sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5263: Em busca de... (102): Procuro qualquer informação sobre meu pai, Carlos Alberto Silva Ribeiro Soares (Maria Crespo)

1. No passado dia 10 de Novembro, o nosso Camarada Luís Graça recebeu de Maria Crespo - filha de um dos nossos Camaradas entretanto já falecido -, de nome: Carlos Alberto Silva Ribeiro Soares, a seguinte mensagem:

Olá muito boa tarde.

Encontrei este site quando procurava algo relacionado com o ex-Ultramar.

Meu pai, Carlos Alberto Silva Ribeiro Soares, esteve na Guiné a prestar serviço Militar, mas como infelizmente já faleceu eu não tenho qualquer dado que o relacione os relatos aqui descritos.

Mas tenho grande curiosidade sobre a prestação do meu pai e da participação dele em algumas histórias relatados pelos camaradas, pelo que gostava que alguém me pudesse informar se o conhecia, ou se existe alguma forma de eu saber o n.º mecanográfico do meu pai, onde esteve, se alguém neste site o conhecia.

Gostava de saber mais sobre a vida militar do meu pai. Lembro-me que ele falava que estava a fornecer armamento. Não sei se a partir daqui se consegue saber alguma coisa mais. Ah... e também era conhecido por Carlos Branco e era natural de Azambuja, nasceu a 05/09/1949 e regressou ao país em 74. Não sei desde quando lá esteve, penso que esteve lá cerca de 20 meses, mas não tenho certeza.

Sou Militar, meu nome de solteira é Maria Soares. Se me conseguirem alguma informação sobre meu pai agradecia, que enviassem para o meu e-mail: maria_crespo5@hotmail.com

Desde já agradeço a sua atenção.

Os meus mais sinceros cumprimentos e admiração.
Maria Crespo

2. No mesmo dia a pedido do Luís Graça, o nosso Camarada José Marcelino Martins, respondeu à Maria Crespo assim:

Cara Camarada Maria,

Já, por acaso, procurou no espólio de seu pai se tem lá a caderneta militar? Não sei como é agora, mas os meus filhos têm uma folha pequena que nada ou pouco diz. No nosso tempo, meu e do seu pai, era um livrinho de capa preta onde se anotavam todos os factos. Esse é, será, o ponto de partida.

Na ausência desse elemento, poderá através de algum serviço da unidade onde está colocada, e com a colaboração de quem tenha contactos no Arquivo Geral do Exército (estrada de Chelas - Lisboa), obter uma cópia da nota de assentos, que mais não é do que um registo pormenorizado da vida militar do seu pai. Aí encontraremos as unidades por onde passou, incluindo a unidade em que foi mobilizado e a unidade onde esteve na Guiné.

A partir daí utilizaremos os nossos meios de pesquisa habituais.

Saudações,
José Martins

Nota: Além do nome, data de nascimento, também facilitará aos serviços saber o local [município] em que se recenseou, caso não seja o de naturalidade.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, em:

Guiné 63/74 - P5262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (16): O baptismo de fogo da Regina, ou um Capitão não é um Capitão

1. Mensagem de Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 10 de Novembro de 2009:

Caro Carlos:

Mais uma estória para a série A Guerra Vista de Bafatá. Parece grande mas é por causa das fotos. Se a publicares, agradecia que mantivesses a sequência texto/fotos, pois está tudo interligado. As fotos só terão sentido dessa maneira.

Ainda outro assunto: Tenho reparado que algumas frases que tenho mandado em itálico não aparecem postadas dessa maneira. Penso que isso terá mais a ver com a NET e que não chegará aí o dito itálico. Se me pudesses dizer algo sobre isso muito agradecia, pois nesta estória a parte em itálico das legendas reporta-se à correspondente parte do texto.

Desde já agradeço.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

15 – O meu (dela) baptismo de fogo, ou um Capitão não é um Capitão

Duas notas prévias:

1 - Esta estória, como sempre autêntica, é toda da minha inteira responsabilidade, apenas coloco a narrativa na voz da minha mulher, por ter sido por ela vivida. Só lamento não ser ela própria a contá-la pois imprimir-lhe-ia uma melhor qualidade e sobretudo uma sensibilidade que eu não conseguirei exteriorizar.

2 - Os versos incluídos são de Sérgio Godinho, da faixa Fotos do Fogo do CD Tinta Permanente.



Nos anos sessenta não havia a liberdade de que agora usufruímos. Recordo, como exemplo, que quando era professora em Braga para adquirir certas revistas, consideradas de esquerda, como os Cadernos Gedoc e a Seara Nova, ia ter com um livreiro meu conhecido que mas entregava já devidamente embrulhadas e fora das vistas dos demais clientes.

