sábado, 2 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23403: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (7): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte VI: o ataque a Gadamael Porto: de 31 de maio a 11 de junho, o IN disparou cerca de 1500 granadas de canhão s/r e morteiro 120



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > De 31 de maio a 11 de junho de 1973, em cerca de 6 dezenas de flagelações, caíram em Gadamael Porto 1468 granadas de canhão s/r e de morteiro 120. Fonte: CECA (2015), p. 333



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 >  O alf mil Carlos Milheirão (*), depois,  no obus 14, e por detrás, assinalados por seta e  legenda, o depósito de géneros e a enfermaria


Foto nº 2  > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 > 
Em primeiro plano, o autor das fotos, o alf mil Carlos Milheirão, que esteve em Gadamael entre fevereiro e julho de 1974.


Foto nº 3  > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 > 
Legendas, em primeiro plano, o Carlos Milheirão... À volta, da direita para a esquerda (i) portadas da messe; (ii) depósito de géneros e enfermaria; (iii) canhão sem recuo; e (iv) geradores elétricos (?).


Foto nº  4 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 > 
O Carlos Milheirão no espalddão do obus 14. Legendas: da esquerda para a direita: (i) aqui provavelmente estava uma das metralhadoras; (ii) obus 14; (iii) algures por aqui havia um canhão sem recuo; e (iv) depósito de géneros e enfermaria.
 

Foto nº  5 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 >
 Crianças... Legendas: (i) direção da bolanha /cais; (ii) depósito de géneros e enfermaria; e (iii) enfermaria / abrigo.


Foto nº  6 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 > 
Aspeto geral do aquartelamento... Legendas, da esquerda para a  direita: (i) abrigo; (ii) bandeira; (iii) padaria (?); (iv) cozinha e messe de sargentos; (v) messe e bar de oficiais; (vi) estas telhas certamente "voaram" com um disparo de obus para a mata do Cantanhez (Jemberém); e (v) espaldão de obus 14 


Foto nº  6A> Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 > Foto anterior, mais detalhada.


Foto nº  7> Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 > 
Legendas: (i) abrigo; (ii) geradores elétricos (?); e (iii) bandeira (quando se içava ou arriava, os cães vinham para ali e uivavam ao toque do clarim)


Foto nº  8 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1974 > CCAÇ 4152/73  (Gadamael e Cufar, 1974 > 
Da esquerda para a direita: (i) bolanha; (ii)  algures por aqui havia um canhão sem recuo; (iii) obus 14; (iv) depósito de géneros e enfermaria; (v) bolanha/cais; e (vi) tabanca.

Fotos (elegenda): © Carlos Milheirão (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação da esta nova série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?" (**).

Trata-se de excertos da CECA (2015) sobre estes acontecimentos de maio/junho de 1973. Recordamos Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G, "a batalha (ou as batalhas) dos 3 G", na véspera da efeméride dos seus 50 anos (que será em 2023).  

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.



CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas


2. 1. Ataque lN no Sul a Guileje e a Gadamael Porto

2.1.2. Ataque lN a Gadamael Porto


Após a retirada da guarnição de Guileje (22Mai73), a guarnição de Gadamael 
Porto tinha a seguinte constituição:

CCaç 4743/72, 
2 GComb/CCaç3520, 
Pel Canh s/r 3080 (5 armas) 
e Pel Mil 235. 

Vindas de Guileje: 

CCav 8350/72, 
15° Pel Art (14 cm) a 3 bocas de fogo, Pel Rec Fox 3115, apenas com 1 VBTP White 
e 1Sec (+)/Pel Mil 236 (o restante pessoal estava ausente ou havia sido baixa em combate).

O Cmdt do CAOP 1, Cor Para Rafael Ferreira Durão, esteve no aquartelamento de 22 a 31Mai73.

O Capitão Inf 'Cmd' Manuel Ferreira da Silva assumiu o Comando do COP 5 em 31 de Maio de 1973.

"[ ... ] No dia 29, no Comando-Chefe das FAG, foi-me comunicado que no dia seguinte seguiria para Gadamael Porto, para comandar o Comando Operacional n" 5, substituindo o Major Coutinho e Lima, entretanto preso em Bissau. No dia 30, segui de helicóptero para Cacine, e em 31 de barco "sintex", para Gadamael Porto onde cheguei cerca das 11h00n depois de 2 horas de viagem [... ]

Após a partida do coronel Rafael Durão, nesse mesmo dia, reuni com os dois Comandantes de Companhia, Cap Mil Inf Manuel Maia Rodrigues (CCaç 4743/72) e Cap Mil Art Abel Quelhas Quintas (CCav 8350/72), para me inteirar da situação. Após o almoço, quando iniciávamos uma visita ao aquartelamento, começaram as flagelações contínuas, com artilharia, morteiros, canhão sem recuo e mísseis. No início os impactos verificavam-se fora das instalações, mas gradualmente foram-se aproximando, e no final do dia já caiam dentro do aquartelamento.

O aquartelamento de Gadamael Porto, onde se encontravam as instalações militares tinha uma área de cerca de um hectare, com uma avenida central em terra batida que do cais, onde na maré cheia acostavam os pequenos barcos, passava junto à enfermaria, comando, depósito de géneros, arrecadação de material de guerra, posto de rádio, etc. e seguia para a pista de aviação. Os alojamentos estavam dispersos, e alguns junto ao arame farpado, que protegia a parte por onde o ln podia atacar. Do lado oposto existia a tabanca
da população com cerca de 500 habitantes. [... ]

Gadamael Porto face à sua localização, normalmente não era atacado, pelo que os abrigos existentes eram reduzidos, e as valas à volta do aquartelamentonnão ofereciam qualquer protecção às granadas do lN. 

Além disso, para além dos militares a população de Guileje, procurou ocupar os poucos lugares com alguma protecção, o que mais complicou a situação. O aquartelamento de Gadamael Porto, era um local com pequenas instalações dispersas, com fraca consistência construídos apenas com adobes feitos no local que, como se constatou durante as flagelações, se desmoronavam quando as granadas de morteiro e artilharia aí rebentavam. O PAIGC utilizou durante os ataques granadas explosivas, incendiárias e perfurantes.

Ao amanhecer do dia 1 de Junho, o 2°dia da minha permanência, iniciou--se aquele que seria o dia mais crítico de toda a batalha de Gadamael Porto,mcom as flagelações quase permanentes particularmente de artilharia e morteiros 120 mm. Num espaço de tempo de 3 minutos chegaram a cair 18 granadas 
dentro do Quartel. 

O Relatório final da CCaç 4743/72 fala em 700 granadas no final do dia, mas penso que o número foi superior, a 1000. O que mais impressionava nem eram as explosões, mas sim o silvo arrepiante das granadas quando passavam por cima de nós.

Para responder ao fogo do PAIGC tínhamos a nossa artilharia e o morteiro 81 mm, que iam fazendo fogo com a rapidez possível. Poucos dias antes os obuses de 10.5 cm tinham sido substituídos pelos de 14 cm, mas os espaldões de protecção não estavam ainda adaptados. 

Cerca das 10h00 explodiu uma granada do lN na cobertura de zinco do Pelotão, causando 3 mortos e 11 feridos, o que o tomou inoperacional. Ainda se pôs um obus a funcionar com o apoio de voluntários e o pessoal que restou do Pelotão de Artilharia, mas ao fim de vários disparos ficou inoperacional. 

Claro que até esta altura os soldados nas valas e torreões de vigilância não faziam fogo, pois não se via qualquer inimigo. Os disparos que mandei efectuar, foi quando à tarde me apercebi que alguém estava a regular o tiro e então fez-se fogo de metralhadora para a encosta do outro lado do rio, onde era possível ver o aquartelamento.

A única arma pesada ainda disponível era o morteiro 81 mm, que embora não tivesse alcance para atingir as posições inimigas, continuava a marcar a nossa presença e que podia atingir as tropas do PAIGC, que encontravam nas imediações, como se provou mais tarde . [... ]

No dia 1 de Junho de 1973 houve 8 mortos e 28 feridos, que foram evacuados para Cacine que distava mais de 20 km, e os barcos levavam 2 horas no trajecto. Apesar da situação difícil nunca faltaram militares, para levar os feridos e os mortos para a enfermaria.

Ao princípio da tarde explodiu uma granada no posto de rádio, que ficou bastante danificado. Nesse abrigo encontravam-se os dois comandantes de Companhia, que ficaram feridos, e outros oficiais. Os dois capitães foram evacuados para Cacine, debaixo das granadas que continuavam a cair, e ficamos sem ligação rádio para qualquer aquartelamento. 

Lembro a noção da responsabilidade do operador cripto, que me veio perguntar se devia destruir os códigos secretos, ao que respondi que não. Passado algum tempo consegui
descobrir um rádio portátil TR-28, que estava intacto e a funcionar, o que me permitiu ser ouvido pela Unidade sedeada em Cufar, a quem pedi para comunicarem para Bissau a situação. Foi esta minha comunicação verbal que informou Bissau que Gadamael Porto embora com uma situação muito difícil estava ocupado, pois a Companhia de Cacine cerca das 12h00 informara Bissau que Gadamael Porto fora destruído e o pessoal tinha fugido para o mato, possivelmente devido aos rebentamentos contínuos que se ouviram em Cacine,
e conversas com os primeiros feridos, que aí chegaram cerca dessa hora vindos de Gadamael Porto. Se não fosse a comunicação rádio a informar a nossa ocupação de Gadamael Porto, poderia criar-se uma situação mais complicada e de difícil solução.

