domingo, 6 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23767: Efemérides (375): Faria hoje 78 anos, se fosse vivo, o nosso querido "alfero Cabral", de seu nome completo Jorge Pedro Almeida Cabral (1944-2021)...

1. O nosso querido amigo e camarada 
Jorge Cabral (Lisboa, 1944 - Cascais, 2021) faria hoje 78 anos, se fosse vivo (*).

Recorde-se o seu percurso de vida: jurista, advogado de barra, docente universitário,  ex-alf mil at art, cmdt Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, setor L1, Bambadinca, 1969/71. Foi nomeadamente durante 4 décadas professor de direito penal, no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa e depois na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. 

É autor, entre outras obras, de "Estórias Cabralianas", vol. I, ed José Almendra, 2020, 144 pp. Muitas alunas e alunos, amigos e amigos, além de camaradas de armas, o recordam com muita saudade. 

Reproduzimos aqui uma pequena amostra das mensagens que lhe deixaram neste dia, na sua página do Facebook. E voltamos a reproduzir uma das suas deliciosas "estórias cabralianas" (**), a nº 74, que ele, todavia, não selecionou para o 1º volume. Muito provavelmente iria incluí-la no II volume, que tinha em preparação ou praticamente concluído quando a doença e depois a morte o surpreenderam. 

O "alfero Cabral cá mori"...  Fisicamente, morreu, mas continua bem presente na nossa memória e no nosso coração. Há um ano atrás, havíamos-lhe escrito o seguinte (***): 

(...) Faz hoje anos, porém está doente (...). Continua a ser uma das estrelas da nossa Tabanca Grande.  

(...) Mestre do microconto, da "short story", senhor de uma ironia fina, é responsável por alguns dos melhores postes que aqui fomos publicando, entre 2006 e 2016. É pena, porém, que os "mais novos", os "periquitos" da Tabanca Grande, não o conheçam. De há meia dúzia de anos a esta parte, foram rareando as "estórias cabralianas", série que chegou quase à centenas de postes.

Fazendo votos para que o "alfero Cabral" ainda tenha forças, saúde, coragem, motivação e o tal "grãozinho de loucura" que dá pica à vida, para publicar o seu prometido 2º volume das "estórias cabralianas" (infelizmente o seu editor também adoeceu, entretanto), republicamos hoje, em dia de festa, um das "pérolas literárias" com que em tempos nos brindou (e que está no seu livro, é a estória nº 17) (...). 



Professor, espero que esteja a passar um bom dia de aniversário celestial e que tenha o descanso merecido por todo o contributo que deu para o ensino e por ter marcado tantas vidas, "tantas almas peregrinas". Sinto-me grata por tê-lo conhecido e por sido sua aluna. Se houver internet aí no céu envie-nos um email para sabermos de si. Beijinhos e um forte abraço

(ii) Mariia Manuel Jácomo

Há dias que não podemos esquecer um amigo virtual...! Para a Eternidade que está toda iluminada e em festa , que chegue esta minha pequena homenagem de Parabéns.
06.11.2022


Oh! Alma peregrina! Hoje é o seu dia Mestre Jorge Almeida Cabral e recordo-o com saudades mas sobretudo por tanto que ficou por dizer e por fazermos Professor.

{ Gritam e vociferam - "Abaixo a Lei! Fora o Direito! Morra o Professor!"
Tento intervir e, nada! O fogo alastra e ardem-me as barbas! Balbucio timidamente - Oh! Almas! O Direito também é uma ciência oculta! }


(iv) Ana Margarida Esteves Candeias

Saudades suas! Um grande beijinho onde quer que esteja. Oh Alma… 


Um grande beijinho para o Céu, querido Professor! Único e insubstituível!!

(vi) Mónica Santos

Podemos não cortar a rua para celebrar a “ressurreição”, como combinado há um ano atrás na festa de aniversário improvisada, mas o eterno professor Jorge Almeida Cabral estará sempre nas memórias e esteja onde estiver certamente estará em festa e a celebrar a pessoa, o docente e as boas memórias que nos deixa a tod@s.



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) >  Missirá > 1971 > Pel Caç Nat 63 > Os furriéis milicianos do "alfero Cabral": da esquerda para a direita, Pires, Branquinho e Amaral, o saudoso Amaral. O António Branquinho é irmão do Alfredo Branquinho, membro da nossa Tabanca Grande.

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].

2. Estórias cabrailanas > Danado para as cúpulas ? 

por Jorge Cabral (1944-2021)


 – Branquinho, eu era danado para as cúpulas ? –  perguntei-lhe um dia destes, porque  habitualmente me socorro da sua memória. 

Ainda há meses, logo depois do almoço da CCS do BArt 2917, em Guimarães, no qual contaram tantas estórias do meu  Missirá, tive de procurar confirmação junto dele. Praticamente eram todas invenções, pois também têm direito…

A esta questão, o Branquinho nem soube responder.

Cúpulas ? Quais cúpulas?

Lá lhe relatei o encontro com o Belmiro, um rapaz dos  Morteiros, que esteve connosco largos meses. Vinha com um cunhado e a certa altura  afiançou-lhe:

Aqui o Alferes era danado para as cúpulas!

Não percebi. Sorri e concordei:

– Pois era !  mas a expressão não me saiu da cabeça.

Danado para as cúpulas? Matutei, matutei e penso que descobri.

Em Missirá, a mesa das refeições servia também de secretária, na qual escrevíamos  as nossas cartas e aerogramas. No início até me pediam para escrever às namoradas. Mas depois da má experiência, documentada na estória “O Básico Apaixonado”, passei a funcionar como uma espécie de Ciberdúvidas [da Língua Portuguesa]:

 – Meu Alferes,   como se escreve isto? Meu Alferes como se escreve aquilo?

Ora, uma tarde o Belmiro perguntou-me:

– Meu Alferes, f…..é com u ou com o?

– Mas para quem estás a escrever? Põe copular, é assim que se diz.

Não sei se seguiu o meu conselho. A carta era para o irmão e certamente o Belmiro  gabava-se das suas proezas sexuais.