Toda essa falta de liberdade trazia como consequência que as notícias relevantes, ou não chegavam a ver a luz do dia, ou eram deturpadas pelos homenzinhos do lápis azul. Quero com isto dizer, que qualquer notícia menos favorável ao regime vigente e oriunda da Guiné, e não só, vinha sempre por caminhos enviesados, logo, tanto podia ser mais ou menos verdadeira, como redondamente falsa.

Um dia, de 1969, com o meu marido na guerra, na Guiné, chegou-me aos ouvidos, por intermédio de uma amiga em quem depositava bastante confiança, que a Província tinha sido tomada pelos guerrilheiros nacionalistas. Penso que nessa altura seria o culminar de outras notícias, em surdina, referindo alguns reveses das nossas tropas (dezenas de mortos no Ché Che, etc.) em contraponto com a habitual falta de informação estatal sobre a verdadeira situação.

Coincidência das coincidências: Já há alguns dias que não recebia os habituais aerogramas do Fernando, meu marido, e cúmulo dos cúmulos, telefonando de imediato para o Comando de Agrupamento, onde ele se encontrava, uma telefonista (pois nessa altura as ligações passavam por várias), disse-me que de momento não era possível estabelecer a ligação com a Guiné pois havia um corte nas comunicações. Pânico, desespero, raiva… entorpecimento. Penso que passei por todos os estados de alma possíveis.

Com uma troca de telegramas tudo se esclareceu. Tinha havido apenas uma avaria nas comunicações.

Foi um pouco debaixo desta tensão que fui duas vezes à Guiné passar umas temporadas com o Fernando.

Da primeira, fui passar as minhas férias de Agosto e Setembro. O Fernando estava em Bissau à minha espera e acabámos por ficar instalados em casa duns amigos, a família Taveira, situada junto ao Estádio de Futebol, não longe do bairro do Pilão.

Por volta da uma da manhã estávamos já no primeiro sono quando fomos acordados, ao que pensei, por três ou quatro fortes rebentamentos ali muito perto. Sentados na cama não ouvimos mais qualquer ruído estranho e nem dentro de casa os nossos anfitriões deram sinais de si. Estranho… Ainda pensei que seria o meu baptismo de fogo, como na tropa se dizia.

Logo o Fernando me foi dizendo que deviam ser os obuses a fazer tiro para o outro lado do rio Geba, para a zona de Tite. Como já me tinha falado nos obuses de Piche que até se ouviam em Bafatá, fiquei mais calma. Soube depois que me dera aquela explicação para me acalmar pois acreditava serem rebentamentos na cidade, a primeira flagelação a Bissau. Também depois me disse que não ficou preocupado connosco pois achava que a tropa toda que estava na zona de Bissau resolveria a situação. Assim eu, na ignorância, e ele com mais de um ano de Guiné adormecemos novamente.

Na manhã do dia seguinte perguntamos ao senhor Taveira, que já tinha saído à rua, se sabia o que tinha acontecido. Resposta breve:

- Já não é a primeira vez que os Fuzileiros vêm fazer desacatos no bairro do Pilão e desta vez rebentaram lá umas granadas…

Mais tarde, em Bafatá, viemos a saber que o Geneneral Spínola mandou esses Fuzileiros para uma operação de oito dias na ilha de Como.

Destas estadias na Guiné já dei conta em estórias anteriores. Vivi lá momentos inolvidáveis. A África, sempre a África, os odores tão característicos, o vermelho da terra de tom tão singular, a pureza das gentes, o olhar e o sorriso das crianças, o colorido das vestes, o verde das matas, os pescadores nas suas canoas, o transbordar dos rios na época das chuvas, as tempestades diárias mas belas com o seu relampejar ao longe.

Chega-te a mim
mais perto da lareira
vou-te contar
a história verdadeira

A guerra deu na tv
foi na retrospectiva
corpo dormente em carne viva
revi p’ra mim o cheiro aceso
dos sítios tão remotos
e de corpo ileso
vou-te mostrar as fotos
olha o meu corpo ileso

………..
………..

Foto 1 > O vermelho da terra de tom tão singular. Na tabanca da Rocha em frente à minha casa. Atrás de mim era a casa do Cap. protagonista desta estória.

Foto 2 > A pureza das gentes. Tabanca da Rocha (foi a partir deste momento que ficámos a saber, eu e o Fernando, que os bebés africanos nasciam completamente brancos e só depois iam escurecendo.

Foto 3 > O olhar e o sorriso das crianças. Na tabanca da Rocha em Bafatá.

Foto 4 > O colorido das vestes. No Mercado de Bafatá.

Foto 5 > O verde das matas. Algures entre Bafatá e Candemba Uri.

Foto 6 > Os pescadores nas suas canoas. No rio Geba em Bafatá.

Foto 7 > O transbordar dos rios na época das chuvas. Na ponte do rio Colufe com a água a chegar aos meus pés.

Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


…………
…………
O meu baptismo de fogo
não se vê nestas fotos
tudo tremeu e os terremotos
costumam desfocar as formas

…………
…………

Álbum das fotos fechado
volto a ser quem não era
como a memória, a primavera
rebenta em flores impensadas
num livro as amassamos
logo após cortadas
já foi há muitos anos
e ainda as mãos geladas


Na segunda ida à Guiné fui passar as férias de Natal de 1969. Mais uma vez fiz escala na ilha do Sal em Cabo Verde e mais uma vez tive aquela sensação estranha ao sair do avião: A terrível humidade, que trespassando a roupa tornava todo o corpo pegajoso. O Fernando já me tinha marcado um lugar no Dakota desse dia pelo que, e já não sendo periquita, iria sozinha ter com ele a Bafatá. Quando já estava a entrar para o avião, aparece um oficial de patente algo elevada, que em atitude nada elevada foi dizendo que eu não podia embarcar pois ele e a esposa, mesmo sem marcação, tinham que ir sem falta.

Mais tarde vim a saber que era o actual Comandante do meu marido, Coronel Neves Cardoso. Telefonei ao Fernando, tendo ele vindo nesse mesmo Dakota ter comigo. No mesmo dia fomos para Bafatá, penso que num quadrimotor Eron, civil.

Chegados lá à tarde, o Fernando foi trabalhar para o Agrupamento e eu fiquei a rever o que foi a nossa primeira casa. Parte da tarde passei-a à conversa com as crianças já minhas conhecidas, o Carlos o Adrião e a Angelina e entreguei-lhes os presentes que trouxera.

Perto da nossa casa, na tabanca da Rocha morava agora um casal, um Capitão e a esposa. Esse Capitão estava lá há pouco tempo pois em Setembro não o tinha visto por lá. Numa atitude simpática convidaram-nos para jantar com eles essa noite.

Como o Fernando trabalhava todos os dias até às oito da noite fui mais cedo para a casa do senhor Capitão.

Seriam umas sete e meia quando se começaram a ouvir rebentamentos. O Capitão foi à rua e logo tornou a entrar dizendo que pelo som das explosões e porque se viam os rastos das granadas e dos projecteis tracejantes, estariam a atacar Bafatá. Disse que se ia a apresentar no quartel e que nós as duas fechássemos tudo e nos agachássemos junto de uma parede mestra.

Ali estava eu agora, com o meu baptismo de fogo. Desta vez era a sério. Um Capitão é um Capitão. Era pois um ataque e o Fernando não estava ali. Em nossa casa ele tinha um pequeno arsenal, para uma possível defesa, ali só uma parede mestra…

Às oito aparece o Fernando, nas calmas, pois tinha trabalhado até essa hora, pôs-nos à vontade e foi-nos dizendo que não tinha sido nenhum ataque a Bafatá mas sim ao aquartelamento da tabanca de Geba, distante uns dez quilómetros. O meu marido já tinha assistido a vários.

Para a semana, por falar em Geba e outra vez na primeira pessoa, vou contar a minha ida lá, propositadamente para olhar na cara o que achava que seria um nazi fugido depois da segunda guerra mundial. Poder-me-ia ter saído muito caro….

Até para a semana camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5232: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (15): Uma estória de faca e alguidar

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (35): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro)


14 de Novembro de 2009

HOMENAGEM A 2 CAMARADAS NOSSOS MORTOS EM COMBATE NA GUINÉ

(É obrigatória a presença de quem puder comparecer)

Como já havia sido referido em anterior poste (P5240), da autoria do nosso Camarada José Martins, vão decorrer no próximo da ia 14, em frente ao Memorial aos Combatentes do Ultramar, em Belém, as cerimónias comemorativas do 91º Aniversário do Armistício, 86º Aniversário da Liga dos Combatentes e do 35.º Aniversário do fim da Guerra do Ultramar, que inclui uma justa e merecida homenagem a 2 Camaradas nossos mortos em Combate na Guiné.

Acabei de ser informado que a presença destas ossadas, dos nossos 2 Camaradas mortos em Combate no cumprimento do Dever e Honra para com a Pátria, a que então se chamava nesta nação “Serviço Militar Obrigatório”, e que foram agora trasladados da Guiné-Bissau, só vai ser possível, porque alguns dos seus familiares assumiram a totalidade das despesas envolvidas.

Estavam previstas a vinda dos restos mortais de 3 mortos na guerra.

Afinal vieram só as ossadas do Machado e do Telo,« Marados de Gadamael».

O restos do corpo do Ferreira ficaram em Bissau, porque a família, infelizmente, não tinha posses para pagar as despesas...

Onde é que está a Dignidade do nosso Estado (do governo e nosso políticos)?!

PROGRAMA DAS COMEMORAÇÕES

14H35 - Formatura pronta frente à tribuna, no local indicado para prestar continência à chegada da Alta Entidade que preside às Cerimónias;

14H45 - Chegada da Alta Entidade e Honras Militares;

14H50 - Alocuções alusivas ao acto.

