bellum, segundo o Luís Graça, o seu teatro seria a Galiza e não a Guiné. Teria os mais de 300 km da linha de fronteira no Minho e Trás-os-Montes, para dar largas à sua eficiência em corredores e infiltrações, e teria contado com os comandos, fusos, páras e pilav's tugas, sobre a terra e sobre o mar galegos, que não teve do seu lado, sobre a terra e sobre os rios da Guiné; poderia ter mantido o casamento com uma portuguesa e uma casa em Chaves. A Guiné seria uma Suíça africana, com lei e ordem e, ao invés dos guineenses, os galegos, os portugueses e os guineenses retribuíam-lhe o feito, com gratidão e estima e os próprios independentistas da Catalunha lhe reconheceriam o seu meio caminho andado.

A imitação por aqueles da Declaração independentista do PAIGC no Boé correu bem, mas com consequências – dos seus promotores, o principal fugiu e alguns foram hospedados na cadeia.

Moral da história: os veteranos da sua guerra, de ambos os campos, andam com a imagem churcilliana de uma Guiné de sangue, suor e lágrimas, colada às suas almas; e por que não a ver por outros prismas?…
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18295: (In)citações (116): A 'mindjer grandi' Anabela Pires, de visita a Iemberém, até 2ª feira... Vai ser confrontada com uma série de memórias dolorosas: as perdas sucessivas dos nossos amigos comuns Cadi, Pepito, Alicinha... Esperemos que tenha notícias do nosso grã-tabanqueiro António Baldé, que voltou de mãos vazias, de Alfragide para Caboxanque, com o sonho desfeito de ser apicultor e dar um futuro melhor à Cadi e à Alicinha

Guiné 61/74 - P18383: Estórias do Zé Teixeira (46): Uma chapelada de piolhos (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)



1. Em mensagem do dia 26 de Fevereiro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta metendo parasitas difíceis de controlar.


ESTÓRIAS DO ZÉ TEIXEIRA

46 - Uma chapelada de piolhos

O Dionísio era um rapaz alegre e camaradão. Onde houvesse sinais de festa, lá estava ele para dar duas de conversa, beber uns copos, contar umas anedotas e dar umas sonoras gargalhadas. Não era de admirar a sua paixão em passear pela tabanca, sobretudo à noite, onde se sentia bem e por vezes conseguia dar “um pézinho de dança”, nas festas familiares de aniversário, casamento ou qualquer outra, conforme as raízes culturais de cada etnia.

Um belo dia de Novembro de 1969, apareceu, manhã cedo, no refeitório para o “mata bicho” com um frondoso chapéu de palha, tipo brasileiro que se via muito nas fotografias do carnaval do Rio. Não faltaram os mirones à volta dele, com dichotes e piadas. Insensível, mas orgulhoso, o Dionísio comentava alegremente, enquanto comia as sopas de pão envolvidas em leite com borras de café: "dores de cotovelo é o que vocês têm!"

Durante dois ou três dias pavoneou-se pelo quartel e pela tabanca todo ufano, de chapéu na cabeça, como um brasileiro. De noite fechava o chapéu a sete chaves no seu cacifo, para que ninguém ousasse pô-lo na sua cabeça ou fazê-lo desaparecer. Consta que até tentou sair para o mato com o chapéu a substituir o quico.

Um dia, estava eu a ler pela undécima vez uma fotonovela, deviam ser umas dez horas da manhã, quando vejo o Dionísio, vir na minha direção, sem o chapéu e com cara de poucos amigos.
- Que se passa Dionísio? Parece que viste um fantasma!
- Um fantasma, não! Os filhos da puta são aos milhões. Cabrões! Mas vou dar cabo deles!
- Vá! Tem calma. Isso passa.
- Há de passar, há de! Arranja-me um frasco de DDT!
- Tás maluco?! Para que queres o DDT?
- Anda lá! Só preciso de umas gotas. Não demores que eu não aguento mais!