Mais de quarenta anos depois deve ter relembrado a palavra.

– Mas atenção,  Belmiro, como  a outra, esta também se escreve com um o.

Bem, aqui entre nós, o ou u não interessa mesmo nada. Até porque é bem melhor de fazer do que de escrever…

Jorge Cabral

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Notas do editr:

(*) Último poste da série > 1 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23754: Efemérides (374): No Dia de Finados, lembremos os/as amigos/as e camaradas que já deixaram a Terra da Alegria, ao longo dos 18 anos de existência do nosso blogue: 127, ou seja, cerca de 15% de um total de 866


(***) Vd.. poste de 6 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22693: Antologia (79): "Alfero Cabral", oficial e cavalheiro... ou o último dos românticos do império (Jorge Cabral, autor de "Estórias cabralianas", 1º volume, 2020)

Guiné 61/74 - P23766: Lembrete (43): É já no próximo dia 12 de Novembro que vai ser lançado o livro de poemas "Palavras que o vento (E)leva", da autoria do nosso camarada José Teixeira, no Centro Cultural de Leça do Balio, às 16h30, com apresentação do Dr. José Almeida da Silva


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 5 de Novembro de 2022.

Meus bons amigos editores
Abusando da vossa bondade, pedia o favor de, se possível, colocarem esta lembrança no nosso blogue sobre o lançamento do meu livro de poesia.
Junto um poema que pode ser incorporado.

Fraterno abraço do
zé teixeira



O mundo em que vivemos

Gostava de saber quem sou,
Saber de onde venho,
Conhecer o caminho para onde vou.
Ser eu, ser livre…
E não sou,
Poder falar, gritar, chorar,
Sorrir, brincar…
Pensar…
Pensar e agir…
Agir em consciência, sem pressões ou constrangimentos,
Nem julgamentos.
Mas a minha vida parece um circo…
Apresento, represento, faço vénias, sorrisinhos
Aparento…
Aparento o que não quero, e não gosto de ser!
Sim. Sou um macaquinho de imitação,
– Para não cair no ridículo…
– Para que me deem atenção.
Tenho ideias,
Grandes ideias…
Talvez… pequenas, sábias, inconsistentes
Talvez incongruentes,
Concretas, porque não?!
São ideias, propostas, projetos, sonhos, opiniões
Fantasias, devaneios, aspirações…
Crivadas!...
Crivadas pelo medo da ambiência.
O crivo da sociedade critica, abafa, empurra…
Isola, manieta, exclui…
Destrói…
Em lume brando… lenta paciência.

Desde o nascimento me ensinaram que não vivo sozinho
Vivo com eles e para eles…
Vivo para o sistema!
Prá sociedade que me dá tudo e nada,
A sociedade que me condena
Se não faço o que ela me ordena
E não me deixa ser quem sou…
E de tão subtil que é,
Neste circo animado,
Conduze-me por caminhos que não os meus,
E eu sigo-a como um camelo amestrado.


José Teixeira

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23701: Lembrete (42): Amanhã, dia 13 de Outubro, pelas 17h00, apresentação do livro "Rua do Eclipse", de Mário Beja Santos, a levar a efeito no Salão Nobre do Palácio da Independência, Largo de São Luís, em Lisboa

Guiné 61/74 - P23765: Dando a mão a palmatória (34): nas nossas cartas militares, na escala de 1/50.000, cada centímetro corresponde a 500 metros... (e não a 1 km)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Bambadinca era sede de posto administrativo e tinha correios, telégrafo e telefone, além de um posto sanitário ("missão do Sono")... Era, além disso, um importante porto fluvial. Era banhado pelo caprichoso Rio Geba (ou Xaianga). Até 1968 as LDG da Marinha chegavam até lá... Depois, já em 1969, ficavam-se pelo Xime... De Bambadinca a Bafatá (cerac de 30 km) a estrada era já alcatroada...no meu tempo (1969/71). (LG)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).







Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

1.  Já aqui deixámos expresso por escrito, mais do que uma vez, a nossa admiração por (e prestámos a nossa homenagem a) os nossos cartógrafos militares a que devemos as extraordinárias cartas da Guiné Portuguesa dos anos 50. 

Não brincavam em serviço, esses nosso cartógrafos, e é bom que se diga que prestaram um alto serviço científico e cultural ao povo da Guiné-Bissau, cartografando ao milímetro todas aquelas terras, ilhas, ilhotas, rios, mar, braços de mar, lalas, bolanhas, tabancas, savanas arbustivas, florestas-galeria, palmeirais...,  do Cacheu ao Cacine, de Bolama a Buruntuma, de Varela ao Como... Ainda hoje estas cartas são uma preciosidade.  E, para nós, amigos e camaradas da Guiné, foram e continuam a ser um extraordinário auxiliar de memória... Já há muito que nos teríamos perdido nos labirintos de memória sem estas cartas geográficas, disponíveis "on line", com grande resolução, no nosso blogue...  

Agora  o que os nossos cartógrafos, se ainda fossem vivos, nunca nos perdoariam é aquela calinada de dizer que  na escala de 1 / 50.000 um centímetro na carta corresponde a um quilómetro (*)... 

Felizmente, o meu amigo e camarada António Duarte, da CCAÇ 12, da "3ª geração" (Bambadinca e Xime, 1973/74) estava atento e topou o erro, ou não fosse ele bancário e economista: se um quilómetro corresponde a 1000 metros e cada metro tem 100 cm, 100 mil centimetros (ou seja, um quilómetro) a dividir por 50 mil são 2... centímetros! 

Não é preciso um gajo ser licenciado, mestre ou doutor para saber (e poder) fazer estas contas de cabeça!

2. Fica aqui a emenda do erro que é de palmatória!... Dou, humildemente, a mão à menina dos cinco olhinhos... como no meu/nosso tempo da instrução primária (**). 

Dito isto, não é demais realçar que as cartas da antiga Província Portuguesa da Guiné são de uma enorme  riqueza documental, em termos geográficos, E cada centímetro de papel é um passeio de 500 metros por aquelas terras onde destilámos "sangue, suor e lágrimas"... de quem guardamos algumas boas recordações da sua sua boa gente.