15H15 - Condecorações a Membros da Liga dos Combatentes;
Descerramento de Placa;

15H20 - Evocação do Armistício e Aniversário da Liga dos Combatentes com deposição de coroas de flores no Monumento;

15H30 - Homenagem aos mortos em combate por Sua Eminência o Bispo das Forças Armadas D. Januário Torgal Mendes Ferreira.

P.S.: O Museu do Combatentes (Forte do Bom Sucesso), situado na retaguarda do mesmo espaço, tem várias exposições abertas ao público que poderão ser visitadas.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

Guiné 63/74 - P5260: Memória dos lugares (54): Uma ponte mágica, a do Saltinho, sobre o Rio Corubal (Mário Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Saltinho > Uma belíssima foto da antiga ponte Carveiro Lopes (não ideia se foi rebaptizada, a seguir à independência), vista da margem direita do Rio Corubal, a jusante... O Beja Santos não me disse de quem são os créditos fotográficos... Parabéns, de qualquer modo, ao artisa... (LG)

Foto: Cortesia de Beja Santos. Autor desconhecido

1. Mensagem de Beja Santos:

Malta,

Li com imensa satisfação a informação sobre as três pontes do Corubal. A ponte General Craveiro Lopes, inaugurado pelo governador Silva Tavares, era, ao tempo a maior ponte construída na Guiné.

Segundo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, número 51, Julho de 1958, no acto inaugural, o Eng Abel Aires referiu-se a vários aspectos da construção iniciada em Abril de 1955.

Trata-se de uma ponte constituída por quatro tramos de 35,5 metros entre eixos. Os tramos assentam sobre três pilares centrais construídos em betão ciclópico. O comprimento da ponte entre os seus eixos extremos é de 146 metros, com uma largura da faixa de rodagem de 6 metros.


Guiné-Bissau > Saltinho > Ponte General Craveiro Lopes > Lápide, em bronze, evocativa da "visita, durante a construção" (sic) do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes (, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. A ponte só iria ser inaugurada em 1958, ao tempo Governador (1957/58) Álvaro Rodrigues da Silva Tavares (n. 1915) e depois Alto Comissário e Governador de Angola (Janeiro de 1960 / Junho de 1961).

Foto: © Albano M. Costa (2006). Direitos reservados


Referia-se expressamente que a ponte, para além destas dimensões impressionantes, iria substituir satisfatoriamente a ponte Marechal Carmona (*), o administrador de Fulacunda disse expressamente no acto inaugural de 1958 que a ponte Marechal Carmona já não servia os interesses da população, não fiquei a perceber porquê.

É para mim uma ponte mágica, passei por lá sempre deslumbrado, quando ia levar abastecimentos ao Xitole, algumas vezes com o Luís Graça. (**)

Esta fotografia [inserida acima] grava-se-me pela saudade e pela elegância das linhas da construção dentro da paisagem. Faço votos para lá voltar muito em breve.
Um abraço do Mário

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

8 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5237: Memória dos lugares (53): Rio Corubal: As três pontes... (C. Silva / P. Santiago / M. Dias / Luís Graça)

7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5228: Memória dos lugares (52): Rio Corubal: afinal, havia... 3 pontes !? (C. Silva / D. Guimarães / M. Dias / Luís Graça)

7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5227: Memória dos lugares (51): Ponte Carmona sobre o Rio Corubal (Carlos Silva)

Vd. também postes de:

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXVI: As pontes sobre o Rio Corubal (Mário Dias)

26 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIX: As pontes sobre o Rio Corubal: rectificação (Mário Dias

(**) Vd. poste da I Série > 20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho).

(...) Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A. Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.

(..) Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole-Saltinho, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 3O Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, Xitole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo informação do Humberto Reis, que dispõe dos 73 mapas cartográficos da Guiné-Bissau à escala de 1/50000):

"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA [Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].

"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta, [em 18 e 19 de Agosto]).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas] que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.

"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando aéreo] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".

(...) A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:

"(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

"(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.

"A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento".

(...) A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12.

A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias).

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região. (...)

Guiné 63/74 - P5259: Ser solidário (45): Falando do apoio americano aos seus Veteranos de Guerra (José da Câmara)

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara*, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, radicado nos Estados Unidos da América, com data de 12 de Novembro de 2009:

Caro Carlos,
Junto encontrarás a minha resposta ao nosso camarada Alberto Branquinho.
Foi um prazer ler aquilo que ele escreveu.
Demonstrou ser um homem atento ao que se passa na sociedade americana. Isso apraz-me registar.

Com votos de muita saúde e um abraço amigo,
José Câmara


2. Caros camaradas,
Quando escrevi o P5222*, fi-lo com a convicção de que, ao escrever sobre o que se fazia em outras paragens, isso poderia contribuir como estímulo para as lutas de direitos (quero acreditar que também de deveres) que muitos de vós se vêm envolvidos ou gostariam de verem resolvidas pelo governo português, independentemente da sua cor política

O nosso camarada Alberto Branquinho respondeu, dissertando sobre o que escrevi, como ainda pondo algumas questões bastante pertinentes. Agradeço!