Nem me passou pela cabeça que ele queria o produto químico para matar piolhos que trazia escondidos debaixo do cabelo. Fui buscar o frasco de DDT, que ele me arrancou logo das mãos, e para meu espanto vejo o Dionísio encher a cova de uma mão com o produto e esfrega-la com todo o vigor na cabeça.

Numa fração de segundos, mais parecia um macaco cão a guinchar e a gritar. Ai que eu morro! Ai que eu morro! Acudam-me, estou a arder! Acudam-me... Acudam-me...

Nunca tinha visto tamanha aflição. A respiração tornou-se ofegante, o corpo tornou-se avermelhado, os olhos parece que queriam saltar-lhe das órbitas e ele gritava, gritava de dor e de pavor. E eu tremia de angústia.

Meti-o debaixo do chuveiro, que havia ali na enfermaria (felizmente o depósito tinha água). Baixei-lhe a cabeça e deixei correr o precioso líquido durante longos minutos. Ensaboei-o umas cinco ou seis vezes e ele foi acalmando. Até que o ardor lentamente desapareceu e o perigo passou.

- Se apanho aquele sacana espeto-lhe um tiro nos cornos! Comentou.
- Bem! Conta lá o que se passou que estou em pulgas para saber o que te levou a cometer tão grande disparate. Puseste a tua vida em perigo e pregaste-me um grande susto - disse-lhe com ar de zangado.
- Na quarta feira à noite fui até à tabanca dos manjacos. Estava lá uma garina meu! Nem te passas. Com um corpo escultural e de mama mais que firme. Linda como o sol! Com ela estava um grupo de rapazes da nossa idade que eu nunca os tinha visto em Empada. O grupo dançava, dançava, e eu aproveitei para dar duas de dança e de conversa à catraia. Um dos mancebos trazia o chapéu de palha e comprei-lho por vinte pesos. Nem sonhei que o chapéu trazia uma carripana de piolhos. Eram às toneladas a embrenharem-se por entre o meu cabelo. Olha, nestas duas noites não dormi, com a puta da comichão. Agora de manhã, pus-me a olhar para o chapéu e é que descobri de onde vinha a piolheira. Queimei-o logo, mas a comichão era tanta que... nem te passas!
- Por que não falaste comigo antes? Temos ali remédio para piolhos. Merecias quatro sopapos, meu.
- Pois! E a vergonha que eu sentia? Foda-se pá! Toda a gente me cobiçou o chapéu... e ele estava cheio de piolhos.

O tal grupo não mais apareceu na tabanca. Se foi coincidência eu não sei. Só sei que, três dias depois, os nossos amigos vieram visitar-nos ao cair da noite junto ao arame e voltaram de madrugada para chatear, matando-nos o Conceição Caixeiro.
Encontrei há tempos o Dionísio. Velho como eu, de cabelos brancos como eu, mas de farta cabeleira.
- Tás a ver - diz-me ele com o seu velho olhar de gozão - se tivesses usado o DDT talvez hoje tivesses mais cabelo!

Zé Teixeira
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17598: Estórias do Zé Teixeira (45): O Valente, um homenzarrão, com um coração tão grande quanto o seu físico (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 61/74 - P18382: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXI: As deslocações do batalhão ou "os meus cruzeiros azuis do Douro": (i) 4 de outubro de 1967: Rio Geba, Bissau-Bambadinca, a caminho de Nova Lamego


Foto nº 46A


Foto nº 47A



Foto nº 52 A


Foto nº 50A 


Foto nº 50B


Foto nº 50C 


Foto nº 45 A


Foto nº 45 


Foto nº 45 B

Guiné > Rio Geba > 4 de Outubro de 1967 > BCAÇ 1933 (Nova Lamego e S- Domingos, 1967/69)  > Viagem de Bissau a Bambadinca, a caminho de Nova Lamego 


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado. (*)


Assunto - Tema T032 –  – As deslocações do Batalhão Caçadores 1933: "Os meus cruzeiros azuis do Douro"



(i) Anotações e Introdução ao tema: 

Uma parte do meu batalhão – BCaç 1933, CCS e 2 Companhias – , chegaram no navio T/T Timor a Bissau em 3 de Outubro de 1967. Eu já estava lá à espera, tinha ido a Nova Lamego em 24 de Setembro de 1967 e regressei a Bissau no dia 1 de Outubro, em serviço da minha área de especialidade [SAM]. 