Após a evacuação dos capitães fiquei sem qualquer elemento de ligação às Companhias, em virtude de ter chegado na véspera e não conhecer os subalternos, que estavam dispersos pelo aquartelamento. Entretanto com as flagelações constantes, muitos dos soldados particularmente da Companhia de Guileje em virtude de as valas não oferecerem protecção, deslocaram-se ao longo delas até à tabanca da população, e ao tarrafo (zona alagadiça), que não estavam a ser bombardeados. 

Não me apercebi dessas movimentações, hipotecado, como estava, com os problemas dos feridos, transmissões e reacção ao fogo ln para resolver. Durante a noite alguns nregressaram ao aquartelamento mas na manhã do dia 2 outros militares tiveram conhecimento de um navio patrulha da Marinha o NRP ORION sob o comando do Comandante Pedro Lauret e 2 LDM (Lanchas de Desembarque Médio) que estavam no rio
Cacine a cerca de 1 km. 

Com o apoio de botes de fuzileiros dirigiram-se para aí tendo sido recolhidos pela Marinha cerca de 200 militares e centenas de elementos da população. Foram levados para Cacine, tendo regressado passados dias a Gadamael Porto. É verdade que se os soldados se mantivessem nas valas, o número de baixas teria sido superior. Também é verdade que o navio patrulha, não enviou nenhum emissário ao aquartelamento a perguntar do que
precisávamos, quando tudo faltava, e só tive conhecimento da sua presença no dia seguinte.

Ao fim da tarde quando estávamos numa das evacuações de feridos no Cais, o médico ficou também ferido e foi evacuado. Era o alferes médico Antunes Ferreira, que foi incansável no tratamento e na preparação dos feridos e não queria ser evacuado. Lembro que todos os 8 mortos e 28 feridos em Gadamael Porto, nesse dia, foram evacuados para Cacine de "sintex".

Pouco tempo depois, quando vindo do Cais me deslocava junto do mort 81 mm, o Furriel Carvalho, saiu do abrigo veio na minha direcção e comunicou-me que não tinha munições para o morteiro, e que estavam poucos soldados na zona critica, e queria saber o que fazer. Eu nem sabia onde estavam as munições de morteiro, mas depois de o acalmar, apareceu o 1º cabo escriturário Raposo que se propôs ir na Berliet buscar granadas, ao paiol a cerca de 100 metros debaixo das flagelações, o que fez e foi incansável nessas tarefas e noutras, ajudado por outros militares que entretanto apareceram. [... ]

Mas tudo se resolveu. As granadas de morteiro apareceram montou-se uma metralhadora apareceram mais militares e passámos a noite a lançar uma granada de morteiro de tempos a tempos, a disparar umas rajadas de metralhadoras para assinalar a nossa presença, napesar de as flagelações com artilharia e morteiros do lN continuarem durante a noite. Nestes militares estavam oficiais, sargentos e praças, no efectivo de muitas dezenas.

A ideia de abandonar o Quartel nunca se me colocou, pois sabia que só por barco podia sair da zona. A minha preocupação durante o dia era evacuar os feridos, e garantir um mínimo de defesa. Mesmo que essa possibilidade existisse a minha formação ética o impediria. Aliás durante o dia estive sempre ocupado, a resolver os problemas que continuamente surgiam. Tudo seria diferente se eu conhecesse há mais tempo aqueles militares, que na maioria eram açorianos e que eram bons soldados, e a cadeia de comando pudesse funcionar.

No dia 2 de Junho, de manhã, aterrou um helicóptero com o General Spínola, o melhor Oficial General combatente da guerra de África. Logo que saiu do heli ouviram-se as saídas das granadas dos morteiros 120 mm, que demoravam 18 segundos a chegar ao Quartel, e que foi o tempo suficiente para se puxar o General, para dentro do helicóptero, apesar da sua resistência, e este levantar com o Cor Durão ainda pendurado. Quando estava a uns 20
m de altura as granadas caíram no local onde este aterrou. Antes de barco ou heli, tinham chegado o Cor Rafael Durão e os capitães de Cavalaria Manuel Monge e António Caetano. O capitão Monge foi comandar a Companhia de Cacine (Nota: Assumiu o comando da CCaç 3520 em 04 12h00 Jun73) e mais tarde o COP 5, e o capitão Caetano a Companhia 8350/72 (por um período limitado).

Nos dias 2 e 3 de Junho apesar da intensidade das flagelações, não houve mortos pois os militares procuraram melhores abrigos. No dia 3 chegou uma Companhia de Pára-quedistas comandada pelo Capitão Terras Marques, que eu conhecia, e que se instalou na zona da tabanca e nos assegurou uma estabilidade defensiva. 

No dia 4 de Junho um GComb da CCav 8350/72, efectuou um patrulhamento ao fim da pista antiga, a poucas centenas de metros. O lN atacou-o, tendo as nossas forças sofrido 4 mortos e 4 feridos e a captura de 3 esp G-3 e 1 EIR AVP-1. Os Pára-quedistas, chegados na véspera, acorreram ao local e recuperaram os feridos e os mortos. 

No dia 3 de Junho à tarde tinha-se apresentado o Major Pára-quedista Mascarenhas Pessoa que por ser mais antigo passou a comandar o COP 5. Os ataques mantinham-se intensos
levando o novo Comandante do COP 5 no dia 4 a solicitar a retirada ordenada
de Gadamael Porto. O que nunca se concretizou. [... ]

Perante a gravidade da situação em Junho desembarcaram mais duas Companhias de Pára-quedistas. Entretanto o Comando do Batalhão de Pára- quedistas deslocou-se para Gadamael Port0.  O Comandante era o Ten-Cor Pára-quedista Araújo e Sá e o 2° Comandante o Major Pára-quedista Moura Calheiros a quem muito devemos bem como aos Capitães Cordeiro, Terras Marques e Tenente Borges. 

Em fins de Junho fui com a CCaç 4743/72 para Tite. Regressei mais tarde ao COP 5 como Adjunto deste, comandado pelo Major Cav Manuel Monge, depois da saída dos Páraquedistas. Terminei a comissão na Guiné em Novembro de 1973. [... ]

Entretanto a CCav 8350/72 vinda de Guileje, e a CCaç 4743/72 de Gadamael Porto, foram rendidas por uma Companhia de Cavalaria e por uma Companhia de Artilharia.   [Nota : A CCaç 4743/72 foi rendida por troca pela CArt 6252/72 marchando por escalões em 4 e 19 de Jul73 para Tite e Bissássema. Em 26Jun73 a CCav 8452/72 foi colocada em Gadamael Porto a fim de colmatar a saída da CCav 8350/72. De 18Jun73 a 13Jul73 a 3ª C / BCaç 4612/72 foi atribuída em reforço temporário do COP 5 e colocada em Gadamael Porto. ] 

De 31 de Maio,  data da minha chegada até fins de Junho de 1973, as Nossas Tropas e Milícias aí aquarteladas tiveram 15 mortos e 39 feridos. [... ]  [Nota Depoimento escrito pelo Coronel de Infantaria 'Comando' Manuel Ferreira da Silva. ] 


Flagelações ln a Gadamael Porto de 22Mai a 30Jun26

 [Nota
 : Relatório das flagelações a Gadamael Porto no período de 22Mai73 a 30Jun73, da CCaç 4743/72.  ] 

Transcreve-se o "Desenrolar da Acção":

"O lN manifestou-se em contactos com as NT nos dias 25, 26 e 27Mai73 nas regiões de Ganturé, Lamoi e Bricana Velha, procurando impedir a penetração das NT na zona de Gadamael Fronteira.

No dia 31Mai73, iniciou as flagelações com morteiros 120 mm, tendo as primeiras granadas caído fora do perímetro do aquartelamento e sucessivamente o fogo foi sendo mais ajustado, deduzindo-se que o lN tinha montados Postos Avançados de Observação.

No dia  1Jun73 iniciou nova flagelação que durou várias horas tendo as granadas caído todas dentro do aquartelamento, com especial incidência sobre os depósitos de géneros e da cantina, zonas periféricas de defesa (valas) e espaldões da Artilharia que foram duramente atingidos.

A Zona do Cais de acostagem, foi igualmente batida, sobretudo quando da evacuação dos mortos e feridos. 

Nas flagelações que se seguiram nos dias imediatos o ln utilizou, morteiros 120 mm, canhão 130 mm, morteiros 82 mm e canhão src, com granadas explosivas, perfurantes e incendiárias, estas sobretudo de noite, cuja acção servia como ponto de referência.

A população, ainda no dia 31Mai73, pela tarde e noite, sobretudo a de Guileje procurou refúgio no aquartelamento, invadindo as instalações e ocupando valas e abrigos. 

No dia 1Jun73, ainda noite, foi seguida pela população da Gadamael Porto, que de manhã, quando o fogo IN se concentrou mais sobre a área do Quartel, propriamente dito, debandou para as zonas da tabanca e margem direita do rio, levando consigo, artigos de cantina, géneros e materiais, tudo o que apanhou à mão.

 Seguindo pelo tarrafo a população refugiou-se na região de Talaia, onde se lhe juntaram dezenas de militares que haviam saído das valas do Quartel, que estavam a ser fortemente batidas, bem como do Cais, entre eles, doentes e feridos ligeiros, que foram evacuados para
Cacine e, ainda os militares psicologicamente mais afectados que juntamente com a população foram recolhidos para Cacine. Os restantes militares, passada que foi a maior intensidade das flagelações, desse dia, foram regressando ao aquartelamento.

Nas flagelações que tiveram lugar durante o período o lN continuou a concentrar o fogo mais sobre as instalações com granadas incendiárias; assim, na noite de 2 para 3Jun73, uma granada atingiu a arrecadação do material de aquartelamento e material sanitário, e na noite seguinte a arrecadação do material de guerra e arquivo da secretaria, originando incêndios que destruíram toda a existência, não só destas dependências como das anexas que constituíam mesmo edifício. 

