1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 14 de Julho de 2022:
Bom dia Carlos Vinhal
"ERA AQUELA COMPANHIA" - segunda parte, é o trabalho que hoje envio para a Tabanca Grande.
Para todos um bom abraço, em especial para os Chefes de Tabanca.
Depois deste trabalho, voltarei depois das férias em Agosto.
Albino Silva
ERA AQUELA COMPANHIA(*)
PARTE 2
Como já escrevi de Oficiais
De Sargentos também quis fazer
Agora Cabos e Soldados
Aquilo que vou escrever.
O Cabo Arvéola era Cripto
O Peixoto também era
Outro Arvéola e o Ângelo
No Canchungo aquela terra.
O Abel era Escriturário
Esteves Matos também
Fazia de SPM
Por não haver mais ninguém.
O Sílvio nas Transmissões
Afonso analista de águas
E com o Jorge Ferreira
Este a lidar com tábuas.
O Valentim no Reconhecimento
Fartava-se de passear
Na Oficina o Magalhães
Com pneus para mudar.
O Monteiro Sapador
Pegava a G3 pela alsa
O Armindo que na companhia
Era conhecido por Salsa.
O Valadares da Cunha
Este era o bate chapas
João Monteiro Escriturário
Fazia consultas nos mapas.
Fernando Fonseca era
Homem de bom coração
Ajudava o Padre Francisco
Porque era o Sacristão.
O Joaquim Constantino
Bem ligado a munições
Orlando Silva Mecânico
Fugindo a confusões.
O Cardoso era Atirador
Era mesmo de Infantaria
No Canchungo Quarteleiro
Lá na nossa Companhia.
Acácio era Escriturário
O Martins era também
O Costa Pinto e o Guerra
Escreviam como ninguém.
O Peixoto era Condutor
O Constantino Enfermeiro
O Horácio era Mecânico
O Carmo Dias Caixeiro.
O Mesquita electro Auto
O Lemos Operador
Nunes Pereira Transmissões
O Fonseca era pintor.
O Moreira no Reconhecimento
O Vieira Estofador
O Fontão era Auto Rodas
O Figueiredo Sapador.
Até o Vidal Pinheiro
Com Reconhecimento à vista
Correia Pinto nas Armas
O Alceu Radiotelegrafista.
O Sousa no Reconhecimento
Um Cabo bem desportista
Conhecido por Coimbrões
Para comer era artista.
O Guedes de Amorim
Este era Corneteiro
Magalhães Faria Informação
Albino Veiga Carpinteiro.
O Costelha Corneteiro
Em momentos especiais
Ainda servia à mesa
Na Messe de Oficiais.
O Altino S. Rocha
Era um Cabo interesseiro
Era o Chefe da Cozinha
Porque era o Cozinheiro.
Ainda no Reconhecimento
O Sousa se encontrava
O Amílcar era Sapador
Quando de serviço estava.
O Santos e o Albino
Eram Rádiomontadores
O Leonel Auto Rodas
Como outros Condutores.
A CCS era grande
E lá na Guiné cumpria
Com todos os seus Soldados
Formados na Companhia.
Condutor Auto Rodas
O Aníbal Martins na Guiné
Como o Ernesto e Américo
Lá ninguém andava a pé.
O Garcia era Maqueiro
O António Costa igual
Era o Albino e o Borges
Tratando quem estava mal.
Havia ainda o Daniel
Condutor mas bem matreiro
Em vez de ter viaturas
Foi na Messe cantineiro.
Eram tantos Condutores
Na CCS que assim
Faziam tantos serviços
Em tantas coisas sem fim.
Francisco Rodrigues era
O Patrício era também
Rodrigues Dias impedido
Que cumpria muito bem.
João Vicente Soldado
Mas que Condutor porreiro
Em vez de conduzir Jipe
Meteram-no de Carcereiro.
Lá andava o Marques Mendes
Também Condutor e bom
Ao serviço da CCS
Lá no nosso Batalhão.
O Aníbal Eiras Novo
Que nunca fez condução
Pois armou-se em Padeiro
No forno fazia o pão.
António Rodrigues assim era
O Ribeiro de Sousa igual
O Ramalho e o Correia
Até não conduziam mal.
O Neto era Condutor
Homem cheio de azar
Porque apanhou uma mina
Até andou pelo ar.
Aníbal Alves
O Borges Antunes era bom
Mesmo o Miguel Lourenço
E o Ramos Julião.
Heliodoro Lisboa
Que conduzia também
Igual ao João Machado
Que conduzia e bem.
O Octávio era Mecânico
O Morais era Cozinheiro
O Manuel Maria em motores
Sousa e Silva Corneteiro.
O Barros lá na cozinha
Ajudava o cozinheiro
O Pires bom tocador
Porque era Corneteiro.
Auxiliares de Cozinha
Era o Castro e o Vieira
Também era o Guimarães
Pois tinham a cantina à beira.
Fazia o Reconhecimento
Cardoso e Sousa Vieira
Bernardino Lopes e ainda
O Silvério de Oliveira.
O António Correia
Também tudo reconhecia
Sendo o Leonel de Almeida
Sapador da companhia.
O Isaac Sapador
Como o Oliveira era
Armelim nas Transmições
Na Guiné naquela terra.
Auxiliar de Cozinha
Era o Tomás Ribeiro
O Amado era Sapador
O Abílio seu parceiro.
Costa Bento na cozinha
O Curralo Sapador
Carvalhinho Transmissões
O Abano Atirador.
Também eram Sapadores
O Herculano e Moreira
Faziam abrigos então
O Barbosa e Oliveira.
Já durante o mês de Julho
Lá mais algum aparecia
Com o fim de completar
Aquela nossa companhia.
O Joaquim José Pinto
Manuel Rego então
Só um era Sapador
O outro era Plantão.
Veio o Adelino Rocha
Também lá chegou o Naia
O Juvenal Olival
Fazendo da bolanha praia.
Manuel Isaac Senha
À CCS se juntou
E o José Moniz Moreira
Também esse lá ficou.
Mais tarde o Tomás Sousa
Santos e Martins foi igual
Eduardo Manuel Pinto
Que vinham de Portugal.
A meio da comissão
Vinha o Porto de outro lado
E muito mais velho que nós
Chegou lá o Arranhado
Eram estes os Camaradas
Que nenhum de nós esquece
Era assim a Companhia
Era forte a CCS.
Cada um de nós conhece
E bem guarda na memoria
Assim cada um de nós guarda
Lá da Guiné uma historia.
FIM
____________
Notas do editor:
(*) - Vd. poste de 7 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23414: Blogpoesia (773): A CCS, "Era aquela Companhia", por Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 - Parte I - (2)
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23438: Blogpoesia (775): "Ao fim da tarde", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 19 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23441: O consulado do general Bettencourt Rodrigues (3): Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, com vista ao reforço da defesa das áreas urbanas e suburbanas de Bissau
Guiné > Bissau > Bissalanca > Base Aérea 12 > s/d.
É também um sinal dos tempos. Bissau está ao alcance dos foguetões 122 mm e vulnerável a eventuais acções de sabotagem e terrorismo urbano (como virá acontecer, já em 1974, com o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau, em 26 de fevereiro, que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG, em 22 de fevereiro, onde parte do edifício principal foi destruída, numa acão reivindicada pelas (ou atribuída às) Brigadas Revolucionárias. O perímetro da base aérea nº 12, e o aeroporto de Bissalanca também também podia estar sujeito à infiltração de um furtivo apontador de Strela...
A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.
A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.
Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.
c. Reforços e cedências
(1) Reforços
a. Conceito da Manobra
Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.
b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
Por outro lado, a CECA (2015, pág. 12) recorda que já em 1971 se registaram dois factos graves e/ou preocupantes:
(i) em fevereiro, "2 aviões MiG-17 com as cores da República da Guiné, tripulados por argelinos, sobrevoaram Bissau, tendo continuado a verificar-se, posteriormente, acções várias de violação do espaço aéreo por helis e aviões não identificados";
(ii) e em 9 de junho, "o PAIGC levou a efeito o primeiro ataque a Bissau e a diversos aquartelamentos das proximidades, provocando num deles um número significativo de baixas".
Ainda segundo a mesma fonte, mas já em 1972, explodiram três engenhos explosivos, durante a noite, em locais diferentes da cidade de Bissau, capital do território, "o que indiciava propósitos de terrorismo urbano". Nestes engenhos foram utilizados espoletas de efeito retardado MUV-2 (CECA, 2015, pág. 121).