Por isso o comando, a CCS e uma companhia operacional desembarcaram, passaram o dia nos Adidos em Brá, e às 04h00 da manhã estávamos a entrar nas lanças e nas barcaças civis rumo a Bambadinca, rio Geba acima. 

Aquilo era uma confusão, pois havia que dar ‘boleia’ aos civis que queriam ir também para as suas terras e não havia outro transporte. Eram homens, mulheres, crianças, bebés, bagagem e animais domésticos. Era, como já disse, tudo ao molho em fé em Deus. [Fotos nº 45, 46 e 47].

Eu e alguma malta – eu, alinhei sempre com os soldados e cabos condutores do meu batalhão, quase todos os furriéis milicianos e um ou outro alferes como eu [Fotos nºs 46 e 47]. E dei-me bem, pois foram eles que me ensinaram a conduzir e assim tirei a carta lá em Bissau. E foram eles que fizeram a maior parte das festas e petiscos, para os quais eu era sempre convidado, tudo feito nas suas casernas. Tenho dezenas de fotos que são um espanto, algumas até me envergonho delas, pelo meu estado geral… 

Mas correu tudo bem, apesar das piadas que eram dirigidas aos periquitos, pelos mais velhos, numa tentativa de amedrontar os mais novos, com a farda camuflada ainda limpinha, lustrosa, e hirta. O rio é medonho, os mosquitos infestam tudo, as margens de tarrafo ficam muito perto em alguns sítios, os crocodilos vão se vendo aqui e ali, e a mata que ladeia o rio é densa e nada se vê. O calor, a humidade no fim da época das chuvas é terrível, e casas de banho nem vê-las. 

Os que vieram nas LDG [, lancha de desembarque grande,] parece que a coisa era bem pior, disso não me posso queixar. Estranhei que os barcos que nos transportavam [Foto nº 52] eram rebocados por um pequeno barco de dois motores, tenho fotos disso. Ia a acompanhar esta coluna fluvial, uma LDM [, lancha de desembarque média,] ao largo, da qual tenho algumas fotos [Foto nº 50]. Também se viu os caça-bombardeiros T6 a passar por cima numa manobra de protecção. Era tudo muito estranho. 

Lá fomos comendo a ração de combate – eu já tinha tido essa experiência, na deslocação por avião militar DC6 desde Figo Maduro até Bissau, não era uma primeira experiência. Também na recruta e especialidade já tinha tido contacto com as rações de combate. 

Lá chegamos ao destino, Bambadinca, porto de rio [Foto nº 50], que voltei a visitar várias vezes, para ir ao Pelotão de Intendência nas colunas de reabastecimento. Deviam ser 12 ou 13 horas.  (Voltei lá em 1984 e 1985 nas minhas viagens de visita e negócios pela Guiné. )

Então começa a faina de transportar tudo para os camiões da imensa coluna militar. [Foto nº 45]

Vamos estrada acima, não era boa nem má, tinha algum alcatrão até Bafatá. Depois uma parte da coluna sai para Fá Mandinga, e o restante segue para Nova Lamego, em terra batida. 

Chegamos ao cair da noite, e ficamos em sobreposição durante quase 2 semanas com o Batalhão que fomos render, era uma confusão total, cada um a procurar o melhor sitio. Eu já lá tinha o meu, pois tinha lá chegado em 24 de Setembro e tive tempo de arranjar o lugar. 

No dia 25 de Fevereiro de 1968 [, fotos a publicar no poste seguinte], passamos o último dia em Nova Lamego,  de madrugada fizemos o percurso inverso, mas já tínhamos outro calo, os camuflados já estavam bem batidos nas pedras pelas lavadeiras lá do sítio. 