Após o aparecimento do clarão do incêndio o lN continuava enviando granadas, ora esporádicas ora com intensidade, obrigando o pessoal a manter-se nas valas e abrigos, impedindo qualquer acção, pelo que foi vão qualquer tentativa para debelar os incêndios. [...]

As perdas em pessoal e material avultam pela intensidade e ajustamento dos fogos. As arrecadações dos materiais, guerra e aquartelamento, sanitário e transmissões com as dependências anexas ou contiguas, atingidas por granadas incendiárias cujo fogo se propagou com uma rapidez alarmante, foram destruídas bem como toda a existência, salvo a excepção do material de transmissões que se conseguiu retirar a tempo na sua quase totalidade. Os materiais destruídos, sujeitos a altas temperaturas e ao deflagrar de munições, o armamento e outros ficaram calcinados reduzidos a um montão de sucata.
 
Igualmente os depósitos de géneros e artigos de cantina, sala do soldado, oficina auto e duas casernas de Pelotão, atingidas por várias granadas explosivas sofreram não só a destruição como foram alvo na noite de 1 para 2Jun73 da inversão da população que se apoderou de artigos, géneros e material.

Um elevado número de armas extraviado tem por base a troca de armas entre o pessoal que superlotava o aquartelamento, acontecendo que no acto de evacuação dos feridos, o fogo incidiu sobre o cais, muitos militares deixaram cair as armas ao rio tendo mesmo acontecido que num bote ao virar-se, tem-se conhecimento que pelo menos cinco armas ali se tenham perdido".

(Continua)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo  das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 325-333.

[ Seleção / revisão / negritos / fixação de texto pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
__________

Notas do editor:


(**) Último poste da série > 30 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23398: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (6): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte V: o ataque a Guileje

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23402: Agenda cultural (816): Livro: Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes - 2ª edição (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem: 

Livro: Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes - 2ª edição

Caros conterrâneos, amigos e camaradas da guerra colonial

O tempo, sustentado na intemporalidade humana onde os nossos limitadíssimos ciclos de vida são uma evidente realidade, transporta-nos por uma dura viagem que nos faz reviver um passado, às vezes repleto de silêncios, mas sendo estes importantes para que cada um de nós saibamos afinal quem somos e donde viemos. Neste contexto, lá surgiu o grito de Ipiranga e lancei-me, subtilmente, na construção do livro Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes.

Assim sendo, o óbvio aconteceu, existindo igualmente a certeza de que foi nesse reino dos silêncios e repleto de conceptualizações, que o meu ego me chamou a terreiro, colocando-me mesmo a prumo, e me propôs, numa admirável atitude de aldeano, que deixasse escrita uma obra sobre a localidade que nos viu nascer.

Usufruindo de uma ampla experiência no cosmos da escrita, esta adquirida com o evoluir das eras, elaborei mentalmente uma narrativa que, em princípio, parecia difícil, ou seja, com contornos quase intransponíveis, mas o certo é que paulatinamente fui-lhe dando corpo e a “criança”, manifestando uma grande felicidade, lá viu um dia a luz solar que a fez feliz.

Investiguei imenso, tive também excelentes colaboradores, tais como o David Monge da Silva, o Zé Bica, a minha prima Mariana, pessoas consideradas já sábias, tendo em conta o amadurecimento da idade, aliás, tal como ficou escrito no livro, recorri aos blogues da nossa aldeia e aos seus administradores, Francisco Costa e Constança Joana que me abriram profícuos caminhos, tirei dúvidas, procurei conhecimentos das razões dos nossos costumes, do saber das nossas gentes, das suas profissões do antigamente, da sua evolução física e populacional e observar a sua posterior partida (décadas de 1950 e 1960, designadamente) de famílias que saíam em busca de uma vida melhor, quer como imigrantes quer como emigrantes, enfim, uma panóplia de explanações que ficarão memorizadas para a eternidade.

Aliás, Lisboa, e toda a sua cintura industrial, recebeu grande parte dos nossos conterrâneos que, logicamente, fugiam às agruras que a dureza da vida então impunha. Para trás ficava a agreste labuta no campo e lá partiram rumo ao desconhecido, mas levando consigo um mundo recheado de sonhos, e a verdade é que por lá ficaram, arranjaram trabalho, construíram famílias, compraram casas e, acima de tudo, produziram novas vidas, mas mercê de tanto suor derramado e de lágrimas de saudade do seu recanto sagrado. Outros, galgaram fronteiras amplamente diferentes, partiam a salto, desafiaram os medos, rumaram a países de uma Europa em plena construção e onde muitos ainda se mantêm, sendo o seu modo de existência pautado pela estabilidade.

Foram, e não o escondo, horas, dias, meses e anos (2) a trabalhar afincadamente num projeto que me encheu por completo a alma, não obstante as sequelas de um AVC que na madrugada de 27 de julho de 2006 me tentou levar para a infinidade perpétua, mas onde prevaleceu em mim o carinho e o amor pela minha/nossa terra, resultando dessa colossal dedicação o esgotar de exemplares da primeira edição que levou, agora, ao lançamento de uma segunda tiragem.

Caros conterrâneos e amigos, bem-haja a vossa disponibilidade na compra de uma obra, onde todos, mesmo todos, lá temos pedaços reais das nossas raízes, ou reminiscências daqueles que um dia partiram para o além. Acresço, que em cada um de nós existem pingas de sangue que nos une a seres humanos que foram cruciais para a nossa presença terrena.

Deixo também neste livro, capítulo XIII, o tema sobre os mortos na guerra colonial que evoluiu nos três palcos de combate – Angola, Moçambique e Guiné -, locais onde os camaradas da minha aldeia faleceram nas frentes de combate. Aliás, creio, que na minha justa opinião, se impunha esta referência. Tanto mais que todos nós, antigos combatentes, conhecemos exemplos semelhantes.

A todos o meu obrigado e, também, à minha Editora Colibri, assim como ao seu responsável, Dr. Fernando Mão-de-Ferro, sendo que foram vocês todos, em conjunto, que proporcionaram o êxito alcançado.

Sejam felizes!

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23354: Agenda cultural (815): Tabanca dos Melros, 11 de junho de 2022: apresentação do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (2021) - Parte II: Palavras de agradecimento do autor

Guiné 61/74 - P23401: Notas de leitura (1460): “O percurso geográfico e missionário de Baltasar Barreira em Cabo Verde, Guiné, Serra Leoa”, por Graça Maria Correia de Castro; Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 2001 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
Serão os franciscanos o pilar fundamental da missionação católica na região da Guiné, está historicamente comprovado, basta ler a obra exemplar do padre Henrique Pinto Rema. Os jesuítas fizeram uma aposta forte, entre Cabo Verde, Guiné e Serra Leoa. Iam impulsionados por um museu apostólico considerado difícil de conciliar com as adversidades do terreno e a crítica frontal à natureza do tráfico de escravos. Inflexíveis em negociar os trâmites do seu apostolado, morreram ou tiveram que regressar com a saúde abalada. A correspondência do superior da missão, Baltasar Barreira, é encarada pelos estudiosos e investigadores da Guiné como documentação histórica de grande interesse para o estudo da presença portuguesa na região.

Um abraço do
Mário



Baltasar Barreira e a sua importância na literatura de viagens do século XVII

Beja Santos

A obra intitula-se “O percurso geográfico e missionário de Baltasar Barreira em Cabo Verde, Guiné, Serra Leoa”, por Graça Maria Correia de Castro, Sociedade Histórica da Independência de Portugal, 2001. No escopo essencial da obra, vê-se a autora a analisar um conjunto de cartas missivas do missionário jesuíta Baltazar Barreira, Superior da Missão de Cabo Verde e da Costa da Guiné, escritas ao longo de oito anos, entre 1604 e 1612. Em Portugal governam os Filipes, pululam os corsários, as dificuldades da missionação revelavam-se insuperáveis. Os jesuítas estavam sediados em Cabo Verde e ansiavam por missionar em terra firme, sabiam que iam ser confrontados com animistas e convertidos ao islamismo. Houve a pretensão de instalar uma administração civil e militar na Serra Leoa, mas não houve sucesso. A desistência dos jesuítas estará relacionada com a ausência de apoio temporal, não queriam fazer missionação sem a presença de soldados.

Tudo começa por parecer que ia correr bem, com o batismo do rei em Serra Leoa. Na costa da Guiné, os jesuítas apoiavam-se em lançados e residentes, não podiam contar com mais nada, e caminhando mais para norte havia já um avanço do islamismo instalado com estruturas de ensino e culto a funcionar. Baltasar Barreira contava com colaboradores entusiastas mas que morreram cedo. Sendo responsável pela missão, Baltasar Barreira procura sensibilizar os poderes político e religioso, fala com toda a franqueza, pede apoios de toda a ordem, o que ele escreveu bem como os outros jesuítas é um contributo do maior relevo para a história das missões católicas e para a história deste local da costa africana. Vários estudiosos serviram-se das informações de Baltasar Barreira, é o caso de António Carreira.

Os jesuítas chegaram a África munidos da profunda superioridade da sua cultura, vinham ardorosos para a conversão dos gentios. Por um lado, tudo parecia fácil dado haver uma estreita ligação entre a Coroa e a Igreja, estava ainda de pé o “direito de Padroado”, concedido aos reis portugueses por sucessivos Papas. Portugal assumia a convicção de que era nação missionária por excelência. Recorde-se que em Goa havia uma diocese independente que se estendia do Cabo da Boa Esperança à China. A partir de Goa, dirigiam-se as missões de Moçambique e Etiópia. Para esta missionação mobilizaram-se franciscanos, agostinianos, teatinos, carmelitas, jesuítas, fundavam igrejas e conventos. Malaca, conquistada por volta de 1511, era a base do apostolado missionário.