Não em Bissau, mas na segunda maior cidade, Bafatá, o PAIGC em 8 de janeiro de 1972 levara a cabo "um aparatoso ataque", com foguetões 122 mm (CECA, 2015, pág. 121).
Destaca-se também, nesse ano, em 9 de março, "a flagelação ao topo norte da Base Aérea de Bissau, no dia 9 de Março, fazendo uso de lança-granadas foguete RPG-7".
Num dos últimos discursos que proferiu antes de ser assassinado, em Conacri, em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral "referiu a necessidade de intensificar a guerrilha
em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos." (CECA; 2015, pág. 239).
E como é sabido em março desse ano entram em acção os mísseis terra-ar Strela...
2. Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. Excertos:
"1. SITUAÇÃO
a. Inimigo
A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.
Nas áreas urbanas e suburbanas destacam-se, como pontos sensíveis a acções de sabotagem lN:
- as instalações da SACOR;
- a Central Elevatória da Mãe de Água;
- o Centro Emissor de Brá; e
- a Central Eléctrica (Av. Brasil).
b. Forças Amigas
A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.
Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.
c. Reforços e cedências
(1) Reforços
O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana.
2. MISSÃO
As Forças Armadas colaboram na defesa dos pontos sensíveis das áreas urbana e suburbana de Bissau, ficando a seu cargo a defesa das instalações da Central Eléctrica (Av. Brasil), da Central Elevatória da Mãe de Água e do Centro de Brá.
3. EXECUÇÃO
a. Conceito da Manobra
Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.
b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
- Garante a segurança imediata da Central Eléctrica (Av. Brasil);
- Garante a segurança imediata da central Elevatória da Mãe de Água;
- Garante a segurança imediata do Centro Emissor de Brá. [... ]"
Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)
[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________
Nota do editor:
Postes anteriores da série:
Postes anteriores da série:
10 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23419: O consulado do general Bettencourt Rodrigues (1): "Trocar sangue por suor": a famosa "diretiva para a diminuição das vulnerabilidades", de 21/10/1973
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segunda-feira, 18 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23440: Nota de leitura (1466): "O colonialismo português - novos rumos da historiografia dos PALOP"; Edições Húmus, 2013 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2019:
Queridos amigos,
Atenda-se, em primeiro lugar, para a esplêndida fotografia deste livro, temos a passagem do rio Corubal, em Che Che, faz parte do documentário fotográfico da viagem à Guiné do Ministro das Colónias, em 1941, impressiona a qualidade da imagem, parece que aquela jangada foi feita ontem e aqueles seres humanos parecem ganhar vida, em pleno labor da jangada. Nesta comunicação de dois investigadores, José da Silva Horta e Peter Mark, ganha relevo a presença judaica do início do século XVII, nas redes comerciais da Grande Senegâmbia, e as suas ligações com a chamada comunidade "portuguesa" de Amesterdão, mais revela a investigação que não era só tráfico de escravos que constava nas atividades mas também a venda de armas. Ainda há muito para estudar, mas hoje já possuímos dados seguros desta presença que teve algum significado nas relações luso-africanas.
Um abraço do
Mário
O judaísmo na construção da Guiné do Cabo Verde (século XVII)
Beja Santos
Em 2011, reuniram-se no Instituto de Investigação Científica Tropical uma plêiade de investigadores no seminário "Novos Rumos na Historiografia dos PALOP", procurava-se dar a conhecer, nessa fase, as linhas de investigação que se estavam a produzir no âmbito da História e Ciências Sociais dos PALOP. Daí resultou esta obra publicada pelas Edições Húmus, 2013. Numa comunicação no contexto do colonialismo na África Portuguesa, José da Silva Horta, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e Peter Mark, da Wesleyan University dissertaram sobre o judaísmo na construção da Guiné do Cabo Verde. Eduardo Costa Dias apoiava este projeto para o conhecimento espacial da Senegâmbia. A espacialidade da Senegâmbia é tema que de há muito atrai a historiografia, Teixeira da Mota abriu as portas ao estudo desta complexa superfície onde havia redes comerciais que estendiam do Cabo Verde (ponto no continente africano) até à Península da Serra Leoa. Chamava-se a esta região a Grande Senegâmbia, onde se inseria a Guiné do Cabo Verde.
A presença mercantil era diversificada, Cacheu era o centro principal fornecedor de escravos, mas havia também espaços Biafadas e a região de Bissau já era uma realidade. Manda o rigor que se diga que estamos a falar de uma região um tanto artificialmente definida, e, segundo descobertas relativamente recentes, deu-se pela presença de comerciantes judeus na chamada Petite Côte, em pleno território do que é hoje o Senegal, mais ou menos entre Dacar e Banju. Dizem os autores que dessa Senegâmbia setentrional e Cacheu as ligações marítimas e terrestres até à Serra Leoa eram cruciais, pelo mar, rios e por terra. Vários investigadores, caso destes dois autores ou de Eduardo Costa Dias, Boubacar Barry, Mamadou Fall ou Jean Boulègue, têm procurado investigar estas sociedades senegambianas e as ligações que se estabeleceram ao longo do século XVI entre a Guiné do Cabo Verde e a América espanhola, mais tarde com o Brasil, houve pois nesta região um laboratório de contato intercultural que emergiu no século XV e onde a presença judaica, está hoje demonstrado, foi uma realidade.
Era o arquipélago de Cabo Verde, com a ilha de Santiago à frente, que assumia uma função crucial nesta mediação entre diferentes culturas. Sabe-se hoje que no início do século XVII houve um ponto de viragem, com a presença judaica e o seu contributo inegável para a história da construção da identidade luso-africana na Senegâmbia. Que investigação foi feita pelos autores? Oiçamos a sua resposta:
“A investigação foi baseada, numa primeira fase, a mais longa, em documentação da Torre do Tombo, pertencente ao Cartório do Santo Ofício e no trabalho anterior sobre outros arquivos como o Arquivo da Ajuda e o Arquivo Histórico Ultramarino e numa segunda fase também nos registos notariais e internos dos membros da comunidade de judeus portugueses, consultados em Amesterdão, que se revelaram, no essencial, preciosamente complementares às informações dos documentos arquivados pela Inquisição. Os documentos que recolhemos e trabalhámos permitiram-nos reconstituir a existência de comunidades de judeus no atual Norte do Senegal que tinham como caraterística distintiva serem constituídas por ‘judeus públicos’, ou ‘judeus declarados’, segundo a terminologia da época, isto é, afirmarem publicamente a sua identidade religiosa judaica e viverem socialmente como tal. A sua presença na região estava estreitamente articulada com a chamada comunidade ‘portuguesa’ de Amesterdão. Foi encontrada presença judaica em Porto d’Ale, eram judeus que viviam com mulheres africanas e seus filhos mestiços”.
Mais adiante, os autores recordam que o comércio e a presença destes judeus contaram com a proteção dos dignatários africanos do Norte da Senegâmbia. E dão informação extremamente curiosa: “Na relação com reis wolof e sereer, então muçulmanos, os judeus construíram um discurso em que tentaram encontrar denominadores comuns entre o Judaísmo e o Islão. Foram feitas tentativas pelos representantes ou apoiantes das autoridades eclesiásticas e dos interesses da Coroa portuguesa em Cacheu para que o rei do Bawol, em cujo poder estava o Porto d’Ale prendesse os judeus para que fossem enviados àquela praça e daqui para Lisboa. O mesmo foi tentado junto do dignatário do Siin, ou de Joala. Tudo sem sucesso.
No final da comunicação, os autores aduzem elementos sobre a natureza das atividades mercantis destes judeus que tinham ligação a Amesterdão, às Províncias Unidas, mas também a Lisboa, Açores e S. Tomé, e estão também conhecidas as ligações a Inglaterra e a França. “Verificámos que além do comércio de couros, marfim e cera, judeus e cristãos-novos estavam também envolvidos no comércio de armas, proibido pela Santa Sé e pelas coroas católicas”. Bem vistas as coisas, o envolvimento destes judeus no comércio de escravos terá sido periférico, e havia seguramente interesses de alguns membros desta comunidade nos engenhos brasileiros. Agiam nestes negócios da Guiné destacados membros da comunidade dos judeus sefarditas de Amesterdão, nomeadamente da congregação Bet Jacob, os mesmos acusados pela Inquisição de fazerem proselitismo judaico em Amesterdão; proselitismo que vai ser projetado na costa guineense. Estes cristãos-novos (cripto-judeus) tinham especial capacidade de viverem diferentes identidades. “É assim que, em 1612, Jesu (ou Joshua) Israel, como era conhecido no Norte da Senegâmbia, se metamorfoseava em Luís Fernandes Duarte quando tinha de se corresponder com um parceiro comercial africano cristão".