Ficamos em Bissau uns 30 dias em quadrícula, aquartelados nos Adidos em Brá, e em finais de Março  de 1968 lá vamos novamente para os barcos, agora fazendo o percurso Rio Cacheu acima, até São Domingos. Acho que já foi mais agradável, pois a paisagem era menos feia e medonha do que no Rio Geba, ou foi apenas por ser o primeiro percurso. 

Nunca tivemos qualquer situação de perigo, e tudo correu bem. 

Não cheguei a fazer a viagem de regresso em directo para o T/T Uíge, pois já estava em Bissau, a minha missão tinha acabado dois meses antes e fiquei encostado, primeiro no 600 em Santa Luzia, e depois nos Adidos. 

Estas foram as deslocações feitas por mim em conjunto com o meu Batalhão.  Junto algumas fotos, mas falta ainda muita coisa para digitalizar. 

Virgílio Teixeira 

Em, 29-01-2018

_____________

Nota do editor:

segunda-feira, 5 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18381: Notas de leitura (1046): “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, autor principal Patrick Chabal, com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company; Londres, 2002 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Continuo sem compreender como é que este livro não teve editor em Portugal ou Brasil em 2002, atendendo à investigação original e ao ineditismo do seu esquema básico: uma abordagem abrangente das cinco antigas colónias portuguesas em África.
Acresce que se juntou um naipe de oiro de grandes investigadores: Patrick Chabal, ao tempo professor do King's College em Londres, deve-se-lhe àquela que porventura é a melhor biografia internacional de Amílcar Cabral; David Birmingham, da Universidade de Kent; Joshua Forrest, professor da Universidade de Vermont e que deixa aqui um ensaio notável sobre a Guiné-Bissau; e também Malyn Newitt da Universidade de Londres e Gerard Seibert e Elisa Silva Andrade, investigadores com créditos firmados.
Sem hesitação, leitura recomendada para conhecer no grande ecrã 30 aos de história pós-colonial das cinco colónias portuguesas em África.

Um abraço do
Mário


A História da África Lusófona Pós-colonial: 
Uma investigação de leitura obrigatória (1)

Beja Santos

O livro intitula-se “A History of Postcolonial Lusophone Africa”, o autor principal é Patrick Chabal, nome cimeiro da investigação dos movimentos revolucionários e das repúblicas africanas lusófonas, aparece neste livro com participações de David Birmingham, Joshua Forrest, Malyn Newitt, Gerhard Seibert e Elisa Silva Andrade, Hurst & Company, Londres, 2002.

Logo nos agradecimentos, Chabal recorda a evolução positiva da historiografia sobre os países africanos lusófonos e apresenta este volume que coordena como uma tentativa de fornecer uma visão abrangente das cinco antigas colónias portuguesas em África, e confessa que se utilizou uma abordagem iconoclástica: apresentação da história dos cinco países a partir de dois anos complementares, o que têm de comum e de divergente da restante África, seguindo-se uma enunciação sistemática dos eventos que ocorreram depois da independência com a utilização de fontes de investigadores, oficiais, semioficiais e até jornalísticas; a procura de um contexto histórico rigoroso articulando o período pré-colonial com o pós-colonial; numa tentativa de ultrapassagem de uma visão estreita do foco lusófono, apresenta-se a evolução comparada e igualmente contrastada dos cinco países. O âmbito do estudo centra-se no período entre 1975 e 2000.