O primeiro Bispado de Cabo Verde e Guiné foi criado por volta de 1533, compreendia Cabo Verde e a costa ocidental africana, desde o rio Gâmbia até ao Cabo das Palmas, portanto um extensíssimo território, a colonização do homem branco era muito fraca. Como tudo era adverso para a missionação, a evangelização na costa da Guiné realizava-se em regime deambulatório a partir da sede, em Santiago. Recorde-se que a população das ilhas usufruía de regalias para comerciar entre os portos da Guiné e os da Serra Leoa, desde que utilizasse apenas produtos do arquipélago. Mas as transgressões eram muitas, os “lançados” sabotavam as diretrizes régias. E a concorrência estrangeira impunha-se, chegavam atraídos pelo comércio de escravos, cedo se soube na Europa que o ouro aqui não abundava.

A autora esboça o que era o ideal missionário dos jesuítas, o que os distinguia das outras ordens religiosas. Dá-nos igualmente uma nota histórica dos antecedentes dos jesuítas em Cabo Verde e de como se processou a missionação com Baltasar Barreira. A colisão frontal dos jesuítas era com o mercado de escravos, não só em África como no Brasil.

Toda esta documentação cabe no âmbito da chamada literatura de viagens dada a riqueza das descrições de Baltasar Barreira não só sobre as ilhas como sobre a costa africana. Descreve aos seus destinatários a história dos povos, a distância entre os reinos, como constroem as suas habitações, quais os seus recursos, enumera reinos, quantifica e qualifica produtos da terra (madeiras, frutas, as aves, o algodão, o marfim, a cera, o gado, as ostras…). Um tanto paradoxalmente, enquanto está atento ao humano e à paisagem, mostra-se de uma grande incompreensão em relação à religiosidade africana. É minucioso nos tempos reais da viagem entre as ilhas e o continente.

E vale a pena registar o que a autora escreve em jeito de conclusão:
“De Cabo Verde narra-se a forma de governo português e a hierarquização social constituída por uma minoria de homens livres e uma maioria de escravos onde era possível a miscigenação de várias etnias. A situação económica das ilhas era difícil, na origem da qual estavam núcleos temáticos tais como as secas, a fome, a carestia, o desamparo face ao corso e à pirataria proveniente da concorrência estrangeira.
A costa africana, sobretudo a Serra Leoa, constitui a vertente panegírica do relato, quer pelas descrições entusiastas da riqueza da terra, quer pelo clima e paisagem paradisíacos, quer pela boa disposição dos régulos em receber a nova religião. A veemência do jesuíta para que se fundasse colégio naquela região chegou ao ponto de citar, numa das suas epístolas, excertos de uma carta de Pedro Álvares Pereira, manifestando o desejo de auxílio necessário para que aí se implantasse a Companhia.

Foi na Serra Leoa que a evangelização de Baltasar Barreira atingiu o maior sucesso, durante cerca de dois anos, continuada depois pelo seu companheiro Manuel Álvares. O método da persuasão encetado pelas relações de amizade entre o Padre e os Povos, os presentes aos régulos, os convites para as cerimónias e festas religiosas, figuravam sempre em primeiro plano, como função persuasiva.
A herança cultural aliada ao desejo de Baltasar Barreira criar um clero local a partir da construção de um colégio que também servisse de seminário, levou a que os outros padres que se encontravam no arquipélago ensinassem a ler a algumas crianças, e o próprio superior a trazer consigo meninos, filhos de chefes africanos, para que se instruíssem em sua companhia e se tornassem padres também.

Estas cartas missivas têm um louvor permanente à Companhia (…). A programação que Baltasar Barreira imprime, como superior da missão e destinador de um programa narrativo evangelizador, coloca em destaque uma imagem de missionário exemplar que em todos os caminhos é protegido por Deus, destinador último, e a quem nunca se esquece agradecer”
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Uma imagem ideal da missionação, muito divulgada durante o Estado Novo.
Henrique Pinto Rema, missionário franciscano, autor da mais importante obra sobre a missionação na Guiné, a ser condecorado pelo Presidente da República.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23388: Notas de leitura (1459): “Ébano”, por Ryszard Kapuscinski; Livros do Brasil/Porto Editora, 2018, o mais espantoso trabalho jornalístico sobre a nova África (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23400: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (3): (i) as minhas recordações do Depósito Geral de Adidos; (ii) o "Grelhas" e o "Ruizinho pugilista" de Catió (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72)

Dois comentários do Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF (Piche e Bissau, 1970/72), nosso colaborador permanente (provedor do leitor), com cerca de 180 referências no blogue, os quais merecem ser publicados, como poste, na nossa "montra grande", na série "A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra" (*)


(i) O Depósito Geral de Adidos

Estas "histórias/recordações" que o Luís Graça nos presenteia  (*),  têm muito "sumo" pelo qual se podem abordar e comentar.

Aqui, e agora, não me vou aventurar a comentar os dois episódios, conto fazê-lo depois.
Agora é só para me centra em dois tópicos que têm vindo a ser referidos: os Adidos e a Rua da Atalaia, ao Bairro Alto.

Então, relativamente à Rua da Atalaia, que é, hoje por hoje, uma rua cheia de estabelecimentos de restauração e bar muito concorridos, já teve várias evoluções ao longo do tempo, desde que passou a ser local de "peregrinação noturna". 

Devem lembrar, ou pelo menos ter ouvido falar, num bar muito "badalado" na década de 80, o "Frágil", que ficava nessa rua e que foi, à época um precursor do que hoje é quase "o pão nosso de cada dia", genericamente chamados de "bar gay". Passei por lá há pouco tempo (em serviço....) e é um outro tipo de estabelecimento, o "Cheers", com muito bom aspeto.

Relativamente ao Depósito Geral de Adidos, pois também fui "cliente".

Não tenho a certeza de já ter referido isto mas, enquanto não foi atribuído transporte marítimo para a Guiné, estive adido aos Adidos. Recordo que saiu a minha mobilização a 1 de Setembro de 1970, mais uns dias no Porto para fazer já não me lembro o quê, depois os tais 10 dias das "NNM qualquer coisa" e a partir daí "cliente dos Adidos. A marcação opara o embarque foi para o dia 26 de Outubro, o que quer dizer que devo ter estado "adido" cerca de mês, mais coisa, menos coisa.

Durante esse tempo só passava por lá para ver quando estava escalado para serviço e de todas as vezes que isso aconteceu, dei "a matar" o serviço. Só que uma vez que um camarada de Santo Tirso estava escalado,  não consegui a sua substituição e fui eu que o fiz.

Tentaram vender-me um "casaco de antílope", que recusei, e tive que escolher entre um "Sharp" e um "Casio" resultado de um contentor que tinham "ajudado a descarregar", para não ter problemas durante a ronda...

Como passatempo (não dava para deitar na cama sem correr o risco de ser atirado ao chão pelos "percevejos seus habitantes habituais"), presentearam-me com lições de carteirismo que consistiu, por exemplo, em treinar retirar um documento ou carteira do bolso de uma camisa e/ou de um casaco, pendurado num cabide suportado por uma corda passada entre dois armários.

Muito educativo.

Hélder Sousa, 29 de junho de 2022 às 00:20 (**)

(ii) O "Grelhas" e o "Ruizinho pugilista" de Catió

"Grelhas" poderá haver muitos!

Todos aqueles que, por força dos seus comportamentos, seriam "ocupantes frequentes" de locais de detenção os quais, na gíria da época, eram frequentemente referidos por "grelhas" por as janelas (quando existiam) terem as barras com espaços apertados para evitar fugas,  e que com facilidade se confundiam com "grelhas" ou uma outra expressão como  "ver o sol aos quadradinhos".

Sem ter a certeza, já lá vão muitos anos, e o meu interlocutor já faleceu, o meu camarada de curso TSF, Nélson Batalha, contou-me alguns episódios passados com um tal "Grelhas" em Catió, onde ele esteve entre Dezembro de 1970 e Abril de 
1971, [O "Grelhas", Armando de seu nome próprio,  hoje taxista no Porto,  pertenceu à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022 .] 

Presumo ser a mesma pessoa. Acho que havia como que uma espécie de "companhia disciplinar" que, além do "Grelhas", comportava mais alguns militares que provinham do cumprimento de penas.

Lembro-me de me ter falado dum tal "Ruizinho pugilista", filho rebelde de uma boa família de Gaia, que também tinha um longo cadastro e do qual se gabava exibindo recortes de jornais que referiam as suas "façanhas", como por exemplo uma situação que lhe deu prisão por "ofensas corporais" a uma jovem, alegadamente de "vida fácil" com quem tinha tido uma discussão por uma futilidade qualquer e que quando ele já se encontrava na rua lhe atirou da janela do 1º andar, um despertador à cabeça.

Calmamente, segundo ele, pegou no relógio, subiu as escadas, entrou na casa, perguntou qual foi a mão que atirou o relógio e, após a resposta. partiu-lhe o braço respetivo. Hospital, queixa, prisão.

Doutra vez, encontrava-se suspeitamente encostado a uma montra de uma ourivesaria e um guarda nocturno aproxima-se e,  tremelicando,  aponta-lhe uma arma para ele sair do local e ao qual o "Ruizinho" com muita calma lhe diz "Olha, se me molhas, bato-te!",  deixando desconcertado o pobre homem.