Nunca é demais lembrar que, sessenta / setenta anos depois,  estas cartas permitem-nos, por exemplo,  saber hoje coisas espantosas como: 

  • quais as tabancas que existiam antes da guerra (e ver depois as que foram abandonadas ou destruídas); 
  • qual o número médio aproximado de moranças ou casas (cada ponto correspondendo em geral a uma morança); 
  • as tabancas temporárias e as abandonadas;
  • as povoações "de tipo europeu" e as "indígenas" (e dentro destas, as "cerradas" e as com "arruamentos" definidos);
  • conforme o tamanho maior ou menor da letra dos topónimos, distinguir as povoações "indígenas" com mais de 50 casas, as entre 50 e 10, e as menos de 10;
  • o regulado a que pertenciam;
  • as que eram sede de circunscrição (equivalente ao nosso concelho, caso de Bafatá) e as que eram sede de posto administrativo;
  • as que, de categoria inferior a sede de circunscrição, tinham serviços de correio, telégrafo e telefone (caso de Bambadinca) e, nas fornteiras, serviços alfandegários;
  • mas também localizar as bolanhas (arrozais de regadio), as lalas (capinzais)  (de água doce e água salgada, com ou sem tufos de palmeiras), os mangais,   as florestas-galeria, as savanas arbustivas, as terras incultas... 
  • os diferentes tipos de palmeiras e palmares: palmeira-de-tara (Phoenix reclinata); palmeira de dendém (ou azeite), conforme a sua densidade: massiços consideráveis ou não desbravados; palmares desbravados com culturas diversas; 
  • mas igualmente as "pontas" (ou hortas) (que em geral eram exploradas por cabo-verdianos e europeus, e que tinham o nome do dono ou fundador: Ponta do Inglês, Ponta João Dias)... 
  • e ainda calcular distâncias entre duas povoações, por estrada ou em linha recta; estimar a largura de um rio ou o comprimento de uma bolanha...
Tudo isto, afinal,  feito ainda "no bom tempo" (anos 50 do séc. XX), ou seja, antes do vendaval da guerra em que desaparecem regulados inteiros ou em parte (alguns eu conheci: Xime, Bissari, Badora, Cossé, Corubal, Enxalé, Cuor, Mansomine, Oio,  Joladu, Ganado, Padada...) e foram abandonadas ou destruídas muitas e muitas dezenas (senão não algumas centenas) de povoações (por exemplo, ao longo da bacia do rio Corubal)... para não falar de regiões inteiras, como a de Quínara e a de Tombali, no sul (que eu só vim a conhecer depois da guerra)...

Tiro o quico, bato a pala, aos nossos valorosos e competentes cartógrafos militares. E peço, mais uma vez, desculpa pelo meu... dislate. (LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 

4 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23761: Voltamos a recuperar as antigas cartas da província portuguesa da Guiné, um dos recursos mais preciosos do nosso blogue - Parte IV: De Quinhamel a Xitole

sábado, 5 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23764: Os nossos seres, saberes e lazeres (537): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (75): Do Luso para o Bussaco (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Confesso que o que mais me interessava nesta viagem ao Bussaco era mostrar à neta aquele estranho intercâmbio entre a história, o prodígio do neomanuelino e a opulência do "deserto" dos Carmelitas Descalços, forcejaram, e foram bem-sucedidos com uma mata pontuada de capelas, ermidas e de via sacra, cuja importância foi reconhecida pela UNESCO, em 2006, como património. Preparei-me para esta itinerância lendo "Ama o precipício, viagem à Mata Nacional do Bussaco", por Susana Neves, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2022, uma história de botânica, um convento forrado de cortiça, um deserto de monges que era um verdadeiro paraíso de cervos, javalis, lebres e lobos por ali viviam livremente entre violetas, espargos, jasmins, narcisos, acantos e cardos, muita passarada saltando entre carvalhos, freixos, álamos, loureiros, plátanos, castanheiros e ciprestes. É uma viagem de eleição, não só pela exótica mistura de aromas de cedros e muitas outras árvores de montanha, como o Palace Hotel ali prantado, um dos espécimes icónicos do neomanuelino e lá ao fundo o Museu Militar do Bussaco. Como diz a autora, temos aqui uma eloquente conjugação de graça divina, natureza e arte.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (75):
Do Luso para o Bussaco