E assim termina este esclarecedor trabalho:
“Na Senegâmbia do século XVII, se o cristianismo, a julgar pelas fontes disponíveis, continuou a desempenhar um papel fundamental das relações luso-africanas, circunstâncias favoráveis a esse comércio e das políticas europeias e africanas conduziram a um dado novo na região: a chegada de judeus que, no Norte da Senegâmbia, assumiram publicamente a sua identidade e que constituíram comunidades luso-africanas. Essas comunidades levaram à reconversão de cristãos-novos residentes ao Judaísmo e agiram de modo homólogo aos outros residentes portugueses cristãos: casaram-se com mulheres africanas e converteram a descendência ao judaísmo. Seguiram também, com o mesmo modelo identitário dominante naquele espaço africano. Este facto teve consequência no contexto guineense (…). Se o mundo mercantil do século XVII funcionava através de redes locais, regionais, intracontinentais e transcontinentais, também os fenómenos da história social desse mundo deveriam ser reinterpretados sem partir necessariamente de um centro europeu. Foi isso que procurámos fazer”.
África, desenhada pelo cartógrafo antuérpio Abraham Ortelius em 1570.
Mapa político da Senegâmbia e da região da Guiné de Cabo Verde no século XVII.
____________Nota do editor
Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23437: Nota de leitura (1465): O padre António Vieira (1608-1697), expoento máximo da literatura portuguesa, traduzido em sueco (José Belo)
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Guiné 61/74 - P23439: O nosso livro de visitas (216): Areolino Cruz (Bafatá, 1944 - Cubucaré, 1965) foi meu colega de carteira no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, nos anos de 1957/58. Guardo dele uma terna recordação (Francisco A. Monteiro e Souza, natural de Cabo Verde, a viver nos Açores, ex-membro da FAP e da TAP)
Anúncio publicitário inseridno, na pág. 93, na revista Seara Nova, nº 1385-86. março-abril de 1961. Fonte: RIC - Revistas de Ideias e Culura | SLHI - Seminário Livre de História das Ideias, CHAM | FCSH | Universidade NOVA de Lisboa. (Com a devida vénia...)
A notícia da morte de Areolino Cruz foi divulgada no Boletim mensal «Libertação», Órgão de informação oficial do PAIGC, edição n.º 62, Janeiro de 1966, classificado de "número especial". O texto que abaixo citamos foi retirado da página 11.
24 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21943: (D)o outro lado do combate (65): a morte de Areolino Cruz (Bafatá, 1944-Cubucaré, 1965), professor do ensino básico no Cantanhez (Jorge Araújo)
(...) Areolino Cruz, de nome completo: Areolino Lopes da Cruz Júnior, filho de Augusto Lopes da Cruz e de Domingas da Rocha Cruz, nasceu em 14 de Janeiro de 1944 (6.ª feira), em Bafatá. Morreu, como se infere da nossa investigação, em Cubucaré, na Região de Tombali (Cantanhez), entre 17 e 20 de Dezembro de 1965, de acordo com as circunstâncias relatadas no ponto 3 deste texto. (...)
23 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21000: PAIGC - Quem foi quem (13): Areolino Cruz, professor do ensino primário, que alegadamente terá perdido a vida ao tentar salvar os seus alunos durante um bombardeamento, em Cubucaré, em 17 de fevereiro de 1964 (Cherno Baldé / Jorge Araújo)
20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)
A notícia da morte de Areolino Cruz foi divulgada no Boletim mensal «Libertação», Órgão de informação oficial do PAIGC, edição n.º 62, Janeiro de 1966, classificado de "número especial". O texto que abaixo citamos foi retirado da página 11.
Citação: (1966), "Libertação", n.º 62, Ano 1966, Janeiro de 1966 | Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Vasco Cabral (com a devida vénia).
Infografia: Jorge Araújo / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021).
1. Mensagem recebida no Formulário de Contacto do Blogger (*):
Data - quinta, 14/07/2022, 17:17
Fui colega de carteira do Areolino [Cruz], no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, nos anos 57/58.
Data - quinta, 14/07/2022, 17:17
Fui colega de carteira do Areolino [Cruz], no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, nos anos 57/58.
Embora mais novo que ele, guardo do mesmo uma terna recordação. Sai do colégio em 1958 e desde então perdi o contacto com o mesmo.
Soube mais tarde,através do Daniel Ramos Benoliel, guineense, que comigo serviu na Força Aérea Portuguesa e mais tarde foi meu colega na TAP, que o Areolino tinha ido para a URSS estudar e que, por qualquer motivo, foi recambiado para a Guine, onde viria a morrer.
Paz à sua alma.
Francisco Souza (natural de Cabo Verde).
Cumprimentos,
Francisco A. Monteiro e Souza
Paz à sua alma.
Francisco Souza (natural de Cabo Verde).
Cumprimentos,
Francisco A. Monteiro e Souza
2. Resposta do editor Luís Graça:
Data - sexta, 15/07/2022, 10:29
Francisco, obrigado pelo contacto. Sobre o Areolino Cruz (Bafatá, 1944 - Cubucaré, 1965) temos pelo menos 3 referências.(**)
Se não vir inconveniente, gostávamos de poder publicar a sua mensagem. É sempre escassa a informação sobre os homens (guineenses, cabo-verdianos, portugueses, cubanos...) que estiveram "do outro lado" nesta guerra, afinal de contas fratricida...
Francisco, obrigado pelo contacto. Sobre o Areolino Cruz (Bafatá, 1944 - Cubucaré, 1965) temos pelo menos 3 referências.(**)
Se não vir inconveniente, gostávamos de poder publicar a sua mensagem. É sempre escassa a informação sobre os homens (guineenses, cabo-verdianos, portugueses, cubanos...) que estiveram "do outro lado" nesta guerra, afinal de contas fratricida...
O nosso blogue é uma plataforma para a partilha de memórias de todos nós que, ao fim e ao cabo, continuamos a ter a Guiné e a sua gente (e, claro, Cabo Verde) no coração.
Mantenhas. Luis Graça
Termino enviando-lhe um cordial abraço.
Francisco A.Monteiro e Souza.
_____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 26 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23203: O nosso livro de visitas (215): Martin Evison, inglês, em nome da ONGD Action Guinea BIssau, uma "charity" do Reino Unido, criada em 2020, que atua em Catió e Cufar
Mantenhas. Luis Graça
3. Resposta de Francisco A. Monteiro e Sousa:
Data - 16 jul 2022 14h59
Caro Luís Graça,
Muito obrigado pela sua mensagem. Não vejo qualquer inconveniente em publicar a minha mensagem.
Muito obrigado pela sua mensagem. Não vejo qualquer inconveniente em publicar a minha mensagem.
Mais informo que durante a minha estadia no colégio Nuno Álvares,em Tomar, fui colega de vários outros Guineenses, entre eles o João Domingos Gomes,o Eslávio Gomes Correia e os irmãos Inácio e Júlio Semedo [o Inácio Semedo tem 1o referências no nosso blogue], todos eles mais velhos que eu, mas com os quais mantive boas relações. Não sei se ainda estão vivos, mas se ainda o forem, daqui (Açores, onde vivo desde 1979) lhes envio um fraterno abraço.
Francisco A.Monteiro e Souza.
_____________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 26 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23203: O nosso livro de visitas (215): Martin Evison, inglês, em nome da ONGD Action Guinea BIssau, uma "charity" do Reino Unido, criada em 2020, que atua em Catió e Cufar
(**) Sobre o Areolino da Cruz, vd. postes de:
(...) Areolino Cruz, de nome completo: Areolino Lopes da Cruz Júnior, filho de Augusto Lopes da Cruz e de Domingas da Rocha Cruz, nasceu em 14 de Janeiro de 1944 (6.ª feira), em Bafatá. Morreu, como se infere da nossa investigação, em Cubucaré, na Região de Tombali (Cantanhez), entre 17 e 20 de Dezembro de 1965, de acordo com as circunstâncias relatadas no ponto 3 deste texto. (...)