O Alberto Branquinho na sua mensagem P5247** desenvolveu um episódio que teve a oportunidade de presenciar em 1984 quando, ao serviço da empresa que o empregava, visitou os EUA. O acontecimento teve lugar em Washington deduzindo, e bem, que estava na presença de uma manifestação a nível nacional.
A manifestação era protagonizada por ex-combatentes da guerra do Vietname. Aqueles, por formas várias, entregavam-se à luta reivindicativa de direitos que julgavam merecer.

Apraz-me registar a argúcia das observações feitas pelo autor não sou sobre o causa/efeito da manifestação, e também da forma de estar do povo americano Eu, vivendo neste país americano, não teria conseguido dizê-lo melhor nem tão bem.
O grande fenómeno americano assenta nestes princípios básicos: liberdade, justiça, e o direito de questionar (pedir) o congresso na resolução dos problemas inerentes ao povo.

É naqueles princípios que a família aparece como factor principal do associativismo americano. Quando essas famílias são emanadas dos mesmos desejos transformam as suas causas e as suas comunidades em factor de pressão, o tal loby, sem o qual nada ou pouco se consegue.

As associações de veteranos locais fazem parte desse associativismo que, no seu conjunto a nível nacional, têm uma força política descomunal neste grande país americano.
Stoughton, MA., é uma pequena comunidade, inserida na área metropolitana de Boston.

Câmara Municipal de Stoughton, MA

A Câmara Municipal de Stoughton é dirigida por um Administrador contratado pelos Vereadores da Vila, e sua forma de governo é o Town Meeting (Assembleia Municipal). Entre os serviços da Administração Municipal está o Departamento de Veteranos, que é dirigido por um Agente contratado pela Vereação da Câmara Municipal.

O Agente não tem que ser necessariamente um veterano, mas não magoa se o for. O importante é que o Agente seja competente no desenvolvimento do trabalho que lhe é confiado.

No momento actual o Agente é um veterano da guerra do Vietname. Os anteriores, que conheci, também eram veteranos.
O Departamento de Veteranos é um serviço público e gere fundos públicos. O Estado Federal contribui com 75% do Orçamento do Departamento, e a vila de Stoughton contribui com os restantes 25%.

Na lei não existe nada que proíba o Agente de Veteranos de angariar e dirigir fundos provenientes de empresas, serviços e particulares. Não pode é misturar os dinheiros públicos com os dinheiros privados.

Na colheita dos fundos particulares o Agente conta sempre com voluntários que o ajudam nesse processo, e não são necessariamente empregados da Câmara Municipal. Pelo contrário são pessoas que, fazendo parte de outras organizações se solidarizam com a (s) causa(s) em questão. No caso da nossa história coube às Girl Scouts (Grupo de Escuteiras) a tarefa de recolherem donativos vendendo bolachas, para ajudarem um veterano da guerra do Iraque.

A distribuição de dinheiros públicos é feita de acordo com as leis e regulamentos em vigor. Os dinheiros privados são um suplemento, e são entregues, de uma maneira geral, no fim da recolha, e vão na sua totalidade para a (s) causa (s) para que foram anunciados.

O Exército Americano é hoje, todo ele, baseado no voluntariado. Para além das suas Forças Regulares o Exército precisa, em situações de emergência, dos seus Reservistas. São estes civis que, na sua vida normal do dia a dia, contraíram obrigações de toda a espécie para o normal funcionamento das suas vidas. Muitas dessas obrigações têm que ser satisfeitas, mesmo quando os obrigatoriantes são chamados a cumprir os seus deveres com o Exército e com a nação.

Nós sabemos que o Exército paga, normalmente, menos que aquilo que esses militares auferem na sua vida particular. Perante isso a nossa ajuda para os veteranos, por pequena ou grande que seja, não é nem pode nunca ser constituída como esmola.

Para nós, cidadãos americanos (tenho dupla nacionalidade), é motivo de orgulho nacional e satisfação moral ajudar todos aqueles que, ao serviço da nação põem em risco a sua vida e o bem estar da família, para que todos nós possamos manter a nossa liberdade.

Isto é a América!
José Câmara
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5222: Efemérides (27): O Dia dos Veteranos, 11 de Novembro na Vila de Stoughton (USA) (José da Câmara)

(**) Vd. poste de 10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5247: Ser solidário (44): A propósito do Dia dos Veteranos em Stoughton - Estados Unidos da América (Alberto Branquinho)

Guiné 63/74 - P5258: A tragédia de Cufar, sábado, dia do Diabo, 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)







Guiné > Região de Tombali > Cufar > Fotos obtidas de slides do António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007)... São fotos, carregadas de horror, impotência e luto.