Temos em primeiro lugar o fim do Império e chama-se a atenção para uma declaração do MFA feita em 5 de Maio de 1974 em que é proposta uma nova e fraternal cooperação entre Portugal e Guiné, o que parece ilustrar a contradição entre um regime que existia numa solução militar e um estado de espírito dos sublevados que ofereciam uma colaboração desinteressada como forma de reparar os crimes do fascismo e do colonialismo. Recorda-se que o regime de Salazar e de Caetano recusou sempre negociações com os movimentos independentistas, estas só apareceram de forma muito dissimulada no estertor do regime. Estes movimentos anticolonialistas são encarados em três categorias: os vanguardistas, os tradicionalistas e os etno-nacionalistas. Como vanguardistas são invocados o MPLA, o PAIGC e a FRELIMO, não terá sido por acaso que eram todos provenientes de uma geração jovem, de um modo geral com formação universitária ou bases culturais e com uma preparação ideológica da Esquerda do seu tempo. Entre os movimentos tradicionalistas aparecem agrupamentos com brancos, pretos mestiços e indianos e o exemplo escolhido para movimentos etno-nacionalistas são apresentados a FNLA e a UNITA. Estas guerras foram sempre conflitos políticos, resultantes de uma total incapacidade de o regime de Salazar e Caetano se aperceber da insustentabilidade para as razões da potência colonial teimar em ficar em África. O PAIGC aparece como um movimento mais bem-sucedido quanto aos critérios da eficácia da luta anticolonial: preservação da unidade nacional, a despeito do mosaico étnico; enorme capacidade para a mobilização política das populações rurais; submissão da luta armada a objetivos políticos; eficácia para apresentar na cena internacional as chamadas áreas libertadas graças a um bom uso diplomático. É também observado que o espírito de a missão colonial se foi desgastando ao longo dos anos e no fim da guerra o moral das tropas dava sinais de ser crítico.

O estudo prossegue com uma perspetiva histórica da descolonização a partir do momento em que os movimentos de libertação conseguiram uma plataforma de entendimento, a CONCP – Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas que gerou um elevado espírito de solidariedade e que permitiu a Amílcar Cabral encontrar formas de comunicação verdadeiramente criativas para sensibilizar a opinião pública em muitos países onde dava entrevistas, fazia conferências, distribuía documentos, conversava e justificava a guerrilha dada a inflexibilidade do regime de Salazar e Caetano. Na hora da descolonização, os políticos portugueses foram confrontados com movimentos nacionalistas influenciados pelo marxismo. Todos eles enveredaram, na fase de arranque da vida independente, por nacionalizações, estatização económica, monopólio de comércio externo, contando com a ajuda dos países da Europa Oriental, Cuba, URSS e China.

Pôs-se, obviamente, o problema da unidade nacional e do Estado-Nação, com disparidade de respostas. No que toca à Guiné-Bissau, a unidade Guiné-Cabo Verde resistiu até 1980, Cabo Verde enveredou pela sua via específica de identidade nacional, no caso vertente da Guiné-Bissau nem o tremendo conflito político-militar de 1998-1999 fez minimamente questionar a afloração de conflitos étnicos, nunca se questionou em propriedade nacional mas também nunca se iludiu a fragilidade do Estado, logo patente nos primeiros anos da era de Luís Cabral em que o PAIGC se desentendeu com a questão rural e as expetativas dos agricultores que recusaram sistematicamente vender ao Estado as suas produções, transferindo-as em muitos casos para os países limítrofes. O livro estuda os efeitos da guerra, as especificidades do nacionalismo revolucionário e dedica um importante estudo à construção do Estado-Nação. Nesta aceção, é sequenciada a história da África portuguesa e as sequelas que deixou nos Estados pós-coloniais, comparando-os com os países vizinhos. A construção do socialismo é igualmente analisada com a deteção dos pontos frágeis e dos obstáculos para os quais os partidos vitoriosos se revelaram incapazes de ultrapassar. Esta construção do socialismo tem uma importante análise do contexto histórico nos cinco países. Chama-se à atenção para a inviabilidade de seguir políticas similares em Cabo Verde e na Guiné: Cabo Verde não podia hostilizar as comunidades sediadas nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, para já não esquecer a comunidade cabo-verdiana residente no Senegal; na Guiné-Bissau ensaiou-se um apelo à ajuda internacional dos países socialistas e acenou-se a uma ajuda dos países ocidentais, com os escandinavos e os Países Baixos à frente. Mas é uma leitura estimulante ler toda esta construção da Nação-Estado no xadrez africano, no permanente relacionamento entre os fatores internacionais e as políticas domésticas. Até porque os limites destes nacionalismos surgiram muito cedo quando se verificou que os partidos únicos se revelavam incapazes de conciliar o todo nacional.

(Continua)
___________

Nota do editor

Último poste da série de 2 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18373: Notas de leitura (1045): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (24) (Mário Beja Santos)