Mário Beja Santos

Está na hora de partir, aguardo que filha e neta se aprontem. Nunca perco a curiosidade de bisbilhotar os folhetos turísticos e a sua peculiar linguagem. Quanto ao Luso, diz-se que as origens da vila termal se perdem na noite dos tempos. “Idílico terreiro onde nasce e floresce a puríssima Água do Luso, apresenta-se como mágica antecâmera da esplendorosa Mata Nacional do Bussaco. Desde há quase duas centenas de anos, Luso é destino romântico de quem procurou cura, nas suas poderosas águas termais, especialmente no período romântico e durante todo o século XX por monarcas e pelas mais notáveis figuras da política e da cultura portuguesas”. E quanto ao próximo destino, o Bussaco: “Esta floresta mágica remonta ao século XVII, quando monges da Ordem dos Carmelitas Descalços aí se instalaram e se dedicaram à plantação de espécies vegetais do mundo inteiro, dando origem a uma das melhores coleções dendrológicas da Europa”. E destaca o conjunto patrimonial a visitar, o natural e construído. Sobe-se à Mata e entra-se no Convento de Santa Cruz do Bussaco. Os Carmelitas Descalços deram permissão em 1628 para aqui construir o seu “Deserto”. E no folheto informativo que me entregam consta que os frades, ao verem pela primeira vez esta paisagem, terão comentado: “Aqui é a vontade de Deus que se funde; murem este sítio, que tem ele o melhor deserto da Ordem. Porque se agora inculto, rude e tosco, é o que admiramos. Cultivado, será um paraíso terreal”. Em 1630, a maior parte do edifício do Convento estava finalizada. Estamos agora no atro do Convento, frente ao cruzeiro. Mais indicações do folheto, segundo o historiador Paulo Varela Gomes, o modelo arquitetónico deste Convento é a representação da cidade de Jerusalém, modelo seguido pelos Carmelitas na construção dos seus Desertos, sendo o Templo de Salomão o ponto nuclear desta paisagem do sagrado. É o ponto de partida para uma atmosfera onde pontificam ermidas, capelas, fontes arquitetónicas, a via sacra. Começa a viagem.
Lápide que recorda a presença do general Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington, no Convento, ele será o vencedor da batalha do Bussaco, em 27 de setembro de 1810
É comovente toda esta construção com cortiça e pequenos elementos pétreos, os embrechados, uma construção que reflete a postura austera da comunidade segundo as constituições da Ordem, há revestimento de cortiça no nártex do Convento e nos mais diferentes espaços.
Percorre-se o vestíbulo, o corredor do Claustro, temos a capela Ecce homo, confirma-se que estamos perante uma construção simples em que mesmo as manifestações decorativas não dão qualquer margem à pompa ou sumptuosidade. Entra-se pela portaria de três arcos, e a olharmos essa simplicidade, iremos ver mais tarde que ela se prolongará na decoração das portas e da cerca, da via sacra, das capelas de devoção das ermidas.
Dois pormenores da igreja
De todos os elementos escultóricos neste Convento, confesso que este trabalho oficinal, aquele panejamento barroco, o Jesus empertigado e São José de feições tão apaziguadas, o categorizo como de extrema beleza e porventura de intensa espiritualidade daquela época
Aqui ficam alguns detalhes deste Convento tão cativante, e tão bem tratado, está cheio de mística, procuro, em jeito de despedida pensar o que era o deserto dos Carmelitas Descalços da Província de S. Filipe de Portugal – assim se designava o ermitério do Bussaco, como eles aqui se prantaram a 500 m de altitude, e desataram a plantar árvores, devem ter sonhado com o Monte Carmelo nesta serra alcantilada e pluviosa, pois aqui se deu a batalha do Bussaco, Massena saiu daqui completamente desorientado e aqui ao lado temos uma joia do neomanuelino, o Palace Hotel. Vamos continuar a viagem.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23747: Os nossos seres, saberes e lazeres (536): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (74): Da Curia para o Luso (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23763: Contactem-nos, há sempre alguém que pode ajudar ou simplesmente saber acolher (2): amostra de mensagens recebidas entre setembro e dezembro de 2021


Formulário de Contacto do Blogger: disponível na coluna estática, do lado esquerdo do blogue.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Seleção de mensagens recebidas através do Formulário de Contacto do Blogger, entre setembro de 2021 até ao final do ano (*). É um veículo importante de comunicação imediata e fácil entre os leitores e os editores do blogue.

 Nalguns casos, já houve uma resposta direta dos nossos editores ou um reencaminhamento para outros destinatários. Também num caso ou noutro a mensagem pode já ter dado origem a um poste (**).

Algumas destas mensagens são extremamente lacónicas, limitando-se a cumprimentar-nos, o que de qualquer modo nos sensibiliza, mas não vamos publicá-las aqui. Noutros casos, os autores procuram antigos camaradas... Outras há que são incompletas ou imprecisas, ou têm a ver com outros territórios que não a Guiné (Angola, Moçambique, Brasil, etc.).

Evitamos, em princípio, divulgar o endereço de email de cada um destes contactos, a menos que haja interesse para o próprio (nos casos, por exemplo, em que divulga um livro ou a realização de um encontro: ou procura informação que extravasa o âmbito do blogue, o qual, como é público e notório, é centrado nos antigos combatentes da guerra do ultramar / guerra colonial, que estiveram na Guiné, no período que vai entre 1961 e 1974).

Podemos fornecer o email a quem no-lo pedir, para respostas a pedidos ou futuros contactos. Lamentavelmente, só agora, por manifesta falta de tempo, nos foi possível, selecionar, organizar e listar estas mensagens. Omitimos as expressões protocolares (saudações, cimprimentos, etc.). A lista está organizada cronologicamente por data / hora.



2021 (setembro/dezembro)

29/12/2021, 11:37

Sou de 15 de setembro 1950, venho por este meio felicitar os obreiros deste blogue simplesmente formidável. Bravo!... Fiz tropa no BENG 447,  Brá, de 1972 a
1974. Se puder ajudar em alguma coisa é de boa vontade na medida do possível sou reformado e vivo na Suíça. Americo Aflalo.

Resposta do coeditor Carlos Vinhal (que também serve para mensagens semelhantes de camaradas que manifestam interesse em integrar a Tabanca Grande):

Caro Américo Aflalo: Muito obrigado pelo teu contacto via Formulário do Blogger. Se te quiseres juntar a nós e ser admitido na tertúlia para que possas ver publicadas as tuas memória e fotos, manda-nos um mail para luis.graca.prof@gmail.com ou carlos.vinhal@gmail.com, com indicação do teu nome, posto, especialidade, unidade em que foste integrado para a Guiné (ou rendição individual se for o caso), localidades onde estiveste e outras informações que julgues úteis para te conhecermos. Deverás enviar ainda uma foto actual e outra dos teus velhos tempos de Guiné e, se quiseres, uma pequena história. Ficamos na expectativa de novo contacto teu.


22/12/2021, 21:05


Queria enviar uma mensagem a todos os meus camaradas e amigos da CCAÇ 2548.
Um grande abraço a todos amigos do 1º pelotão que me acompaharam desde 1969 a 71.
José Dias de Sousa

21/12/2021, 23:14

Eu estive na Guiné de setembro 1971 a dezembro de 1973. Estive na zona de
Teixeira Pinto no destacamento de Batuca. BCAÇ 3863, CCAÇ 3461. Jorge Reis.



5/12/2021, 13:51

Pergunto se têm conhecimento onde se encontra o meu camarada Idálio Reis, da CAÇ 2317 (Gandembel, Balana e Cansissé, 1968/69) ?

António José Silva Nabais Pinheiro  (presumivelmente a viver no Brasil, pelo seu endereço de email).