Nas páginas 200-2003 do citado livro, pode ler-se o seguinte (resumo):
Foi no dia 2 de Março de 1974, sábado, um "dia do diabo" (sic)... Entre Cufar e o porto do rio Manterunga, numa picada que não teria mais de cem metros, batida milhares de vezes pelos jipes e demais viaturas militares, os guerrilheiros do PAIGC lembraram-se de lá deixar uma brinquedo de morte: uma vulgar mina anti-carro, reforçada por uma bomba de um Fiat (!) que não tinha explodido... Um jipe do pelotão da Intendência, o PINT 9288, comandado pelo Alf Mil João Lourenço (membro da nossa Tabanca Grande) (*), accionou o engenho. Os cinco ocupantes, dois militares, brancos (o Fur Mil Pita e o Sold Santos, o Jeová), e três civis, estivadores, guineenses, encontraram aqui a morte...

Mais à frente, outra mina, enterrada no lodo do rio, provocou a explosão, em cadeia, de batelões atracados ao cais e carregados de bidões de gasolina... Cerca de duas dezenas de estivadores perderam a vida, num cenário dantesco..."Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver", escreveu o António...

Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem de 5 do corrente, remetida pelo António Graça de Abreu :

Meus caros Luís, Vinhal e Magalhães Ribeiro:

Peço-vos que publiquem este texto que está no meu Diário da Guiné, nas paginas 200-203. Creio ser valioso porque agora o posso acompanhar com os slides que fiz na altura e só a semana passada consegui digitalizar. É um documento importante a mês e meio do fim da guerra na Guiné [, a duas semanas do 16 de Março de 1974, nas Caldas da Raínha]. Estas duas minas, na picada e no lodo, provocaram 19 mortos, em Cufar. Algumas fotografias são cruéis, mas não há muitas imagens como estas. Deixo ao vosso arbítrio a sua publicação.

Um abraço forte do

António Graça de Abreu


Cufar, 3 de Março de 1974

Hoje é domingo, dia do Senhor, o nosso Deus salvador do mundo. Ontem foi dia do Diabo, Santanás andou por aqui à solta. Ignoro se o Céu existe, mas sei que ontem viajei pelos caminhos do Inferno.

Tudo começou às quatro da tarde com um rebentamento fortíssimo a quatrocentos metros do quarto onde eu dormia uma sossegada sesta. Acordei sobressaltado, vesti-me rapidamente. Lá fora já havia gente a correr e a gritar.

O rio Cumbijã passa a dois quilómetros de Cufar, mas existe o rio Manterunga, um pequeno afluente, melhor um braço de rio que chega quase até à nossa povoação. A quinhentos metros daqui construiu-se um pequeno pontão, um cais de abicagem no
Manterunga.

É aquilo a que chamamos o “porto interior”, utilizado por barcos de pouco calado que chegam carregados de Bissau e descarregam neste porto. Quando a maré está cheia, os batelões sobem o rio e ficam ancorados lá em baixo. A maré desce e os barcos pousam em cima do lodo do leito do rio que é mole e não lhes danifica o casco. Voltam a aproveitar uma maré-cheia para regressar a Bissau. São batelões pequenos, uma espécie de barcaças com motor que trazem para aqui muitos produtos de que necessitamos todos os dias, sobretudo gasolina para abastecer os aviões e helicópteros.

Entre Cufar e o porto do rio Manterunga existe uma picada de terra batida com umas centenas de metros. Até ontem circulava-se nessa estradinha com o maior à vontade, considerava-se a estrada como fazendo parte dos caminhos de Cufar. Já passei por lá dezenas de vezes conduzindo os jipes e é um dos trajectos que costumo utilizar nos meus crosses.

Os guerrilheiros não andam longe e conhecem bem estes lugares, estão em casa. Na picada, a cinquenta metros do porto interior resolveram colocar uma mina anti-carro reforçada por uma bomba dos nossos Fiats que não havia explodido. A mina foi accionada pelo jipe do pelotão de Intendência, até há uns tempos atrás comandado pelo [João] Lourenço (*), meu ex-companheiro de quarto. Foi o estouro monumental, o rebentamento desta mina que me acordou. Iam cinco homens no jipe, dois brancos, um furriel da Intendência[, o Pita e] o Santos, Jeová, mais três negros estivadores dos batelões de Bissau. Quatro deles morrerem logo, os corpos voaram e caíram desfeitos a mais de cinquenta metros do local da mina, o jipe também voou e poisou de rodado para o ar, completamente destruído a vinte metros da estrada. Sobreviveu o furriel Pita, mas dizem-me agora que morreu no hospital de Bissau.