Quanto ao "Grelhas" de Catió,  teve de facto um problema disciplinar porque, alegadamente, teria partido umas costelas a uma bajuda, com uns pontapés, quando se encontrava junto à porta de armas, tendo alegado que na verdade teria sido um acidente e que teria agido de boa fé pois a rapariga em causa tropeçou em algo e ia a cair e para evitar isso ele estendeu a bota para amparar a queda. As costelas partidas foram o resultado do impacto do corpo com a bota e não a bota no corpo. Parece que não acreditaram...

Hélder Sousa

30 de junho de 2022 às 19:11 (*)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de junho de 2022 >Guiné 61/74 - P23397: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra  (2): a minha passagem pelo Depósito de Adidos, em Brá, em 1973: como sargento de dia à Casa de Reclusão Militar, fiz uma escala de serviço para que os presos (alguns violentos) pudessem sair e entrar, "livremente", "ir às meninas" ao Pilão, petiscar em Bissau, etc. (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/72, e Depósito de Adidos, Brá, 1973)

Vd. poste anterior da série >  29 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23395: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (1): Luanda, Depósito de Adidos de Angola, o oficial de dia e o preso cabo-verdiano (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, 1972/74)

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23399: Blogpoesia (770): "Já Poeta não sou", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887

© ADÃO CRUZ


Em mensagem do dia 28 de Junho de 2022, o nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68) enviou-nos este seu pema:


JÁ POETA NÃO SOU

Já fui poeta da luz quando a palavra alumiava o infinito e o sol nascia dentro de mim.
Quando me vesti de sol e me despi de luar e estreei o mundo no abraço das árvores e no beijo dos rios.
Quando a vida alumiava o infinito e eu nasci na erva e dormi no feno e acordei com melros e rouxinóis e saltitei com os pardais.
Quando meus olhos dormidos casavam a noite e o dia no mesmo silêncio de sonho-menino.

A vida viveu em mim crescendo todos os tamanhos e medindo todos os céus.
Um dia abri as janelas que me disseram haver dentro dos homens e só me apareceram muralhas.
Nada de crianças.
Os homens comeram as crianças os homens comeram-se crianças.
Os homens pariram-se adultos.
Também eu fui criança e matei em mim a criança que procuro.

Já não sou poeta não sou luz da serra nem sombra da noite no alvor da madrugada não sou coisa nem nada.
Não sou murmúrio de rio nem cigarro viciado nem ponta de cio nem lua patética crescendo e fugindo do tempo que passa.
Não sou quebra-luz nem gavinha entrelaçada num abraço de frio.
Não sou resina nem merda nem urina nem sangue nem seiva.
Já não sou quem era não sinto as noites de prata nem mexe comigo a ventania que varre as faldas da serra.
Não me doem as videiras espetadas no céu nem os castelos de fantasia caídos por terra.
Cada erva cada semente é resto de uma canção que já não sei cantar.

Sete raios de sol queimaram o sonho que sete chuvas de esperma fecundaram.
Morreram Afrodites e leões de pelo fulvo quando se inventou a alma e eu não sou mais que rescaldo.
Fugiu do peito o coração foi-se embora o luar e o rio que eu era nem sequer chegou ao mar.

Resta-me a tarde que declina como o lento caminhar de uma nuvem para o fundo escuro da noite.
A tarde declina para onde não há outra manhã de corpos apertados e corações bem perto.
Resta-me a saudade da luz viva de um sonho perdido num campo de violetas.

Já não sou poeta nem nada nem credo nem sonho nem dilema nem a magra esperança de uma luz que faça nascer um verso para acabar o poema.
Sou pirilampo das sombras voando pelos regatos secos não sei se vou longe se vou perto se ao cimo se ao fundo não sei se giro por dentro ou por fora do mundo.


adão cruz
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23392: Blogpoesia (769): Nomes atribuídos às Missões e Operações no TO da Guiné, por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845

Guiné 61/74 - P23398: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (6): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte V: o ataque a Guileje


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Novembro de 1971/ Dezembro de 1972) > Foto aérea de 1972 do aquartelamento e tabanca de Guileje, tirada no sentido oeste-leste. Fo do álbumdo do ex-1º cabo aux enf Amaro Samúdio.

Foto (elegenda): © Amaro Samúdio (2006). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G, "a batalha (ou as batalhas) dos 3 G", têm vindo a ser aqui recordados, na véspera da efeméride dos seus 50 anos. (A Op Amílcar Cabral dizem que começou a 18 de maio de 1973, em Guileje, na região de Tombali, no sul... Mas já antes, Guidaje, no norte, na região do Cacheu, esteve a ferro e fogo (*).

Daí esta nova série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra" sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA (2015) sobre estes acontecimentos (*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas

2. 1. Ataque lN no Sul a Guileje e a Gadamael Porto

2.1.1. Ataque lN a Guileje

Poucos dias depois do ataque lN no Norte da Guiné,  ao quartel de Guidaje, iniciou-se no Sul o ataque a Guileje sob o comando militar do sul do PAIGC, "Nino" Vieira, integrado na operação "Amílcar Cabral" para mostrar resultados à OUA - Organização de Unidade Africana.

  • Para o início da operação, o PAIGC concentrou em redor de Guileje:
  • a bataria de artilharia de Kandiafara, com morteiros de 82 e 120 mm, canhões sem recuo, canhões de 85 mm e de 130 mm;
  • um grupo de reconhecimento e observação;
  •  cinco bigrupos de infantaria do sector de fronteira.

Deslocou ainda o 3.° Corpo de Exército do Unal para a mata do Mejo e transferiu três bigrupos da região do Boé e dois bigrupos do 2.° Corpo de Exército, no Tombali, para reforço do sector de fronteira.

"No total, o PAIGC concentrou na zona de Guileje um Corpo de Exército (3.° CE), no Mejo, dez bigrupos em reforço ao sector de fronteira e uma bataria de artilharia, com um grupo de reconhecimento. Ao todo, considerando a base numérica de cada unidade do PAIGC utilizada pelos serviços militares portugueses, seriam cerca de 650 homens, efectivo idêntico ao que foi concentrado em Cumbamori para o ataque a Guidaje."  
[Nota: Afonso, Aniceto,  e Gomes, Carlos de Matos, "Guerra Colonial", p. 508]

A guarnição de Guileje integrada no dispositivo e manobra do COP 5 (comandado pelo Major de Artilharia Alexandre Coutinho e Lima), era constituída pela:
  •  CCav 8350/72;
  • 1 Pel/CCaç 3520;
  • 15° Pel Art;
  • 2 Sec/Pel Rec "Fox" 3115;
  • e  Pel Mil 236. 
A população civil era de cerca de 500 elementos.

Em 18Mai, pelas 06h00, uma força constituída pelos 1° e 2° GComb da CCav 8350/72, 1 GComb/CCaç 3520, Pel Mil 236 e 2 Sec/Pel Rec "Fox" 3115, foram realizar a picagem da estrada de Gadamael até ao rio Bendugo, montar segurança descontínua no mesmo itinerário e fazer protecção à coluna auto que se deslocava a Gadamael Porto.

"À hora prevista, a força executante saiu do Aquartelamento começando a fazer a picagem do itinerário. A cerca de 200 metros do local previsto para a instalação do 2° GComb da CCav8350/72, o Comandante do Pelotão de Milícias n° 236, Jan Samba Camará, que nessa altura se encontrava à frente da picagem apercebeu-se de uma anomalia no terreno e fez parar toda a coluna pondo-se a observar o que depois se veio a verificar ser o 3° dos 18 fornilhos colocados ao longo da estrada e nas bermas, num espaço de cerca de 40 metros. Nessa altura, o lN que se encontrava instalado a poucos metros da picada, que é, ao longo de quase todo o percurso, ladeada de mata densíssima, desencadeou a emboscada com um tiro de pontaria à cabeça do Comandante de Pelotão de Milícias e, acto contínuo, com o accionamento dos 18 fornilhos de grande potência e grande quantidade de fogo de armas ligeiras e RPG-2 e RPG-7.

O Pelotão de Milícias n° 236 e o 1° GComb/CCav 8350/72 sofreram, num curto lapso de tempo, 1 morto e 7 feridos graves. Ficou também o referido pessoal extremamente traumatizado pelo rebentamento dos fornilhos verificando-se alguns casos de rebentamento de tímpanos e queimaduras de 1° grau. Por essas razões a sua reacção foi mínima ou nula limitando-se o 2° GComb a ripostar com o morteiro 60 cm.

Quando o inimigo interrompeu o contacto o 1° grupo de combate e o Pel Mil 236 recuaram para trás do 2° grupo, que entretanto se manteve na estrada, transportando feridos e abandonando no local da emboscada o corpo de comandante do Pelotão de Milícias, 1 ferido grave, armamento e material diverso.

O 2° grupo, após efectuar um batimento de zona com morteiro 60 mm e lança-roquetes 37 mm (Dante), progrediu ao longo da estrada (que já tinha sido picada) para recuperar o morto e o ferido. Chegou ao local onde antes se encontravam e ultrapassou-os para fazer segurança à frente sem que o inimigo se manifestasse. Chegados ao local, detectaram os fios de fornilhos sobre a estrada e, do lado onde o lN estivera instalado, vestígios de organização do terreno tais como abrigos individuais e espaldões para metralhadora ligeira.

Entretanto tinham sido pedidas viaturas para evacuar o morto e os feridos. Receberam ordens para se manterem afastados do local aproximando-se apenas a AM "Fox" até ao limite da picagem. O grupo de combate da CCaç 3520 que as escoltava apeou-se cerca de 400 metros antes do local da emboscada não chegando a intervir. Como tivessem sido notados movimentos suspeitos mais adiante no lado esquerdo da estrada resolveu o comandante da força fazer para o local, alguns tiros de mort 6 cm e LGFog  8,9 cm. 