24/11/2021, 8:25


Há vidas que se esquecem, mas há recordaçºoes que perduram pro muito que se queiram esquecer. Guiné, CCAÇ 4942/72, 5 jan 73/ Out 74. Manuel João Sampaio Lima.


9/11/2021, 17:20


Mantanhas para todo o pessoal da Tabanca Grande. A propósito do fardamento, lembro-me de uma ocasião, já a minha gente tinha manga de tempo na terra sabi, ter pedido para Bissau a substituição dos mosquiteiros, que já pouco mais eram do que farrapos remendados vezes sem conta, e nos foi respondido num ríspido ofício dos serviços da administração que os ditos cujos tinham uma duração de não sei quantos anos e, portanto, os nossos ainda tinham que aguentar uns mesitos mais até poderem ser substituídos... Não houve outro
remédio, o nosso primeiro-sargento foi a Bissau comprar panos de mosquiteiro que o alfaiate mandinga de Buba transformou em mosquiteiros próprios mesmo... E. Esteves de Oliveira.


14/10/2021, 10:06

Bom dia camarada Luis Graça, sou residente no Vimeiro, concelho da Lourinhã há 43 anos pois sou natural de A dos Cunhados.. Casualmente há dias , passou por aqui um individuo à minha porta, ia visitar a campa de camarada Eduardo  Jorge. E a minha mulher chamou-me a atenção, pois o sr. andava para trás para a frente olhando para tudo. Fui espreitar à janela, e qual o meu espanto, disse para a minha mulher, conheço este sr. Fui de imediato à Net e procurei, e acertei mesmo, era o camarada e conterrâneo João Crisóstomo.

Fui à rua chamei-o e claro confirmou. Ficou muito satisfeito por o reconhecerem, falamos um pouco da nossa terra, e lá foi prestar homenagem ao Eduardo Jorge. Desculpa, mas achei que devia partilhar este momento feliz, para mim que conheci o João Crisóstomo e para ele que ficou satisfeito de o conhecerem pela Net.  Artur Eduardo Januário Inácio.


25/9/2021, 14:08

Boa tarde o meu pai fez parte dessa CCAÇ 797, na Guiné, comandada pelo Capitão Carlos Fabião, é o Manuel Marques Lamarosa, era atirador. João Manuel Marques.

19/09/2021, 12:12

Diamantino Paiva Leite, soldado condutor da CART 1526 que prestou serviço na Guine nos anos 1966 a 1968, a residir em França desde 1971. solicitou-me que soubesse algo dos seus antigos camaradas que com ele viveram esse tempo de luta na Guiné. A saúde não lhe permite aceder a estes meios. Em seu nome, o meu muito obrigado. Arlindo Moreira da Silva (ex-soldado cond, CCS / BCAÇ 1933, Guine 67/69).



9/9/2021, 19:08

Chamo-me Nuno Inácio e sou filho de um Comandante do Pelotão de Caçadores Nativos 67, Alf Mil Gil da Silva Inácio,  conhecido como "O Gringo" - Cufar, Guiné 1973.

Tomei conhecimento deste website através de um grande amigo que viu um artigo onde mencionava um Alf Mil na Guiné conhecido como "o Gringo" e como outrora lhe tinha referido essa alcunha do meu pai fui verificar e de facto é o meu pai.

Estimo informar que o meu é vivo, cheio de saúde e ainda pronto para as curvas. Neste sentido gostaria de saber se alguns dos inúmeros heróis aqui presentes e representados conheceu o meu pai, gostaria de saber mais histórias desses tempos, porque o meu pai tem algumas reservas em partilhar essas histórias e se ainda existem encontros de ex-combatentes desses GE e, em caso afirmativo, pedia o favor a V. Exas. ser notificado para o efeito. Nuno Inácio (Indica o nº de telemóvel). (**)
 

8/9/2021,19:54

Com referência ao post do camarada António Abrantes, lembro-me da emboscada e da passagem da sua companhia por Buba, onde me encontrava na altura. A companhia que fez a escolta entre Aldeia Formosa e Fulacunda foi a CCaç 411, de Buba. A atribulada viagem da CCaç 423, que ficou conhecida como a "Volta à Guiné de Camioneta", deu pano para mangas sobretudo peo final, no fim de contas era a maneira mais lógica - por via marítima. 

Se fosse possível, agradecia que o Abrantes confirmasse se o ten Carlos Afonso Azevedo (falecido em combate) fazia parte da sua companhia. E. Esteves de Oliveira.

2/9/2021, 21:09

Eu António Lopes Pereira sou o ex-1º cabo da CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832. Estive
em Mansoa, Braia e Infandre de 1970 a 1973, sou o nomero 701 da Tabanca Grande. António Lopes Pereira.



23/8/2021, 13:07

Estive na Guiné de novembro de 1966 a outubro de 1968. Na CArt 1612 / BArt 1896 até agosto de 1967, primeiro em Bissorã e depois em Buba, transitando depois para Bissau, para o Comando Chefe do CTIG:

Recebo os e-mails da vossa Tabanca, quase desde o princípio. Jorge Paes da Cunha Freire.



18/08/2021, 19:16

Caros camaradas militares: anseio por voltar ao nosso convívio; para quando está previsto - se está - o próximo encontro? Francisco Vilas Boas.



16/8/2021, 17:38


Estive na Guiné de 68/70 na 16ª Companhia de Comandos da qual em 69 o Marcelino da Mata fez parte . Um abraço a todos quanto por la passaram. Sou de Coimbra. Luis Cunha


10/8/2021, 01:04

Boa noite! Alguém por aqui do BAA 3434, 191/73, "As Avezinhas - Venham
Comigo Os fortes" ? António Martins.


10/08/2021, 09:09

 Os meus Bons Dias desde as «arábias». 
Faz hoje quarenta e nove anos (1972.08.10-2021.08.10) que vários elementos do contingente militar da CART 3494, a terceira unidade de quadrícula do BART 3873, tiveram de “mergulhar”, sem o desejarem, nas águas revoltas, escuras e lodosas do Rio Geba, na região do Xime/Bambadinca (Sector L1), onde, por efeito da falta de bom senso mesclado com alguma improvisação, perderam a vida três jovens milicianos, naquele que ficou gravado como o «Naufrágio do Geba».