Às sete e meia da tarde, já noite escura, ouviu-se novo rebentamento. Ataque?!... Houve logo gente a saltar para as valas. Eu estava no meu gabinete e percebi que não se tratava de um ataque. Para os lados do porto interior cresciam chamas enormes. Peguei num jipe e avancei pela picada a grande velocidade em direcção ao porto. Um soldado quis vir comigo mas quando me viu a acelerar por ali abaixo, saltou do jipe e deixou-me sozinho. Em menos de um minuto estava junto do buracão feito pela mina anti-carro da tarde e não podia avançar mais. Logo ali, diante de mim ardiam os batelões com labaredas que subiam a mais de quinze metros. Iluminei o caminho com os faróis do meu jipe. Na minha direcção corriam meia dúzia de homens com o corpo em chamas, e gritos atrozes, lancinantes.

Os batelões transportavam umas dezenas largas de bidões de gasolina. Ora os guerrilheiros haviam deixado outra mina anti-carro enterrada no lodo do rio Manterunga. Quando a maré desceu, o fundo de um dos barcos tocou na mina que rebentou perfurando-lhe o casco. De imediato, a gasolina pegou fogo. Começaram a rebentar bidões e num ápice os três batelões que estavam juntos começaram a arder, um incêndio colossal. Os homens da tripulação e os estivadores que jantavam dentro dos barcos foram regados com gasolina, alguns deles, com os rebentamentos, foram projectados em todas as direcções.

Os homens ardiam como tochas, gritavam, vinham direitos a mim. O inferno deve se um lugar bem mais agradável do que aquelas dezenas de metros de picada com pessoas a serem consumidas pelas chamas, o ar, o escuro da noite empestado por um horrível, um nauseabundo cheiro a carne humana queimada. Despi a minha camisa e com ela tentei apagar restos do fogo que cobria aqueles homens. Meti quatro negros no carro, dei a volta com o jipe e subi, acelerando em direcção a Cufar. Uma viatura blindada Fox descia a picada com os faróis e as metralhadoras apontadas para nós.

Eram os primeiros militares que acorriam à explosão dos barcos. Gritei-lhes para pararem. Ficaram espantadíssimos por encontrarem ali o alferes Abreu em tronco nu com homens todos queimados dentro do jipe. Rodeei a Fox com dificuldade – ocupava quase toda a picada, – e em segundos cheguei com os desgraçados à enfermaria de Cufar. Foram deitados em macas e regados com água. Dois grupos de combate da 4740, bem armados, desciam entretanto para o porto interior e havia mais pessoas atingidas pela gasolina a arder, a caminho. Não era mais comigo.

Hora e meia mais tarde, com a pista iluminada pelas garrafinhas com petróleo veio o Nordatlas que transportou quase uma dezena de homens horrorosamente queimados para o hospital de Bissau. O Bastos, o médico, disse-me que apenas três tinham hipóteses de sobreviver.

Faltava alguma tripulação e estivadores. Hoje, de manhã cedo, o espectáculo era ainda tenebroso, dantesco. Os batelões continuavam em chamas e no lodo do rio Manterunga havia sete corpos carbonizados, espalhados em volta dos barcos. Os homens a arder saltaram para o lodo e morreram ali, meio enterrados na lama cinzenta. Faltavam corpos que não foram encontrados, caíram ao rio e quando a maré subiu devem ter sido levados pela corrente. Apareceu um último cadáver todo esventrado, comido pelos abutres.

Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver.

Os homens que morreram queimados ou desapareceram eram todos africanos, o que provocou algum alívio entre a tropa branca. Apenas o Jeová e o furriel Pita da Intendência eram nossos, nossos amigos.[1]

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[1] O soldado Rodrigo Oliveira Santos, Jeová, era natural da freguesia de Romariz, Vila da Feira; o furriel miliciano Pita da Silva nasceu no Funchal, Madeira.

[ Revisão / fixação de texto / legenda / bold a cor / título: L.G.]
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:
17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4366: Tabanca Grande (144): João Lourenço, ex-Alf Mil, PINT 9288, Cufar (1973/74)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)

Guiné 63/74 - P5257: Convívios (175): Almoço da CCAÇ 557, 7 de Novembro de 2009 - Almeirim (José Colaço)


1. Texto do José Colaço, ex-Sold Trms, CCAÇ 557 (Cachil,Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde Junho de 2008 (*).


Almoço da CCAÇ 557, realizado em 7 de Novembro de 2009

Almeirim - Santarém


O nosso ex-capitão, hoje é coronel, só que no dia do nosso almoço leva não sei quantas “porradas” e é despromovido, voltando a ser o nosso capitão. Por um dia, com muito gosto e alegria, tanto da parte dele como dos seus então subordinados.

Foi um dia muito bem passado entre todos os presentes, só lamentamos aqueles que, pelo rodar da roda inexorável da vidam deixam de poder estar presentes fisicamente.

Para nós, eles continuam a marcar presença na nossa memória.Este ano notamos as faltas do nosso estimado Furriel Victor, bem como mais cinco ou seis elementos, segundo soubemos por problemas de saúde.A eles dedico aqui um voto, para a sua rápida e total recuperação.