Antes disso o inimigo voltou a abrir abundante fogo de armas ligeiras metendo quase toda a força que se encontrava a proteger a evacuação do morto e do ferido na zona de morte. Houve
oportunidade de ver um elemento lN saltar para a estrada e enfiar ao longo dela num tiro de RPG-2 que causou baixas. Neste contacto as NT reagiram com armas ligeiras e, sobretudo, com cerca de 900 tiros da Browning 12,7 mm da AM Fox. Do mesmo, resultaram para as NT 2 feridos ligeiros e 3 graves um dos quais veio a morrer no quartel, 4 horas depois, por falta de evacuação.

Quando o lN interrompeu o contacto procedeu-se à recolha dos feridos e à retirada de todas as forças para o aquartelamento, ficando sem efeito a coluna prevista.?" (Fonte: Relatório da acção "Bubaque" realizada em 18Mai73 na região de Guileje da CCav 8350/72) .

Na tarde desse dia um GComb, sob comando do Cmdt do COP 5, efectuou o reabastecimento de água, sem contacto com o lN. (Fonte: As transcrições que se seguem são do livro "A retirada de Guileje - 22 Mai73. A verdade de factos",  do Cor Art Alexandre Coutinho e Lima, DG edições 2009 pp. 45 a 86).

A partir da noite de 18Mai o lN passou a flagelar o aquartelamento de Guileje com canhão 85 mm, canhão s/r, morteiro 120 mm e com um novo tipo de arma (julga-se que era um canhão grande, tipo obus 14 cm das NT), que permitia dar à granada uma velocidade muito grande. (
Canhão M-46, calibre 130 mm).

Relação das flagelações a Guileje até ao fim da tarde de 21Mai:

- 18 20h00 a 19 06h00: 7 flagelações - 150 granadas; 

- 19 08h00 a 19 16h45: 5 flagelações - 40 granadas; 

- 19 20h00 a 20 04h30: 9 flagelações - 150 granadas; 

- 20 08h15: 1 flagelação (10 minutos) - morteiro 120 mm; 
 
- 20 20h00 a 21 06h00: 7 flagelações - 80 granadas (morteiro 120 mm);
 
- 21 06h30: 1 flagelação - 20 granadas (canh s/r); 

- 21 07h30: 1 flagelação - 10 granadas (morteiro 120 mm); 

- 21 08h30: 1 flagelação - 15 granadas (canh s/r); 

- 21 14h00: 1 flagelação (5 minutos) - LGFog RPG-7;

 - 21 14h30: 1 flagelação (2 horas) - 200 granadas. 

Houve grandes destruições e 1 morto (Furriel).

Em 20 Mai o Cmdt COP 5, deslocou-se a Bissau e no "briefing" diário expôs a situação e pediu o reforço temporário de uma Companhia de tropa especial. O Cmdt-Chefe não lhe atribuiu qualquer reforço, determinou que regressasse a Guileje na manhã seguinte e que seria substituído no Comando, passando a desempenhar as funções de 2° Cmdt.

Em 210900 (mensagem Relâmpago n° 714/73) o Cmdt da CCav 8350/72 informou: 

"Durante apoio aéreo fomos flagelados. Pessoal não descansa desde 17. Vivemos sem água e ração. Solicito apoio muito urgente tropa especial. Pessoal desta muito cansado. Todos os impactos dentro Quartel".

Em 21 14h15 (mensagem Relâmpago sem número) comunica:

 "Estamos cercados por todos os lados".

Foi a última mensagem emitida. Na flagelação que deu origem à mesma, foi totalmente destruído o Centro de Comunicações, entre outros estragos, apesar de várias tentativas, através de antenas improvisadas, não foi possível restabelecer a ligação rádio.

O Major Coutinho e Lima chegou a Gadamael Porto no final da manhã de 21Mai e decidiu ir a pé para Guileje com 1 GComb/CCaç 4743/72, Pel Mil 235 (-) da guarnição Gadamael Porto e 1 GComb/CCaç 3520 da guarnição  de Cacine. O Cmdt da CCaç 4743/72, também integrou a coluna.

Pelas 18h00 chegou a Guileje. O Cmdt do COP 5 verificou:

"Na flagelação dessa tarde, o inimigo tinha provocado uma baixa (um Furriel morto) às NT; O graduado foi atingido por uma granada, dentro de um abrigo com fraca protecção.

"Estavam destruídos, em consequência das variadíssimas flagelações inimigas: Dois depósitos de géneros. Depósito de artigos de cantina. Cozinha. Forno de cozinha. Celeiros de arroz da população (ainda estavam a arder). Grande parte das casas da população - " moranças" - queimadas.

"Vários abrigos atingidos parcialmente. Muitos impactos nas valas. Variadíssimos rebentamentos (talvez centenas) dentro do aquartelamento.

"Falta de água potável, por não ter sido possível fazer o reabastecimento, o último fora efectuado na manhã de 19Mai. Escassez de munições de Artilharia, já exposta atrás. Escassez de medicamentos.

"Presença do Inimigo nas proximidades do aquartelamento, pelo menos do lado de Mejo: alguns elementos da população que tentaram ir à água à bolanha, a cerca de 500 metros nessa direcção, foram flagelados pelo Inimigo, na tarde de 21Mai e imediatamente recolhidos pelas Nossas Tropas que foram em seu socorro.

"Desde o início das flagelações (noite de 18 / 19Mai), toda a população recolheu aos abrigos das Nossas Tropas, aumentando para cerca de 3 vezes a sua lotação.

"Nas últimas flagelações, tinha-se verificado a "presença" de uma nova arma do Inimigo; os rebentamentos demoravam cerca de 3 segundos após a audição da saída da granada.

"Verificaram-se vários rebentamentos no ar, bem como de algumas granadas perfurantes, tendo sido, eventualmente, uma destas que provocou o morto das Nossas Tropas.

"Desde o dia 19Mai, deixou de ser confeccionado o rancho em virtude das flagelações e das destruições provocadas na cozinha; a alimentação passou a ser ração de combate.

"Todo o pessoal estava arrasadíssimo, quer física quer psicologicamente, pois estava a ser flagelado durante 3 dias e 3 noites consecutivas.

"A população estava preocupadíssima, principalmente pela fortíssima pressão do Inimigo, mas também devido ao desaparecimento do milícia Aliu Bari que, certamente, teria dado informações importantes ao Inimigo, não só relativamente às Nossas Tropas, como ainda em relação aos hábitos da população, incluindo a localização dos campos agrícolas.

"Garantia da não evacuação dos feridos, como já acontecera na manhã do dia 18Mai; a possível evacuação por barco, à semelhança da que se efectuara em 19Mai também não era exequível, não só pela presença do 3° Corpo de Exército do Inimigo nas matas de Mejo, como devido à falta de barcos para o efeito, porque os "sintex" não regressaram a Guileje.

"Este facto da não evacuação era da máxima importância; na realidade, os feridos graves ficavam entregues "à sua sorte", cujo desfecho poderia ser a morte".


No final da tarde, o Comandante do COP 5 tomou a decisão de efectuar a operação de retirada do Guileje:

"Imediatamente após a minha chegada a Guileje, efectuei uma visita rápida ao aquartelamento e de seguida fiz uma reunião informal com o Sr. Comandante da CCav 8350/72 e outros oficiais.

"Os factores em que baseei a minha decisão de retirar de Guileje foram os seguintes:

(1) Forte pressão do Inimigo [ ]

(2) Não atribuição de reforços [ ]

(3) Não evacuação de feridos [ ]

(4) Escassez de munições, especialmente de Artilharia [... ]

(5) Falta de água no aquartelamento [... ]

(6) Defesa da população [... ]

(7) Destruição do Centro de Comunicações [... ]

(8) Novo Comandante do COP 5 [... ]

(9) Previsão do futuro, a muito curto prazo [... ]

(10) Existência de um morto [... ]

(11) Efeito de surpresa [... ].


Dadas as circunstâncias e atendendo a que o inimigo, nessa noite de 21/22Mai, flagelou o aquartelamento por 3 vezes: 21h45/22h00 (cerca de 30 impactos); 01h05/01h30 (cerca de 40 impactos) e 04h00/05h00 (cerca de 60 impactos), as destruições e inutilizações não puderam ser feitos com a profundidade e extensão que o seriam, se as condições fossem outras.

Durante a noite, foi intensificada a actuação da Artilharia, em resposta às flagelações (não só gastando todas as munições completas existentes, como procurando dar ao inimigo a ideia que continuávamos presentes e atentos) antes de serem postos inoperacionais os 2 obuses de 14 cm.
 
[Nota: Ref V/1686/C informo não recolhida qualquer viatura:

1 Mercedes,
4 Berliets,
3 Unimogs 404,
1 Unimog 411,
1 Jeep,
1 AM Fox e 2 White
foram destruídas parcialmente.

Tomados inoperacionais:
3 mort 81 mm,
1 mort 10,7 cm
Posto inoperacional destruindo aparelhos pontaria e percutores.

Recolhidos todos E/R TR 28, AVP-1, Onkyos, Sharp e 2 E/R Marconi do STM, 3 AN/GRC-9 e restante material. Máquinas e documentação Cripto Transmissões e STM tudo destruído.

Obus 14 cm posto inoperacional por meio culatras e aparelhos pontaria recolhidos.

Restantes armas individuais e colectivas recolhidas com excepção 7 Pmetr FBP não destruídas, 2 LGFog 8,9 cm, 7 Esp G-3, 2 Mort 60 mm e 3 Metr Breda danificadas e inoperacionais.

Toda documentação classificada e não classificada foi destruída pelo fogo.