23 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21000: PAIGC - Quem foi quem (13): Areolino Cruz, professor do ensino primário, que alegadamente terá perdido a vida ao tentar salvar os seus alunos durante um bombardeamento, em Cubucaré, em 17 de fevereiro de 1964 (Cherno Baldé / Jorge Araújo)
20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)
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domingo, 17 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23438: Blogpoesia (775): "Ao fim da tarde", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887
Em mensagem do dia 13 de Julho de 2022, o nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68) enviou-nos este seu pema:
AO FIM DA TARDE
Ainda é dia ao fim da tarde
ainda há uma réstia de sol no horizonte
entre o fim do dia e a morte
ainda há uma ponte onde mora o frio
e onde o coração bate
ao som das luminosas águas de um rio.
Não te posso responder a quente senão choro…
o que há muito não acontece.
À margem da realidade
na magia de um sonho impossível que esmorece
nada mais consigo do que estender meu braço
e tocar os dedos da tua mão firme.
Mas tudo muda e resplandece
e se acende dentro de mim
no frágil redemoinho das palavras que disseste
e só a alma entende.
A música sorridente do teu rosto
canta bem fundo na alma nua da utopia
que ilumina a ponte da tristeza e da agonia.
Não saias dos meus olhos
e deixa-te estar um pouco mais
sobre esta ponte do fim da tarde em que ainda é dia
e há uma réstia de sol no horizonte
deliciosa mentira de uma primavera tardia
no castelo sideral da fantasia
onde habito entre os teus olhos e o infinito.
adão cruz
____________
Nota do editor
Último poste da série de 10 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23420: Blogpoesia (774): "Já não entendo este mundo", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887)
AO FIM DA TARDE
Ainda é dia ao fim da tarde
ainda há uma réstia de sol no horizonte
entre o fim do dia e a morte
ainda há uma ponte onde mora o frio
e onde o coração bate
ao som das luminosas águas de um rio.
Não te posso responder a quente senão choro…
o que há muito não acontece.
À margem da realidade
na magia de um sonho impossível que esmorece
nada mais consigo do que estender meu braço
e tocar os dedos da tua mão firme.
Mas tudo muda e resplandece
e se acende dentro de mim
no frágil redemoinho das palavras que disseste
e só a alma entende.
A música sorridente do teu rosto
canta bem fundo na alma nua da utopia
que ilumina a ponte da tristeza e da agonia.
Não saias dos meus olhos
e deixa-te estar um pouco mais
sobre esta ponte do fim da tarde em que ainda é dia
e há uma réstia de sol no horizonte
deliciosa mentira de uma primavera tardia
no castelo sideral da fantasia
onde habito entre os teus olhos e o infinito.
adão cruz
____________
Nota do editor
Último poste da série de 10 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23420: Blogpoesia (774): "Já não entendo este mundo", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887)
Guiné 61/74 - P23437: Nota de leitura (1465): O padre António Vieira (1608-1697), expoente máximo da literatura portuguesa, traduzido em sueco (José Belo)
António Vieira : en högrest gestalt i 1600-talets Portugal, övriga Europa och Brasilien.Inbunden, Svenska, 2020. Författare: Marianne Sandels, António Vieira. 316 kr
António Vieira: uma figura cimeira em Portugal do século XVII, bem como resto da Europa e Brasil. Capa dura, sueco, 2020. Autor: Marianne Sandels, António Vieira. 316 coroas suecas (c. 30,00 euros)
Infografia: José Belo (2022)
António Vieira ägnade en stor del av sitt liv åt att stödja de hårt exploaterade indianerna i Brasilien. Under långa perioder var han emellertid verksam i Europa. Under ett par år i Rom hade han flera olika uppdrag för drottning Christina av Sverige, som där befann sig i exil.
Både Portugal och Brasilien betraktar António Vieira som en av sina nationalförfattare. Poeten Fernando Pessoa har kallat honom för "kejsaren av det portugisiska språket".
(ii) Tradução, do Google e do editor LG:
Por longos períodos, no entanto, ele esteve ativo na Europa. Com alguns anos em Roma, ele teve várias missões diferentes ao serviço da rainha Cristina da Suécia, que estava lá exilada. Tanto Portugal como o Brasil consideram António Vieira um dos seus grandes escritores nacionais. O poeta Fernando Pessoa apelidou-o de "o imperador da língua portuguesa".
Data - terça, 5/07/2022, 17:25
Assunto - Padre António Vieira na Suécia
O Padre António Vieira (Lisboa, 1608 - São Salvador da Baía, 1697) tem agora uma coletânea dos seus textos publicados na Suécia.
“António Vieira-Expoente Intelectual do Século XVII em Portugal, Europa e Brasil “.
O primeiro ao considerá-lo o “Verdadeiro Imperador da língua portuguesa" foi Fernado Pessoa. Saramago, prémio nobel da literatura (em 1998), reconheceu em muito ter sido influenciado pela característica maneira de formular de António Vieira.
Depois de viajar pela Europa em diversas missões diplomáticas, terá sido a estadia em Amsterdão que, após contactos com judeus e cristãos-novos expulsos de Portugal, levou o Padre António Vieira a compreender a verdadeira extensão da perda intelectual, económica e comercial resultante da mesma.
Logo na primeira prédica, após o regresso a Lisboa, surge o “messianismo“ que a partir daí marcaria a sua obra.
Seria um cargo que o levaria a ter conhecimentos de tal modo “inconvenientes” que, a somarem-se à Santa Inquisição que o esperava em Lisboa, seriam…..demasiados!
1. Mensagem de José Belo:
Data - terça, 5/07/2022, 17:25
Assunto - Padre António Vieira na Suécia
Caro Luís
Espero que a saúde esteja bem controlada. Nas nossas idades fico-me pela “ bem controlada”.
Espero que a saúde esteja bem controlada. Nas nossas idades fico-me pela “ bem controlada”.
Vou enviar um texto sobre o tão nosso António Vieira, agora publicado na Suécia.
Nunca é demais referir “os nossos“ quando publicados fora de portas. Serão poucos mas... importantes figuras de referência da cultura europeia!
Um abraço,
Um abraço,
J. Belo
O Padre António Vieira (Lisboa, 1608 - São Salvador da Baía, 1697) tem agora uma coletânea dos seus textos publicados na Suécia.
“António Vieira-Expoente Intelectual do Século XVII em Portugal, Europa e Brasil “.
Tradução de Marianne Sandels que nela refere o interesse de Fernando Pessoa e José Saramago pela obra de António Vieira.
O primeiro ao considerá-lo o “Verdadeiro Imperador da língua portuguesa" foi Fernado Pessoa. Saramago, prémio nobel da literatura (em 1998), reconheceu em muito ter sido influenciado pela característica maneira de formular de António Vieira.
Depois de viajar pela Europa em diversas missões diplomáticas, terá sido a estadia em Amsterdão que, após contactos com judeus e cristãos-novos expulsos de Portugal, levou o Padre António Vieira a compreender a verdadeira extensão da perda intelectual, económica e comercial resultante da mesma.
Logo na primeira prédica, após o regresso a Lisboa, surge o “messianismo“ que a partir daí marcaria a sua obra.
Na “História do Futuro”, o Portugal de António Vieira tem um papel de vanguarda e utopia.
A restauração da grandeza nacional, com a esperança do “sebastianismo “ e de um “Quinto Império", passa a adquirir na obra de Vieira um…..lugar e tempo!
Uma tradição filosófica e literária que a partir daí tem vindo a adquirir as mais diversas formas, não menos as surgidas na obra de Fernando Pessoa.
Sobre o “Quinto Império “ é interessante o comentário de Eduardo Lourenço, quando afirma terem sido as prédicas de António Vieira durante o período Barroco o verdadeiro, e único,
“Quinto Império”de Portugal.
Numa perspectiva sueca, a estadia de António Vieira em Roma está ligada à amizade e admiração intelectual surgida entre este e a rainha sueca Kristina, então a residir em Roma. (Nasceu em Estocolmo, em 1626, morreu em Roma em 1689; foi rainha da Suécia de 1632 até à sua abdicação em 1654, e à sua conversão ao catolicismo; exilada em Roma, a cidade papal, tornou-se mecenas de artistas e escritores.)
Figura muito controversa no norte europeu por ter abandonado a religião Luterana do Reino, abdicado do trono, convertido ao Catolicismo,e fixado ostentosa residência em Roma. Muito próxima do Papa Alexandre VII, Cardeais e Aristocracia romana, Kristina passou a ter um muito importante papel na vida cultural, política e social, num período de mais de três décadas.