Ao recuperar esta horrenda efeméride que a todos marcou, naturalmente mais aos que viveram e sobreviveram à experiência, quero prestar a minha sentida homenagem aos que pereceram naquele acidente náutico: ao José Maria da Silva Sousa, ao Manuel Salgado Antunes e ao Abraão Moreira Rosa.

Para compreender a trágica ocorrência devem-se ler os P10246; P13482 e P13494.  Jorge Araújo

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23762: Notas de leitura (1513): "Fora de Jogo", com a participação de Amadu Dafé, Claudiany Pereira, Edson Incopté, Marinho de Pina e Valdyr Araújo; Ku Si Mon Editora, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Filinto Barros deu o mote com o seu admirável Kikia "Matcho - O desalento do combatente", Flora Gomes encetava a sua carreira cineasta também reportando a injustiça de ficar esquecido enquanto combatente, vieram poetas como Toni Tcheka, depois impôs-se no firmamento literário Abdulai Silá, incompreensivelmente não editado em Portugal, na sua editora Ku Si Mon dá a mão a novos valores, outras estrelas de gerações recentes como Marinho de Pina e Amadu Dafé. São intelectuais que não estão presos ao passado, não trabalham com jargão propagandista, amassam o seu fermento numa cultura experimentada, possuem fechaduras próprias e entregam as chaves, sorridentes, aos leitores de todas as proveniências, produzem literatura luso-guineense para orgulho do seu terrunho, como dádiva sem qualquer débito à língua que trouxe o colonizador, são as trombetas do futuro, é uma geração que descobriu sem preconceitos que a sua pátria é rica em línguas nativas, tem um crioulo exuberante e um luso-guineense que os une ao mundo inteiro. É com a maior satisfação e com grande sentimento de fraternidade que os registo aqui, para blogue se enaltecer e os enaltecer.

Um abraço do
Mário



O vigor de uma expressão literária emergente: o luso-guineense (1)

Mário Beja Santos

Serve de pretexto para reflexão de uma nova geração de escritores que encontraram um modelo de comunicação o livro que rememora os 25 anos da Ku Si Mon Editora, uma iniciativa que tem por detrás o nome consagrado da literatura guineense, Adbulai Silá: "Fora de Jogo", com a participação de Amadu Dafé, Claudiany Pereira, Edson Incopté, Marinho de Pina e Valdyr Araújo, Ku Si Mon Editora, 2019.

Esta nova geração de talentos literários usa como ferramenta de comunicação um português plástico, moldado com a riqueza dos vocábulos próprios inerentes à formação do escritor, seja da Guiné, de Moçambique ou do Brasil, torcem e retorcem a língua de Camões, de António Vieira e de Fernando Pessoa, imputam-lhe a fala do coração, o orgulho da cultura-mãe, polvilham tudo de ingredientes da literatura universal: o humor cáustico, a fábula, as ternuras de infância, a crítica política e social; manipulam a topografia, as crenças, o passado colonial, remexem nos sonhos de ver os filhos prosperar, denunciam os mercados da droga, estão atentos aos fenómenos do radicalismo religioso que começam a aproximar-se da África lusófona. E por aí adiante. O produto final, é essa África misteriosa assistir à entrada em cena de um processo literário que faz transbordar a língua portuguesa para um admirável mundo novo da escrita.

Neste livrinho de contos, admirável pelo apuro desta literatura emergente, temos uma clara demonstração de gente nova que está a dilatar todo o horizonte de uma das línguas mais faladas do mundo, como se pode ler na apresentação destes textos:
“Cá estão Zé Ntchabré e o seu séquito de crocodilos vindos das lamas do fundo do rio Mansoa, a noiba Nnani e o Capitão Tuga. De Paunca veio a intrépida Nni, carregada de mistérios, segredos e mezinhas anti-bala, e recém-chegados da Embaixada, um pai e um filho radiantes agitam dois livrinhos verdes trocados por um rebanho de vacas, radiantes porque com eles na mão vão já para a terra-branco colher dinheiro do chão. Para grande danação da Dona Saba, Isnaba não para de contar histórias de ratos, mas Marinho N’fanda e Rita Alexandra não ligam nenhuma, apaixonados como estão para além do tempo e da regulundadi. Depois de uma explosão, alguns diziam que tinham visto um espetro coberto por uma capa a correr na escuridão e uma menina que não queria descer da árvore das pitangas, e no meio disto tudo, Baltasar vagueava numa dócil liberdade com um bolo-rei na mão”.

A capa desta edição comemorativa é de Antão de Almeida-Garret (Katalá).

O primeiro conto intitula-se "A colheita" e é de Marinho de Pina, narra o filho que tinha um pai aberto à inveja, mas crédulo e inocente e com muitos sonhos em ponto de rebuçado, ambicionava ir para a terra-branco para colher dinheiro. Os sonhos têm obstáculos de premeio, era preciso passaporte, um crápula tudo fez para extorquir os réditos do pai, os passaportes ficaram por várias vacas, custaram muitas amarguras e no fim daquele sugadouro pai e filho chegam a Portugal, estão prontos para colher dinheiro, apanham táxi à saída do aeroporto, vão para Chelas Jota. O filho vai banzado com tanta construção, questiona-se que fazem aquelas pessoas a dormir debaixo das pontes, se há tanto dinheiro, porque não têm eles casas para dormir. O final do conto é uma preciosidade, remate brilhante para fábula, parábola, literatura da paródia que mais amarga não pode ser:
“Quando entrámos em Chelas, ouvimos barulhos que pareciam tiros. O taxista então parou o carro, disse-nos que tínhamos chegado, deixou-nos numa rua escura qualquer, depois de uma hora de viagem e depois de nos ter cobrado muito dinheiro (na altura eu não sabia que Chelas ficava perto do aeroporto e que o taxista nos tinha enganado). Ao subirmos a rua, vi então debaixo de um banco, no passeio, alguns maços de dinheiro espalhados e uma pessoa deitada na relva perto dos mesmos. Pensei então se calhar colhia-se mesmo dinheiro, porque não tinha sentido nenhum alguém estar deitado perto de tanto dinheiro e não se preocupar em colhê-lo. Se calhar devia estar já farto de colher. Apontei então os maços ao meu pai e fiz tenção de os ir colher, mas ele segurou-me e disse-me:
- Calma, acabámos de chegar. Vamos primeiro descansar, amanhã começamos a colher”.