Havia 11 Esp G-3 destribuidas pop Guileje fim colaborarem defesa das quais 4 desaparecidas.

- Mensagem IMEDIATO ,n° 188/C-73 de 231430Mai73. ]

Em 22, pelas 0530, iniciou-se a saída do quartel, após a destruição do material abandonado. Por falta de comunicações, esta acção apenas foi conhecida quando a coluna chegou a Gadamael Porto, a meio da manhã do mesmo dia. Não houve qualquer contacto com o lN.

"O efeito da surpresa foi total, porquanto o inimigo não teve oportunidade de se aperceber, durante a noite, da deslocação das Nossas Tropas, no mesmo itinerário, em 21Mai; tendo sido efectuada a retirada de Guileje na manhã de 22Mai, o PAIGC só entrou no aquartelamento em 25Mai, isto é, 3 dias depois; entre 22 e 25Mai continuou a bombardear a posição que tinha sido ocupada pelas Nossas Tropas."

Em 22Mai, pela manhã, chegou a Gadamael Porto o Cor Para Rafael Ferreira Durão para assumir o comando do CAOP 3.
 
[Nota:  Com início em 21 Mai73, o CAOP 3 foi constituído e organizado, transitoriamente, a fim de fazer face ao forte incremento da actividade inimiga na zona Sul e de assegurar a coordenação da actividade operacional das forças ali instaladas. Foi composto por elementos do CAOP I, desviados para aquela zona com a sede em Cufar e englobando os sectores de Aldeia Formosa (S2), Catió (S3), Cadique (COP 4) e Guileje (COP 5), este logo deslocado para Gadamael Porto.  Em 02Jun73, foi extinto e substituído no comando operacional daquela zona de acção pelo ÇAOP 1, que entretanto fora transferido de Mansoa. (Resenba Histórico-Militar das Campanhas de Africa 7° Volume Tomo II "Fichas das Unidades - Guiné" ]

Pelas 12h15 enviou uma mensagem (Relâmpago sem número), para a Rep Oper/Cmd-Chefe:

 "lnfo Cmdt COP 5 decidiu 21 18h30 evacuar tropas e civis de Guileje. Em 22 05h30 deu-se retirada total destruindo incapacitando  todo material que não tinha sido já destruído pelo fogo ln. Devido falta comunicações tal facto apenas conhecido pelas 10h00 de 22, quando chegada Gadamael Porto. Face destruições havidas verifico ser impossível reocupação
tempos próximos. Aguardo instruções."

Daquela Repartição em 22 18h00 recebeu a mensagem nº 1652/C :

"Ref mensagem Relâmpago de 22 12h15 Mai73 s/número solicito informe Cmdt CAOP Cor Para Ferreira Durão que Sexa General Comandante-Chefe determinou seja retirada imediatamente do comando COP 5 Maj Art Alexandre da Costa Coutinho e Lima e mandado apresentar QG/CCFAG para efeito auto Corpo de Delito."

O Major Coutinho e Lima seguiu para Cacine, embarcou num navio da Marinha em 26 06h00 Mai 73 e chegou a Bissau no dia seguinte. De 27Mai73 a 12Mai74 esteve preso em Bissau. Foi amnistiado por um Decreto-Lei da Junta de Salvação Nacional e o processo foi arquivado.

(Continua)

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 319-325.

[ Seleção / revisão / negritos / fixação de texto pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série;

2 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23319: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (1): A pontaria dos artilheiros... (Morais da Silva / C. Martins)

4 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23323: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (2): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte I: Inimigo, atividade política

6 de junho de 2022 Guiné 61/74 - P23332: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (3): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte II: Inimigo, atividade militar

18 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23397: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (2): a minha passagem pelo Depósito de Adidos, em Brá, em 1973: como sargento de dia à Casa de Reclusão Militar, fiz uma escala de serviço para que os presos (alguns violentos) pudessem sair e entrar, "livremente", "ir às meninas" ao Pilão, petiscar em Bissau, etc. (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/72, e Depósito de Adidos, Brá, 1973)




Guiné > Bissau > Brá > Depósito de Adidos > 1973 > O fur mil Augusto Silva Santos, de rendição individual: terminada a comissão da CCAÇ 3306, em dezembro de 1972, foi colocado no Depósito de Adidos, na Secção de Justiça. Regressou a acasa em dezembro de 1973.


Fotos (e legenda): © Augusto Silva Santos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Esta é mais uma "história pícara" (*) que fomos repescar, com a devida vénia, à série "Os fidalgos de Jó", da autoria do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-fur mil, CCAÇ 3306 / BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, e Depósito de Adidos, Brá, 1971/73) (**)


A minha passagem pelo Depósito de Adidos, Secção de Justiça, 1973

por Augusto Silva Santos




Depois da partida do BCAÇ 3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no quartel do Depósito de Adidos,  em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ 3306 colocada em Jolmete, para onde fui em rendição individual.

No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também, periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar.

Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer.

Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.

Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM). 

Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que, a partir de determinada altura e por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1.º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o cor paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda.

Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço.
A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).

O meu relacionamento com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse.

Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.

Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furriéis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor.

Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo”( por andar sempre todo emproado, usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida.

Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.

Lembro-me que, no 2º semestre de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatos dos camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando.

O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MiG.

Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.

Esclareciment posteriro do autor, em comentário a este poste P23397:

De: Augusto Silva Santos

Olá, Luís e restantes Camaradas!

A propósito desta republicação, importa agora esclarecer que o nosso camarada "Grelhas" não era Fuzileiro, como na altura me fizeram acreditar, mais sim Soldado de uma CCaç., que agora não consigo identificar. 

[O "Grelhas" pertencia à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022] 
 
Através do nosso camarada Albino Jorge Caldas, que pertenceu à CCaç 3518, "Marados de Gadamael", (1971/74) e, por mero acaso, vim a tomar conhecimento que o famoso "Grelhas", de seu nome próprio Armando, era taxista no Porto, tendo-me inclusive facultado o seu contacto telefónico.
 

[ No Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022, o Albino Jorge Caldas confirma que o "O Grelhas hoje é taxista na cidade do Porto, sempre em forma e pronto para umas confusões se necessário."]

Após animada conversa relembrando velhos tempos e peripécias, o nosso amigo Armando "Grelhas" acabou por me confidenciar que as "saídas" eram conseguidas através de uma chave falsa de uma porta não controlada, da qual era portador. Era também ele que se encarregava de elaborar a "escala" de saídas (poucos de cada vez, para não dar nas vistas).

Embora sem ter total conhecimento do "esquema" montado, confesso que na altura foi algo que, após duas situações menos agradáveis, me deixou mais confortável (se assim se pode considerar), pois o amigo "Grelhas" nunca mais permitiu que algum recluso faltasse aquando do render da guarda, sempre que eu estava de serviço.

Forte Abraço para todos!

29 de junho de 2022 às 22:29




Guiné > Bissau > Brá > Depósito de Adidos > Casa de Reclusão Militar > Março de 1973 > O "carcereiro" em alegre e franco convívio com alguns reclusos por ocasião de um aniversário. "O camarada ao fundo, de óculos e barba, é o Carlos Boto, já aqui referenciado por outros camaradas"... Vê-se que está de gravador na mão, recolhendo declarações de outro camarada, possivelmente o aniversariante e ambos... reclusos. O Carlos Boto deve seguido depois para Cabuca, onde animaria a rádio local "No Tera" (A nossa Terra)... Ainda hoje os seus camaradas desse tempo (2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74) andam à procura do seu paradeiro...


Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 29 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23395: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (1): Luanda, Depósito de Adidos de Angola, o oficial de dia e o preso cabo-verdiano (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, 1972/74)

(**) Vd. poste de 22 de setembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12070: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (14): A minha passagem pelo Depósito Geral de Adidos, em Brá

(***) Último poste da série > 13de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18313: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (48): Clube de Cabuca

(...) Na Guiné e, também, em teatro de guerra, se viveram grandes momentos de paródia guerreira, relatados na Rádio “No Tera”.

(...) O seu grande dinamizador foi o despromovido Carlos Boto, que, condenado disciplinarmente, cumpria a sua 3ª comissão de serviço.

Foi ele quem pediu ao Cap Vaz o aparelho de rádio RACAL que, devidamente afinado, passou a transmitir em onda curta 25 M, nas bandas dos 12.900 e 13.700 KHZ/s. Transmitia ainda em 31 M na banda dos 9.200, na onda marítima e na onda média.

A rádio era liderada por Carlos Boto (Produção, Direcção e Montagem), e contava com a colaboração de Zé Lopes (Discografia),Toni Fernandes (Sonoplastia), Arménio Ribeiro (Exteriores) e Victor Machado (Locução). (...)


Vd. também poste de 15 de março de  2012 > Guiné 63/74 - P9607: O PIFAS, de saudosa memória (9): Dois terços dos respondentes da nossa sondagem conheciam o programa e ouviam-no, com maior ou menor regularidade...

(...) No redescobrimento do PIFAS, cujos artigos tenho lido com alguma sofreguidão, pois sempre que possível lá o conseguíamos sintonizar, não posso deixar de recordar que também nós, no “buraco” que era Cabuca, também tínhamos uma estação de rádio, que com alguma dificuldade era ouvida em Bissau!

Na verdade, fruto de um engenhoso camarada, de nome CARLOS BOTO, com a excepcional ajuda do Fur Mil de Transmissões Henriques, também a 2ª Cart/Bart 6523 tinha a sua estação de rádio que transmitia em ONDAS CURTAS nas frequências 41m - na banda dos 8000 Khc/seg e 75m - na banda dos 4100 Khc/seg, que emitia directamente de Cabuca todos os dias das 19h30 às 23h00.