A restauração da grandeza nacional, com a esperança do “sebastianismo “ e de um “Quinto Império", passa a adquirir na obra de Vieira um…..lugar e tempo!
Uma tradição filosófica e literária que a partir daí tem vindo a adquirir as mais diversas formas, não menos as surgidas na obra de Fernando Pessoa.
Sobre o “Quinto Império “ é interessante o comentário de Eduardo Lourenço, quando afirma terem sido as prédicas de António Vieira durante o período Barroco o verdadeiro, e único,
“Quinto Império”de Portugal.
Numa perspectiva sueca, a estadia de António Vieira em Roma está ligada à amizade e admiração intelectual surgida entre este e a rainha sueca Kristina, então a residir em Roma. (Nasceu em Estocolmo, em 1626, morreu em Roma em 1689; foi rainha da Suécia de 1632 até à sua abdicação em 1654, e à sua conversão ao catolicismo; exilada em Roma, a cidade papal, tornou-se mecenas de artistas e escritores.)
Figura muito controversa no norte europeu por ter abandonado a religião Luterana do Reino, abdicado do trono, convertido ao Catolicismo,e fixado ostentosa residência em Roma. Muito próxima do Papa Alexandre VII, Cardeais e Aristocracia romana, Kristina passou a ter um muito importante papel na vida cultural, política e social, num período de mais de três décadas.
Nos seus contactos com António Vieira procurou que este se tornasse o seu confessor particular.
Este honroso convite foi ,de forma extremamente diplomática e elegante, recusado pelo mesmo, não interessado em ser arrastado para um ostentoso dia a dia, eivado de intrigas e conflitos palacianos, tanto entre os altos membros do Vaticano, aristocratas romanos, a somarem-se às ambições políticas europeias da Rainha.
Seria um cargo que o levaria a ter conhecimentos de tal modo “inconvenientes” que, a somarem-se à Santa Inquisição que o esperava em Lisboa, seriam…..demasiados!
A Rainha Kristina, que acabou por falecer em Roma, está sepultada (junto aos Papas!) na cripta da Basílica de São Pedro no Vaticano. (Creio ter sido a única mulher que, até hoje, recebeu tal honra).
Um abraço do J. Belo
Um abraço do J. Belo
José Belo, jurista, o nosso camarada luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, (i) tem repartido a sua vida agora entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e os EUA (Key West, Florida; (ii) foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, recusando-se a jubilar-se do cargo: afinal todos os anos pela primavera, corre o boato de que a Tabanca da Lapónia morre para logo a seguir ressuscitar, como a Fénix Renascida; (iii) na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); (iv) é cap inf ref (mas poderia e deveria ser coronel) do exército português; (v) durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; (vi) tem 225 referências no nosso blogue.
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Nota do editor:
Último poste da série > 15 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23432: Notas de leitura (1464): “A primeira coluna de Napainor”, por António S. Viana; Editorial Caminho, 1994 (2) (Mário Beja Santos)
Último poste da série > 15 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23432: Notas de leitura (1464): “A primeira coluna de Napainor”, por António S. Viana; Editorial Caminho, 1994 (2) (Mário Beja Santos)
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Guiné 61/74 - P23436: Parabéns a você (2083): Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-Alf Mil Paraquedista da 1.ª CCP/BCP 21 (Angola, 1970/72)
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Nota do editor
Último poste da série de 13 de Julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23425: Parabéns a você (2082): António Tavares, ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)
Nota do editor
Último poste da série de 13 de Julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23425: Parabéns a você (2082): António Tavares, ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912 (Galomaro, 1970/72)
sábado, 16 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23435: Frase do dia (4): Quer queiramos, quer não, na Guiné era diferente de Angola e Moçambique... É a minha segunda pátria. Confesso que em Mampatá do Forreá sentia-me em casa e ainda hoje tenho lá "ermons", "sobrinhos" e até "filhos". Para outros sou "avô". Até já me ofereceram uma casa para eu ir para lá viver (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)
1. Comentário de José Teixeira ao poste P23429 (*):
(i) ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70);
Quer queiramos, quer não, na Guiné era diferente de Angola e Moçambique. Afirmo isto porque tenho, entre os meus amigos, como todos nós, gente que andou por essas bandas, com quem tenho dialogado.
Quando entrei no barco - O Niassa - para regressar a casa, lembro-me de ter dito cá para mim: "Adeus Guiné para sempre, jamais cá voltarei"... E, passados uns anos, a saudade daquela gente, a beleza daquela terra, começou a atormentar-me. Agora é a minha segunda Pátria.
(ii) um dos históricos do nosso blogue, integrando a Tabanca Grande desde 14/12/2005;
(iii) autor de diversas séries (Estórias do Zé Teixeira; Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado; O meu diário);
(iv) tem 374 referências no nosso blogue: é autor de vários livros, entre contos e poesia, o último dos quais "Palavras que o Vento (E)leva", 2022, 138 pp., edição da Poesia Impossível, a ser lançado em novembro próximo;
(v) um fundadores e régulos da Tabanca Pequena de Matosinhos;
(vi) voltou à Guiné-Bissau por diversas vezes;
(vii) gerente bancário reformado;
(viii) avô babado de três netos;
(ix) mora em São Mamede de Infesta)
Quer queiramos, quer não, na Guiné era diferente de Angola e Moçambique. Afirmo isto porque tenho, entre os meus amigos, como todos nós, gente que andou por essas bandas, com quem tenho dialogado.
O teatro de guerra era pequeno, tanto quanto a "província". A maior parte dos que estavam no interior tinha o seu aquartelamento com tabancas ao lado, ou, como eu, vivia na própria tabanca.
As operações, apesar de duras e violentas, eram de curta duração, na maioria dos casos. Alguns de nós, como eu, passávamos muito tempo na tabanca. A população recebia-nos bem -sabia acolher e conviver.
Confesso que em Mampatá do Forreá sentia-me em casa e ainda hoje tenho lá "ermons" "sobrinhos" e até "filhos". Para outros sou "avô". Até já me ofereceram uma casa para eu ir para lá viver. Todos os dias tenho alguém a pedir-me amizade no FB dizendo-se filho de A, neto de B, etc. De Empada nem tanto porque a tabanca ficava ao lado do quartel e o convívio era menor, mas quando lá estive em 2005, 2011 e 2013 fui reconhecido, bem recebido e mimado.
Quando entrei no barco - O Niassa - para regressar a casa, lembro-me de ter dito cá para mim: "Adeus Guiné para sempre, jamais cá voltarei"... E, passados uns anos, a saudade daquela gente, a beleza daquela terra, começou a atormentar-me. Agora é a minha segunda Pátria.
Ainda há dias, filha do Chefe de tabanca de Mampatá, e creio que à data Régulo do Forreá, esposa do atual Régulo de Contabane, ao chegar a Lisboa, me telefonou para saber com estou e a minha "senhora" e para nos encontrarmos em breve.