O segundo conto chama-se "A Pitangueira da Vizinha", de Claudiany Pereira (a pitangueira é uma árvore de frutos adocicados). Fala-se de uma menina, “sete – já – quase – oito anos” que saltava para a pitanga da vizinha, senhora de seu nariz que não gostava daquelas travessuras. A dita senhora em Sexta-feira Santa teve forte briga com o marido, não era dia de carne e ele replicou que iria assar uma costela na churrasqueira, tudo para a vizinhança inteira ver, ela, iracunda, chama-lhe velho herege. “O vizinho, um homem respeitado na redondeza, era um senhor daqueles que a gente olhava e achava que já havia nascido velho. Ele mantinha a cara sempre fechada. Carrancuda mesmo. E gostava menos do que a vizinha de ver a miudagem correndo em volta do jardim. Uma vez, fiquei sabendo, o seu Urbano correu do pátio dele a bengaladas um bando de guris (crianças) que estavam – vejam só! – cobiçando as pitangas daquela árvore carregada de frutinhas”.

E a beleza vem no desfecho do conto, pitanga com muita ternura:
“Não é que o que tinha que acontecer um dia aconteceu, e foi, ainda, na Sexta-Feira-Santa! O marido decidido a comer um pecaminoso bife malpassado abriu a porta, inesperadamente, sem me dar chance, ao menos, de preparar uma boa desculpa, ou de fazer aquela cara de quem peca pela primeira vez e já está, de antemão, arrependida. Simplesmente ele abriu a porta e, pasmem! Deu de cara comigo, que não era invisível, bem defronte à porta da entrada lateral da casa, me lambuzando em pitangas enquanto ele resolvia um problema filosófico existencial sobre a representação sagrada entre mamíferos e peixes. Eu não era como os super-gémeos, nem podia me transformar em um fio d’água como os heróis faziam nos desenhos animados que eu assistia tevê. Eu era eu, sete – já – quase – oito anos, bem sentada na árvore a comer, assim como Eva, o fruto proibido. Foi nesse dia que aprendi que na Sexta-Feira-Santa as pessoas também podem exercitar o perdão. O seu Urbano, passada a surpresa, sacudiu a cabeça em desacordo, vestiu o chapéu cinzento de feltro e saiu pelo portão de ferro azul: mãos atrás das costas, cabeça baixa, passos firmes, sem me dar um fito sequer”.

(continua)

Marinho de Pina
Amadu Dafé
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23751: Notas de leitura (1512): "O Negro Sem Alma", romance de Fausto Duarte, 1935 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23761: Voltamos a recuperar as antigas cartas da província portuguesa da Guiné, um dos recursos mais preciosos do nosso blogue - Parte IV: De Quinhamel a Xitole

Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Uma das mais belas piscinas naturais  do mundo... Foto do álbum do Arlindo Roda (ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Arlindo Roda (2010).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Bafatá > Carta de 
Contabane (1959) > Escala 1/50 mil > Detalhes: Saltinho, rápidos do Saltinho, Rio Corubal, Contabane, Cansamange... 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)



As cartas da antiga Província Portuguesa da Guiné são de uma enorme  riqueza documental, em termos geográficos,  e a um escala (1/ 50 mil) em que cada centímetro corresponde a meio quilómetro 
 (ou quinhentos metros)... 

Nomeadamente, permite-nos, por exemplo,  saber hoje (vd. sinais convencionais):

  • quais as tabancas que existiam antes da guerra (e ver depois as que foram abandonadas ou destruídas); 
  • qual o número médio aproximado de moranças ou casas (cada ponto corresponde em geral a uma morança; 
  • as temporárias e as abandonadas;
  • as povoações "de tipo europeu" e as "indígenas" (e dentro destas, as "cerradas" e as com "arruamentos" definidos);
  • conforme o tamanho da letra, as povoações "indígenas" com mais de 50 casas, as entre 50 e 10, e as menos de 10;
  • o regulado a que pertenciam;
  • as que eram sede de circunscrição (equivalente ao nosso concelho) e as que eram sede de posto administrativo... 
  • mas também localizar as bolanhas (arrozais de regadio), as lalas (capinzais)  (de água doce e água salgada, com ou sem tufos de palmeiras), os mangais,   as florestas-galeria, as savanas arbustivas, as terras incultas... 
  • os diferentes tipos de palmeiiras e palmares: palmeira-de-tara (Phoenix reclinata(; palmeira de dendém (ou azeite), comforme a sua densidade: massiços consideráveis ou não desbravados; palmares desbravados com culturas diversas; 
  • mas igualmente as "pontas" (ou hortas) (que em geral eram exploradas por cabo-verdianos e europeus, e que tinham o nome do dono ou fundador: Ponta do Inglês, Ponta João Dias)... 
  • e ainda calcular distâncias entre duas povoações, por estrada ou em linha recta; estimar a largura de um rio ou o comprimento de uma bolanha...

Tudo isto feito ainda "no bom tempo" (anos 50 do séc. XX), ou seja, antes do vendaval da guerra em que desaparecem regulados inteiros ou em parte (alguns eu conheci: Xime, Bissari, Corubal, Enxalé, Cuor, Mansomine, Oio,  Joladu, Ganado, Padada...) e foram abandonadas ou destruídas muitas e muitas dezenas (senão não algumas centenas) de povoações (por exemplo, ao longo da bacia do rio Corubal)... para nao falar de regiões inteiras, como a de Quínara e a de Tombali, no sul (que só conheci depois da guerra)...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)

1. Estamos a recuperar os "links" ou as "URL" das cartas (ou mapas) da Guiné, dos Serviços Cartográficos do Exército, que estavam alojadas desde finais de 2005 na antiga página pessoal do editor Luís Graça ("Saúde e Trabalho - Luís Graça")cujo servidor era o da Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade NOVA de Lisboa (ENSP / NOVA). Mais concretamente estavam alojadas numa pasta institulada "Luís Graça e Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Colonial"...