Tal só foi possível, graças a um generoso e eficaz trabalho de antenas, apoiadas num “Racal”, pelo pessoal das Transmissões, tendo-se então criado um estúdio improvisado, que com o recurso a um gravador de fitas e a um velho microfone difundia um excelente programa diário.

A estação chamava-se NO TERA. Tinha a discografia do Zé Lopes, a sonoplastia do Toni Fernandes, os exteriores do Arménio Ribeiro, a locução do Quim Fonseca (este vosso camarigo) do Victor Machado e esporadicamente do António Barbosa e a produção, montagem e apresentação estava a cargo do CARLOS BOTO.

Dos programas emitidos, relembro os seguintes :

- Publicidade em barda ;
- Serviço noticioso ;
- Charlas Linguísticas ;
- O folclore da tua terra ;
- Espectáculos ao Vivo ;
- Concursos surpresa e,
- MÚSICA NA PICADA, entre outros.

E, como nota de rodapé, gostaria que algum dos Camarigos, designadamente os que ainda estão hoje ligados á rádio , nos ajudassem a descobrir o CARLOS BOTO, já que todas as nossas diligências para o encontrarmos, se têm mostrado infrutíferas.

Finalmente e com a promessa de voltar à carga sobre a nossa Rádio NO TERA, gostaria de referir ainda um episódio que nos encheu de alegria, já no distante ano de 1973, quando ao ouvirmos o PIFAS, a nossa rádio foi referida como tendo sido audível em Bissau! O pessoal rejubilou de alegria e sentimo-nos então muito mais motivados para melhorar os nossos programas, já que corríamos o risco de sermos ouvidos, quem sabe, pelas bandas do QG…!

(...) Ricardo Figueiredo (ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74) (...)

Guiné 61/74 - P23396: Historiografia da presença portuguesa em África (323): Dados sobre a Guiné no início da década de 1920, trabalho de um aluno da Escola Colonial (1850-1925) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Para saber um pouco mais sobre o aparecimento e funcionamento da Escola Colonial que teve a sua origem na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1906 recomenda-se a leitura do artigo publicado em TECOP - Textos e Contextos do Orientalismo Português. A Escola tinha o seu anuário e qualquer estudioso da Guiné poderá confrontar a importância que ela tinha nos estudos dos futuros administradores e outros quadros coloniais, recorde-se que o estudo das línguas nativas era nesta escola a prioridade das prioridades. O que me parece logo curioso na observação do aluno é ele querer privilegiar a rede hidrográfica, isto a um tempo em que as escolas coloniais introduziam a discussão nos caminhos-de-ferro e da ampliação da rede de estradas macadamizadas. Um outro aspeto que me parece da maior utilidade e que se depreende da leitura deste trabalho escolar é o entusiasmo quanto às potencialidades guineenses, o que está em conformidade com os diferentes estudos feitos na época. Não é percetível a queda da importância da borracha, mas sabemos que a I Guerra Mundial foi determinante para o crescimento da cultura do arroz, e assim será até à década de 1950.

Um abraço do
Mário


Dados sobre a Guiné no início da década de 1920, trabalho de um aluno da Escola Colonial

Mário Beja Santos

A Escola Colonial nasceu em 1906 na dependência da Sociedade de Geografia de Lisboa, era a primeira tentativa séria de formar quadros da administração e conhecedores das múltiplas línguas nativas faladas nas parcelas do Império. Quem lê o anuário da Escola Colonial encontrará as caraterísticas dos diferentes sistemas de ensino, os seus conteúdos e, curiosamente, trabalhos dos alunos. A folhear o Anuário de 1923-1924 encontrei um trabalho de um aluno sobre a Guiné, é óbvio que quem o elaborou consultou estatísticas mas não esconde o seu entusiasmo quanto às potencialidades da colónia.

Depois de dizer que a Guiné está a cinco ou seis dias de viagem da metrópole e que está a conhecer melhores indicadores de desenvolvimento, refere os seus principais portos: Bolama, Bissau, Cacheu, Cacine e Bafatá, adiantando que os principais rios que constituem a rede fluvial são Cacheu, Mansoa, Geba, Corubal e Compony (? incompreensível a referência, este rio situa-se no que é hoje a Guiné Conacri, à época fazia parte da Guiné Francesa). O porto de Bissau já era o de maior movimento, tinha a sua importância por fazer o comércio proveniente dos Bijagós e do Rio Grande de Buba. Ponto curioso é o aluno defender a rede hidrográfica em detrimento dos transportes terrestres, na época vários institutos coloniais já davam primazia à importância do transporte terrestre, e como pude verificar quando estudei a correspondência do BNU da Guiné, os comerciantes defensores da manutenção da capital em Bolama propunham uma rede viária por toda a colónia, que assim privilegiaria o tráfego comercial de Bolama sobre Bissau. Pois bem, o aluno apostava no desenvolvimento da Guiné pela sua rede hidrográfica navegável por pequenos vapores e lanchas: “Limpando e melhorando alguns dos canais e estudando melhor a hidrografia, poucas serão as estradas a abrir como grandes artérias de comércio, e essas mesmas quase se limitam ao oriente da província, na região entre o Corubal e o Geba”.

E refere as riquezas da agricultura, o seu solo ubérrimo que produz mancarra, arroz, cana-sacarina, algodão, tabaco, cola, borracha, magníficos pastos, muita pesca, ouro (?), no entanto, impunham-se trabalhos, tais como, a balizagem das barras do Cacheu, do Canal de Orango e do Cacine, completando as dos de Geba e Arcas, colocando faróis na ponta oeste de Bolama e no porto de Bissau, intensificando o alumiamento da costa. E de seguida o aluno lança-se nos números para mostrar a crescente importância do impor, expor e do movimento comercial, com exceção dos anos 1914 e 1915, início da guerra. Os produtos mais exportados eram o arroz, o amendoim, o coconote, a borracha, a cera e os couros secos. Os países-destino das exportações eram principalmente Portugal, Espanha, França, Holanda e Reino Unido; a Marinha que mais frequentava a colónia era a alemã, seguindo-se a portuguesa, a francesa, a grega e a britânica. As importações de Portugal tinham crescido significativamente, mas o aluno dizia abertamente que Portugal ainda não tinha no comércio da colónia o lugar que lhe devia pertencer.

E dá sugestões:
“Seria desejável que o comércio e indústria nacionais se abalançassem à concorrência com o comércio estrangeiro no fornecimento de tecidos de algodão aos indígenas tendo, como têm, por si, as vantagens provenientes de um menor frete, dada a proximidade que existe entre a colónia e a metrópole. O facto de a indústria dos algodões ser a primeira, pela sua importância, entre as indústrias nacionais, gozando de uma enorme proteção pautal, devia impô-la à concorrência das estrangeiras. Mas infelizmente não se dá isso ainda. Nós ainda vemos a França e a Inglaterra venderem aquilo que nós, por uma questão de interesse e de amor próprio, devíamos procurar ser os únicos a vender.
Antes da guerra, a Guiné importava, como a metrópole o fazia, quase todo o arroz que necessitava para o seu consumo, importância essa que orçava por uns 60 a 70 contos anuais. Com a guerra, a Guiné com a falta de transportes, ficou na situação de suportar necessidades e quase a fome com a falta desse produto, que constitui a base da sua alimentação, ou na contingência de ter de cultivar. Assim fez; e optando por esta solução, de tal forma se dedicou a esta cultura que, tendo importado 70 contos de arroz em 1914, em 1915 somente importou 21 contos e em 1916 somente 697 escudos; hoje possui o arroz para o seu consumo e com pouco de boa-vontade esta colónia poderia ser a fornecedora da metrópole. Apesar de a Guiné ter terrenos esplêndidos para a cultura do arroz, aonde poderia ser feita uma cultura intensiva e próspera, a metrópole vê-se na necessidade de importar ainda, anualmente, 20 milhões de quilos do estrangeiro! Com a carne dá-se outro tanto. É Portugal um dos países da Europa aonde a carne é mais cara e aonde a sua população menos quantidade come, devido ao seu elevado preço. Pois na Guiné, a cinco dias de viagem da metrópole, aonde ela não falta e as pastagens são abundantíssimas, e aonde os indígenas têm magníficas aptidões para a criação de gados, desde 1916, deixaram-se morrer devido a uma epizootia pneumónica, mais de 100 mil cabeças de gado, em virtude de não se ter mandado para lá um veterinário e respetivo pessoal competente para combater a epidemia, como a colónia insistentemente pediu.
Com a borracha dá-se facto idêntico; há no sertão milhares de toneladas; pois o indígena não a extrai ou, se a extrai, fá-lo por forma a perder-se a maior parte e a desvalorizar-se a que se aproveita. Esta borracha vai para a Inglaterra e depois nós importamo-la!”
.

No termo do seu trabalho, o aluno não identificado lista as medidas que julga indispensáveis para incrementar o desenvolvimento da colónia: intensificar as carreiras marítimas; melhorar a iluminação da costa; apetrechamento dos portos de modo a permitir uma rápida vazão dos produtos; procurar desenvolver nos territórios de leste a criação de gados; ensinar aos indígenas os modernos processos de cultura dos produtos existentes na colónia; completar o estudo da sua hidrografia; manter uma flotilha de pequenos vapores para passageiros e carga entre os portos da província; intensificação de comunicações com Cabo Verde, aumentando assim as suas relações comerciais.

Aqui se deixa o olhar de um aluno da escola colonial há cerca de um século.
A Sociedade de Geografia de Lisboa, gravura de 1901
Imagem antiga do cais do Pidjiquiti
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23378: Historiografia da presença portuguesa em África (322): A Guiné e as Campanhas Coloniais (1850-1925) (Mário Beja Santos)