Zé Teixeira
Zé Teixeira
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Nota do editor:
(*) Vd. poste de 14 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23429: Frase do Dia (3): Na verdade, nós saímos da Guiné, mas a Guiné não sai de nós (José Martins, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70)
(*) Vd. poste de 14 de julho de 2022 > Guiné 61/74 - P23429: Frase do Dia (3): Na verdade, nós saímos da Guiné, mas a Guiné não sai de nós (José Martins, ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70)
Guiné 61/74 - P23434: Os nossos seres, saberes e lazeres (512): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2022:
Queridos amigos,
Não tinha a veleidade de numa semana percorrer de fio a pavio a minha ilha mágica, condicionei-me a andar a saltitar por localidades da costa sul e a acantonar-me nas Furnas, aqui larguei a âncora. Mas não faltou vontade de rever os Arrifes, em cujo quartel dei duas recrutas. Num outro passeio percorri São Vicente Ferreira e Fenais da Luz, ficara-me a lembrança dos crosses durante as ditas duas recrutas. Aqui ficam as imagens de locais esplendorosos como os Mosteiros e a Lagoa das Furnas, e deixa-se o aviso aos amantes da Natureza que o Parque Terra Nostra, em frondosa primavera, está mais belo do que nunca.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4
Mário Beja Santos
São dias conduzidos ao sabor da memória, feita a deambulação por Ponta Delgada, houve lembranças dos primeiros passeios dados, logo uma ida de autocarro até à Lagoa das Sete Cidades, carreira com horário estranho, partiu-se ao despontar da manhã, e só havia regresso a meio da tarde, o mais grave era não se encontrar um sítio para amesendar, houve que pedir de mão estendida a alguém que fizesse uns ovos mexidos com linguiça, o turismo então era miragem fora da cidade, das povoações mais habitadas, havia o Hotel São Pedro e o das Furnas, locais para comer com tradições, o bife do Alcides, uns recantos panorâmicos para saborear as lapas com molho Afonso, e uns passarinhos da Ribeira Grande. Décadas depois, tudo mudara. Tinha saudades dos Mosteiros, daquele mar bravio inextinguível, o dia estava ensolarado, era promissor de águas azuladas, como se confirmou. Na Avenida, subi para o autocarro em direção aos Mosteiros, é aquele belo percurso da costa sul, revi Feteiras, Candelária, Ginetes, tive pena de não ir à Ponta do Escalvado, mas era dos Mosteiros que eu queria matar saudades, como mais tarde irei noutra carreira até João Bom, enfim, havia também lembranças da Bretanha. Saio da viatura e inicio a peregrinação, a beleza do mar e depois os Mosteiros, há grandes mudanças neste mais de meio século, é ponto de turismo, estamos a cerca de 30 km de Ponta Delgada, talvez a Freguesia tenha mais de mil habitantes, deve para aqui haver muita casa secundária, hei de comer um peixinho com alemães, franceses e ingleses à volta. Mas, entretanto, ando de olhar lavado pela ponta dos Mosteiros e a avistar os ilhéus.
Regresso a Ponta Delgada e vou até São Pedro, aproveito para prestar homenagem a Roberto Ivens que aqui nasceu, sigo para a igreja barroca posta em lugar ermo, é um dos mais ricos templos religiosos dos Açores, veja-se aquela talha dourada, a pintura do teto, foi pena ter começado a faltar a luz para não poder captar em todo o seu colorido um belo quadro de Pedro Alexandrino de Carvalho intitulado O Pentecostes.
Sigo agora para a cidade da Lagoa, aqui vim há mais de meio século comprar louça, e aproveito toda e qualquer circunstância para aqui me sentar à mesa, há repastos deliciosos. É nisto que dou com um monumento dedicado aos combatentes, aproximo-me e vejo que há referências de camaradas que tombaram na Guiné. E curvo-me respeitosamente na sua memória.
Impunha-se agora dar uma certa ordem à vagabundagem, já saltitei por aqui e por acolá, vou agora estacionar nas Furnas, enveredo por um passeio pedestre, não chega a 10 km, não tinham conto as saudades de percorrer esta lagoa, começa-se pela subida ao longo da vila, passa-se perto da Poça da Dona Beija, segue-se em direção ao Pico do Milho, a vista que aqui se desfruta é de estalo, segue-se estrada fora em direção à Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, uma construção neogótica que se deve a José do Canto, insere-se este templo religioso na Mata Jardim do mesmo José do Canto, temos na berma da estrada a Casa dos Barcos, mais à frente avista-se o Centro de Monitorização e Investigação das Furnas, tem-se a contemplação da maior araucária classificada da Europa. A partir de agora anda-se em caminho de terra plano, é uma esplendorosa passeata até ao Recinto das Caldeiras. Começam a chegar autocarros de turismo, vêm desfrutar a atividade geotermal e ver enterrar ou desenterrar o cozido tradicional preparado com o calor interno do vulcão das Furnas. Aqui faz-se uma pausa, ainda há muito para palmilhar, ganha-se coragem e caminha-se para o Miradouro do Pico do Ferro, há que ter cuidado com o trânsito, encontra-se depois um caminho que nos vai levar ao centro da freguesia, já estou a aguar, quero ir comer o cozido ao Miroma, a primeira vez que aqui estive foi almoço com o Melo Bento e o José Medeiros Ferreira, meteram-me numa boa encrenca, fazer uma conferência no Ateneu Comercial de Ponta Delgada, acabou tudo em bem, houve gente que me quis conhecer, não esqueço um jantar memorável em casa do Dr. Armando Côrtes-Rodrigues, tive direito a receber livros autografados.
Vou passar a tarde no Parque Terra Nostra, que saudades, Deus meu! Vou partilhar convosco algumas das imagens deste cenário idílico, cada vez que o visito o parque deslumbramento é permanente, são constantes as surpresas deste mundo florar com espécies de todo o mundo.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23418: Os nossos seres, saberes e lazeres (511): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (58): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 3 (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Não tinha a veleidade de numa semana percorrer de fio a pavio a minha ilha mágica, condicionei-me a andar a saltitar por localidades da costa sul e a acantonar-me nas Furnas, aqui larguei a âncora. Mas não faltou vontade de rever os Arrifes, em cujo quartel dei duas recrutas. Num outro passeio percorri São Vicente Ferreira e Fenais da Luz, ficara-me a lembrança dos crosses durante as ditas duas recrutas. Aqui ficam as imagens de locais esplendorosos como os Mosteiros e a Lagoa das Furnas, e deixa-se o aviso aos amantes da Natureza que o Parque Terra Nostra, em frondosa primavera, está mais belo do que nunca.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4
Mário Beja Santos
São dias conduzidos ao sabor da memória, feita a deambulação por Ponta Delgada, houve lembranças dos primeiros passeios dados, logo uma ida de autocarro até à Lagoa das Sete Cidades, carreira com horário estranho, partiu-se ao despontar da manhã, e só havia regresso a meio da tarde, o mais grave era não se encontrar um sítio para amesendar, houve que pedir de mão estendida a alguém que fizesse uns ovos mexidos com linguiça, o turismo então era miragem fora da cidade, das povoações mais habitadas, havia o Hotel São Pedro e o das Furnas, locais para comer com tradições, o bife do Alcides, uns recantos panorâmicos para saborear as lapas com molho Afonso, e uns passarinhos da Ribeira Grande. Décadas depois, tudo mudara. Tinha saudades dos Mosteiros, daquele mar bravio inextinguível, o dia estava ensolarado, era promissor de águas azuladas, como se confirmou. Na Avenida, subi para o autocarro em direção aos Mosteiros, é aquele belo percurso da costa sul, revi Feteiras, Candelária, Ginetes, tive pena de não ir à Ponta do Escalvado, mas era dos Mosteiros que eu queria matar saudades, como mais tarde irei noutra carreira até João Bom, enfim, havia também lembranças da Bretanha. Saio da viatura e inicio a peregrinação, a beleza do mar e depois os Mosteiros, há grandes mudanças neste mais de meio século, é ponto de turismo, estamos a cerca de 30 km de Ponta Delgada, talvez a Freguesia tenha mais de mil habitantes, deve para aqui haver muita casa secundária, hei de comer um peixinho com alemães, franceses e ingleses à volta. Mas, entretanto, ando de olhar lavado pela ponta dos Mosteiros e a avistar os ilhéus.
Regresso a Ponta Delgada e vou até São Pedro, aproveito para prestar homenagem a Roberto Ivens que aqui nasceu, sigo para a igreja barroca posta em lugar ermo, é um dos mais ricos templos religiosos dos Açores, veja-se aquela talha dourada, a pintura do teto, foi pena ter começado a faltar a luz para não poder captar em todo o seu colorido um belo quadro de Pedro Alexandrino de Carvalho intitulado O Pentecostes.
Sigo agora para a cidade da Lagoa, aqui vim há mais de meio século comprar louça, e aproveito toda e qualquer circunstância para aqui me sentar à mesa, há repastos deliciosos. É nisto que dou com um monumento dedicado aos combatentes, aproximo-me e vejo que há referências de camaradas que tombaram na Guiné. E curvo-me respeitosamente na sua memória.