Resistentes da família da C.Caç.557 (eu sou o primeiro a contar da esquerda e o nosso coronel é o 12º a contar da direita). O operador da fotografia foi a minha cara metade.

















Vista da sala do restaurante "Moinho de Vento", com o pessoal da companhia muito concentrado no serviço para o qual tinha sido convocado (comer e beber). À direita, o nosso capitão em amena conversa cavaqueira com o Valadas (ex-1º Cabo Operador Cripto), que irá organizador o nosso 23º almoço, em 2010 - Évora.















Um dos pares elegantes (vestido de escuro) o nosso capitão e a sua esposa, a fazerem o gostinho ao pé. À direita: O nosso capitão parte o bolo deste aniversário, acompanhado do Armando Alves (organizador do almoço de 2009).

As nossas "resistentes" que nos têm acompanhado ao longo da vida.

Envio também um poema, da autoria do nosso poeta e camarada Francisco dos Santos, que todos os anos nos dedica um diferente:


07/11/2009
Convívio da C.Caç. 557


Armando Alves na frente
Deste grupo pertencente,
À quinhentos e cinquenta e sete,
É hoje o realizador
Este ex-condutor,
O mil duzentos e dezassete.

Este almoço anual
Muda sempre de local,
É sempre mais um evento,
Este ano foi assim,
Reunimos em Almeirim
E no Moinho de Vento.

Eu já falei muitas vezes
Da Guiné e duros meses
Que pareciam não findar,
Com sorte e muito suor
Não fomos desta p`ra melhor
Onde outros tiveram azar.

A Guiné foi nosso fado,
Demos conta do recado
Com a união e esperança,
Beliscamos a juventude,
Com vontade e a virtude
De um grupo de confiança.

Com muitos ingredientes
Não fomos só combatentes
Num clima arrepiante.
Tivemos que aprender
Também a sobreviver,
Num ambiente escaldante.

Para a África os militares
Foram levados aos milhares
E entregues à sua sorte,
Naquela guerra viril
Foram mais de nove mil
Que encontraram a morte.

Amigos e já veteranos
Foi há quarenta e quatro anos
Que voltámos à nossa terra,
Ficou da vida de então
A amizade e recordação
Daquela longínqua guerra.

Mas esquecemos as bolanhas
Formigas e matacanhas
E esse mau estar constante,
Porque hoje a nossa G3
É a ementa que fez
Este simpático Restaurante.

(Francisco dos Santos)

Para todos um abraço,
José Colaço.
Sold Trms da CCAÇ 557


Fotos: José Colaço (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5256: Tabanca Grande (186): João Bonifácio regressa em Janeiro de 2010 ao solo pátrio (Os Editores)

1. Mensagem de João Bonifácio*, ex-Fur Mil SAM (vulgo vagomestre), na CCAÇ 2402 (, Mansabá e Olossato, 1968/70), com data de 10 de Novembro de 2009:

Caro Luis.
Os meus melhores votos de saude.

Desejo comunicar a toda a Tabanca que a partir de 13 de Dezembro do corrente ano, não mais terei o sistema de internete no Canadá.
Penso regressar a Portugal depois de 35 invernos, mais frios que quentes, o que penso fazer em Janeiro.

Após a minha chegada e depois de me estabelecer e familiarizar com o ambiente, tentarei voltar ao convívio de todos. Para os que não sabem, esta é uma mudanca radical, mas penso que para o bem pois nunca pensei ficar aqui congelado para sempre.
Ficam assim todos informados, por teu intermédio Luis, o que muito agradeço.

Do mesmo modo desejo a todos um Bom Natal em companhia de todos os vossos familiares e amigos e que, como sempre dizemos, que 2010 seja o Ano Bom e cheio de saúde e amor.
Fiquem Bem.

João Gomes Bonifácio
ex-Fur Mil SAM
BCAÇ 2402/BCAÇ 2851
Guiné, 1968/70

Obrigado Luís e um Abraço de Boas Festas


2. Comentário de CV:

Caro João Bonifácio
Registamos a boa notícia do teu regresso definitivo a Portugal. Vais deixar para trás uma boa parte da tua vida, mas terás pela frente, nesta terra bem mais quente, ainda uns bons anos para gozar o devido descanso após uma vida de trabalho.

Esperamos que nos indiques na devida altura o teu novo endereço, pois não te queremos perder de vista.

Toda a tabanca te deseja um bom regresso e uma fácil integração na nova vida que vais empreender.

Retribuímos e agradecemos os teus votos de Boas Festas.

Em nome da tertúlia deixo-te um abraço
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4698: Depois da guerra, o stresse... da paz (2): Não foi o melhor tempo da minha vida... (João Bonifácio)

Vd. último poste da série de 5 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5216: Tabanca Grande (185): Arménio Santos, ex-Fur Mil de Rec Inf, Aldeia Formosa, 1968/70