As cartas (ou mapas) da Guiné e os demais recursos dessa página estavam acessíveis a partir do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Com o fim da página pessoal do nosso editor, em 2022, passam doravante a poderem ser consultadas, de novo, "on line", no nosso blogue, mas a partir do Arquivo.pt.(https://arquivo.pt):

Arquivo.pt (criado e mantida pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia)  permite  "a preservação da informação publicada na Web portuguesa para que o conhecimento nela contido esteja acessível às nossas gerações futuras"... e continue a estar disponível para todos (incluindo os investigadores das mais diversas áreas disciplinares, da linguística à história, da sociologia à literatura, da geografia à etnografia, da ecologia à economia)... E, naturalmente, para os leitores do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné a quem se destinam, em primeiro lugar, estas cartas ou mapas.


2. Continuamos a repor as nossas preciosas cartas (ou mapas) da Guiné (Escala 1/50 mil), por ordem alfabética, agora alojados no Arquivo.pt. É só carregar no link. (Também podem ser descarregados e guardados no computador do leitor.)

No final desta série continuarão a estar disponíveis na coluna estática do blogue, do lado esquerdo. Por enquanto (e até a uma próxima actualização), esses links continuam quebrados, bem como todos os topónimos que até agora (ou até há alguns meses) usavam os links antigos, quando estavam alojados na página da ENSP/NOVA. Aqui vão os novos links, das cartas (de  Q a X):

Cartas (ou mapas) da antiga Guiné  Portuguesa 
(Escala 1/ 25 mil) (De Q a X)


Quinhamel (1952) (Inclui Quinhamel, Ilondé...)

Saltinho / Contabane (1959) (Carta de Contabane, Saltinho, rio Corubal...)

Sedengal (1953) (Inclui Sedengal, Ingoré, rio Cacheu, fronteira com o Senegal...)

Susana (1953) (Inclui Susana, fronteira com o Senegal...)

São Domingos (1953) (Inclui S. Domingos, rio Cacheu, fronteira com o Senegal...)

São João (1955) (Inclui Bolama, São João, Nova Sintra, rio Grande de Buba...)

Teixeira Pinto (1953) (Inclui Teixeira Pinto, Catequisse, Bassarel, Bachile...)

Tite (1955) (Inclui Tite, Jabadá, rio Geba, Bindoro, Chuhué, Dugal...)

Varela (1953) (Inclui Varela, fronteira com o Senegal, 

Xime (1955) (Inclui Xime, rio Geba, rio Corubal, Enxalé...)

Xitole (1955) (Inclui Xitole, rio Corubal, Buba, Nhala, Mampatá. Aldeia Formosa...)


3. Fica aqui, mais uma vez, a nossa homenagem aos nossos valorosos cartógrafos militares portugueses. A cartografia portuguesa deu cartas (no duplo sentido do termo) ao mundo, é bom é dizê-lo.

Estas cartas da Guiné são pequenas obras-primas, resultantes do minucioso e aturado levantamento efectuado aos longo dos anos 50 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N.H. Mandovi e do N.H. Pedro Nunes. 

A fotografia aérea foi da responsabilidade da Aviação Naval. O trabalho de restituição, por seu turno,  foi feita pelos Serviços Cartográficos do Exército. As fotolitografias e a impressão foram feitas em várias casas, de Lisboa, Porto, V.N. Gaia: Litografia de Portugal, Papelaria Fernandes, Arnaldo F. Silva... 

A imagem em geral é  de boa qualidade, graças também à fotolitografia de casas como a  Papelaria Fernandes e a  António F. Silva (em geral, são os melhores trabalhos, os destas casas)… e à posterior digitalização feita na Rank Xerox. 

A imagem original tem 10 MB. Como habitualmente, a imagem que está disponível "on line" foi reduzida a um 1/3 da dimensão original…

A edição é da antiga Junta das Missões Geográficas e Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar.  

Convirá recordar que a sua paciente digitalização foi efectuada pelo Humberto Reis na Rank Xerox, em 2006. (Ele não nos disse quanto pagou, mas não deve ter sido barato...). Eu passei cada um destes pesadíssimos ficheiros (10 ou mais Mb) para outros mais leves (da ordem dos 2 Mb), procurando manter a qualidade da imagem (que tem alta resolução)...

Ao Humberto Reis, nosso mecenas,  mais uma vez a nossa gratidão pela sua generosidade (todo este trabalho foi pago do seu bolso) e a nossa homenagem ao seu carinho pela Guiné-Bissau e pelos guineenses. Não é por acaso que ele é o nosso "cartógrafo-mor" e colaborador permanente, desde então. (*)
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quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23760: Recortes de imprensa (124): Homenagem a Fernando Cepa e inauguração de obras de requalificação do Pavilhão Gimnodesportivo de Mar, com a devida vénia aos jornais; Farol de Esposende e Correio do Minho

1. O nosso camarada Fernando Cepa, (ex-Fur Mil Art da CART 1689/BART 1913, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) cidadão do Concelho de Esposende, foi e é uma pessoa activa, ligado aos assuntos que interessam aos Antigos Combatentes e à Cultura e Desporto na sua freguesia de Mar.

A sua dedicação à causa pública foi devidamente reconhecida numa homenagem que lhe foi prestada no passado dia 15 de Outubro, quando foi dado o seu nome ao Pavilhão Gimnodesportivo de Mar que foi recentemente alvo de obras de requalificação. Ao acto esteve presente o senhor Presidente da Câmara de Esposende, Benjamim Pereira.

Seguem-se, com a devida vénia, recortes dos jornais Farol de Esposende e Correio do Minho que dedicaram algumas colunas ao acontecimento.


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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23339: Recortes de imprensa (123): Bubaque: alterações climáticas e educação ambiental (Excertos de reportagem de Carla Tomás, Expresso, 18 de abril de 2019, com a devida vénia...)