Impunha-se agora dar uma certa ordem à vagabundagem, já saltitei por aqui e por acolá, vou agora estacionar nas Furnas, enveredo por um passeio pedestre, não chega a 10 km, não tinham conto as saudades de percorrer esta lagoa, começa-se pela subida ao longo da vila, passa-se perto da Poça da Dona Beija, segue-se em direção ao Pico do Milho, a vista que aqui se desfruta é de estalo, segue-se estrada fora em direção à Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, uma construção neogótica que se deve a José do Canto, insere-se este templo religioso na Mata Jardim do mesmo José do Canto, temos na berma da estrada a Casa dos Barcos, mais à frente avista-se o Centro de Monitorização e Investigação das Furnas, tem-se a contemplação da maior araucária classificada da Europa. A partir de agora anda-se em caminho de terra plano, é uma esplendorosa passeata até ao Recinto das Caldeiras. Começam a chegar autocarros de turismo, vêm desfrutar a atividade geotermal e ver enterrar ou desenterrar o cozido tradicional preparado com o calor interno do vulcão das Furnas. Aqui faz-se uma pausa, ainda há muito para palmilhar, ganha-se coragem e caminha-se para o Miradouro do Pico do Ferro, há que ter cuidado com o trânsito, encontra-se depois um caminho que nos vai levar ao centro da freguesia, já estou a aguar, quero ir comer o cozido ao Miroma, a primeira vez que aqui estive foi almoço com o Melo Bento e o José Medeiros Ferreira, meteram-me numa boa encrenca, fazer uma conferência no Ateneu Comercial de Ponta Delgada, acabou tudo em bem, houve gente que me quis conhecer, não esqueço um jantar memorável em casa do Dr. Armando Côrtes-Rodrigues, tive direito a receber livros autografados.
Vou passar a tarde no Parque Terra Nostra, que saudades, Deus meu! Vou partilhar convosco algumas das imagens deste cenário idílico, cada vez que o visito o parque deslumbramento é permanente, são constantes as surpresas deste mundo florar com espécies de todo o mundo.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23418: Os nossos seres, saberes e lazeres (511): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (58): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 3 (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P23433: In Memoriam (439): Morreu o ex-alf mil Pina Cabral (de seu nome completo, Mário Daniel de Pina Cabral Silva), comandante do 4º Gr Comb, CART 2479 / CART 11 (Contuboel e Nova Lamego, 1969/70) (Valdemar Queiroz)
Nazaré > 26 de maio de 2018 > 28º Convívio da CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus" (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/71) > O último adeus do Pina Cabral, ex-alf mil da CART 2479. Esteve connosco em Contuboel e Nova Lamego, já não foi para Paúnca, sendo evacuado para Bissau, por motivo de doença.
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2022).. Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Lourinhã > Vimeiro > 25º Convívio da CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus" (Contuboel, Nova Lamego, Piche, 1969/70) > 30 de maio de 2015 > Da direita para a esquerda, o Pinheiro e o Pina Cabral.
Segundo informação do Abílio Duarte, ex-fir mil, o Pina Cabral foi o comandante do Umaru Baldé, durante a instrução no CIMC - Centro de Instrução Militar de Contuboel. O Umaru escreveu-lhe diversas cartas. E foi com uma carta de recomendação do Pina Cabral que ele conseguiu chegar a Portugal em 15/4/1999, para aqui morrer meia dúzia de anos depois. (*)
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz & Renato Monteiro (2015). Todos os direitos rservados (Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Nelas > Canas de Senhorim > 31 de maio de 2014 > 24º convívio da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/71) > A referir nesta foto o 4º. Pelotão, com o ex-alf mil Pina Cabral sentado, mais o Valdemar Queiroz; à esquerda o ex-1º cabo Altino, mais o Manuel Macias, o Abílio Duarte Pinto, o Aurélio e a ainda o ex-fur mil trms Silva.
Foto (e legenda): © Abílio Duarte (2014). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Bissau > Brá > 26 de fevereiro de 1969 > Desfile da CART 2479, com o alf mil Pina Cabral à frente.
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2022).. Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > 4º Gr Comb > Junho de 1970 > Ao centro, na primeira fila, de pé, o alf mil Pina Cabral, de camuflado e cachimbo, à sua esquerda o fur mil Valdemar Queiroz. A foto é da máquina do Pina Cabral. (**)
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]
Data - 15 jul 2022, 17:29
Assunto - Morreu o ex-alf mil Pina Cabral
Luís Graça, é uma chatice.
Data - 15 jul 2022, 17:29
Assunto - Morreu o ex-alf mil Pina Cabral
Luís Graça, é uma chatice.
Morreu mais um camarada da guerra na Guiné, o meu 'Alfero Pina' (Foto à direita, em Brá, 26/2/1969). (***)
O Mário Daniel de Pina Cabral Silva, julgo que natural de Vila Nova de Gaia, foi o alferes miliciano comandante do meu Pelotão.
- Queiroz estamos lixados, agora é que chegámos à Guiné - , disse-me ele quando chegou, junto do navio "Timor", uma pequena lancha com os pilotos de barra muito pretos.
Creio que a partir desse momento nosso 'Alfero Pina' começou logo a ficar doente e nunca mais teve melhoras.
O 'Alfero Pina', assim tratado pelos soldados fulas, ainda se foi aguentando com umas poucas saídas para o mato, mas eu ou o Macias fomos na maioria das operações os comandanstes. do 4º Pelotão. Ele veio evacuado para Bissau e já não foi connosco para Paunca.
O 'Alfero Pina' era a empatia em pessoa e o cúmulo do miliciano em todo o seu procedimento no tempo que passámos na guerra da Guiné.
Costumávamos falar ao telefone e ultimamente telefonava da Casa de Saúde onde estava internado mas mal conseguia falar. Sempre nos demos muito bem, sem, antes, nunca nos termos conhecido.
Grande amante da fotografia, tinha um grande espólio (slides?) da Guiné e dos Encontros Anuais da Companhia.
A última vez que estivemos juntos foi no Encontro Anual da Companhia em 26 de maio de 2018, na Nazaré.
Por favor, um minuto de silêncio! Os meus sentimentos à sua filha e restante família. Havemos de nos encontrar.
Valdemar Queiroz
_____________
Notas do editor:
(*) 27 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16530: (In)citações (101): As outras cartas da guerra... Do Umaru Baldé, da CART 11 e CCAÇ 12, para o Valdemar Queiroz (Parte III): E a propósito...o Umaru Baldé e o Luís Cabral que eu conheci... Eventualmente por uma diferença de alguns anos não se encontraram, no "terminal da morte" que era então o Hospital do Barro, em Torres Vedras, a vítima (Umaru Baldé, c. 1963-2004) e o carrasco (Luís Cabral, 1931-2009) (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)
sexta-feira, 15 de julho de 2022
Guiné 61/74 - P23432: Notas de leitura (1464): “A primeira coluna de Napainor”, por António S. Viana; Editorial Caminho, 1994 (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2019:
Queridos amigos,
Dir-me-ão que "A primeira coluna de Napainor" tem qualidade, onda imaginativa, está muito bem organizado, mas não nos faz subir ao Sétimo Céu. Respondo que nos faz sempre bem ler romances-testemunho plenos de vibração, relevando aqueles aspetos da intelectualidade dos jovens da nossa geração que sobraçavam Camus à procura de soluções espirituais, isto numa atmosfera de caserna, subindo e descendo ravinas, em pleno Planalto dos Macondes. É um romance que vou guardar, até para homenagem que este alferes disfarçado de romancista presta aos seus soldados, a coragem em revelar-nos todas as suas dores, inquietações e medos. É uma muito boa literatura que vai ficar, tempos virão para joeirar o prestável do imprestável, na literatura da guerra colonial.
Um abraço do
Mário
A primeira coluna de Napainor, por António S. Viana (2)
Beja Santos
É com satisfação que vos venho falar de uma obra de ficção passada no teatro moçambicano, “A primeira coluna de Napainor”, por António S. Viana, Editorial Caminho, 1994. Um livro bem urdido, imaginativo na organização, homenageando um punhado de jovens oficiais milicianos, cúmplices nas leituras, alardeando experiência da teia de solidariedades próprias de quem anda pelo mato e convive com os horrores da guerra. É um processo de escrita onde se usa o difuso e o genérico, jamais saberemos qual a unidade militar a que eles pertencem, os locais que percorrem, os nomes dos quartéis por onde estacionam. Fazem operações, entram em aldeias, encontram uma velha esquálida, apanham animais, aqui surge a primeira metáfora do livro, Álvaro empunha a máquina fotográfica, é simbolicamente o guardador do tempo, um autoproposto cronista daquela unidade militar que anda pelo Planalto dos Macondes, surgem os nomes e as alcunhas, o Picareta, o Tristezas, o Padeiro, o Alminhas, o Risota, o Jigas, o Galego, o Pau de Burro. Um dos alferes escreve um diário, ele é adjunto do comandante de operações em Arduz, sabemos que a atividade da guerrilha se intensificou, a resposta é incendiar as palhotas em aldeias de duplo controlo. As relações com os missionários estrangeiros são tensas.
O leitor é facilmente capturado pela vivacidade das descrições:
“Um vulto passou a correr à frente da viatura, procurando desembaraçar-se da arma, praguejando e saltando como se estivesse no circo. Álvaro bateu no vidro e chamou mas o soldado desapareceu no mato. Um cortejo de abelhas seguia-lhe o rasto, como uma cauda monstruosa. Depois, dos lados do Unimog, apareceram mais soldados numa estranha dança sem sentido. Os que traziam panos de tenda ou capas de camuflado procuravam defender-se, embrulhando-se em gestos desajeitados.
Então Álvaro puxou da máquina e começou a disparar. Punha-se de pé, quase encostado ao teto, deitava-se no volante, encostava a objetiva ao vidro e ia disparando, procurando apanhar os homens nas posições mais insólitas, nos ângulos mais difíceis, encobertos, a agredirem-se a si próprios em esgares de dor, de cabeça perdida pedindo água, sumindo-se no mato”.
O sargento Leónidas é outra metáfora, um militarão que não se conforma com o “humanismo” do alferes, chamado Var. Há uma figura viscosa em Arduz, o tenente Baleia, compete-lhe fazer interrogatórios, tem gosto que saibam que é torcionário, diz a quem o quer ouvir que os pretos são preguiçosos, traiçoeiros e mal-agradecidos, só obedecem ao chicote. E chegamos à terceira metáfora, a estranhíssima deserção do alferes Caciz, anda fugitivo e quando é encontrado declama Camões, tudo num despropósito que torna todo aquele encontro e regresso ao quartel uma espantosa peça de absurdo, é um Camões que parece anunciar o todo e qualquer falta de sentido naquelas andanças da guerra. Há cortejos de leprosos, intermináveis deslocações, uma crescida tensão entre Leónidas e Var, cada vez mais dependente do álcool. Há cartas deixadas no mato por gente da Frelimo, continua-se a incendiar aldeamentos, surge um capelão lúbrico, os amigos alferes têm desavenças, trocam palavras ásperas, é numa delas que alguém clama: “Tu querias que um povo como nós, que fez da Índia, da África e do Brasil razões de sobrevivência no corpo e na alma, fechasse essa página da história sem que o absurdo, o sofrimento e até o ridículo se instalassem?”. Inevitavelmente, naquele fim do mundo há o administrador Fonseca que procura decidir a vida de toda a gente e não esconde o desprezo que sente pelos administrados. Anda-se a tentar recuperar populações, é essa a principal missão da Companhia 333, no intervalo faz operações, Var, que tem sonhos endemoninhados, acorda sempre aos gritos nas noites passadas no mato.
E é numa dessas operações que tem lugar um dos mais belos textos deste romance:
“Veio sorrateiro como um gato. Dobrou a beira da encosta para o planalto, escondeu-se atrás de um arbusto e abocanhou o cão, escapando-se ribanceira abaixo. Porém, o Picareta viu-o.
O soldado ouviu um restolhar no capim, logo seguido de um latido abafado. Era o cãozinho do capitão. O rafeiro instalara-se na mercedes à saída de Malavala, sem ninguém dar por ele, e viajara com o pelotão para Napainor. O soldado procurou-o entre os arbustos, intrigado com o que se passava.
Uma espécie de gato grande, com manchas, tinha filado o cão e começava a descer a ravina. O soldado aproximou-se o suficiente para apontar a arma e ferrar-lhe dois tiros. O rugido de dor surpreendeu-o. Mas o bicho desapareceu no horizonte, entre o mato cerrado e os arbustos de pequeno porte. ‘O sacana do gato estava mesmo a pedir’, pensou o Picareta, metendo-se encosta abaixo.
Via as marcas das patas desenhadas no chão molhado da chuva e seguiu-as, tentando enxergar para além da vegetação. O ar da manhã abrira-lhe o apetite, mas decidiu que não ia deixar o gato banquetear-se com o Dick. O capitão havia de lhe agradecer. Dobrou a curva da picada estreita por onde seguia e avistou-o de novo, uns trinta metros à frente, a olhar para trás, antes de desaparecer no mato.
Quando, momentos depois, o leopardo lhe saltou para cima, do meio de uns arbustos, foi apanhado de surpresa, a FN voou-lhe, com uma patada, para dez metros de distância e foi ao chão, empurrado pelo peso do felino. Agarrou-se-lhe ao pescoço com ambas as mãos e apertou quanto pôde, mas o bicho abocanhara-lhe o braço. Sentia-lhe os dentes a furarem-lhe a pele e as garras a arrancarem-lhe o couro-cabeludo. ‘Merda, anda um gajo na guerra para ser morto por um gato’. Conseguiu passar-lhe o braço à volta do pescoço e tentou voltar-se, espetando os seus próprios dentes no cachaço do bicho, enquanto procurava estrangulá-lo.
Já durava há um século aquele combate desigual, quando ouviu tiros mesmo ao pé. O 48 saltava desesperadamente, procurando uma aberta entre homem e leopardo para puxar o gatilho.
- Sai de cima do animal que eu quero disparar – gritou o cabo.
O Picareta ouviu-lhe os berros, mas não largou o pescoço do felino. O 48 já tinha despejado mais de metade do carregador da FN, mas nenhuma bala atingira pontos vitais e temia ficar sem munições antes de conseguir matar o leopardo. Continuou aos saltos e a disparar, sempre que conseguia fazê-lo sem perigo de atingir o companheiro. Conseguiu enfiar-lhe a última bala por entre as goelas. Então a fera largou a presa e levantou a cabeça em busca do novo inimigo antes de, com um rugido fraco, cair inanimado.
O Picareta, sem se aperceber de que o perigo passara, continuava agarrado ao leopardo. A pele da cabeça, ensanguentada, caía-lhe sobre os olhos. O braço direito tinha sulcos de centímetros de fundura, o ombro esquerdo estava descarnado e o camuflado rasgado em vários sítios.
- Era o que faltava que este cabrão deste gato me matasse – gritou para o outro, procurando afastar a cortina de pele e sangue que não o deixava ver”.
Aproxima-se o fim de um ano de comissão lá naquele duríssimo ponto do planalto. A obra terminará com a narrativa do que se supõe ter sido o drama dos últimos dias de José Bação Leal, morto por negligência médica. Manipulando um encadeamento entre os dramas pessoais que atravessavam aqueles jovens alferes, o desnudamento do inferno da guerra, há episódios coloridos de pincelada etnográfica e etnológica que tornam toda esta trama narrativa um regalo para os olhos. Por isso termina com a descrição de um batuque, primorosos parágrafos:
“Centenas de autóctones dividiam-se em duas filas, cujo vértice concentrava alguns tocadores com timbales, pauzinhos de madeira, tambores e outros instrumentos que, de vez em quando, percutiam. Um deles segurava um pequeno tambor, com uma ressonância aguda, que de vez em quando tocava energicamente, fazendo as filas moverem-se como a cauda de um lagarto.
As mulheres, vestidas com panos vistosos, e alguns homens, com campainhas nos tornozelos, turbantes na cabeça ou penas de aves enroladas nas pernas, coloriam este mapiko (dança maconde) a que os soldados em tronco nu davam um tom insólito. Perto dos tocadores, o barril de vinho era destapado, frequentemente, por dois sipaios, que davam a beber a ‘água de Lisboa’ em duas pequenas conchas. Aguardava-se a chegada do mascarado, que a determinada altura saiu do mato e entrou no meio das filas, correndo atrás das mulheres que fugiram espavoridas.
Vinha vestido com peças de tecido camuflado amarradas com cordas e, ao peito, trazia um conjunto de chocalhos. Da máscara pendiam peças de pano, de tal maneira que não era visível nenhuma parte do seu corpo. Depois de correr atrás das mulheres estacou, entre as duas filas, enquanto a assistência corria de um lado para o outro, gritando e rindo. Depois, subitamente, o tambor pequeno soou e o mascarado encetou uma dança rapidíssima, voltando a imobilizar-se. Fez isto mais quatro ou cinco vezes, antes de desaparecer de novo. Então as duas filas começaram a desfazer-se e toda a gente começou a dançar”.
Um belíssimo testemunho em literatura de guerra, a vibração de quem andou a combater no áspero Planalto dos Macondes.
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Nota do editor
Último poste da série de 11 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23421: Notas de leitura (1463): “A primeira coluna de Napainor”, por António S. Viana; Editorial Caminho, 1994 (1) (Mário Beja Santos)
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